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O acordo da Basiléia e a questão da "soft law" e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre acordos internacionais.

Uma reflexão

O acordo da Basiléia e a questão da "soft law" e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre acordos internacionais. Uma reflexão

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O segundo acordo da Basiléia é um conjunto de recomendações do G-10 para uniformizar a regulação do sistema bancário internacional. É um exemplo de "soft law", pois foi formulado por organização multilateral e não tem caráter normativo ou vinculante.

O segundo acordo da Basiléia, em breves linhas, consiste em um conjunto de recomendações formuladas pelos presidentes dos bancos centrais do G-10 com o fito de uniformizar a regulação sistêmica no sistema bancário internacional. Esse acordo é um típico exemplo do que a doutrina tem chamado de soft law, uma vez que é instrumento formulado por organização multilateral e que se diz não ter caráter normativo ou vinculante.

Muito embora o Brasil — e muitos outros países de terceiro mundo — não tenha participado diretamente na formulação das recomendações, o seu conteúdo foi internalizado no ordenamento pátrio por meio de decisão colegiada da Diretoria do Banco Central do Brasil.

Diante desse contexto, o presente texto se propõe a provocar uma reflexão acerca do posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a relação entre a ordem jurídica interna, a Constituição e os acordos internacionais, de um lado, e, de outro, o segundo acordo da Basiléia. Isso porque o STF, até o presente, apenas se deparou com os modelos clássicos de norma jurídica internacional. Daí a relevância da reflexão: jogar luzes sobre essas novas formas de concerto internacional considerando o entendimento dado, pela Corte, ao texto constitucional no que tange o Direito Internacional.


I. O STF e os acordos internacionais.

A Constituição brasileira, em seu artigo 84, confere ao Presidente da República o poder de manter relações com os Estados estrangeiros. Confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (artigo 49, I). Na seção referente ao processo legislativo, consta expressamente o decreto legislativo (artigo 59, VI), que é a norma por meio da qual os acordos internacionais são integrados ao ordenamento pátrio. Vê-se,portanto, que a Carta Constitucional brasileira não foi expressa no que tange a relação entre o Direito interno e o Direito Internacional, daí o primordial papel do Supremo Tribunal Federal para definir essa questão de estatura constitucional.

I.2.Monismo x dualismo

Quanto à relação entre a ordem interna e a ordem internacional, persiste há décadas, a oposição entre a corrente e a dualista.

Para o monismo, não existem duas ordens jurídicas autônomas e independentes, mas uma única ordem. Dentro dessa concepção, há duas correntes: uma que defende a primazia do Direito interno sobre o Direito Internacional e a outra que advoga a primazia do Direito Internacional. Para os adeptos da primeira corrente, o Estado tem soberania absoluta e não está sujeito a nenhum sistema jurídico se não aquele emanado de sua própria vontade, o Direito Internacional, na verdade, é direito interno que o Direito aplica em sua vida internacional.

A corrente favorável à primazia do Direito Internacional foi desenvolvida inicialmente pela escola de Viena, defendida por Kelsen, parte do pressuposto de que não existem diferenças fundamentais entre a ordem jurídica interna e a externa e que a idéia de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional. Para essa corrente, não pode haver duas ordens jurídicas distintas porque o direito é uno e, assim, não há necessidade de processos formais de recepção de normas internacionais.

Para a corrente dualista, são tão marcantes as diferenças entre o direito nacional e o direito interno que eles se tornam irredutíveis um ao outro. As normas pertencentes às duas ordens não têm o mesmo objeto e não regulam as mesmas relações sociais. Há, portanto, a necessidade de um processo formal de adoção da norma internacional pelo direito doméstico. DINH et all [01], tendo em vista a nova realidade da Comunidade Européia, criticam a concepção dualista quando esta define que, no Direito Internacional, são sujeitos de direito apenas os Estados. Isso porque, hoje, é indiscutível a pluralidade de ordens jurídicas no âmbito internacional, formada não apenas por Estados Nacionais, mas também por organismos internacionais que têm exercido enorme influência na conformação dos ordenamentos domésticos.

O Supremo Tribunal Federal, nas últimas décadas, oscilou em seu posicionamento acerca da relação entre o Direito Internacional e a ordem jurídica interna. Em precedente emblemático, o Recurso Extraordinário n° 71.154-PR, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, julgado em 4.8.1971, a Corte firmou posição favorável ao monismo com primazia do Direito Internacional. Com o julgamento do RE n° 80.004-SE, Rel. Min. Otávio Galotti, DJ de 18.8.2000, o STF passou a adotar o monismo moderado, segundo o qual os tratados têm o mesmo status de lei ordinária e, no caso de conflito com norma interna, prevalece a norma mais recente, que não revoga, mas afasta a aplicação de norma internacional mais antiga.

Já em 2001, foi proferido acórdão nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.480-DF, em que o pleno do Supremo Tribunal Federal afirmou a mais absoluta soberania das normas constitucionais em relação aos tratados internacionais que, uma vez parte do ordenamento brasileiro, têm hierarquia de lei ordinária e, portanto, são incapazes de alterar as disposições constitucionais. Nesses autos, era questionada a constitucionalidade da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para de discutir esse mérito, foi necessário enfrentar as preliminares argüidas pelo Presidente da República ao prestar suas informações, sobre a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal exercer controle de constitucionalidade de acordos internacionais. Foi no enfrentamento dessas preliminares que restou definido o quanto segue acerca da relação entre a ordem interna brasileira e a ordem internacional:

SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. (sublinhado daqui)

(...)

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

O Poder Judiciário — fundado na supremacia da Constituição da República —dispõe de competência para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar controle de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência.

PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO

Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao Direito Interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, no mesmo plano jurídico de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes.

No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais do direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério de especialidades. Precedentes.

Afirma expressamente o Ministro Relator Celso de Melo a adoção do sistema dualista no Brasil e, por conseguinte, da concepção de que a esfera internacional e a interna são autônomas e independentes, sendo, portanto, necessário um ato formal constitucionalmente previsto de recepção da norma. Ressumbra também evidente do corpo do voto que as duas esferas são independentes, mas que, no plano interno, prevalece, em qualquer hipótese, a Constituição:

Inexiste, contudo, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto da Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a Lei Fundamental da República. (Negrito do original)

Em acórdão publicado no ano de 2005, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a hegemonia da Constituição sobre as normas internacionais. Nos autos do Habeas Corpus 81.319, em que foi Relator novamente o Ministro Celso de Melo, foi discutida a questão da prisão civil do devedor fiduciante tendo em vista o Pacto de São José da Costa Rica e assim decidiu a Suprema Corte:

OS TRATADOS INTERNACIONAIS, NECESSARIAMENTE SUBORDINADOS À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO PODEM LEGITIMAR INTERPRETAÇÕES QUE RESTRINJAM A EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. - A possibilidade jurídica de o Congresso Nacional instituir a prisão civil no caso de infidelidade depositária encontra fundamento na própria Constituição da República (art. 5º, LXVII). A autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental do Estado, considerada a supremacia absoluta de que se reveste o estatuto político brasileiro, não se expõe, no plano de sua eficácia e aplicabilidade, a restrições ou a mecanismos de limitação fixados em sede de tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos). - A ordem constitucional vigente no Brasil - que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) - não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República. (destaque daqui)

Em seu voto, o Ministro Celso de Melo afirma que o Pacto de São José da Costa Rica, na condição de tratado internacional, é mera "peça complementar no processo de tutela das liberdades públicas fundamentais" (grifo do original) e que, no ordenamento interno, tem a mesma hierarquia das leis ordinárias, conforme entendimento já firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Ato seguido, o Ministro enfrenta a questão da responsabilização do Estado perante a comunidade internacional por editar legislação contrária a tratado internacional, com base na doutrina de Francisco Rezek, e conclui que, ainda que seja necessário arcar com as conseqüências de um ilícito penal na esfera internacional, deve-se conservar a primazia da Constituição.

Vale lembrar que, apesar de o acórdão ter sido publicado em 2005, o julgamento ocorreu em 24.4.2002, quando ainda não havia sido editada a Emenda Constitucional n° 45/2004, que conferiu a possibilidade de os tratados internacionais de direitos humanos terem status de emenda constitucional, se atendidas determinadas formalidades no procedimento legislativo. No corpo do voto do Ministro Celso de Melo, constava uma recomendação de que os tratados internacionais de direitos humanos passassem a ter eficácia imediata no ordenamento brasileiro e o Ministro Carlos Velloso já acenava essa possibilidade a partir do § 2° do artigo. 5° da Constituição.

Após a emenda constitucional n° 45/2004, no julgamento do RE 466.343, referente à prisão civil por dívidas, a maioria dos membros da Corte posicionou-se no sentido de que os tratados de direitos humanos têm estatura superior às leis ordinárias no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes:

Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.

Com relação ao segundo ponto, relativo à necessidade de autorização do parlamento brasileiro para que os acordos internacionais tenham eficácia no plano interno. A letra da Constituição brasileira, como já citado, inclui no processo legislativo os decretos legislativos, que são os instrumentos por meio dos quais o Congresso Nacional avalia o conteúdo dos acordos internacionais celebrados pelo Presidente da República por quem tenha dele recebido poderes para tanto.

Como visto, o texto da Constituição não foi claro ao definir a relação entre a ordem interna e a ordem jurídica internacional, cabendo à Suprema Corte essa tarefa. Na atualidade, tem-se, portanto, um dualismo moderado, que consagra a mais absoluta hierarquia da Constituição, devendo o Estado arcar com as conseqüências, no plano internacional, por eventual declaração de inconstitucionalidade de tratado no plano interno.

Os tratados são, via de regra, recepcionados pelo ordenamento pátrio como leis ordinárias. Os que têm conteúdo de direitos humanos apresentam uma característica de supralegalidade, encontrando posição entre a Constituição e as leis ordinárias. Ainda, se o processo de internalização desse tratados de direitos humanos obedecer aos mesmos requisitos de aprovação das emendas constitucionais, terão esse status próprio dentro de nosso sistema jurídico. Esse é, portanto, o quadro jurídico que relaciona as normas internas com as normas de Direito Internacional.

I.2.Do procedimento de internalização dos acordos internacionais

O Poder de celebrar os acordos internacionais é, constitucionalmente, conferido ao chefe do Executivo, que pode delegá-lo a determinadas autoridades. Ocorre que, principalmente nos casos em que a celebração do acordo acarreta mudanças na ordem jurídica interna, entende-se necessária a sua submissão ao Congresso Nacional e, ao final, ao Presidente da República.

O Supremo Tribunal Federal, também nos autos da ADI 1.480-DF, sinalizou pela obrigatoriedade da intervenção do Congresso Nacional para integrar quaisquer atos internacionais à ordem interna:

PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

É na Constituição da República — e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas — que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro.

O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de suas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe — enquanto Chefe de Estado que é — da competência para promulgá-los mediante decreto

O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais — superadas as fases prévias de celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado — conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. (negrito daqui)

Posteriormente, em voto-vogal também no julgamento do RE 466.343, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou a necessidade de participação do Parlamento na adoção de um tratado internacional:

A aplicabilidade dos preceitos internacionais somente é possível a partir do momento em que cumpridos os requisitos solenes para a sua devida integração à ordem jurídico-constitucional, a saber: i) celebração da convenção internacional; ii) aprovação pelo Parlamento; e iii) a ratificação pelo Chefe de Estado – a qual se conclui com a expedição de Decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: a) a promulgação do tratado internacional; b) a publicação oficial de seu texto; e c) a executoriedade do ato internacional, que, somente a partir desse momento, passa a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Esse procedimento, nas palavras de João Grandino Rodas [02], citado no voto do Ministro Celso de Melo, "atesta a adoção da lei pelo legislativo, certifica a sua existência e seu texto e afirma, finalmente, seu valor executório e imperativo".

Há que se atentar para o fato de que a observância do procedimento não corresponde à observância de meras regras burocráticas, mas de garantia do cidadão de ser submetido a leis legitimamente formuladas, o que é da essência do Estado de Direito.

Rosenfeld [03], ao analisar o Estado de Direito nas democracias constitucionais alemã, francesa e americana apresenta os requisitos mínimos da rule of law, quais sejam: (i) o Estado somente poderá impor normas aos cidadãos desde que publicamente promulgadas; (ii) a função legislativa deve estar separada da adjudicação; e (iii) ninguém estará acima da lei. Complementa, ainda, que essas características têm o condão de limitar os poderes do governo, garantir aderência ao rule of law e a proteção dos direitos fundamentais.

Esses requisitos garantem apenas o rule of law em sentido estrito, já que o seu papel na democracia constitucional não está definido. Seu conceito tomou diferentes formatos nas diferentes tradições jurídicas e ainda não existe uma definição sobre se ele deve ter um conteúdo procedimental ou substancial ou, ainda, se deve ter a preocupação primeira com equidade ou segurança jurídica.

Essas divergências acerca do significado do rule of law persistem nas diferentes tradições jurídicas e até mesmo dentro de cada um dos ordenamentos [04]. A divergência acerca do conteúdo da garantia dos procedimentos previstos na Constituição e nas leis existe, mas, como bem anotou Rosenfeld, pode-se dizer que há um denominador comum entre todas essas correntes de que um Estado de Direito, em uma democracia constitucional, se faz com a observância dos procedimentos legais.

No presente caso, identifica-se, na jurisprudência do STF, que a garantia de uma alteração legítima do ordenamento pátrio em decorrência da celebração de normas internacionais passa, fundamentalmente, pela observância do procedimento legislativo referente ao Decreto Legislativo, que prevê a participação do Congresso e do Chefe do Poder Executivo.

Do exposto, dois principais parâmetros fixados pela Corte brasileira serão adotados para o estudo do segundo acordo da Basiléia: 1) a existência de duas ordens jurídicas distintas — a nacional e a internacional — e a prevalência, na ordem interna, da Constituição; e 2) a necessidade de observar o procedimento do Decreto Legislativo para a adoção de normas de Direito Internacional no plano interno.


II. O segundo acordo da Basiléia

O desmantelamento do Sistema de Bretton Woods ocorreu no início da década de 70, com a desregulamentação cambial, inicialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, e posteriormente, passou a ser adotada em praticamente todos os países do globo [05]. A partir de então, verifica-se um intenso fluxo de capitais entre as economias do mundo; fluxo esse que interfere substancialmente na dinâmica econômica dos Estados nacionais, seja no mercado de câmbio, seja na interferência da taxa de juros do mercado financeiro o que, por sua vez, afeta a obtenção de financiamentos pelos países e por suas empresas e bancos.

Nos países centrais, a abertura — ou seja, a eliminação das restrições para os fluxos de capitais — decorreu das estratégias de concorrência existentes entre os grandes bancos; já na América Latina, a abertura teve início na segunda metade da década de 80, em decorrência de pressões de organismos multilaterais, do consenso de Washington e das grandes instituições financeiras [06]. Esse movimento de liberalização do fluxo de capitais marcou o início da uma nova fase da economia global, em que os mercados financeiros e de capitais integraram-se como nunca antes na História. Desse processo histórico, pode-se tirar algumas conclusões:

No que se refere aos fluxos de capital externo de portfólio que, segundo o discurso oficial dos organismos multilaterais, promoveria maior dinamismo e aprofundamento dos mercados de capital, o maior ingresso de recursos externos traduziu-se apenas em maior capitalização das bolsas de valores domésticas. Deste modo, longe de significar possibilidades reais de financiamento de longo prazo para as atividades empresariais, este movimento apresentou características fortemente especulativas. Tais fluxos extremamente voláteis contribuíram para agravar a vulnerabilidade externa destes países quando da eclosão das sucessivas crises a partir de 1997 [07]. (FREITAS e PRATES, 2006)

Nesse ambiente de instabilidade e de integração dos mercados, surgiu o Comitê para Práticas de Supervisão e Regulamentação Bancária do Banco de Compensações Internacionais (BIS), mais conhecido como Comitê da Basiléia, que foi o instrumento criado pelos bancos centrais do G-10 [08] para estabelecer e aperfeiçoar normas e princípios comuns de referência para bancos com imensas atividades internacionais ou mesmo para o conjunto do sistema bancário dos países membros (FREITAS e PRATES, 2003).

O primeiro acordo da Basiléia foi firmado em 1988 e previa (i) harmonização internacional referente à adequação do capital dos bancos internacionais às suas atividades, atuando de acordo com critérios prudenciais definidos pelo Comitê —os quais, de acordo com o discurso dos signatários do acordo, estariam mais adequados ao ambiente liberalizado —; e (ii) monitoramento da implementação dos princípios da Basiléia nos diversos países.

Com as crises mundiais de 1997/98, iniciadas nas bolsas asiáticas, verificou-se que, com a adoção dos princípios da Basiléia, o sistema financeiro sofreu menos do que com a crise da dívida externa dos anos 80, uma vez que o mercado estava mais capitalizado. O Comitê, entretanto, atestou que o sistema interno de avaliação dos riscos existente até aquele momento era inadequado e que os princípios em vigor não eram capazes de conter a assunção excessiva de riscos pelos bancos.

Assim foi assinado o segundo acordo da Basiléia, também conhecido como Basiléia II, que é fundado em três pilares disciplinares: requerimento de capital mínimo, supervisão da adequação de capital e o fortalecimento da disciplina de mercado. O primeiro pilar oferece "a matriz de classificação de crédito externo contra os quais certos níveis de capital precisam ser mantidos" [09], que criou uma correlação direta entre os tipos de créditos constantes na carteira das instituições e o capital mínimo exigido e, também, a sua classificação de risco.

A classificação de risco das instituições (primeiro pilar) será efetuada, essencialmente, pelas próprias instituições bancárias [10]. A princípio, como somente os grandes bancos terão condições de implementar o sistema interno de classificação de riscos, será estimulada a utilização de agências de rating, cujos critérios de avaliação de risco deverão ser aprovados pela autoridade de supervisão bancária. A função primordial das agências de rating é avaliar a capacidade de pagamento dos devedores e tornar pública essa informação, pois, em princípio, elas disporiam de informações mais amplas e de uma maior expertise na apreciação dos riscos de crédito, comparativamente às instituições financeiras.

Para os economistas, essa mudança em direção à auto-regulação ocorreu em razão da constatação da incapacidade de os reguladores anteciparem todos os movimentos dos bancos e criarem obstáculos àqueles movimentos maléficos ao bom funcionamento do sistema dentro desse novo ambiente de desregulação e liberalização internacional do capital. Dentro dessa lógica, o principal critério de bom funcionamento é a liquidez das instituições financeiras [11].

Os princípios da Basiléia II são apresentados como as medidas mais eficazes em prol da eficiência do sistema bancário mundial e do controle dos riscos a que se submetem as instituições financeiras. A implementação dos princípios é deveras complexa e requer o dispêndio de quantias de 10 a 150 milhões de dólares dependendo do tamanho da instituição financeira. [12]. É importante ter em mente que as recomendações emanadas do Comitê da Basiléia representam a escolha de um determinado modelo de classificação e controle de riscos. Não obstante a natureza econômica desses cálculos e fórmulas, a opção por um dentre os vários modelos existentes representou uma opção política [13], feita pelos países do G-10.

A discussão acerca da Basiléia II é relevante do ponto de vista dos efeitos para a economia nacional. Freitas e Prates [14] entendem que as novas regras, na verdade, podem ter efeitos prejudiciais para os países periféricos, no âmbito da economia, na medida em que podem dificultar (a) o acesso ao crédito internacional; e (b) as condições de financiamento bancário externo. Ademais, não é improvável que façam com que o modelo de regulação se aproxime do anglo-saxão, desconsiderando as especificidades institucionais de cada país, e com que haja uma maior concentração do mercado nas mãos dos já grandes bancos, que já têm mais estrutura e sofisticação para se adaptarem aos novos critérios propostos.

Há que se considerar, ainda, um certo esvaziamento da atuação do Estado na regulação dos riscos da atividade bancária. Nos termos do acordo da Basiléia II, o órgão regulador apenas formulará as diretrizes básicas para que as próprias instituições (i) construam seus sistemas de avaliação dos créditos e (ii) efetuem a supervisão. O regulador, posteriormente, validará os sistemas criados. Logo, parte substancial das atividades de regulamentação e de fiscalização será transferida às instituições financeiras ou às agências privadas. Seria, na verdade, não uma regulação inteiramente privada, mas mista, na medida em que é ainda preservado algum papel ao Banco Central, o de definir as diretrizes básicas para a formulação dos mecanismos de classificação de riscos das instituições financeiras e das agências de rating e validar os mecanismos criados.

Tais mudanças no ordenamento jurídico, por certo, tocam a questão constitucional, na medida em que propõem um certo esvaziamento da atividade de regulação bancária. Alteração que pode ser confrontada com o art. 174, que define o Estado brasileiro como agente normativo e regulador da atividade econômica e confere ao ente estatal o poder/dever de juridicizar determinadas atividades ou realidades econômicas e de estabelecer comandos para adequar a realidade econômica às pretensões previamente estabelecidas pela lógica dos próprios comandos constitucionais [15].

Assim, não apenas em termos econômicos, mas também em termos jurídicos o segundo acordo da Basiléia promove significantes mudanças no contexto brasileiro.

II.2.Processo de formação do acordo da Basiléia

No presente caso, deve-se recordar que o Comitê da Basiléia, nas palavras do próprio Conselheiro Geral do BIS, não possui qualquer autoridade de supervisão formal no âmbito transnacional e suas recomendações não têm, nem pretendem ter força legal. O Comitê formula padrões e diretrizes gerais de supervisão e faz recomendações sobre a melhor prática com a intenção de que as autoridades de cada país adotarão os passos necessários à sua implementação por meio dos arranjos mais adequados a seu sistema. Dessa maneira, o Comitê encoraja a convergência para abordagens e padrões comuns sem adentrar nos detalhes das técnicas de harmonização dos países membros [16].

O Comitê busca o endosso dos presidentes dos bancos centrais ou das autoridades responsáveis pela supervisão bancária do G-10 em suas principais iniciativas. Um dos principais objetivos do Comitê, conforme exposto em seu portal eletrônico [17], é preencher as lacunas na cobertura da supervisão internacional em busca de dois princípios básicos: que nenhum estabelecimento bancário escape à supervisão; e que a supervisão seja adequada. Ainda de acordo com as informações prestadas no mencionado meio virtual, o Acordo da Basiléia I foi introduzido também em países não-membros e em praticamente todos em todos em que funcionavam bancos com atividades internacionais. A intenção do Comitê é de que também o segundo acordo da Basiléia sirva como base para a elaboração das normas internas dos países membros e não membros e para que os bancos preparem-se para a implementação das novas regras.

O Comitê da Basiléia, nos últimos anos, tem atuado de forma mais agressiva para promover o que esse organismo entende serem os bons padrões de supervisão bancária em todo o mundo. Além do próprio Comitê, a atuação do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial tem sido decisivas na medida em que esses organismos passaram a condicionar o acesso a seus programas e empréstimos à adoção da Basiléia II [18].

Em suma, apesar de declarar que suas recomendações não têm caráter jurídico, o Comitê da Basiléia expressa às claras seu intuito de promover alterações nos ordenamentos jurídicos de países membros e não-membros no âmbito da regulação do sistema financeiro, em especial, no controle dos riscos assumidos pelas instituições financeiras. É uma postura deveras paradoxal declarar a ausência de conteúdo jurídico e ter o intuito de interferir em sistemas jurídicos.

Nasser [19], diante das características apresentadas sobre o Comitê e seus instrumentos, enquadra as diretrizes elaboradas como recomendações, que são:

instrumentos resultantes de negociações entre os Estados, organizados, geralmente, em estruturas institucionais ou semi-institucionais (...), como é o caso de comitês, grupos de trabalho, grupos de ação, forças-tarefa, comissões mistas etc., em que são representados por autoridades ou especialistas de setores específicos que são objeto de atenção. [20]

DINH et all [21] acrescentam um elemento à definição das recomendações que é o de propor aos seus destinatários um determinado comportamento.

No caso do Brasil, a decisão sobre a implementação do conteúdo do acordo no ordenamento pátrio partiu de uma decisão da Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, que, por meio do Comunicado n° 12.746, de 9.10.2004, tornou públicos os procedimentos que seriam adotados a partir daquela data para a adoção das medidas definidas na Basiléia II, adaptadas às condições, peculiaridades e estágio de desenvolvimento do mercado brasileiro. Nesse documento, consta um cronograma de medidas a serem adotadas entre os anos de 2005 a 2010.

Em 2006, o conteúdo das primeiras minutas de Resolução do Conselho Monetário Nacional referentes a Brasiléia II foram expostas no portal eletrônico do Banco Central do Brasil durante 1 (um) mês, em uma espécie de audiência pública virtual, em que os interessados poderiam manifestar-se. Após esse prazo, teria início a edição das referidas Resoluções, quando, então, o acordo fará parte do ordenamento jurídico brasileiro.

Quadra o registro de que o segundo acordo da Basiléia já está produzindo inúmeras alterações no ordenamento jurídico pátrio, como exemplo tem-se a primeira parceria público-privada aprovada pelo TCU, referente às agências bancárias, em atendimento aos ditames do Comitê da Basiléia.

Eis a questão que agora exsurge: o Supremo Tribunal Federal definiu que as convenções internacionais devem ser objeto de apreciação pelo Congresso Nacional e de sanção final do Presidente da República para integrarem o ordenamento jurídico; o Comitê da Basiléia declara não possuir qualquer autoridade no âmbito internacional e que as Recomendações do Comitê não são juridicamente vinculantes, entretanto, mesmo os países não-membros do G-10 adotam essas recomendações que, pretensamente, têm apenas conteúdo técnico referente à regulação da atividade bancária no mundo. O Brasil adere a essas recomendações por meio de um Comunicado da Diretoria Colegiada do Banco Central e realiza uma audiência pública virtual.

II.2.1. A soft law

Principalmente no âmbito da política econômica, tem-se tornado cada vez mais comum a ocorrência do soft law no Direito Internacional, ou seja, a utilização de diversos instrumentos, que geram deveres nas relações mútuas entre pessoas de direito internacional, mas sobre as quais é acordado, expressa ou implicitamente, que são desprovidos de caráter jurídico; ou, ainda, são formulados textos que dificultam a caracterização do acordo como jurídico [22].

Koskenniemi [23] aponta como um dos benefícios das normas não vinculantes do Direito Internacional uma maior participação dos atores envolvidos nas questões discutidas, como empresas, técnicos, experts, representantes de populações locais (em casos envolvendo desenvolvimento sustentável), o que não ocorre nas negociações de instrumentos jurídicos internacionais clássicos, em que acabam prevalecendo os interesses hegemônicos. Há, portanto, o surgimento de um direito transnacional que ultrapassa o Direito Internacional Público e a regulação estatal.

Virally [24] aponta como uma das causas desse fenômeno a conjuntura econômica internacional extremamente flutuante dos dias de hoje e a intensificação das relações internacionais contemporâneas de que resultam situações difíceis de submeter ao Direito.

Dentre os argumentos apresentados na doutrina, merecem destaque os principais fatores que levam à opção pela soft law em detrimento das convenções mais solenes do Direito Internacional (chamados na doutrina americana de hard law), que são a flexibilidade e a celeridade, possíveis na medida em que são dispensados os trâmites constitucionais de adoção do instrumento de Direito Internacional no ordenamento doméstico.

No que tange à existência de conteúdo jurídico, há divergências doutrinárias quanto à verdadeira natureza da soft law.

Parte majoritária da doutrina parte do pressuposto de que o principal elemento para a constituição de uma norma jurídica no âmbito internacional é o consenso, já que, nesse contexto, não há falar em um órgão superior legitimado à edição de normas. Partindo dessa premissa, Nasser [25] conclui que os instrumentos de soft law produzidos pelos Estados não são fontes autônomas do Direito Internacional porque os Estados poderiam celebrar um Tratado, mas optaram por não fazê-lo.

AREND [26] é ainda mais radical ao defender que não se deve nem utilizar o termo "law" na designação desses instrumentos, pois, para ele, a base da formação das normas jurídicas internacionais é o consenso. Se não há consenso sobre a obrigatoriedade do quanto disposto em determinado instrumento, trata-se, então, de regra do jogo ("rule of the game"), termo que seria muito mais apropriado.

Outra parcela, já bem menos expressiva [27] defende que não é a denominação que se dá à norma internacional que vai definir se ela é juridicamente vinculante (hard) ou se não o é (soft law); é a decisão, no caso concreto, seja proveniente de uma Corte Internacional ou de um juiz no âmbito doméstico que, ao decidir uma contenda, definirá a natureza da norma [28].

Uma terceira corrente, apesar de não caracterizar a soft law como fonte de Direito Internacional vinculante, reconhece que esses instrumentos têm efeitos jurídicos e essa é a corrente que melhor explica o fenômeno dessas normais flexíveis.

Schreuer [29], ao analisar o caso específico das Recomendações firmadas no âmbito das organizações internacionais conclui que, apesar de seu caráter não vinculante, seus efeitos práticos são indiscutíveis e podem ser classificados como explicativos, programáticos-inovativos, legitimadores ou terminativos.

No caso das Recomendações do Comitê da Basiléia, fica evidente sua principal característica: programático-inovativa, dado o expresso intuito de uniformizar a regulação do sistema bancário em todo o mundo, de fato, inovando os sistemas jurídicos internos de cada país.

Schreuer aborda a questão da natureza jurídica desses instrumentos de outra perspectiva: para ele, a questão sobre se elas são juridicamente vinculantes não é o cerne do problema. Na prática, a importância legal ou a autoridade das recomendações pode variar de acordo com fatores como a posição e o respeito pelo órgão, sua composição, seu papel como órgão principal ou acessório, a autoridade nele investida pelos poderes conferidos e o respeito por suas atividades anteriores.

No mesmo sentido, Dinh et all [30] (2003) entendem que os destinatários das Recomendações não são obrigados a se submeterem e não cometem infrações em caso de desrespeitarem-nas, entretanto, reconhecem a esses instrumentos um valor normativo e as possíveis sanções políticas decorrentes do descumprimento de seu conteúdo. Acrescentam, ainda, dois requisitos aos apresentados por Schreuer para analisar o alcance dos efeitos das Recomendações: o quorum alcançado em sua votação, a importância dos Estados que exprimem reservas nesta ocasião e existência ou não de mecanismos de controle de aplicação das recomendações.

Considerando o caso concreto, tanto o BIS como o Comitê da Basiléia ocupam posição extremamente relevante no sistema financeiro internacional, porque tem como missão proporcionar a cooperação entre bancos centrais e outras agências em busca da estabilidade monetária e financeira e, mais importante, atua como banco central dos bancos centrais por meio das seguintes atividades: (i) serve como fórum de discussão e análise de políticas entre os bancos centrais, juntamente com a comunidade financeira internacional; (ii) centro de pesquisa econômica e monetária; (iii) principal parceiro dos bancos centrais em suas transações financeiras; (iv) agente ou trustee de operações financeiras internacionais [31].

O BIS oferece, ainda, um largo espectro de serviços financeiros para dar suporte aos bancos centrais e outras instituições financeiras oficiais na administração de suas reservas de moeda estrangeira. Schreuer compreende que a influência mais óbvia da soft law na conduta dos Estado por meio da regulação e de parâmetros de conduta é exercida pelas organizações internacionais que têm reais benefícios a distribuir, como serviços ou empréstimos — exatamente o caso do BIS. Chama, ainda, atenção para o problema ainda não resolvido de que esses concertos internacionais, muitas vezes, não envolvem todos os países por ele afetados e que os problemas substantivos de Direito Internacional raramente são devidamente enfrentados.

Confrontando os critérios apresentados por SCHREUER e DINH et all e as características do BIS e do Comitê da Basiléia, pode-se dizer que é bem considerável a relevância jurídica dos Princípios da Basiléia II — motivo pelo qual o presente trabalho adere a essa terceira corrente —, em razão da importância dessa organização, que ocupa posição central na regulação do sistema financeiro mundial (o que se verifica na sua relação com bancos centrais e demais órgãos reguladores) e do fato de que há participação direta em operações financeiras internacionais. Há, ainda, o Grupo de Implementação do Acordo (Accord Implementation Group), dentro do Comitê da Basiléia, responsável por acompanhar a implementação de suas Resoluções. Por óbvio, esse Grupo não tem poder de autuar nenhum país que descumpra os critérios formulados, mas, em um mercado em que a fidúcia é componente fulcral, o simples fato de dar conhecimento ao mundo de que um mercado não segue as medidas de prevenção de riscos, já representa uma importante forma de coação política e, até, financeira. Soma-se a isso o fato de que o Banco Mundial e o FMI tem exigido a adoção dos princípios da Basiléia como requisito para concessão de empréstimo.


III.A Basiléia II e o Direito brasileiro

Assim, como visto na doutrina desenvolvida por Schreuer, os instrumentos de soft law podem produzir diversos tipos de efeitos e a aplicação dessa doutrina ao caso concreto levou à conclusão de que a Basiléia II tem efeito programático-normativo, tendo em vista seu objetivo declarado de produzir alterações nos ordenamentos jurídicos no que tange a regulação do sistema bancário.

Para os países que fazem parte do Comitê e que se comprometeram a adotar os princípios da Basiléia, não seria árduo o trabalho doutrinário para qualificar as Recomendações como acordo internacional multilateral. Outra opção seria considerar como ato unilateral o compromisso assumido pela União Européia, por exemplo, em aderir ao acordo.

No caso do Brasil, entretanto, a questão tem outra dimensão, dado que o País não participou da formulação dos princípios. Até existe um fórum de discussão para os países que não fazem parte do Comitê, mas suas manifestações não necessariamente são acatadas ou consideradas no Fórum principal de negociação e tomada de decisão [32].

Wheatley [33] analisa a legitimidade democrática dos instrumentos expedidos por organismos multilaterais com base nos mesmos pressupostos de legitimação propostos por Habermas. Diante da impossibilidade da existência de um Parlamento mundial e, portanto, de um procedimento democrático no âmbito global, o autor aponta duas soluções: ou se trabalha para construir uma ordem global democrática ou as instituições democráticas domésticas devem ser protegidas das normas que surgiram sem o controle popular.

As recomendações da Basiléia, no plano internacional, têm grande déficit de legitimidade para o Brasil, na medida em que não houve participação em sua formulação.

No plano interno, por não constituir tratado internacional, a Basiléia II passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro por meio de Resoluções do Conselho Monetário Nacional, em atenção a uma decisão da Diretoria Colegiada do Banco Central.

Uma interpretação restritiva das normas referentes à adoção dos acordos internacionais e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal facilmente levaria à conclusão de que as medidas tomadas pela autoridade monetária não sofrem de qualquer vício.

Noutra toada, não se pode olvidar que a Basiléia II é um instrumento de origem internacional que tem objetivo confesso de alterar o ordenamento pátrio, com conseqüências altamente relevantes para a economia nacional. As recomendações foram formuladas em uma ordem tida pelo Supremo como totalmente distinta da ordem interna e, portanto, necessitam de uma norma jurídica formulada internamente para produzir seus efeitos.

Ademais, deve-se atentar para a importância dos procedimentos como garantia do rule of law nas democracias constitucionais, que garantem seja o cidadão submetido a normas formuladas publicamente promulgadas.

E aqui se propõe uma interpretação teleológica da necessidade de observância desses procedimentos. Como mencionado no início, a apreciação do tratado internacional pelo Congresso e, ao final, pelo Presidente, tem por escopo conferir legitimidade à norma que passará a vincular os cidadãos. Isso porque se fosse uma norma primária gerada apenas no plano interno, ela seria objeto de apreciação por esses dois poderes, o que constitui garantia do cidadão no Estado Democrático de Direito.

Ora, o Supremo afirmou e reafirmou a importância desses procedimentos quando a norma é de origem internacional. A Basiléia II, por não ser tratado nem convenção internacional, mas, sim, concerto internacional com efeitos jurídicos, com muito mais razão deve ser submetida à apreciação do Legislativo e do Chefe do Poder Executivo, até porque o Brasil não participou de sua formulação.

Não deve ser submetida a esses poderes simplesmente pela atenção a um trâmite burocrático, mas porque o procedimento do processo legislativo permite um debate acerca do conteúdo da norma pelos representantes escolhidos diretamente pela nação, porque é avaliado seu impacto na economia na Comissão de Assuntos Econômicos e, mais importante, há um juízo de constitucionalidade prévio na Comissão de Constituição e Justiça.

Como apontado, as recomendações da Basiléia tangenciam matéria constitucional referente ao papel do Estado como agente regulador. Ademais, como ensina Grau [34], a intervenção do Estado na economia deve estar pautada pelos princípios e objetivos positivados no art. 170. Uma norma desse jaez, que fixa o modelo de classificação dos riscos das instituições financeiras, que tem impacto direto na oferta do crédito, na formação da taxa de juros e nas condições de obtenção de empréstimos por parte do País deve, por certo, ser analisada à luz desses princípios da Constituição.

Não se está aqui a advogar a infalibilidade do procedimento do Decreto Legislativo para a produção de uma norma legítima. Em um país como o Brasil em que os escândalos envolvendo a atividade política são uma constante, não se tem a crença de que o simples procedimento seja a garantia do Estado de Direito. Esse, entretanto, é um dos instrumentos criados na tentativa de garantir a existência de uma democracia e do próprio Estado de Direito, que não pode ser desqualificado em razão desses eventos.

Ainda, a Constituição não tem uma letra rígida no que tange ao Decreto Legislativo e suas funções e não determina que seja observado tão-somente no caso dos acordos internacionais no sentido clássico; sua utilização pode e deve ser ampliada para os instrumentos de soft law que tenham relevante impacto social e econômico e/ou provoquem mudanças no ordenamento.

Por mais que fosse rígido o texto da Carta Magna, com a nova configuração do plano internacional, em que se multiplicam os instrumentos de soft law, é imprescindível fortalecer os instrumentos internos que garantam a legitimidade das leis, lembrando a proposição de Wheatley. A interpretação do conteúdo da Constituição varia de acordo com as mudanças sociais e o tempo histórico da aplicação dessas normas, por isso a adoção da Basiléia II via procedimento de Decreto Legislativo torna-se mandatória.

Ocorre que as recomendações da Basiléia já estão em fase de implantação por meio de Resoluções do Conselho Monetário Nacional. Quanto às Resoluções já editadas, não faria muito sentido submetê-las ao procedimento do Decreto Legislativo porque são normas já vigentes e eficazes. Assim, tendo em vista a possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade de Resoluções do CMN, resta apenas a apreciação da conformação dessas Resoluções com a Carta Maior. É bem verdade que o espectro da discussão no STF é bem mais estreito do que no Congresso, até em razão da natureza da atividade de cada um desses poderes. Estando, porém, em vigor as recomendações da Basiléia, seria esta a opção plausível.

Vale o registro de que, além das limitações próprias do debate no âmbito da jurisdição constitucional, caso a apreciação das recomendações fosse realizada separadamente, cada resolução com uma medida da Basiléia sendo objeto de um processo diferente, a compreensão de todos os efeitos do acordo e de seus impactos no ordenamento será deveras reduzida.

Vê-se, portanto, que, apesar de o Supremo Tribunal Federal não ter apreciado diretamente a questão da soft law, sua jurisprudência lançou bases sólidas para a interpretação desse novo fenômeno do Direito Internacional, quais sejam, a necessidade de apreciação das normas de origem internacional pelo Congresso e pelo Chefe do Executivo como requisito para produção de normas legítimas e a mais absoluta supremacia da Constituição.

Nesse contexto, é irrelevante que a Basiléia II não seja um acordo internacional nos moldes clássicos, é um instrumento de conteúdo programático-normativo, que tem por escopo provocar mudanças tanto na ordem jurídica como econômica brasileira, e que, por isso, deve ser internalizada por meio de Decreto Legislativo. E, como essas normas passarão a fazer parte do ordenamento interno, por óbvio, devem estar em consonância com o texto constitucional.

Há que se fazer o registro final de que a questão da Basiléia está inserida em um contexto de economia global de mercados financeiros altamente integrados, em que os fluxos de capitais são, deveras, livres e rápidos. Esse é um dado da economia que não pode ser mais importante que a manutenção do Estado de Direito. A idéia, de forma alguma, é o isolamento, mas, pelo contrário, é a integração em um espaço político internacional que prima pela democracia e pelo Estado Democrático de Direito.

É certo que uma economia de terceiro mundo precisa recorrer constantemente ao mercado financeiro internacional e essa necessidade é um fator que pesa para qualquer Estado quando é preciso fazer a opção por adotar os padrões de regulação formulados pelo BIS. Essa necessidade dos países mais pobres não pode, entretanto, ocasionar o desrespeito à manutenção interna do Estado de Direito. Desde que foi criada a moeda, sempre houve aqueles que necessitaram recorrer a empréstimos e os devedores, na antiguidade, pagavam pela dívida com seus corpos. Foi a evolução da humanidade e da concepção de Direito que permitiu garantir a dignidade dos devedores. No presente, faz-se necessário construir um novo entendimento acerca dos instrumentos de soft law que permita o respeito ao Estado de Direito de cada país, ainda que devedor.


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Notas

  1. DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. trad. Vítor Marques Coelho, 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
  2. RODAS, João Grandino. A publicidade dos tratados internacionais, Ed. RT, 1980, p. 200
  3. ROSENFELD, Michel. The rule of Law and the legitimacy of Constitucional Democracy. Southern California Law Reviwe, vol. 74
  4. Nos Estados Unidos, Dworkin é defensor de um conceito mais substancial das garantias do Estado de Direito, em especial quando trata do devido processo legal e da garantia de que seja observado o direito a ser tratado como igual consideração em um processo, com base na interpretação conferida pela Suprema Corte à Décima Quarta Emenda (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. trad. e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002). Ely já tem uma postura crítica com relação ao substantive due process of law; para ele, a Constituição, originalmente, dispõe sobre questões de processos e estruturas e não à identificação e preservação de valores substantivos específicos.( LEY, John Hart. Democracy and Distrust. A theory of Judicial Review Cambridge: Harvard University Press, 1995, p. 92). Habermas, por sua, vez, vez, forta na teoria da razão comunicativa, defende o procedimentalismo que permite o amplo debate e a captação do fluxo comunicacional pelos processos positivados em direito, o que proporciona a criação de uma norma legítima ( HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Trad. de George Sperber, Paulo Astor Soethe e Milton Mota. São Paulo: Edições Loiola, 2004, p. 339)
  5. EICHENGREEN, Barry. Globalizing Capital – A history of the international monetary system. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1996.
  6. FREITAS, Maria Cristina Penido de e PRATES, Daniela Magalhães. Sistema Financeiro e Desenvolvimento: as restrições das novas regras do Acordo da Basiléia para os países periféricos, disponível em < http://www.ie.ufrj.br/prebisch/pdfs/11.pdf >, acesso em 25.6.2006
  7. Idem
  8. O Comitê da Basiléia é, hoje, formado por 13 países: Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Luxemburgo
  9. FREITAS, Maria Cristina Penido de e PRATES, Daniela Magalhães. Sistema Financeiro e Desenvolvimento: as restrições das novas regras do Acordo da Basiléia para os países periféricos, disponível em <http://www.ie.ufrj.br/prebisch/pdfs/11.pdf >, acesso em 25.6.2006
  10. GUP, Benton E. The New Basel Capital Accord. New York: Thomson, 2004.
  11. CARVALHO, Fernando J. Cardim de. Inovação Financeira e Regulação Prudencial: da regulação de liquidez aos acordos da Basiléia. disponível em <http://www.funenseg.com.br/eventos/downloads/inovacao_financeira_e_regulacao.pdf.>, acesso em 26.12.2006
  12. GUP, Benton E. The New Basel Capital Accord. New York: Thomson, 2004. p. iii
  13. Sempre que um economista propõe a adoção de um determinado modelo econômica, ele faz uma proposição normativa, com conteúdo de dever ser. No entendimento de Myrdal, adotado pelo presente trabalho, a escolha de uma medida econômica e do objetivo a ser atingido com essa medida deve ser feita por um político, pois envolve a ponderação de valores e não a mera ciência (MYRDAL, Gunnar. Aspectos políticos da teoria econômica. Rio de Janeiro: Editora Nova Cultural, 1997).
  14. FREITAS, Maria Cristina Penido de e PRATES, Daniela Magalhães. Sistema Financeiro e Desenvolvimento: as restrições das novas regras do Acordo da Basiléia para os países periféricos, disponível em <http://www.ie.ufrj.br/prebisch/pdfs/11.pdf >, acesso em 25.6.2006
  15. SCOTT, Paulo Henrique Rocha. Direito Constitucional Econômico: Estado e normalização da economia. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.
  16. GIOVANOLI, Mario. Banking Law in Transition (Foreword). in Law in transition on line, European Bank, out; 2005, disponível em <http://www.ebrd.com/pubs/legal/lit052a.pdf>, acesso em 21.2.2007
  17. Disponível em www.bis.org.br, acesso em 20.5.2007
  18. ALEXANDER, Kern; DHUMALE, Rahul; EATWELL, John. Global Governance of Financial Systems. The International Regulation of Systemic Risk. Oxford: Oxford University Press, 2006
  19. NASSER, Salem Hikmat. Fontes e formas do direito internacional: um estudo sobre a soft law. São Paulo: Atlas, 2005
  20. Idem,p. 130
  21. DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. trad. Vítor Marques Coelho, 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
  22. VIRALLY, Michel. Annuaire de l’Institut de Droit International. Paris : Editions A. Pedone, 1984. v. 60, t. I in MENEZES, Wagner. A "soft law" como fonte do direito internacional. in MENEZES, Wagner (coord.). Direito internacional no cenário contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2003
  23. KOSKENNIEMI, Martti. International law and hegemony: a reconfiguration. For Cambridge Review of International Affairs, 2004. Disponível em <http://www.helsinki.fi/eci/Publications/MHegemony.pdf>, acesso em 15.2.2006
  24. VIRALLY, Michel. Annuaire de l’Institut de Droit International. Paris : Editions A. Pedone, 1984. v. 60, t. I in MENEZES, Wagner. A "soft law" como fonte do direito internacional. in MENEZES, Wagner (coord.). Direito internacional no cenário contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2003, p. 214
  25. NASSER, Salem Hikmat. Fontes e formas do direito internacional: um estudo sobre a soft law. São Paulo: Atlas, 2005
  26. AREND, Anthony Clark. Legal Rules and International Society. Oxford: Oxford University Press, 1999
  27. KRATOCHWIL, Friedrich. Rules, Normas and Decisions – On the conditions of practical and legal reasoning in internacional relations and domestic affairs.Cambridge: Cambridge University Press, 1989
  28. KRATOCHWIL (1989, p. 203/204) cita como exemplo o caso da Propriedade Cultural Nigeriana, julgado na Corte Constitucional Alemã. O caso versava sobre o seguro contratado, na Alemanha, para o transporte de artefatos africanos de Porto Harcourt para Hamburgo. Durante o transporte, seis figuras de bronze foram perdidas e a seguradora recusou-se a pagar , sob o fundamento de que, de acordo com o Código Civil Alemão (BGB), os contratos contra bonos mores são proibidos. Havia, à época, uma lei nigeriana que proibia a exportação e transferência de propriedade cultural do País e um instrumento de soft law adotado como Recomendação da UNESCO em 1964, também com o objetivo de proibir e prevenir a transferência de propriedades culturais. Posteriormente à edição da Recomendação, foi celebrada uma Convenção com o mesmo objetivo, ratificada pela Nigéria mas não pela Alemanha Ocidental. Como o acordo havia sido celebrado na Alemanha, deveria incidir a lei civil alemã e não as normas internacionais não vinculantes. A Corte, entretanto, entendeu, com base na Convenção e nas Recomendações, que esses instrumentos expressavam "convicções fundamentais " da comunidade internacional de que cada país tem o direito de preservar suas heranças; assim, a violação desses princípios não merecia a proteção das normas de Direito Privado. A prática da transferência dos artefatos não se coadunava com a "boa moral" (good morals) e, no interesse da preservação da decência no comércio internacional, a seguradora foi declarada perdedora.
  29. SCHREUER, Christoph. The significance of International Organizations in current International Law. in Law and State – a biannual collection of recent german contributions to these fields, vol. 38. Tubigen: Institute for scientific co-operation, 1988
  30. DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. trad. Vítor Marques Coelho, 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
  31. informações institucionais disponíveis no portal do BIS, <www.bis.org>, acesso em 6.3.2007
  32. ALEXANDER, Kern; DHUMALE, Rahul; EATWELL, John. Global Governance of Financial Systems. The International Regulation of Systemic Risk. Oxford: Oxford University Press, 2006
  33. WHEATLEY, Steven. THe democratic legitimacy of International Law: the role of non-state actors. Paper apresentado na Conference «Non-State Actors as Standard Setters: The Erosion of the Public-Private Divide» | February 8-9 2007 | Hotel Hilton Basel, Switzerland
  34. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 São Paulo: Malheiros, 2001.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEIVA, Micheline Mendonça. O acordo da Basiléia e a questão da "soft law" e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre acordos internacionais. Uma reflexão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2904, 14 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19344. Acesso em: 18 abr. 2024.