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O benefício assistencial (LOAS) ao portador de deficiência menor de 14 anos

O benefício assistencial (LOAS) ao portador de deficiência menor de 14 anos

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SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Requisitos para obtenção do benefício assistencial; 3. Do benefício assistencial ao idoso; 4. Do benefício assistencial ao deficiente; 5. Do benefício assistencial ao menor portador de deficiência; 6. Conclusão


1. Introdução

Logo de início, cumpre dizer que não se trata o presente artigo de estudo profundo ou definitivo sobre o tema. Ao contrário, com ele busca-se tão-somente instigar o leitor a refletir sobre ponto que freqüentemente passa desapercebido para aqueles que lidam, diariamente, com a Previdência e a Assistência Sociais.

Com efeito, o benefício assistencial, na forma do artigo 203, V, da Constituição da República, regulamentada pela Lei n.º 8.742/93, é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Nesse sentido, conforme se verá adiante, a lei considera deficiente a pessoa incapaz para o trabalho e para a vida independente. Vale dizer, seria aquela pessoa que, em razão de sua deficiência, não tem condições de trabalhar e que depende, para praticar os atos ordinários da vida (higiene pessoa, locomoção etc), do auxílio de terceiros.

É essa a pessoa que, juntamente com o idoso, é alvo da proteção legal.

Contudo, em relação ao menor de 14 anos, cujo trabalho, por força da própria Constituição da República (artigo 7º, XXXIII, da CR/88), é vedado, tal conceito de deficiência é insuficiente. Afinal, nesse sentido, toda criança seria incapaz para o trabalho e, dependendo da idade (pense-se em um recém nascido), para viver de forma independente.

Apesar disso, não se pode olvidar que o legislador não previu tal benefício para criança, pelo simples fato de o ser. Não. O benefício assistencial é devido tão-somente aos deficientes e aos idosos.

Nesse contexto, mister se faz investigar qual o conceito de incapacidade a ser considerado quando se tratar de uma pessoa menor de 14 anos. Noutros termos, qual o nível de deficiência que a criança precisa ter para fazer jus ao benefício assistencial?

É essa a pergunta que o presente artigo busca, despretensiosamente, responder.

Para tanto, de início, fixar-se-ão os requisitos para obtenção do benefício assistencial, genericamente, em relação ao idoso e ao deficiente para, só então, acurar vista no tema proposto. Iniciem-se, então, os trabalhos.


2. Requisitos para obtenção do benefício assistencial

Situada no capítulo da Constituição da República de 1988 destinado à Seguridade Social (Título VIII, Capítulo II)), a Assistência Social, não por acaso, encontra-se em Seção diversa da destinada à Previdência Social.

De tal separação sistemática, como sói acontecer em qualquer diploma legal, decorrem conseqüências hermenêuticas.

De início, pode-se dizer que a Assistência Social é regida por princípios diferentes dos que norteiam a Previdência. Senão se veja.

Em relação à Previdência Social, preceitua a Constituição:

Art. 201 – A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...)

Trata-se, portanto, de um sistema destinado àqueles que, em regra [01], contribuíram, direta ou indiretamente, para sua manutenção.

A Constituição, contudo, em relação à Assistência Social, diz:

Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...)

Vê-se, pois, que a Assistência Social tem um escopo diverso da Previdência. Enquanto esta protege o trabalhador ou, em alguns casos, mesmo não o sendo, aqueles que contribuem para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a Assistência Social visa a proteger qualquer pessoa que dela necessitar, independentemente de contribuição.

Trata-se, portanto, de benefício que tem por meta resguardar aqueles que, por uma situação adversa, não têm condições de manterem a própria subsistência. Protege, em outras palavras, o miserável, que, por isso, não teve condições de contribuir para a Previdência Social. Com isso, tenta-se fazer com que, mesmo eles, tenham acesso ao mínimo necessário para usufruírem dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, dentre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana.

É por isso que esse mesmo artigo da Constituição previu:

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A lei que trata do benefício assistencial (8.742/93) será analisada logo a seguir. Todavia, desde já, vale uma ressalva: justamente por ser benefício que independe de contribuição, sua concessão deve-se dar com todos os cuidados possíveis para se garantir que atinja tão-somente aqueles que, de fato, dele necessitam.

Para tanto, a Constituição da República, no dispositivo legal acima transcrito, já delineou os contornos de quem seriam os necessitados que fariam jus ao benefício assistencial em apreço. Reservou, no entanto, à lei a tarefa de regulamentá-lo.

No entanto, enquanto não adveio a lei específica acerca do tema, o artigo 139 da Lei n.º8.213/91 garantiu a concessão do benefício, denominando-o de Renda Mensal Vitalícia.

Eis, então, que, em 1993, foi aprovada a Lei 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), que, em seu artigo 20, dispõe:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.

§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do Idoso ou do portador de deficiência ao benefício.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. (...)

Vale dizer, para fazer jus ao benefício assistencial, a pessoa precisa preencher dois requisitos básicos:

1º) Ser maior de 65 anos [02] de idade ou ser incapaz, total e permanentemente, para a vida independente e para o trabalho;

2º) ter uma renda per capta familiar inferior a ¼ do salário mínimo.

O segundo requisito, atinente à renda, justifica-se por ser o amparo social um benefício excepcional, um último recurso que deve ser concedido às pessoas em total situação de miserabilidade.

De maneira correta, não se exige filiação pretérita à Previdência Social, porque esse benefício não exige contraprestatividade.

Nesse entendimento, a pessoa portadora de deficiência, ou idosa, não necessita comprovar a qualidade de segurado da Previdência Social, quer atual, quer passada.

Basta à concessão do benefício prova da deficiência ou da idade, e a miserabilidade. [03]

Cabia ao legislador ordinário, em razão da redação do inciso V do art. 203 da Constituição, eleger os beneficiários da Assistência Social, e este optou por estabelecer um critério objetivo, qual seja, a comprovação de renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo per capita.

Vale destacar, neste ponto, que a utilização de tal critério foi considerada legítima pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar improcedente a ADIn 1232/D, declarando-se, assim, a constitucionalidade do art. 20 da lei 8.742.

O objeto do presente artigo, contudo, não é tratar do requisito referente à renda do beneficiário, motivo pelo qual se passa a analisar especificamente a situação pessoal que deve possuir o mesmo para fazer jus ao benefício.


3. Do benefício assistencial ao idoso

Este requisito é de fácil constatação. Basta que o requerente possua a idade mínima de 65 anos (artigo 34 da Lei 10.741/2003) para preenchê-lo.

Trata-se de requisito objetivo. Vale dizer, nesse caso, o beneficiário não precisa comprovar que é incapaz para o trabalho ou para manter-se por si só.

Basta demonstrar que o grupo familiar [04] a que pertence possui renda per capita igual ou inferir a ¼ do salário mínimo e que não haja pessoa da família capaz de prover a subsistência do idoso. Vale lembrar, ainda, que o benefício assistencial não é acumulável com nenhum outro benefício previdenciário ou de outro regime (§4º do art. 20 da LOAS).

Por fim, destaque-se que o benefício assistencial ao idoso, e só ele, é excluído da contagem para se apurar a renda per capita familiar para se conceder um outro benefício assistencial ao idoso. Vale dizer, um grupo familiar composto por dois idosos pode gerar um benefício assistencial para cada.

É o que dispôs o parágrafo único do artigo 34 da Lei n°. 10.741/2003:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.

Trata-se de norma que buscou proteger especificamente os idosos, justamente por isso chamado o diploma legal pertinente de Estatuto do Idoso. Não se excluiu, portanto, qualquer outro benefício da contagem. Mesmo o benefício assistencial percebido por deficientes é levado em consideração para apuração da renda per capita familiar, já que não há norma legal que autorize a sua desconsideração.

A 1ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia havia concedido liminar nos autos da Ação Civil Pública n° 2004.38.03.003.762-5, determinando que o INSS, em âmbito nacional, não considerasse, para efeito de cálculo da renda familiar do benefício assistencial, tanto para os idosos quanto para os deficientes, qualquer benefício de valor igual ao salário mínimo já concedido a outro membro do grupo familiar.

Todavia, desta decisão foi interposto o competente agravo de instrumento (nº 2004.01.00.024.183-9), em que o Relator, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, concedeu efeito suspensivo, tendo em vista que "a decisão guerreada aparentemente estaria colidindo com o disposto no art. 16 da Lei n° 7.347/85, na redação da Lei n° 9.494/97, no que diz respeito aos limites territoriais da jurisdição do seu eminente prolator, Subseção Judiciária de Uberlândia, ainda que com fulcro em precedente do colendo TRF-4ª Região".

Além disso, o Relator ponderou:

Por outro lado, parece ter ampliado o conteúdo do dispositivo excepcional da Lei n° 10.741/2003, art. 34, parágrafo único, já que, regra contida num texto legal cujo artigo 1º limita o alcance de seu conteúdo a uma única classe ou categoria, verbis:

"É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos"

Ora, levando em conta que o art. 203, V, da Carta Política de 1988, ao estabelecer um benefício mínimo distinguiu a pessoa portadora da deficiência como categoria diversa do idoso e remeteu à lei a forma de comprovação da ausência de meios de prover à própria manutenção, em tese, pelo menos para fins de exame vestibular de pleitos dessa natureza, mormente na amplitude de uma Ação Civil Pública, ainda que fosse nos limites do art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação vigente, é de se entender, à primeira vista, que é possível a coexistência, distinta, do disposto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 (LOAS) e o parágrafo único do art. 34, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ou para categoria outra que não de idoso (portador de deficiência) computa-se para obter o limite mínimo de renda familiar per capita todo e qualquer valor de benefício, inclusive, da própria LOAS, enquanto que, no caso de benefício, apenas para o idoso, em face da regra especial exclui-se desse cômputo da renda o benefício concedido a outro integrante da mesma família.

Impressiona, ainda, a expressão "...nos termos do caput..." contida o parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003, pois leva a crer, pelo menos no rápido e sumário exame a que se submetem pedidos liminares, que a lei mantém mesmo para o idoso, no exame da viabilidade do pedido do Benefício Assistencial da Lei nº 8.742/93, o cômputo integral do art. 20, § 3º, inclusive de benefício idêntico assistencial, quando verbi gratia algum outro membro do grupo familiar perceber tal benefício na qualidade de portador de deficiência, excluindo dessa soma tão somente se outro membro recebe benefício assistencial exclusivamente por ser idoso.

Dessa forma, vale dizer que, num exame singelo, sem o aprofundamento que se exige quando do julgamento de mérito de uma lide, ao incluir no alcance do permissivo excludente do art. 34 do Estatuto do Idoso, também a requerimentos de beneficio para portadores de deficiência, a decisão ora impugnada acabou, em princípio, olvidando do disposto no art. 2º, § 2º do Decreto-lei nº 4.657/42 – Lei de Introdução ao Código Civil - ao considerar modificada a norma geral, ou seja, o art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93 pelo parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003, norma especial.

Finalmente, é de se ter em vista que o Benefício Assistencial não se confunde com o Beneficio Previdenciário, pelo que, não vejo, pelo menos por ora, como incluir na expressão " O beneficio já concedido..." do art. 34, o beneficio previdenciário, como se ambos fossem da mesma natureza jurídica.


4. Do benefício assistencial ao deficiente

O § 2º do artigo 20 da LOAS definiu o que se entende por pessoa portadora de deficiência:

"§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho".

Se esses pressupostos não estiverem presentes ou comprovados no caso concreto, torna-se impossível a concessão do benefício assistencial em apreço.

Ressalte-se que a lei estabelece como requisito para a concessão do benefício assistencial que seu postulante seja portador de incapacidade laborativa e, concomitantemente, de incapacidade para os atos da vida independente, sob pena de estar-se dando à lei interpretação diversa do espírito que orientou sua feitura. Se o legislador pretendesse estipular como requisito tão-somente a incapacidade para o trabalho, não teria incluído a conjunção aditiva "e", mas uma conjunção alternativa, ou simplesmente omitiria a expressão "incapacidade para a vida independente".

Vale dizer, a incapacidade deve ser tanto para o trabalho quanto para vida independente (higiene pessoal, locomoção etc). Tal situação deve ser apurada por perícia médica a ser realizada pelo INSS. Como bem observa o Procurador Federal Hermes Arrais:

No âmbito previdenciário exige-se menos; qualquer segurado que esteja incapacitado, de forma total, para o exercício da atividade laborativa (não para a vida independente), faz jus ao auxílio-doença (caso a incapacidade seja temporária), ou à aposentadoria por invalidez (se permanente a incapacidade).

No pertinente ao benefício assistencial não basta a incapacidade laborativa, porque a lei impõe incapacidade também para a vida independente.

A exigência é maior porque o benefício da LOAS é ofertado sem que haja qualquer contraprestação do beneficiário. É a sociedade que assume a obrigação inviável à família, ao passo que o benefício previdenciário exige contraprestação pecuniária (contribuição) e carência (conforme o caso). [05]


5. Do benefício assistencial ao deficiente menor de 14 anos

Eis que se chega ao objeto do presente artigo.

Se a lei exige que o postulante seja incapaz para o trabalho, como aferir a deficiência de menores de 14 anos, cujo trabalho, por força da Constituição, é vedado? Não seria ele, de certa forma, inapto para o trabalho?

Atente-se, neste ponto, que o benefício assistencial é devido ao idoso e ao portador de deficiência. Não há previsão normativa alguma em favor do menor pelo simples fato de o ser.

Mas e se o menor for deficiente físico?

No âmbito administrativo, assegura-se às crianças e adolescentes portadores de deficiência, desde que comprovem que sua família é incapaz de prover a sua subsistência, a concessão do benefício, na forma da Instrução Normativa n.º 95, artigo 619, §1º.

Judicialmente, contudo, a questão suscitou polêmica. Alguns magistrados chegaram a sustentar que, como toda criança é incapaz para o trabalho e para a vida independente, não fariam elas jus ao benefício em apreço.

De fato, a premissa é correta. Afinal, "uma criança que nasça sem as duas pernas é tão incapaz para a vida independente quanto um recém-nascido íntegro, sadio, fisicamente perfeito" [06].

No entanto, a lei é clara ao dizer que o benefício assistencial é devido tão-somente aos deficientes, e não às crianças sadias.

Todavia, isso não resolve a questão. Uma indagação ainda persiste: se a lei considera deficiente a pessoa incapaz para o trabalho e para a vida independente, como aferir tal deficiência quando se tratar de uma criança? Todas elas não se enquadrariam nesse conceito? Esse é o problema que o presente artigo busca debater.

A lei não traz solução para a dúvida. Cumpre, então, perscrutar os princípios que regem o benefício em análise.

De início, como não poderia deixar de ser, lance-se vista sobre a Constituição. Conforme já visto, a Lei Maior diz que a Assistência Social é voltada para os que dela necessitam. Em seguida, diz que se garantirá o benefício pecuniário em comento ao idoso e ao deficiente que comprovem ser incapazes de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Em se tratando de criança menor de 14 anos, vedada que é de trabalhar (artigo 7º, XXXIII, da CR/88), não há que se falar em capacidade de prover a própria subsistência. É a sua família quem deve fazê-lo. Se esta não o conseguir, na forma da lei, o benefício será devido, desde que o menor seja considerado deficiente físico.

Cabe, agora, indagar a razão pela qual o legislador deferiu a benesse ao deficiente, e não às crianças genericamente consideradas, já que todas elas não trabalham (ou não deveriam...).

A justificativa ressai da própria consciência popular. Por óbvio, uma criança deficiente exige cuidados profissionais e uma atenção especial da família diferentes de uma sadia.

Quando se trata de uma criança saudável, a lei considera que a família, mesmo em situação precária, pode trabalhar para sustentá-la. Para tanto, utiliza dos recursos por todos conhecidos: creches, escolas infantis, revezamento de familiares no cuidado dos filhos etc.

Já em se tratando de uma criança deficiente, exige-se, muitas vezes, bem mais da família. Freqüentemente um dos pais, ou ambos, vêem-se obrigados a se afastarem do trabalho, mesmo contra a vontade, para se dedicarem pessoalmente ao seu cuidado. Noutros termos, a criança deficiente acaba por reduzir, muitas vezes, a própria capacidade laboral de sua família.

É essa a razão pela qual se confere o benefício assistencial ao deficiente, seja ele maior ou menor de idade.

Não se trata de aferir se o deficiente é ou não incapaz para o trabalho, simplesmente. A lei é expressa ao dizer que a deficiência deve culminar, também, na incapacidade para a vida independente. Isso porque, nesse caso, alguém da família deverá furtar-se de trabalhar, parcial ou totalmente, para auxiliar aquele que não consegue, por si só, viver.

É claro que um bebê, por exemplo, mesmo são, também não o consegue. Mas, conforme já dito, uma criança deficiente exige bem mais cuidados, além de gastos médicos periódicos.

De todo o exposto, pode-se dizer que a deficiência de uma criança, para ensejar o benefício assistencial em comento, deve ser tal que comprometa a sua família de forma diferente do que ocorreria com uma criança sadia.

E o que uma criança saudável normalmente faz? Brinca, estuda, alimenta-se, a partir de certa idade, sozinha, anda, corre, tudo isso sem grandes gastos médicos regulares ou cuidados especiais da família.

Se uma criança, por exemplo, possuir uma redução parcial em sua capacidade auditiva ou visual, mas, com o uso de um aparelho de surdez ou de lentes corretivas, consegue viver plenamente sua vida de criança (estudando e brincando sem maiores problemas), não será ela alvo do benefício assistencial em apreço.

A deficiência, na verdade, deve ser tal que prejudique a vida relativamente normal da criança e de sua família. Só assim será a mesma considerada deficiente para os fins aqui analisados.

É nisso que reside a razão pela qual uma criança pode ensejar a concessão do benefício assistencial enquanto outras, não.

Não se quer, com isso, restringir indevidamente um direito constitucionalmente assegurado, mas, sim, fazer com que ele alcance quem, de fato, deve ser protegido.

Afinal, para se tratar de forma desigual alguém, deve ele enquadrar-se em uma situação ou condição também desigual.


6. Conclusão

A partir dessa breve análise dos princípios que norteiam a assistência social, pode-se dizer que a razão pela qual se concede à pessoa portadora de deficiência um benefício pecuniário não é simplesmente o fato de não poder ela trabalhar. Exige-se, também, que ela necessite de um auxílio especial, diferente dos demais, para poder viver.

Considerando que tal benefício atinge apenas pessoas que estejam em uma situação peculiar, não se pode, por óbvio, concedê-lo generalizadamente para pessoas absolutamente normais, sob pena de burla ao próprio escopo constitucional.

Nesse sentido, uma criança sadia, posto que incapaz para o trabalho e para a vida independente, como geralmente é, não fará jus à benesse. Afinal, é obrigação de sua família sustentá-la.

Contudo, quando essa criança for, em razão de uma deficiência física, diferente das demais, exigindo maior cuidado, gastos e dedicação por parte de sua família, o benefício assistencial será devido.

Eis, então, que se descortina o nível da deficiência que a criança deve ser portadora para ensejar essa especial atenção do Estado – ela deve ser tal que impeça que a mesma viva de forma normal, exigindo, inclusive, que sua família se afaste, ao menos parcialmente, do trabalho para dela cuidar. Poder-se-ia dizer, inclusive, que a dificuldade econômica que a família da criança passa decorre, em grande parte, dessa especial condição física.

Se, ao contrário, a deficiência da criança, seja por seu diminuto grau de extensão, seja por ser corrigida facilmente por algum procedimento ou tecnologia (ex.: prótese, aparelhos auditivos, lentes corretivas etc), não for suficiente para tornar a vida da mesma e de sua família diferente das demais, o benefício não será devido.


Notas

  1. O trabalhador rural que trabalha em regime de economia familiar para sua própria subsistência, chamado, por isso, de segurado especial, é dispensado de contribuir para previdência social para fazer jus aos benefícios pertinentes. "É o produtor, parceiro, meeiro ou arrendatários rurais, o pescador artesanal e seus assemelhados, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de dezesseis anos de idade ou a eles equiparados, desde que trabalhem comprovadamente com o grupo familiar respectivo" (TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário: Regime Geral de Previdência Social e Regimes Próprios de Previdência Social. 9ª edição, rev. ampl. e atualiz. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 59).
  2. O Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003), em seu artigo 34, reduziu, de 70 para 65 anos, a idade mínima para obtenção do benefício. Antes disso, a Lei n.º 9.720/98 (MP n.º 1.599/97), dando nova redação ao artigo 38 da Lei n.º 8.742/93, havia reduzido a idade mínima para 67 anos.
  3. ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 4ª ed. rev. e atual. com obediência às leis especiais e gerais. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2009. p. 567.
  4. O §1º do artigo 20 da Lei 8.742/93 elegeu, para definir o grupo familiar, a relação constante do artigo 16 da Lei n.º 8.213/91, desde que vivam sob o mesmo teto.
  5. Op. Cit. P. 569.
  6. ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 4ª ed. rev. e atual. com obediência às leis especiais e gerais. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2009. p. 570.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, Danilo Cruz. O benefício assistencial (LOAS) ao portador de deficiência menor de 14 anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2735, 27 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18114. Acesso em: 24 abr. 2024.