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A aplicação subsidiária da legislação comum na execução trabalhista, a jornada sobre a execução no processo do trabalho e o anteprojeto do TST que altera a execução trabalhista

A aplicação subsidiária da legislação comum na execução trabalhista, a jornada sobre a execução no processo do trabalho e o anteprojeto do TST que altera a execução trabalhista

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O processo trabalhista, cuja simplicidade e celeridade em diversos aspectos influenciaram o processo comum, carece de buscar nele, agora, regras para uma maior efetividade e rapidez, ainda quando temos regras expressas na CLT versando sobre a matéria, razão maior da controvérsia doutrinária e jurisprudencial de nossos dias em matéria de aplicação subsidiária.

1. Introdução. 2. A CLT, o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho e o direito processual do trabalho – disciplina incompleta e anacrônica. 3. A lacuna da CLT e a compatibilidade do processo comum com os princípios do processo do trabalho como requisitos da aplicação da legislação processual comum na execução trabalhista. 4. Hipóteses conhecidas e incontroversas da aplicação subsidiária por vazio ontológico e axiológico da CLT. 5. A interpretação do princípio da subsidiariedade na Jornada Nacional sobre a Execução no Processo do Trabalho. 6. A alteração proposta pelo Tribunal Superior do Trabalho em matéria de aplicação subsidiária do processo comum no processo do trabalho. 7. Conclusões. 8. Referências.


1. Introdução

Problema dos mais instigantes da atualidade em matéria de processo do trabalho é o relativo à aplicação supletiva das regras do processo comum nas lacunas da Consolidação das Leis – CLT – e da legislação processual trabalhista complementar.

É que não obstante a aplicação supletiva de normas processuais por omissão da legislação específica seja prevista expressamente em duas regras da CLT, arts. 769 e 889, a doutrina e a jurisprudência não se entendem quanto às disposições do processo comum que podem ser trazidas ao processo do trabalho, sobretudo em vista da discussão em torno da existência ou não de lacunas e da compatibilidade das regras que devem ser trazidas, conforme as diretrizes de integração fixadas nos art. 769 e 889 da CLT.

Assim, neste trabalho, somos animados pelo problema da aplicação subsidiária da legislação comum no processo do trabalho, mas especificamente na execução trabalhista, tendo em vista que essa atividade jurisdicional específica (atividade executiva) é vista hoje como o "calcanhar de Aquiles" da Justiça Especial, o que demanda uma série de indagações em torno das normas aplicáveis para a sua efetividade em tempo razoável.

Refletimos, inicialmente, sobre as possíveis razões da lacuna da legislação específica quanto às normas que tornem a execução uma atividade mais efetiva e de duração em tempo razoável.

Abordamos, na sequência, a questão das lacunas possíveis numa legislação processual. Enfrentamos, nesse ponto, as discussões em torno das lacunas normativas, axiológicas e ontológicas.

No ponto seguinte, analisamos a compatibilidade da regra do processo comum com a execução trabalhista como requisito legislativo e lógico a que venhamos aplicar a legislação comum no processo do trabalho e na execução trabalhista.

No contexto de nosso trabalho, então, tem lugar a análise das interpretações que foram tiradas na Jornada Nacional sobre Execução no Processo do Trabalho, ocorrida em novembro de 2010, por iniciativa da associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA -, Associação dos Magistrados do Trabalho da 23ª Região - AMATRA 23 –- e do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região e, ainda, a proposta de alteração da CLT apresentada pelo Tribunal Superior do Trabalho ao Congresso Nacional, que considera a possibilidade de aplicação subsidiária das regras do processo comum na execução do processo do trabalho.


2. A CLT, o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho e o direito processual do trabalho – disciplina incompleta e anacrônica

Os que atuam no Direito e no Processo do Trabalho convivem com a particularidade de terem num único diploma legislativo regras que versam sobre o Direito Individual do Trabalho, em torno do Direito Coletivo e também sobre o Direito Processual do Trabalho. Em pouco mais de 900 artigos, a CLT disciplina essas três expressões distintas do direito material e processual trabalhista e não chega a alarmar a circunstância de que o faça de modo lacunoso.

De fato, a CLT não disciplina a contento qualquer das expressões do direito que mencionamos acima e não o faz apenas por razões históricas, mas também decorrentes do desenvolvimento científico, econômico e tecnológico e tendo em vista mais a pulverização, a ampliação e as características atuais das relações sociais em geral e as trabalhistas em particular.

Note-se, quanto ao direito processual, por exemplo, que experimentamos em torno dele um grande desenvolvimento científico desde a década de 1970, inclusive de conotações ideológicas, que não foram consideradas atentamente pelo legislador brasileiro para fins de adequação do direito processual trabalhista à ciência, sobretudo no campo do direito processual do trabalho.

O regime das intervenções de terceiro, do litisconsórcio e, o mais importante, das ações coletivas em regime de substituição processual no processo do trabalho, jamais recebeu do legislador brasileiro a menor das atenções, o que produziu, sem sombra de dúvidas, um atraso científico no processo do trabalho em se considerando o processo comum, mais sentido no presente em face das alterações que foram promovidas na execução do processo civil.

O atraso científico do processo do trabalho, acarretado pela falta de atualização da legislação, ademais, paralisou consideravelmente os operadores do direito e do processo especial. As interpretações restritivas que tivemos inicialmente em torno da substituição processual no processo do trabalho e que culminaram com a Súmula 310 do TST, hoje cancelada, por exemplo, são justificadas, parcialmente, por esse atraso que não permitia que atuássemos com segurança em torno dos novos fenômenos do direito e do processo.

No campo do desenvolvimento econômico e tecnológico, que desencadearam significativa demanda por justiça efetiva e em tempo razoável, estivemos mais a reboque dos acontecimentos do que em exercício de visão estratégica. Fomos reativos, enfim.

As alterações pontuais do sistema recursal e a introdução do procedimento sumaríssimo no processo do trabalho, esse numa tentativa de resgate da audiência única, são exemplos de uma atuação reativa, quando o clamor por Justiça nas relações de trabalho estava comprometendo a própria subsistência da Justiça do Trabalho.

É preciso anotar, nesse ponto, que o recurso digitalizado, o seu processamento eletrônico e a alteração promovida no nosso Agravo de Instrumento, sobretudo com a exigência de depósito recursal para o seu manejo, não serão suficientes a que tenhamos uma duração razoável do processo no Tribunal Superior do Trabalho. Não é sensato e humano que os ministros da maior corte de Justiça do Trabalho do nosso país sejam submetidos à recepção anual de cerca de 120 mil processos.

Urge, assim, que efetivemos mecanismo de trancamento dos recursos nas esferas regionais, como acontece, na atualidade, com a exigência do pressuposto da repercussão geral, no recurso extraordinário, e com o julgamento dos recursos repetitivos, no recurso especial.

Pois bem. As lacunas e omissões da CLT e da legislação processual complementar e esse relativo imobilismo do legislador brasileiro fez com que tivéssemos agravada a controvérsia sobre a aplicação subsidiária do processo comum no processo do trabalho. Enquanto a sociedade exige maior presença da Justiça, um processo efetivo e em tempo razoável e o legislador do processo civil promove alterações no Código de Processo Civil visando adaptá-lo às novas circunstâncias, quase não temos alterações no processo regulado pela CLT.

E, nesse quadro, é valiosa a observação de Antonio Umberto de Souza Júnior:

Porém, a relação complexa entre os ordenamentos processuais comum e trabalhista deixa nas mãos dos intérpretes e aplicadores um dilema crucial para a vitalidade da execução no âmbito da Justiça Laboral: ocupar ou pressionar, por todos os meios idôneos possíveis, as trincheiras do Parlamento em busca da efetividade perdida no processo do trabalho ou, por meio de uma ação transformadora constitucionalmente justificada, incorporar desde já ao processo do trabalho todas as inovações do CPC capazes de produzir soluções mais satisfatórias para a aceleração da prestação jurisdicional no momento sublime de sua concretização – que é a execução.

Constatamos, então, atônitos, que o nosso processo, cuja simplicidade e celeridade em diversos aspectos influenciaram o processo comum carece de buscar nele, agora, regras para uma maior efetividade e rapidez, ainda quando temos normas expressas na CLT versando sobre a matéria, razão maior da controvérsia doutrinária e jurisprudencial de nossos dias em matéria de aplicação subsidiária.

Vejamos, por exemplo, a controvérsia em torno da aplicação da multa do art. 475-J do CPC no processo do trabalho, bem representada pelo aresto a seguir transcrito, uma das questões de maior debate quanto à aplicação das regras do CPC na execução trabalhista:

MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. MEDIDA COERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL. O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação. A decisão que determina a incidência de multa do art. 475-J do CPC, em processo trabalhista, viola o art. 889 da CLT, na medida em que a aplicação do processo civil, subsidiariamente, apenas é possível quando houver omissão da CLT, seguindo, primeiramente, a linha traçada pela Lei de Execução fiscal, para apenas após fazer incidir o CPC. Ainda assim, deve ser compatível a regra contida no processo civil com a norma trabalhista, nos termos do art. 769 da CLT, o que não ocorre no caso de cominação de multa no prazo de quinze dias, quando o art. 880 da CLT determina a execução em 48 horas, sob pena de penhora, não de multa. Recurso de revista conhecido e provido, no tema, para afastar a multa do art. 475-J do CPC. Recurso de revista conhecido e provido. Recurso de revista conhecido e provido.  Processo: RR - 962/2006-111-03-00.8 Data de Julgamento: 10/06/2009, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 19/06/2009.


3. A lacuna da CLT e a compatibilidade do processo comum com os princípios do processo do trabalho como requisitos da aplicação da legislação processual comum na execução trabalhista

A regra que estatue a aplicação subsidiária da legislação do processo comum no processo do trabalho, arts. 769 da CLT, impõe a necessidade de que tenhamos lacunas ou omissões na legislação especial como condição à aplicação das regras do processo comum. Noutras palavras, só é possível aplicar a legislação comum na jurisdição trabalhista se houver lacuna ou omissão na CLT e na legislação complementar específica.

O que devemos entender, destarte, por lacunas e omissões da legislação processual trabalhista? Oportuna, nesse ponto, então, a lição de Karl Engisch:

As lacunas são deficiências do Direito positivo (do Direito legislado ou do Direito consuetudinário), apreensíveis como faltas ou falhas de conteúdo de regulamentação jurídica para determinadas situações de facto em que é de esperar essa regulamentação e em que tais falhas postulam e admitem a sua remoção através duma decisão judicial jurídico-integradora.

Com base na definição de Karl Engisch, pois, haverá lacuna toda vez que a CLT não preveja regra sobre a matéria. O jurista alemão, por sua vez, destaca, em sua definição, a integração do sistema por meio da atuação judicial, o que nós encontramos, por exemplo, na previsão do art. 126 do CPC.

Tratando especificamente das lacunas ou omissões da CLT e tendo em vista a definição de Engisch, podemos dizer que há lacuna ou omissão, por exemplo, no sistema recursal da CLT, quanto aos requisitos da legitimidade e do interesse para o manejo dos recursos. Temos omissão, também, quanto ao trato, como já ressaltamos, da intervenção de terceiros no processo do trabalho. São tantas as lacunas e omissões, porém, que nem convém tentar relacioná-las... Falamos, aqui, então, de omissão ou lacuna legislativa.

Porém, corrente de interpretação que tem ganhado força assevera que a lacuna que autoriza a aplicação supletiva do processo comum não é apenas a lacuna normativa, mas também as chamadas lacunas axiológicas e as ontológicas.

Vejamos a lição de Bobbio sobre a lacuna axiológica, por ele chamada de ideológica:

Mas existe um outro sentido de lacuna, mais óbvio, quero dizer, menos controverso, que merece uma breve explanação. Também se entende por "lacuna" a ausência não de uma solução, seja ela qual for, mas de uma solução satisfatória, ou, em outras palavras, não a ausência de uma norma, mas a ausência de uma norma justa, ou seja, daquela norma que gostaríamos que existisse, mas não existe. Como essas lacunas derivam não da consideração do ordenamento jurídico como ele é, mas do confronto entre o ordenamento jurídico como ele é e como deveria ser, foram chamadas "ideológicas", para distingui-las daquelas que fossem eventualmente encontradas no ordenamento jurídico como é, e que podem ser chamadas de "reais".

Note-se que a regra ideal de que trata Bobbio, não encontrada no sistema, é a mesma regra ideal que, no nosso caso, não encontramos no sistema do processo do trabalho, mas que podemos encontramos no sistema do processo comum.

Assim, a lacuna axiológica considera o valor da regra existente no sistema específico em confronto com a regra do processo comum a ser utilizada em substituição. Segundo essa interpretação, pois, a regra do processo comum pode ser aplicada em substituição da existente na CLT, por exemplo, se ela contiver um valor social que se sobreponha ao valor da regra específica.

É o caso, em nossa opinião, da previsão celetista de julgamento da exceção de suspeição ou de impedimento pelo próprio órgão cuja parcialidade a parte suscita. Nessa hipótese, parece ser evidente que a regra da CLT deve ser substituída pelas regras do CPC, que se sobrepõem do ponto de vista ético.

A lacuna ontológica, por sua vez, é aquela configurada pela falta de contemporaneidade da regra existente. Há uma regra disciplinando a questão no processo do trabalho, mas ela não é adequada em vista dos avanços históricos. É uma regra que envelheceu, que precisa ser substituída por uma regra mais nova, encontrada, no caso, no processo comum. Exemplo desse tipo de lacuna nós encontrávamos no art. 830 da CLT, alterado recentemente, que desconsiderava a existência dos modernos meios de reprodução de documentos.

O ensino de Karl Engisch é por demais esclarecedor quanto a esse tipo de lacuna:

Como também se diz, não há apenas "lacunas primárias", lacunas de antemão inerentes a uma regulamentação legal, mas ainda lacunas secundárias, quer dizer, lacunas que só supervenientemente se manifestam, porque, entretanto, as circunstâncias se modificaram. Isto vale, de resto, não só para a modificação das valorações, mas também pelo que toca à alteração das circunstâncias de fato relativas ao objeto da regulamentação: As regulamentações Jurídicas não raro se tornam posteriormente lacunosas pelo fato de, em razão de fenômenos econômicos inteiramente novos (pense-se na inflação) ou de progressos técnicos (aviação, filmes, discos, rádio, televisão, cirurgia do cérebro, inseminação artificial), surgirem questões jurídicas às quais a regulamentação anterior não dá qualquer resposta satisfatória.

A existência, na atualidade, dessa distinção entre lacunas normativas ou legislativas e lacunas ontológicas e axiológicas coloca os estudiosos e intérpretes do processo do trabalho em dois grupos: o que considera, restritivamente, a "omissão" prevista nas regras celetistas como condição de aplicação de regras do processo comum para lacuna apenas legislativa e o que considera que as lacunas passíveis de preenchimento também são as axiológicas e as ontológicas.

De nossa parte, ressaltamos a necessidade, como valor de todos os tempos, de que os conflitos sejam resolvidos pelo Poder com efetividade e em tempo razoável, razão pela qual somos favoráveis à aplicação das regras do processo comum no processo do trabalho e execução trabalhista, não apenas na hipótese de lacuna normativa, mas também nas lacunas ontológicas e axiológicas. Aliás, como vamos revelar no capítulo seguinte, essa aplicação tem sido muito comum e por parte de todos os juristas, sem exceção, e alguns sequer notam a sua ocorrência.

Anote-se, por oportuno, em abono ao nosso argumento, que relativamente à execução trabalhista a regra do art. 889 da CLT remete o intérprete à aplicação subsidiária da Lei de Execução Fiscal, atualmente a Lei n. 6.830/80, exceto no que diz respeito à ordem de preferência dos bens à penhora, no que prevalece a regra do art. 655 do CPC.

Essa remessa à Lei da Execução Fiscal tem justificativa no trato mais vantajoso que a lei dá ao credor, colocando-o em situação de prevalência sobre o devedor, o que evidencia, assim, a preocupação do legislador celetista em nos remeter a um conjunto de regras que possa dar maior efetividade e celeridade à atividade jurisdicional executiva trabalhista.

Sem deixarmos de atentar para a circunstância de que temos imposto ao jurisdicionado, também em matéria de execução trabalhista, uma situação de instabilidade que precisa ser urgentemente corrigida, o que deve ser feito por meio da alteração da legislação processual celetista, somos favoráveis à imediata aplicação, em matéria de processo, do princípio do in dúbio pro efetividade, conforme a proposta de Schiavi, ou seja, da prevalência da regra do processo comum sobre a regra específica do processo do trabalho se dessa aplicação resultar um processo efetivo.

Relativamente à questão da compatibilidade, observamos que não se trata de critério objetivo, o que é aspecto que dificulta a atuação concreta da regra. A essência do que é ou não compatível é juízo subjetivo, variável e, destarte, controverso.

Interpretamos que, de qualquer modo, a compatibilidade da regra do processo comum a ser trazida ao processo do trabalho deve ser aferida à luz dos princípios do Processo do Trabalho, em vista da função estruturadora que os princípios exercem em todos os sistemas de conhecimento.

Assim, uma norma do processo comum pode ser aplicada no Processo do Trabalho se for compatível com os princípios desse processo, do que dá noção a OJ n. 310 da SDI do TST, que considera o princípio da sumariedade dos ritos, que é uma consequência da oralidade praticada no processo do trabalho, para dizer da inaplicabilidade do art. 191 do CPC no nosso processo:

OJ-SDI1-310 LITISCONSORTES. PROCURADORES DISTINTOS. PRAZO EM DOBRO. ART. 191 DO CPC. INAPLICÁVEL AO PROCESSO DO TRABALHO (DJ 11.08.2003).


4. Hipóteses conhecidas e incontroversas da aplicação subsidiária por vazio ontológico e axiológico da CLT

Neste capítulo nos ocupamos da demonstração de três aplicações comuns do preenchimento dos vazios axiológicos ou ontológicos do sistema do processo do trabalho pela aplicação de regras do processo comum, não obstante a existência de regras versando sobre o tema no processo do trabalho.

Vejamos, em primeiro lugar, a regra do art. 897-A da CLT que versa sobre os Embargos de Declaração:

Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subseqüente a sua apresentação, registrado na certidão, admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso. 

A norma em questão trata dos Embargos de Declaração no processo do trabalho. Note-se que não há na regra em comento nenhuma alusão ao cabimento dos Embargos de Declaração em vista da obscuridade da decisão. As hipóteses previstas são omissão, contradição e manifesto equívoco no exame de pressupostos extrínsecos do recurso.

A interpretação da regra do art. 769 da CLT, restringindo o requisito da existência de lacuna na CLT ao aspecto do vazio normativo, acabaria por determinar que o defeito da obscuridade não pudesse ser objeto de correção pela via dos ED, o que seria um absurdo.

Entretanto, todos nós aplicamos a disposição do art. 535 do CPC, sem que haja omissão na CLT sobre as hipóteses de cabimento dos Embargos de Declaração na CLT, e muitos sem sequer se darem conta do teor da regra do art. 897-A, porque constatamos na norma do art. 897-A um vazio axiológico a ser preenchido pela previsão do CPC.

Por outro lado, ainda em matéria de Embargos de Declaração, outro aspecto que nos chama atenção é o de que a previsão de multa pelo uso protelatório do recurso consta apenas no CPC. Novamente aqui, a interpretação do que seja omissão no art. 769 da CLT, se restrito ao vazio normativo, não permitiria o uso do Parágrafo único do art. 538 do CPC no nosso processo.

Destaquemos, nesse ponto, o cabimento do Reexame Necessário no processo do trabalho. A regra que deveria ser observada por nós, não fosse a constatação de um vazio ontológico nela, seria a do Decreto n. 779/1969, que não estabelece qualquer requisito para o duplo grau necessário ou recurso de ofício, senão a sucumbência da Fazenda Pública.

Não obstante, abandonando a norma específica do processo do trabalho, conforme podemos ver na Súmula 303 do c. TST, aplicamos a disposição do art. 475 do CPC, que restringe o duplo grau necessário, entre outras coisas, a que a sucumbência da Fazenda Pública tenha sido superior a 60 salários mínimos.

A aplicação da regra do CPC, chancelada pela Súmula 303 do TST, não obstante a existência de norma específica no processo do trabalho, Decreto n. 779/69, é em vista de um vazio ontológico que pretendemos corrigir e que Francisco Antonio de Oliveira justifica com base no princípio da razoabilidade.

O terceiro exemplo, dentre outros possíveis, de como superamos na prática a questão da existência de regra do processo do trabalho para aplicar norma de melhor conteúdo do processo comum é o concernente aos julgamentos das exceções de impedimento e de suspeição apresentadas nas Varas do Trabalho.

A regra do art. 13 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho nos diz que nesses casos o juiz do trabalho que não admita o impedimento ou suspeição deve remeter os autos ao Tribunal para decisão da exceção, observando as disposições dos arts. 313 e 314 do CPC. Ressalte-se, porém, que temos previsão na CLT, art. 802, que disciplina de modo específico a questão afirmando que o julgamento da exceção será pelo próprio juiz cujo impedimento ou suspeição se levante.

Nesse ponto, abandonamos a regra da CLT em razão de seu evidente vazio axiológico e ontológico.

Como podemos perceber, a aplicação de regra do processo comum no processo do trabalho, apesar da existência de normatização específica na legislação própria, é mais comum do que imaginamos de início e sempre ocorre tendo em vista o desejo de praticarmos um processo mais racional, efetivo e que contemple o jurisdicionado com uma prestação jurisdicional em tempo razoável.


5. A interpretação do princípio da subsidiariedade na Jornada Nacional sobre a Execução no Processo do Trabalho

No mês de novembro de 2010, por iniciativa da ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, da AMATRA 23 – Associação dos Magistrados do Trabalho da 23ª Região - e do TRT23 – Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região -, estudiosos do direito e do processo do trabalho estiveram reunidos, em Cuiabá-MT, numa Jornada para a discussão de temas da execução trabalhista, justamente pelo reconhecimento da importância dessa atividade jurisdicional e pela constatação de que ela tem sido o ponto mais sensível de nossa atuação.

Este importante encontro nos legou cinquenta e cinco Enunciados que representam a tendência de interpretação do Judiciário Trabalhista brasileiro sobre inúmeros temas da execução. O estudo dos Enunciados da Jornada nos revela, com clareza, a forte tendência da incidência das regras do Código do Processo Civil atual em nossa execução, inclusive nos casos em que temos normas do processo do trabalho disciplinando a matéria.

Este capítulo de nosso trabalho se debruça sobre os Enunciados da Jornada sobre a Execução no Processo do Trabalho com o objetivo de destacar as principais interpretações que os estudiosos tiraram para a nossa execução com base na aplicação das regras do processo comum.

Observaremos, por outro lado, a força que as interpretações possuem de modo a impulsionar a mudança da legislação, o que nós costumamos destacar como sendo uma demonstração de que a doutrina é fonte material de Direito.

Analisemos os Enunciados pela ordem de inserção deles no documento retirado da Jornada Nacional.

O Enunciado de número 2 tem a seguinte redação:

PODER GERAL DE CAUTELA. CONSTRIÇÃO CAUTELAR E DE OFÍCIO DE PATRIMÔNIO DO SÓCIO DA EMPRESA EXECUTADA, IMEDIATA À DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DESTA. CABIMENTO. Desconsiderada a personalidade jurídica da executada para atingir o patrimônio dos sócios, em se constatando a insuficiência de patrimônio da empresa, cabe a imediata constrição cautelar de ofício do patrimônio dos sócios, com fulcro no art. 798 do Código do Processo Civil (CPC), inclusive por meio dos convênios Bacen Jud e Renajud, antes do ato de citação do sócio a ser incluído no pólo passivo, a fim de assegurar-se a efetividade do processo.

A interpretação em questão com base no art. 798 do CPC preenche uma lacuna no sistema do processo do trabalho e do sistema do processo comum quanto ao procedimento a ser utilizado na desconsideração da personalidade jurídica. Não obstante encontremos no Enunciado n. 10 da mesma Jornada a previsão de que os sócios da pessoa jurídica desconsiderada sejam previamente citados para a execução, o Enunciado 2 prevê a possibilidade da penhora cautelar, hipótese na qual o contraditório e a ampla defesa do sócio são diferidos, ficam para o futuro, num sacrifício momentâneo e justificado pela necessidade de dar-se efetividade à atividade executiva.

A alteração da CLT proposta pelo TST prevê a citação postal dos corresponsáveis, entre eles, na nossa interpretação, dos sócios em eventual desconsideração da personalidade jurídica, o que não impede, todavia, a medida de poder geral de cautela de que trata o Enunciado aprovado na Jornada.

Art. 879-A, § 3º A inclusão dos corresponsáveis será precedida de decisão fundamentada e realizada por meio de citação postal.

O Enunciado de número 8 trata da liquidação da decisão final nas ações coletivas. Vejamos a sua redação:

AÇÕES COLETIVAS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.

Na liquidação de sentença nas ações coletivas para tutela de interesses individuais homogêneos (substituição processual), aplica-se o microssistema do processo coletivo brasileiro (Constituição Federal arts. 8º, 129, III, § 1º; Lei nº 7.347/1985 e Lei nº 8.078/1990).

As ações coletivas, em regime, sobretudo, de substituição processual, não possuem disciplinamento específico na CLT, uma das razões para que tenhamos tão pouca utilização desse tipo de ação no processo do trabalho, não obstante os inúmeros proveitos que o seu manejo acarreta para os trabalhadores, para os jurisdicionados e para a atividade jurisdicional.

O Enunciado em foco cuida, então, da liquidação das decisões finais nas ações coletivas, remetendo o intérprete e o aplicador do processo do trabalho às regras do processo comum, mais especificamente às normas do Código de Defesa do Consumidor, diploma brasileiro mais avançado na disciplina das ações coletivas.

Ressaltamos, por oportuno, que a liquidação da decisão final nas ações coletivas sempre foi vista como um dos problemas mais graves nessas ações e passa a ser resolvido a partir da interpretação de que sobre a liquidação incide as regras do CDC – Lei n. 8.078/1990.

Em boa hora, entretanto, temos, também, a possibilidade de que a omissão da CLT venha a ser sanada por regras proposta pelo TST ao Congresso Nacional a fim de acrescentar dispositivos à CLT. Vejamos as regras propostas ao Congresso Nacional:

Art. 887-A As condenações genéricas impostas em sentenças coletivas de direitos individuais homogêneos serão cumpridas em ações autônomas, individuais ou plúrimas.

§ 1º O juiz definirá o número de integrantes de cada grupo, os quais devem demonstrar a adequação de seu caso concreto ao conteúdo da sentença.

O Enunciado 12 trata da execução de decisão final condenatória de quantia. Destaquemos a redação do verbete:

12. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. INTIMAÇÃO DA PARTE PELO ADVOGADO.

I - Tornada líquida a decisão, desnecessária a citação do executado, bastando a intimação para pagamento por meio de seu procurador.

II - Não havendo procurador, far-se-á a intimação ao devedor prioritariamente por via postal, com retorno do comprovante de entrega ou aviso de recebimento, e depois de transcorrido o prazo sem o cumprimento da decisão, deverá ser expedida ordem de bloqueio de crédito pelo sistema Bacen Jud.

O Enunciado revela forte influência do processo comum – art. 475-J do CPC.

Pelo Enunciado, quando o devedor tiver advogado habilitado nos autos não haverá necessidade de sua citação para a execução. Note-se, nesse ponto, que a execução trabalhista tem regra específica sobre a matéria - art. 880 da CLT -, que é substituída pela norma do CPC, - § 1º do art. 475-J –, conforme a interpretação aprovada na Jornada, tendo em vista a maior racionalidade da previsão do CPC.

O Enunciado, ademais, se rende à constatação de que a execução fundada em decisão judicial não é autônoma, razão pela qual não há necessidade de citação para a sequência dos atos no processo. Não há autonomia nessa atividade porque ela decorre, necessariamente, de uma atividade anterior, de cognição, da qual surgiu o título executivo.

Poderíamos, ainda, justificar o Enunciado na evidente imprecisão terminológica da CLT no art. 880, cuja redação não se adéqua à definição de citação.

O Anteprojeto encaminhado ao Congresso Nacional pelo TST acrescenta as regras do art. 879-A e o seu § 2º e 880-A e § 1º, que excluem a citação do devedor para a execução decorrente do acordo judicial não cumprido e para o cumprimento da decisão final. O Anteprojeto, ademais, revoga expressamente o art. 880 da CLT.

Os Enunciados 21 e 22 versam sobre a execução provisória no processo do trabalho, cuja aplicação do CPC na sua disciplina é objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, o que evidenciam o item III da Súmula n. 417 do TST e o trecho que transcrevemos de parte de acórdão da relatoria da MinistraMaria Cristina Irigoyen Peduzzi no PROCESSO Nº TST-RR-127200-75.2006.5.03.0032:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ARTIGO 475-O DO CPC - INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO Diante da aparente má-aplicação do art. 475-O do CPC, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do apelo denegado. Agravo de Instrumento a que se dá provimento para mandar processar o apelo denegado. II - RECURSO DE REVISTA - ARTIGO 475-O DO CPC - INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO 1. Segundo a doutrina e a jurisprudência unânimes, são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho: i) ausência de disposição na CLT - a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete; e ii) compatibilidade da norma supletiva com os princípios do processo do trabalho. 2. A ausência não se confunde com a diversidade de tratamento: enquanto na primeira não é identificável nenhum efeito jurídico a certo fato - a autorizar a integração do direito pela norma supletiva - na segunda se verifica que um mesmo fato gera distintos efeitos jurídicos, independentemente da extensão conferida à eficácia. 3. O fato juridicizado pelo artigo 475-O do CPC possui disciplina própria no âmbito do Processo do Trabalho, pelo artigo 899 da CLT, que prevê que a execução provisória é permitida somente até a penhora. Assim, na espécie, não há falar em aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho.

Observemos, agora, as redações dos Enunciados:

21. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. PENHORA EM DINHEIRO. POSSIBILIDADE.
É válida a penhora de dinheiro na execução provisória, inclusive por meio do Bacen Jud. A Súmula nº 417, item III, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), está superada pelo art. 475-O do Código de Processo Civil (CPC).

22. 1. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ARTIGO 475-O DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC). APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. FORMA DE MINIMIZAR O EFEITO DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS MERAMENTE PROTELATÓRIOS E CONCEDER AO AUTOR PARTE DE SEU CRÉDITO, QUE POSSUI NATUREZA ALIMENTAR.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é omissa no tocante à possibilidade de liberação de créditos ao exeqüente em fase de execução provisória, sendo plenamente aplicável o art. 475-O do CPC, o qual torna aquela mais eficaz, atingindo a finalidade do processo social, diminuindo os efeitos negativos da interposição de recursos meramente protelatórios pela parte contrária, satisfazendo o crédito alimentar. 2. O art. 475-O do CPC aplica-se subsidiariamente ao Processo do Trabalho.

Relativamente ao Enunciado 21, verificamos a adoção de uma interpretação que objetiva tangenciar a Súmula 417 do TST, a partir da argumentação que ela é anterior à redação do atual 475-O e, supostamente, com base em regra anterior que não preveria a penhora de dinheiro. A argumentação, contudo, é falha. O inciso II do art. 588 do CPC, redação originária, previa, como o art. 475-O do CPC atual, a possibilidade de levantamento de dinheiro na execução provisória. Sendo possível o levantamento de dinheiro, por lógico, antes, é possível a penhora de dinheiro na execução provisória.

Convém, nesse ponto, revelar que a Súmula 10 do TRT6 tem idêntico teor do Enunciado 21 da Jornada. Vejamos a redação da Súmula 10 do TRT6:

MANDADO DE SEGURANÇA – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE CRÉDITO – Mesmo que se processe em execução provisória, o ato judicial que determina o bloqueio de crédito não fere direito líquido e certo do devedor, considerando-se o disposto nos artigos 889 e 882 da CLT, bem como a ordem de gradação estabelecida pelo artigo 655 do CPC, e, ainda, o disposto no artigo 588, caput, inciso II e § 2º do CPC, acrescidos pela Lei nº 10.444/2002, superveniente à edição da Orientação Jurisprudencial nº 62 da SDI-II do TST.

Ressaltamos, quanto ao Enunciado 22, a subutilização no processo do trabalho do levantamento de dinheiro na execução provisória, explicada, na minha perspectiva, pela ignorância dos advogados e por uma certa insegurança dos juízes.

Note-se, nesse ponto, que a liberação de dinheiro na execução provisória, quando a única pendência no processo for um Agravo de Instrumento no TST para liberação do Recurso de Revista retido na origem, não só é hipótese prevista no processo comum como atuaria de modo a minimizar os efeitos danosos da tramitação demorada do recurso no maior Tribunal do Trabalho do país. O Anteprojeto do TST estatue, quanto a este aspecto, uma regra bastante interessante. O art. 879-A da CLT em seu § 4º proposto pelo TST dirá que é definitiva a execução fundada em decisão cuja pendência exclusiva for recurso no TST ou no Supremo Tribunal Federal – STF:

Art. 879-A, § 4º É definitivo o cumprimento de sentença pendente de recurso de revista ou extraordinário.

Destaquemos, agora, o Enunciado n. 25, cuja redação segue:

25. HASTA PÚBLICA ELETRÔNICA. APLICABILIDADE DO ART. 689-A DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC) NO PROCESSO DO TRABALHO.

No Processo do Trabalho, pode-se utilizar a hasta pública eletrônica, disciplinada pelo art. 689-A do CPC e pela Lei nº 11.419/2006.

Essa interpretação é emblemática, pois revela como o nosso processo especial ficou atrasado em relação ao processo comum e, ao mesmo tempo, demonstra como uma interpretação conservadora da aplicação supletiva do CPC, mesmo quando em tese temos regra que trate do tema, pode comprometer uma interpretação para a efetividade, mais determinada pela racionalidade.

Os recursos da informática revolucionam os nossos dias e, sob o ponto de vista da penhora de créditos, tivemos a primazia de nos anteciparmos à legislação praticando-a independentemente de norma que a estatuísse.

Para a hasta pública eletrônica, porém, parece que temos necessidade de que os estudiosos proclamem a sua possibilidade porque a circunstância de que esteja prevista no CPC pode ser considerada como um óbice em vista do art. 889 da CLT. Não dá para entender!

O Anteprojeto resolve o problema que encontramos nessa matéria. Vejamos a disposição normativa proposta pelo TST:

Art. 880-A - A constrição de bens será realizada por todos meios tecnológicos disponíveis e respeitará, a critério do juiz, a ordem direta de sua liquidez.

A regra proposta é maravilhosa. A previsão da adoção de todos os "meios tecnológicos" garante que não haverá meio tecnológico futuro que não tenha sido passível de ser adotado porque não previsto especificamente.

A Jornada Nacional sobre a Execução Trabalhista disse, ainda, da possibilidade da desistência da arrematação pelo adquirente, com base em norma do CPC, quando houver interposição de impugnação ao ato de aquisição. É o que consta no Enunciado 31:

31. DESISTÊNCIA DA ARREMATAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 694, INCISSO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). COMPATIBILIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS PELO DEVEDOR. CIÊNCIA AO ARREMATANTE PARA MANIFESTAR A DESISTÊNCIA DO LANÇO, SOB PENA DE PRECLUSÃO.

Opostos embargos à expropriação, o arrematante deverá ser intimado para manifestar eventual desistência da arrematação, sob pena de preclusão, conforme possibilitado pelo art. 694, inciso IV, do CPC, que guarda compatibilidade com o Processo do Trabalho.

O Enunciado 33, por sua vez, trata da venda antecipada da lei, também trazendo do processo civil instrumento de efetividade para o processo do trabalho.

VENDA ANTECIPADA DE BENS.

No intuito de promover a efetividade da execução, a alienação antecipada de bens é um instrumento que o direito positivo oferece, evitando a depreciação econômica do bem penhorado, estimulando a solução da execução mediante conciliação entre as partes, e contribuindo para uma nova cultura de efetividade das decisões judiciais.

A interpretação contempla a possibilidade da depreciação do bem como causa da alienação antecipada, mas entendemos que essa alienação também pode ter lugar quando do risco da deterioração do bem ou, menos, quando a medida se apresentar mais vantajosa para a execução, como se recomendaria, por exemplo, diante de uma alta inesperada do bem no mercado sem a garantia de que esse aumento de valor se mantivesse por tempo considerável.

EXPROPRIAÇÃO. COMPATIBILIDADE DO PROCESSO CIVIL COM O TRABALHISTA.

São aplicáveis ao Processo do Trabalho todas as formas de expropriação previstas pelo Código de Processo Civil (CPC), sem prejuízo da incidência do art. 888 da consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em caso de realização de hasta pública.

Por outro lado, aprecio muito o Enunciado 39, que trata da possibilidade do parcelamento do crédito exequendo no processo do trabalho.

RECONHECIMENTO DO CRÉDITO DO EXEQUENTE POR PARTE DO EXECUTADO. PARCELAMENTO DO ART. 745-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). É compatível com o Processo do Trabalho o parcelamento previsto na norma do art. 745-A do Código de Processo Civil.

O Enunciado não elucida, no entanto, se o crédito que pode ser parcelado é o decorrente da execução de título judicial ou de título extrajudicial. A norma do art. 745-A do CPC é previsto no contexto da execução de título extrajudicial. Ocorre, entretanto, que a regra do art. 475-R do mesmo Diploma prevê a aplicação subsidiária das normas da execução dos títulos extrajudiciais à execução fundada em decisão final.

Por outro lado, questão também relevante é aquela que diz da natureza do pedido de parcelamento. Se ele consiste num direito do devedor, desde que atendidos os requisitos legais, ou mesmo se diante deles o juiz pode negar o parcelamento ao devedor.

Importante destacar, por fim, nesta matéria, a previsão no Anteprojeto encaminhado ao Congresso Nacional pelo TST que estatui um § 1º ao art. 879-A da CLT prevendo o parcelamento. Vejamos a redação da norma no Anteprojeto, que reproduz a regra do CPC:

Art. 879-A, § 1º - No prazo do caput poderá o devedor, reconhecendo o débito e comprovando o depósito de trinta por centro de seu valor, requerer o pagamento do restante em até seis parcelas mensais, com correção monetária e juros.

O Anteprojeto prevê, por outro lado, que o parcelamento pode ser requerido após o prazo para a impugnação da execução, quando a exigência do depósito inicial é de quantia de 50% da execução, conforme a redação proposta ao § 3º do art. 884-A.

Antes da arrematação, adjudicação ou da alienação por iniciativa particular, o devedor poderá requerer o parcelamento da dívida, na forma do § 2º do art. 878, mediante o depósito prévio de cinquenta por cento do valor total do débito.

O Enunciado 44 tem evidente inspiração na regra do § 2º do art. 475-L do CPC, ainda que à norma não faça qualquer referência, talvez por questão de conveniência estratégica para a sua aceitação. O Enunciado diz da necessidade de que o devedor, quando faça impugnação do valor da execução, pela via dos Embargos, apresente, com a sua impugnação, o cálculo que revele o desacerto da execução que lhe foi promovida. Vejamos o conteúdo da interpretação:

EMBARGOS DO DEVEDOR À CONTA DE LIQUIDAÇÃO. INSURGÊNCIA GENÉRICA SEM INDICAÇÃO DO VALOR DEVIDO. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO E REJEIÇÃO LIMINAR DO QUESTIONAMENTO (CLT, art. 879, § 2°, e art. 884, §§ 3° e 4º).

Utilizada ou não a faculdade da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 879, § 2°), não se admitem insurgências ao valor devido sem a apresentação do montante da divergência e do importe exato do item impugnado. Os embargos que discutam o cálculo têm por pressuposto processual a indicação precisa dos itens e valores devidos. A ausência desse pressuposto motiva o indeferimento liminar da medida.

Essa interpretação favorece amplamente a efetividade e a duração razoável do processo, na medida em que cria para o devedor, já nos Embargos, o ônus da impugnação específica com matérias e quantias. A quantia incontroversa, por sua vez, deve ser objeto de imediata liberação ao credor.

Anotamos aqui, também, que a interpretação da doutrina pode ter uma influência poderosa sobre o legislador. Assim, o Anteprojeto enviado ao Congresso Nacional pelo TST contempla regra que versa sobre a impugnação específica com cálculo em sede de execução:

Art. 881-A, § 4º - As impugnações deverão delimitar justificadamente os fatos, as matérias e valores controvertidos, sob pena de não conhecimento.

Uma interpretação, por fim, muito importante para nós, é a que consta no Enunciado 54. A interpretação tem o condão de nos chamar ao prestígio da execução, ou seja, da prevalência do interesse do credor. Tem a relevância, ademais, de justificar a autuação apartada dos Embargos do Devedor para permitir que a execução tenha o seu fluxo normal no processo, na forma prevista no § 2º do art. 475-M do CPC.

EMBARGOS À EXECUÇÃO. EFEITOS SUSPENSIVOS. APLICAÇÃO DO ART. 475-M E 739-A, § 1º, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC).

O oferecimento de embargos à execução não importa a suspensão automática da execução trabalhista, aplicando-se, subsidiariamente, o disposto nos arts. 475-M e 739-A, § 1º, do CPC.


6. A alteração proposta pelo Tribunal Superior do Trabalho em matéria de aplicação subsidiária do processo comum no processo do trabalho

O Anteprojeto enviado pelo TST ao Congresso Nacional prevê regra interessantíssima sobre a aplicação das normas do processo comum na execução trabalhista. Vejamos o seu conteúdo:

Art. 876-A Aplicam-se ao cumprimento da sentença e à execução dos títulos extrajudiciais as regras de direito comum, sempre que disso resultar maior efetividade do processo.

Ressaltamos, ao longo deste trabalho, a influência que o processo comum tem exercido sobre o processo do trabalho na geração de interpretações pelos estudiosos e na proposição de alterações legislativas tendo em vista a necessidade de concretização do direito do trabalho por meio de uma atividade jurisdicional efetiva e em tempo razoável.

Dissemos, noutro ponto, que o grande problema na aplicação das regras do processo comum no processo do trabalho reside na interpretação do que venha a ser omissão ou lacuna, conforme a previsão do art. 769 da CLT, razão pela qual surgiu corrente de interpretação que apregoa que as omissões passíveis de integração pelo processo comum não são apenas as legislativas, mas também as axiológicas e as ontológicas.

Nesse contexto, então, dissemos da necessidade de que aplicássemos a diretriz de interpretação que promovesse a efetividade do processo como parâmetro para a substituição de norma do processo do trabalho por regra do processo comum.

Assim, então, a norma proposta pelo TST, art. 876-A, revela a plena consagração desse intento, na medida em que na disciplina da execução trabalhista, fundada em título judicial ou extrajudicial, abandona a exigência de lacuna na legislação específica como condição da aplicação da regra do processo comum.

Destaque-se, por oportuno, que a norma proposta exige, tão-somente, como desejamos, que a aplicação subsidiária tenha lugar diante da constatação de sua maior efetividade. Não temos dúvida de que o processo do trabalho, no seu ponto mais sensível, a execução, com a regra do art. 876-A, dará um salto de qualidade que o marcará definitivamente para a afirmação da Justiça do Trabalho como a mais eficaz e célere prestadora de jurisdição aos brasileiros.


7. Conclusões

A CLT possui a particularidade de ser diploma legislativo com regras que versam sobre o Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo e também sobre o Direito Processual do Trabalho, o que evidencia, de per si, a sua insuficiência na disciplina dos fenômenos atuais do processo e do direito do trabalho.

Ademais, a CLT não acompanhou a evolução científica do Direito do Trabalho e do Direito Processual, o que ocasionou embaraço considerável nos intérpretes de seus institutos, cujo reflexo mais evidente é a controvérsia doutrinária que determina a edição de Súmula que na sequência é cancelada pela prevalência de interpretação diversa, como a que ocorreu com a Súmula 310 do TST.

As poucas alterações que promovemos na legislação, por outro lado, foram reações necessárias ao desenvolvimento econômico e tecnológico, que desencadearam significativa demanda por justiça efetiva e em tempo razoável e que serviram para a justificativa de nossa própria subsistência.

As lacunas e omissões da CLT e da legislação processual complementar e esse relativo imobilismo do legislador brasileiro fez com que tivéssemos agravada a controvérsia sobre a aplicação subsidiária do processo comum no processo do trabalho.

Enquanto a sociedade exige maior presença da Justiça, um processo efetivo e em tempo razoável e o legislador do processo civil promove alterações no Código de Processo Civil visando adaptá-lo às novas circunstâncias, quase não temos alterações no processo regulado pela CLT.

Constatamos, então, que o nosso processo, cuja simplicidade e celeridade em diversos aspectos influenciaram o processo comum, carece de buscar nele, agora, regras para uma maior efetividade e rapidez, ainda quando temos regras expressas na CLT versando sobre a matéria, razão maior da controvérsia doutrinária e jurisprudencial de nossos dias em matéria de aplicação subsidiária.

Por outro lado, constatamos que a regra que estatue a aplicação subsidiária da legislação do processo comum ao processo do trabalho, arts. 769 da CLT, impõe a necessidade de que tenhamos lacunas ou omissões na legislação especial como condição à aplicação das regras do processo.

Com base na definição de Karl Engisch, então, haverá lacuna toda vez que a CLT não preveja regra sobre a matéria. Tratando especificamente das lacunas ou omissões da CLT e tendo em vista a definição de Engisch, podemos dizer que há lacuna ou omissão, por exemplo, no sistema recursal da CLT, quanto aos requisitos da legitimidade e do interesse para o manejo dos recursos. Temos omissão, também, quanto ao trato, como já ressaltamos, da intervenção de terceiros no processo do trabalho.

Porém, tem ganhado força a corrente de interpretação que assevera que a lacuna que autoriza a aplicação supletiva do processo comum não é apenas a lacuna normativa, mas também as chamadas lacunas axiológicas e as ontológicas.

A lacuna axiológica é aquela que considera o valor da regra existente no sistema específico em confronto com a norma do processo comum a ser utilizada em substituição.

A lacuna ontológica, por sua vez, é aquela configurada pela falta de contemporaneidade da regra existente. Há uma norma regulando a questão no processo do trabalho, mas ela não é adequada em vista dos avanços históricos, tecnológicos, econômicos etc.

Ressaltamos, nesse contexto, a necessidade, como valor de todos os tempos, de que os conflitos sejam resolvidos pelo Poder com efetividade e em tempo razoável, razão pela qual somos favoráveis à aplicação das regras do processo comum no processo do trabalho e execução trabalhista, não apenas na hipótese de lacuna normativa, mas também nas lacunas ontológicas e axiológicas.

Sem deixarmos de atentar para a circunstância de que temos imposto ao jurisdicionado, também em matéria de execução trabalhista, uma situação de instabilidade que precisa ser urgentemente corrigida, o que deve ser feito por meio da alteração da legislação processual celetista, somos favoráveis à imediata aplicação, em matéria de processo, do princípio do in dúbio pro efetividade, conforme a proposta de Mauro Schiavi.

Não obstante, podemos perceber que a aplicação de regras do processo comum no processo do trabalho, apesar da existência de norma específica na legislação laboral, é mais comum do que imaginamos de início e sempre ocorre tendo em vista o desejo de praticarmos um processo mais racional, efetivo e que contemple o jurisdicionado com uma prestação jurisdicional em tempo razoável.

Nesse contexto, destarte, a Jornada Nacional sobre a Execução no Processo do Trabalho nos legou cinquenta e cinco Enunciados que representam a tendência de interpretação do Judiciário Trabalhista brasileiro sobre inúmeros temas da execução. O estudo dos Enunciados da Jornada nos revela, com clareza, a forte tendência da incidência das regras do Código do Processo Civil atual em nossa execução, inclusive nos casos em que temos regras do processo comum disciplinando a matéria.

O TST, por sua vez, teve a iniciativa de propor alterações na CLT, na parte que trata da execução, que evidencia a influência da doutrina na legislação e da qual se destaca a regra que acrescenta o art. 876-A com a plena consagração da incidência das regras do processo comum na execução trabalhista, independentemente de lacuna, para que essa atividade específica seja efetiva.

Não temos dúvida, assim, que o processo do trabalho, no seu ponto mais sensível, a execução, com uma interpretação que busque a sua efetividade a partir da prevalência da regra processual mais eficaz, com o advento ou não da regra do art. 876-A, dará um salto de qualidade que o marcará definitivamente para a afirmação da Justiça do Trabalho como a mais eficaz e célere prestadora de jurisdição aos brasileiros.


8. Referências

Bobbio, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Forense, 2008.

Engisch, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

Giglio, Wagner D. Direito Processual do Trabalho, 4ª edição. São Paulo: LTr, 1977.

Manus, Pedro Paulo Teixeira. A Execução no Processo do Trabalho, o Devido Processo Legal, a Efetividade do Processo e as novas alterações do Código de Processo Civil, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 73, n.1, jan-mar-2007.

Mota, Marcílio Florêncio. A Substituição Processual por Sindicatos – O acesso dos trabalhadores à ordem jurídica justa. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008.

Oliveira, Francisco Antonio de. Comentários às Súmulas do TST. São Paulo: Ltr, 2010.

Schiavi, Mauro. Execução no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010

Souza Júnior, Antonio Humberto. Um Olhar Invejoso de Uma Velha Senhora: A Execução Trabalhista no Ambiente da Lei n. 11.382/2006, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 73, n.1, jan-mar-2007.

Teixeira Filho, Manoel Antonio. Execução no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2011.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Marcílio Florêncio. A aplicação subsidiária da legislação comum na execução trabalhista, a jornada sobre a execução no processo do trabalho e o anteprojeto do TST que altera a execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3023, 11 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20187. Acesso em: 10 maio 2024.