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A juntada de novos documentos no decorrer do processo

A juntada de novos documentos no decorrer do processo

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1. Introdução

O crescente número de demandas e a ampliação do acesso à justiça impuseram um novo ritmo de trabalho ao Judiciário. As sentenças já não são produzidas como peças artesanais, os cartórios tiveram que simplificar suas rotinas e o apego ao formalismo processual foi flexibilizado. O processo civil hoje deve ser tratado como uma base procedimental funcional e prática para a efetivação de direitos, não há mais espaço para o rebuscamento e para a pura literalidade das normas que constituíam obstáculos à adequada prestação jurisdicional.

Pugnando pela mais plena realização da justiça, o presente artigo tem a finalidade de propor pela possibilidade da juntada de novos documentos no decorrer do processo, mesmo que acessíveis anteriormente. Para tanto, são apresentadas jurisprudência e posição doutrinária, bem como eventuais limitações.


2. Disposições Legais

A produção de prova documental está disciplinada no Código de Processo Civil nos artigos 396 a 399. Inicialmente, cabe analisar conjuntamente os artigos 396 e 397, sendo a interpretação desses textos legais indissociável para este estudo.

Art. 396.  Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.

Art. 397.  É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

Há remissão pelo artigo 396 ao artigo 283, que por sua vez tem a seguinte redação:

Art. 283.  A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

Trata o artigo 396 do momento processual em que a documentação necessária à comprovação das alegações será apensada aos autos, devendo ser apresentada em conjunto com a petição inicial ou acompanhada com a resposta. O artigo subsequente inclui uma exceção ao texto anterior, ampliando a possibilidade de juntada de prova documental caso essa se preste a comprovar fatos ocorridos posteriormente à exordial ou à resposta ou, ainda, para contraditar documentação produzida nos autos.

O art. 283 presta pela obrigatoriedade da apresentação de documentos indispensáveis à propositura da ação, ou seja, tão somente aqueles destinados a comprovar a existência das condições da ação, como é o caso, por exemplo, de instruir a ação de consignação em pagamento com a prova do depósito e da recusa, ou ainda, a ação de depósito mediante o comprovante de depósito, conforme expõem Marinoni e Arenhart (2000, p. 245), doutrinadores desfavoráveis à maleabilidade dos artigos 396 e 397, mas de quem são adotados os exemplos. Sendo assim, a redação do art. 283 corrobora a oportunidade da juntada posterior de documentos aos autos, pois o que é vedado é a juntada de documentos destinados a comprovar as condições da ação, não havendo qualquer restrição à apresentação de nova documentação para confirmar alegações de fato ou de direito. É o que evidencia Humberto Theodoro Jr.:

[...] boa parte da doutrina e jurisprudência tem entendido que, quanto aos documentos ‘não indispensáveis’, não estariam as partes impedidas de produzi-los em outras fases posteriores àquelas aludidas pelo art. 396. (THEODORO JR., 2007, p. 517)

É aparente a limitação imposta contra a produção de prova documental fora das situações aventadas pelos artigos 396 e 397. Há que se tratar o texto desses dispositivos como mera questão preferência do momento processual oportuno para a juntada desse tipo de prova, sem haver cunho taxativo para tanto.


3. Princípios Fundamentais do Processo

O princípio da instrumentalidade deve preponderar sobre os rigores do texto legal, devendo prevalecer o fim visado com a tutela jurisdicional – o reconhecimento do verdadeiro direito. O Direito Processual não deve ser concebido como um fim em si mesmo, ou como o estudo da forma pela forma, sua aplicação ao caso concreto deve considerar a utilidade prática do texto legal como suporte procedimental para a efetivação de direitos. Há entendimento reiterado no STJ pela flexibilização da norma, a exemplo do REsp 1070395/RJ:

1. Controverte-se nos autos a possibilidade de juntada, em fase recursal, de documentos que não ostentam condição de novos ou se refiram a fatos supervenientes.

2. O STJ possui entendimento de que a interpretação do art. 397 do CPC não deve ser feita restritivamente. Dessa forma, à exceção dos documentos indispensáveis à propositura da ação, a mencionada regra deve ser flexibilizada.

Desde que observado o princípio do contraditório, a juntada posterior de documentos não implica em cerceamento de defesa, tendo a outra parte oportunidade de ofertar manifestação conforme preceitua o art. 398, cabendo ao magistrado deferir maior prazo caso a documentação seja demasiado extensa ou complexa.

Art. 398.  Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.

A respeito da resguarda ao princípio do contraditório, o REsp 780396/PB:

1. A jurisprudência desta Corte tem admitido a juntada de documentos que não os produzidos após a inicial e a contestação, em outras fases do processo, até mesmo na via recursal, desde que respeitado o contraditório e ausente a má-fé.

2. Não é absoluta a exigência de juntar documentos na inicial ou na contestação. A juntada de documentos em sede de apelação é possível, tendo a outra parte a oportunidade de sobre eles manifestar-se em contra-razões. [...]

Há de se observar que além dos julgados acima citados outros mais admitem a apresentação de novos documentos no decorrer da ação, inclusive em fase recursal, consoante entendimento jurisprudencial do STJ.

Em sede dos Juizados Especiais, especialmente, os ideais de acesso à justiça devem prevalecer sobre outros princípios de Direito Processual, de modo a facilitar a juntada posterior de nova documentação das partes desassistidas por advogado, reiterando os princípios da informalidade e da simplicidade nas causas de sua competência. O cidadão leigo precisa ter suas demandas apreciadas de maneira adequada, mesmo que isso implique maleabilidade de formalismos processuais.


4. Limitações

É necessária alguma restrição quanto à produção de documentos durante o processo para evitar procrastinações e o estado permanente de insegurança, na qual uma parte, a qualquer momento, poderia apresentar nova documentação, comprometendo uma série de atos processuais realizados e a possibilidade de defesa da parte adversa. Desse modo, uma vez comprovado que a parte tinha fácil acesso a documentos e que sem motivo coerente os deixou de apresentar em momento oportuno, de maneira a prejudicar uma série de atos processuais perfeitos, não há que ser admitida sua juntada. Contudo, tal limitação deve ser restrita, aplicável somente diante de um evidente abuso de direito que cominaria em tumultuamento processual e irreparável prejuízo à ampla defesa. Preceituam Marinoni e Arenhart:

O comando do art.396 tem por objetivo evitar a surpresa da parte contrária, o que incitaria estado permanente de insegurança e de deslealdade processual [...] (Marinoni e Arenhart, 2000, p. 244)

Como exemplo de prejuízo à ampla defesa, pode-se citar a juntada de dezenas de páginas de documentos, ou até mesmo volumes, em momento intempestivo, considerando que seja plausível cogitar que a parte tivesse acesso aos mesmos em ocasião anterior e que não os tenha juntado por pura displicência. Contudo, até mesmo tal restrição deve ser flexibilizada se o atraso for justificado pelo caso concreto, como por exemplo, se a ação tiver sido proposta no limite de prazo de decadência ou de prescrição, ocasião em que o próprio CPC admite condições diferenciadas quanto a outras exigências, a exemplo do art. 37:

Art. 37.  Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. [...]

Humberto Theodoro Jr. faz menção à posição doutrinária acerca de possíveis restrições à interpretação ampla do art. 396:

Mesmo para os que são mais rigorosos na interpretação do dispositivo em mira, o que se deve evitar é a malícia processual da parte que oculta desnecessariamente documento que poderia ter produzido no momento próprio. (THEODORO JR., 2007, p. 518)


5. Conclusão

Ao final do estudo desenvolvido ao longo deste artigo, depreende-se que a produção de novos documentos no decorrer do processo não causa prejuízos à prestação jurisdicional ou à ampla defesa, havendo limitações pontuais de modo a evitar o abuso de direito e a procrastinação da ação. No intuito de concretizar a mais profícua realização da justiça, faz-se necessário o desapego de formalismos processuais excessivos que ofuscam o reconhecimento do verdadeiro direito.


6. Referências

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5, tomo II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 235-247.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. 7ª ed. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 361-364.

NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 41ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 520-521.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 517-519.


Autor

  • Eduardo Luiz Venturin

    Master of Laws pela University College Dublin (UCD). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Centro de Estudos Jurídico-Econômicos e de Gestão do Conhecimento (CEJEGD). Analista Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Desenvolve pesquisas em Análise Econômica do Direito (Law and Economics).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VENTURIN, Eduardo Luiz. A juntada de novos documentos no decorrer do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18812. Acesso em: 19 abr. 2024.