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Os títulos nos concursos públicos

Os títulos nos concursos públicos

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A Constituição Federal de 1988 consagra o acesso aos cargos públicos mediante concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei (art. 37, inciso II).

Nos termos do art. 11, da Lei nº 8.112/1990, "o concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira".

O Decreto nº 6.944, de 7 de Agosto de 2009, também dispõe sobre concursos públicos, consagrando algumas normas sobre os títulos:

"Art. 13.  O concurso público será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuser a lei ou o regulamento do respectivo plano de carreira. 

§ 1º  Quando houver prova de títulos, a apresentação destes deverá ocorrer em data a ser estabelecida no edital, sempre posterior à da  inscrição no concurso, ressalvada disposição diversa em lei. 

§ 2º  A prova de títulos deverá ser realizada como etapa posterior à prova escrita e somente apresentarão os títulos os candidatos aprovados nas etapas anteriores ou que tiverem inscrição aceita no certame.

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As normas citadas, todavia, não estabelecem um percentual máximo ou mínimo dos títulos, nos concursos públicos, ficando a critério da lei ou regulamento ou, ainda, do edital do certame, fixar os percentuais, valores ou pontos que serão atribuídos aos títulos.

Apesar de alguns doutrinadores recomendarem a observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não existe uma regra, um patamar, um percentual mínimo ou máximo para os títulos, como foi fixado para as vagas destinadas às pessoas portadoras de deficiência: até vinte por cento (art. 5º, § 2º, da Lei nº 8.112/1990) ou, no mínimo, de cinco por cento (art. 37, § 1º, do Decreto nº 3.298/1999).

As normas vigentes não fixaram se os títulos têm caráter apenas classificatório ou se podem também ter caráter eliminatório. Na falta de previsão legal (inclusive na lei do plano de carreira ou na lei orgânica do cargo público), cabe ao edital, regulamento do certame, fixar a necessidade ou não de um mínimo de pontos na análise dos títulos, podendo inclusive a falta de títulos ensejar na eliminação dos candidatos que não alcancem uma pontuação mínima ou que não tenham títulos.

O edital do concurso público tem autonomia, seja em relação a outros editais, seja em relação a certame de concurso anterior para o mesmo cargo, objeto da seleção, para fixar novos pontos, novos títulos, etc. Não há uma vinculação do edital com editais ou certames anteriores, dada a autonomia do edital, que inclusive pode consagrar novas exigências, não previstas no edital anterior, mas que são razoáveis, que decorrem das necessidades do exercício do cargo, das atribuições do servidor público, etc. O edital pode conter alterações, decorrentes do aperfeiçoamento do(s) edital(is) anterior(es), pois a Administração Pública não é estanque, não pode ficar atrasada com as mudanças decorrentes do meio social, da legislação, etc.

A Administração Pública tem o direito (e até o dever) de, nos concursos públicos, selecionar os melhores candidatos, de valorizar a experiência, a qualificação profissional, os níveis mais elevados do ensino, do aprendizado, etc. Neste sentido, a maioria dos concursos públicos para provimentos de cargos de professores de universidades públicas exige que os candidatos sejam portadores de Diploma ou já tenham concluído Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu (Doutorado ou Mestrado), na área específica em que estão concorrendo, pois à Administração Pública cabe o direito de buscar os melhores profissionais para integrar os seus quadros, seja no âmbito acadêmico, seja no âmbito dos demais serviços públicos. Cabe ressaltar que esta prática das universidades decorre da exigência prevista no inciso II, do art. 52, da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado).

Esse direito/dever da Administração Pública decorre:

a) dos princípios constitucionais da igualdade, da legalidade, da eficiência, da probidade administrativa, do acesso aos cargos públicos, da responsabilidade civil do Estado (art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988; arts. 121 a 125, da Lei nº 8.112/1990; e arts. 43 e 932, inciso III, do Código Civil);

b) do regular exercício do poder de polícia (por exemplo: as agências reguladoras, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, o IBAMA, o Ministério do Trabalho, etc.), quando a Administração Pública deve atuar nos limites da lei e com observância do devido processo legal (do contraditório, da ampla defesa), sem abuso ou desvio de poder (art. 78, caput e parágrafo único, do Código Tributário Nacional);

c) da prestação de serviços adequados, eficientes, seguros e até contínuos – caso dos serviços essenciais (art. 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor: Lei nº 8.078/1990); observando os direitos dos usuários (art. 7º, da Lei nº 8.987/1995), dos administrados (art. 3º, da Lei nº 9.784/1999), etc.

Para desempenho de suas funções, o Poder Público precisa de servidores públicos capazes, experientes, com maior qualificação, que observem os deveres e vedações previstas em leis (arts. 116 a 119, da Lei nº 8.112/1990, por exemplo), os princípios da Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988), os preceitos éticos (Decreto nº 1.171/1994: Código de Ética Profissional do Servidor Público Federal; Código de Ética Profissional: casos das profissões regulamentadas, tais como medicina, advocacia, publicidade, etc.), morais, legais, jurídicos, etc.

A realização de concursos públicos pela Administração Pública tem amparo também nos ensinamentos de Thomas HOBBES (Leviatã, trad. João Paulo Monteiro & Maria Beatriz Nizza da Silva, Nova Cultural, São Paulo, 2000):

"Assim como a muita experiência é prudência, também a muita ciência é sapiência." (p. 55)

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"(...) De modo que quem possuir, graças à experiência ou à razão, a maior e mais segura capacidade de prever as conseqüências é quem melhor é capaz de deliberar; e é quem mais é capaz, quando quer, de dar aos outros os melhores conselhos." (p. 64)

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"Porque quem mais merece ser comandante ou juiz, ou receber qualquer outro cargo, é quem for mais dotado com as qualidades necessárias para seu bom desempenho (...)" (p. 89):

O pensador inglês (Do Cidadão, trad. Renato Janine Ribeiro, Martins Fontes, São Paulo, 1992, p. 214) complementa:

"(...) Todos os homens naturalmente se batem pela honra e precedência (...) E sucede que assim eles se considerem suficientemente fornidos tanto de espírito (wit) quanto de conhecimento para poderem administrar os negócios de maior importância. Ora, como os homens não são o que parecem a si mesmos, e ainda que o fossem (devido a seu grande número) não poderiam todos ser empregados nos cargos públicos, necessariamente ocorre que muitos sejam preteridos. Estes, portanto, considerando-se ofendidos, nada mais hão de querer, em parte por inveja daqueles por quem foram preteridos, em parte por esperança de os vencerem, do que assistir ao fracasso dos negócios públicos. E por isso não estranha que eles procurem, com apetite voraz, todas as ocasiões de inovação."

Ao analisar o concurso público, Hely Lopes MEIRELLES (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição, São Paulo, Malheiros, ps. 375/376) esclareceu:

"(...) O concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando empregos públicos.

Desde a Constituição de 1967 os concursos públicos só podem ser de provas ou de provas e títulos, ficando, assim, afastada a possibilidade de seleção com base unicamente em títulos, como ocorria na vigência da Constituição de 1946, que fazia igual exigência para a primeira investidura em cargos de carreira, silenciando, entretanto, quanto à modalidade do concurso (art. 186; cf. art. art. 37, II, da atual CF).

Os concursos não têm forma ou procedimentos estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas. Como atos administrativos, devem ser realizados pelo Executivo, através de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis. De qualquer forma, caberá sempre reapreciação judicial do resultado dos concursos, limitada ao aspecto da legalidade da constituição das bancas ou comissões examinadoras, dos critérios adotados para o julgamento e classificação dos candidatos. Isso porque nenhuma lesão ou ameaça a direito individual poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).

É conveniente, ainda, que as bancas ou comissões examinadoras, se constituídas por servidores, o sejam somente com os efetivos, para se assegurar a independência no julgamento e afastas as influências estranhas. Outra cautela recomendável é a de não se colocar examinadores de hierarquia inferior à do cargo em concurso ou que tenham menos títulos científicos ou técnicos que os eventuais candidatos, sem o quê ficará prejudicada a eficiência das provas, além de constituir uma capitis deminutio para os concorrentes mais categorizados que os integrantes da banca.

Desde que o concurso visa a selecionar os candidatos mais capazes, é inadmissível e tem sido julgada inconstitucional a concessão inicial de vantagens e privilégios a determinadas pessoas ou categorias de servidores, porque isto cria desigualdade entre os concorrentes. A única exceção possível é a constitucionalmente prevista no art. 37, IV, para os concursados remanescentes de concurso anterior, enquanto não esgotado seu prazo de validade.

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A Administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que o faça com igualdade para todos os candidatos, tendo, ainda, o poder de, a todo tempo, alterar as condições e requisitos de admissão dos concorrentes, para melhor atendimento do interesse público."

Por fim, cabe ressaltar que, geralmente, são os candidatos mais jovens, ainda inexperientes, com pouca qualificação, com poucos ou sem nenhum título que impugnam, que questionam (de forma até intempestiva) a existência de concursos públicos com pontuação para títulos (cursos de pós-graduação; livros, monografias e artigos publicados; aprovação em outros concursos públicos; exercício de cargos públicos semelhantes; etc.).


Autor

  • Anildo Fabio de Araujo

    Procurador da Fazenda Nacional, categoria especial. Especialista em "Ordem Jurídica e Ministério Público" pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal, e em "Direito Processual Civil" pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual - Instituto Brasiliense de Ensino e Pesquisa. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidad del Museo Social Argentino - UMSA - Buenos Aires, Argentina.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Anildo Fabio de. Os títulos nos concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2745, 6 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18205. Acesso em: 24 abr. 2024.