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Ponderações sobre a não-concessão de efeito interruptivo pelos embargos declaratórios no processo do trabalho

Ponderações sobre a não-concessão de efeito interruptivo pelos embargos declaratórios no processo do trabalho

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Os embargos declaratórios no Processo do Trabalho são dotados apenas de efeito devolutivo. Situações em que sequer verificados indícios de omissão, contradição ou obscuridade, ou mesmo da necessidade de prequestionamento, não justificariam a concessão do efeito interruptivo.

Toda e qualquer atividade humana se encontra sujeita a equívocos, decorrentes da falibilidade que lhe é característica, em oposição àquela realizada pelos entes divinos, perfeitos e infalíveis.

Por esta e outras razões, é assegurada às partes desde a Antigüidade, [01] a possibilidade de buscar a reforma de decisões tidas por desfavoráveis, junto a uma outra "autoridade", via de regra, situada em diversa "instância", corolário do próprio direito de ação, [02] consagrado, no sistema processual brasileiro vigente, pelo Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, previsto de forma implícita no art. 5º, inciso LV, da Constituição.

Há muito a doutrina e a jurisprudência de primeira grandeza, sedimentaram o entendimento de que os embargos declaratórios visam, pela perspectiva legislativa, sanar omissão, afastar contradição e/ou aclarar obscuridade porventura detectadas na decisão embargada. E, ainda, prestar-se-ia ao prequestionamento de teses e normas jurídicas deduzidas expressamente no feito, mas não enfrentadas de forma objetiva e satisfatória, a fim de viabilizar o manejo dos recursos de natureza extraordinária, consoante dispõem as Súmulas 282 e 356 do STF e 184 e 297 do TST.

Ainda que considerado recurso propriamente dito, pois previsto no correspondente capítulo da CLT, os embargos de declaração são interpostos para o mesmo órgão julgador da decisão objurgada, o qual, por sua vez, também tem o dever de apreciá-los, ao revés das demais figuras recursais, que constituem manifestação pura do Princípio do Duplo Grau, objetivando-se a submissão do descontentamento a julgador diverso, observada ordem constitucionalmente imposta de instâncias.

De acordo com o art. 897-A, caput, da CLT "caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão (...) nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso", bem como, pelo que dispõe o parágrafo único, na ocorrência de "erros materiais", sanáveis inclusive de ofício.

Contudo, os embargos de declaração, por qualquer das vertentes, não são o meio próprio ao reexame da matéria fático-jurídica posta em lide, nem ao rejulgamento da causa, tendo em vista se tratarem de provimentos jurisdicionais manifestamente estranhos aos limites objetivos preconizados no já citado art. 897-A da CLT.

Não se cogite a hipótese de prequestionamento para justificar eventuais embargos em que se busque reforma da decisão, ou nova manifestação do juízo sobre questões devidamente apreciadas e julgadas. Assim o é por dois motivos principais que abordamos em seguida.

Em primeiro lugar, pela impossibilidade de manejo da medida com este propósito no primeiro grau de jurisdição, haja vista que qualquer das partes sucumbentes na sentença pode devolver toda a matéria posta sob apreciação para o órgão colegiado (justamente o efeito devolutivo do recurso), não havendo, portanto, necessidade de prequestionar qualquer tema para que seja levado ao crivo da instância superior.

E, em segundo lugar, porque a interposição deste recurso nos TRTs, com a finalidade de prequestionamento, almejando o conhecimento de recurso próprio e cabível, também não admite a argüição de mérito propriamente dito, de forma a intentar o rejulgamento da causa, haja vista a impossibilidade de o TST apreciar questões atinentes a fatos (Súmula 126 [03]).

Sem trazer a origem histórica do prequestionamento, em linhas gerais, trata-se da necessidade de que a instância imediatamente anterior àquela em que se interpôs qualquer modalidade recursal tenha apreciado e decidido sobre determinada matéria. Em nosso ordenamento, encontra razão de ser na própria Constituição, especificamente em seu arts. 102, III, e 105, III, quando dispõe que o STF e o STJ apreciação questões "decididas" em única ou última instância.

Tal instituto tem por finalidade, num primeiro momento, evitar a supressão de instância, fazendo com que se aprecie matéria sobre a qual o órgão anterior ainda não se manifestou, no caso, o TST sobre algo que o TRT não o tenha feito. Um segundo objetivo seria, por óbvio, observar a ordem constitucionalmente imposta de distribuição de competência por instâncias. Por fim, busca impedir a "surpresa processual", artifício por vezes utilizado por uma das partes, levando somente em adiantada fase processual determinada matéria ao crivo de prestação jurisdicional, ensejando o prejuízo dos atos praticados e teses sustentadas.

Ocorre que a medida em questão, por fatores das mais diversas ordens, cujas causas não cabe análise no presente, tem sido manejada com objetivos diversos daqueles estabelecidos em lei, em vista da concessão de efeito interruptivo dos prazos para interposição de outros recursos, conforme o disposto o art. 538, caput, do CPC. Nos casos de utilização imprópria ou abusiva, há, na própria legislação processual civil, normas cominando a imposição de sanções pecuniárias ao litigante que protelar o deslinde do feito, sem que impeça, no entanto, a violação da celeridade processual.3

A presente reflexão tem início no fato de que convencionou-se, até mesmo por comodidade, lançar mão de dispositivos da lei processual civil para aplicação no Processo do Trabalho, sempre com fulcro no permissivo do art. 769 da CLT, quando não seria o caso, ao menos no assunto em testilha.

Nossa linha de raciocínio passa por três fatores, alguns inclusive já aduzidos, quais sejam:

- a existência de regulamentação específica na CLT, sem qualquer previsão de concessão de efeito interruptivo pelos embargos de declaração ou a qualquer outro recurso. Ao revés, o próprio art. 899 da consolidação consagra a regra geral de que os recursos no processo do trabalho, salvo hipóteses expressamente previstas, têm efeito apenas devolutivo, de modo a permitir a execução imediata, em caráter provisório, do comando condenatório;

- ausência de lacuna ou de omissão da CLT, na forma prevista em seu art. 769, a autorizar o uso do direito processual comum como fonte subsidiária (este sim, com previsão do efeito em comento ao recurso de embargos de declaração) e

- caso admitida a existência de lacuna ou de omissão da CLT, como estabelecido em seu art. 769, por incompatibilidade com o processo trabalhista, em especial com os Princípios da Simplicidade das Formas e Celeridade, decorrentes de suas instrumentalidade e oralidade, na busca do célere deslinde dos feitos, objetivo materializado de forma direta na máxima da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

Prosseguindo, quando manejado fora das estritas hipóteses de cabimento, num primeiro momento, chegar-se-ia a falar em sequer conhecer do recurso, assim como tal, destacando a impossibilidade de admissão com efeitos infringentes no Processo do Trabalho.

No entanto, por questão de coerência, pois adeptos à teoria da asserção quanto às condições da ação, sob primeira análise, toda e qualquer peça processual neste sentido deve ser conhecida e admitida como embargos de declaração, pois a constatação da inexistência dos vícios legalmente previstos demandaria análise da matéria de fundo, quando já ultrapassada sua admissibilidade.

O Processo do Trabalho, sob os auspícios de seus peculiares Princípios, dentre os quais o da Instrumentalidade das Formas e da Celeridade, não admite a utilização de peças processuais com o único e descortinado motivo de retardamento do deslinde do feito.

Trata-se exatamente do contrário, quando o assunto em voga é a otimização e a celeridade do processo, mostrando-se anacrônico admitir que qualquer das partes faça uso de meandros legais para afetar o curso do procedimento, por vezes por dois ou três dias, e, de acordo com a movimentação de cada unidade judiciária, por meses.

Sobretudo agora, tendo o Constituinte Derivado erigido a Direito Fundamental dos cidadãos "a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", bem como pela natureza alimentar dos créditos postulados em demandas trabalhistas e pelo regramento dispensado pela CLT aos Embargos de Declaração, impõe-se questionar sobrea pertinência da concessão de efeito interruptivo da medida em sede juslaboral.

Com estas colocações, ousamos concluir que os embargos declaratórios no Processo do Trabalho, a par de qualquer discussão, constituem recurso expressamente previsto em lei, e, justamente por força da mesma norma, dotado apenas de efeito devolutivo.

É certo que o efeito interruptivo, característico dos embargos declaratórios, tal qual previsto na legislação processual comum, se justifica ante ao caráter integrativo da sua decisão, que tem por objetivo complementar, se omissa, ou então esclarecer eventual contradição ou obscuridade no julgado.

Contudo, não há como negar, em hipóteses de exceção, tal qual a própria CLT em seu artigo 899, a concessão de efeito interruptivo (apesar de lá dispor de efeito suspensivo), competindo ao magistrado decidir ou não quando realmente presentes e razoáveis os vícios estritamente previstos à hipótese, de forma a justificar a impressão de tais efeitos ao recurso e o conseqüente retardo do andamento processual, ou passíveis de prejudicar a formulação de Recurso Ordinário, por exemplo.

Situações em que sequer verificados indícios de omissão, contradição ou obscuridade, ou mesmo da necessidade de prequestionamento, tal qual no caso de "contradição" porque o horário de abertura e encerramento da audiência de publicação de sentença são os mesmos, não justificariam a concessão do efeito interruptivo.

Em tempos de "evolução" (ou "revolução") dos procedimentos, defendida por representantes de todas as classes ligadas ao Direito, na qual se preconiza a simplificação dos atos, sua celeridade, adoção de medidas que busquem otimizar e agilizar a prestação jurisdicional, não seria coerente admitir a manutenção de velhas e repudiadas práticas.

Para solucionar questões como a não-concessão do efeito interruptivo dentro do prazo recursal, acarretando prejuízo às partes, poder-se-ia, por exemplo, se adotar os requisitos periculum in mora e fumus boni juris, exigidos para a concessão de medidas antecipatórias, na forma do art. 273 do CPC, considerando o caráter semelhante do efeito interruptivo. A parte a quem interessasse tal interrupção, como preliminar de seu recurso, apresentaria tal requerimento para apreciação sumária pelo magistrado ao qual foi dirigido, hipóteses como simples correção erro material de datas ou grafia de nomes dispensariam a medida.

Nesta linha, importante alusão a ser mencionada, sem que seja chancelada ou rechaçada, é a polêmica "súmula impeditiva de recursos", incluída no Código de Processo Civil, em seu artigo 518, por meio da Lei 11.276 de 2006, que igualmente objetivou simplificar e conferir maior celeridade ao trâmite processual.

A mudança de velhas práticas por vezes choca e assusta, mas, com o tempo, pode vir a constituir significativa melhora para o objetivo maior, que é a pacificação de conflitos com duração razoável e, principalmente, maior efetividade.

Diante de tais elementos, reabre-se o debate sobre velhas questões, porém sob novos prismas, dando margem aos operadores do direito à reflexão e à busca sobre os rumos e a função social do processo.


Notas

  1. Há notícia quanto à previsão de recursos há mais de 2.000 anos, em civilizações como a Babilônica (Código de Hamurabi), a Indiana (Código de Manú) e a Egípcia, segundo lição de Carlos Herique Bezerra Leite em "Curso de Direito Processual do Trabalho". São Paulo: LTr, 2005, p. 495.
  2. Neste sentido, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, em "Curso Avançado de Processo Civil", de coordenação do primeiro, volume I, 7. Ed. Rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 561.
  3. Incabível o recurso de revista ou de embargos (CLT, artigos 896 e 894, b) para reexame de fatos e provas.

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KROST, Oscar; BESSA, Leonardo Rodrigues Itacaramby. Ponderações sobre a não-concessão de efeito interruptivo pelos embargos declaratórios no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3108, 4 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20780. Acesso em: 16 abr. 2024.