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A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade

A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade

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A maneira como os Tribunais vêm interpretando e aplicando os requisitos de admissibilidade do recurso especial consiste em uma ofensa aos direitos fundamentais dos recorrentes.

RESUMO: Inicia com o estudo acerca da natureza jurídica dos recursos e a sua sujeição a um juízo de admissibilidade prévio ao juízo de mérito, passando à análise dos pressupostos de admissibilidade comuns a todos os recursos.  Examina a origem do recurso especial constitucional, suas características, o procedimento relacionado ao exame de sua admissibilidade e cada um de seus pressupostos específicos. Em seguida, analisa como os tribunais vêm realizando o mencionado juízo e cita casos de inadmissão do recurso especial constitucional que exibem interpretações controvertidas acerca dos requisitos de admissibilidade. O estudo traça considerações, com base em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, sobre a equivocada maneira como os tribunais vêm criando obstáculos processuais ilegítimos, mediante a interpretação formalista e restritiva dos requisitos de admissibilidade, com o único propósito de encerrar processos, sem a preocupação com a efetiva prestação jurisdicional. Aborda a violação ao direito de acesso à justiça causada pelo excesso de formalismo, direito este que não pode ser visto tão somente como a possibilidade de a parte mover a ação judicial e ter acesso ao Poder Judiciário, mas deve proporcionar aos litigantes o justo resultado na solução do conflito posto em julgamento.

 

Palavras-chave: Juízo de admissibilidade. Recurso especial. Requisitos. Obstáculos processuais. Acesso à justica.


INTRODUÇÃO

Sabe-se que o recurso, haja vista a sua natureza de ato postulatório, deve atender a determinados requisitos para que possa ser admitido e apreciado em seu mérito. No que concerne ao recurso especial, que possui caráter excepcional, exige-se para a sua admissão, além dos requisitos genéricos exigidos para a interposição de qualquer modalidade recursal, requisitos específicos, os quais demandam uma maior cautela por parte do advogado quando do seu manejo.

Ocorre que é cada vez maior o número de recursos especiais que não chegam ao Superior Tribunal de Justiça por terem o seu seguimento obstado já na origem e outros que, apesar de chegarem à instância especial, não ultrapassam a barreira da cognição.

Quando da análise destas decisões de inadmissão, percebe-se que, muitas vezes, a causa para o não conhecimento do recurso especial é a leitura restritiva de seus requisitos de admissibilidade e a supervalorização das formalidades processuais, em notório prejuízo à apreciação do mérito das demandas.

Sob o argumento – que não deixa de ser verdadeiro - de que o Superior Tribunal de Justiça encontra-se atribulado com a quantidade de processos, vêem-se, com frequência, julgamentos que demonstram a simples busca pelo encerramento dos processos a qualquer custo, em detrimento dos princípios constitucionais, principalmente da garantia do acesso à justiça.

Sabe-se que é imperiosa a observância dos requisitos de admissibilidade e das formalidades processuais no trâmite de qualquer modalidade recursal, haja vista que estas asseguram a segurança jurídica dos jurisdicionados, ainda mais no caso do recurso especial, que necessita de regras específicas para que tenha respeitada a sua excepcionalidade e a sua finalidade precípua de ser o intérprete final do direito federal.

Ocorre que essa necessária “filtragem” não pode ser alcançada por vias impróprias, mediante a consideração de filigranas processuais – algumas impostas ao arrepio da lei – em detrimento do direito material em discussão; bem como não podem os requisitos de admissibilidade do recurso especial e as formalidades a ele inerentes serem utilizados com o fim maior e principal de eliminação de processos.

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo examinar a prática dos tribunais locais e do Superior Tribunal de Justiça que, utilizando-se do apego formal excessivo e da leitura restritiva dos requisitos de admissibilidade do recurso especial, deixam de conhecer dos recursos, consolidando uma prática que visa à mera diminuição do volume de processos que chega à instância especial.

Será realizado um estudo que, no primeiro capítulo, partirá do exame da natureza jurídica do recurso e da justificativa para a existência de um juízo de admissibilidade prévio ao juízo de mérito, passando à análise dos pressupostos de admissibilidade comuns a todos os recursos.

No segundo capítulo, será abordado o recurso especial, sua origem histórica, suas características, a forma de realização da cognição de sua admissibilidade e o exame de cada um de seus pressupostos específicos. Compreender o recurso especial, sua natureza e seus pressupostos de admissibilidade, é tarefa imprescindível ao entendimento acerca da maneira correta de realização do seu juízo de admissibilidade.

Por fim, no terceiro e último capítulo, será analisada a forma pela qual os tribunais vêm realizando o mencionado juízo e interpretando os requisitos de admissibilidade, com a exibição das posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre a matéria. Serão mencionadas algumas situações comuns de inadmissão do recurso especial que exibem interpretações controvertidas acerca dos requisitos de admissibilidade, em particular no que se refere à exigência da demonstração da efetiva violação à lei federal, ao exame de matéria fática na instância especial, à necessidade do prequestionamento e às questões referentes à exigência do preparo.

Sem a pretensão de esgotar o tema, haja vista que poderiam ser citadas diversas outras situações que demonstram a referida prática dos tribunais, bem como diversos outros direitos fundamentais do recorrente que também são violados com tal prática, busca-se com este trabalho fazer considerações, com base em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais pertinentes à matéria, acerca da indevida interpretação que tem sido dada aos requisitos de admissibilidade nos casos mencionados e a flagrante ofensa à garantia do acesso à justiça encontrada nesses julgamentos.


2 O RECURSO E SUA ADMISSIBILIDADE

2.1 A natureza jurídica dos recursos

O conceito de recurso mais utilizado pela doutrina foi proposto por Moreira (1998, p. 207), que afirmou ser aquele “o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna”.

Desta definição é possível extrair diversas características essenciais ao recurso, dentre elas o fato de que a sua interposição não dá origem a uma nova relação processual, inserindo-se no bojo da mesma relação jurídica onde foi proferida a decisão impugnada.

Embora exista divergência quanto à sua natureza jurídica, no que se refere a sua consideração como prolongamento de uma ação ou uma ação autônoma, a maior parte dos doutrinadores defende ser o recurso a continuação do direito de ação já exercido[1]. Jorge (2010, p. 26) afirma que o autor de um processo judicial, ao interpor um recurso, estará “renovando o seu pedido de tutela jurisdicional anteriormente veiculado por meio da demanda”.

Seguindo a mesma linha de entendimento, Câmara (2009) observa que mesmo quando da interposição de um agravo de instrumento, modalidade recursal que é interposta em autos apartados, o que se tem é um desdobramento do procedimento, mas não o aparecimento de um novo processo.

Independentemente da tese adotada, conclui-se que o recurso, por sua qualidade de ato postulatório, necessita atender a certas exigências, para que possa ser admitido e ter o seu fundamento apreciado.

O direito de recorrer se converteria em abuso se tivesse o poder de exigir do Estado a realização de atos processuais destinados à revisão de uma sentença de mérito ainda quando, desde logo, se pudesse prever a carência daquele direito ou a ilegitimidade do seu exercício. Por isso, o direito de recorrer, assim como o direito de ação, se subordina a certas condições, cuja falta torna quem o exercita carecedor dele, dispensando o órgão jurisdicional de apreciar a sua pretensão.

2.2 A sujeição dos recursos ao duplo exame: juízo de admissibilidade x juízo de mérito

O exame dos recursos no sistema processual brasileiro é desdobrado, ou seja, é realizado em duas frentes: uma referente à admissibilidade e outra ao julgamento do conteúdo da impugnação.

Para que sejam processados no tribunal competente para o seu julgamento, os recursos devem atender, portanto, aos denominados requisitos de admissibilidade, os quais são questões preliminares ao exame do próprio pedido e somente se e depois de constatado o preenchimento destes requisitos se passará à análise do conteúdo da impugnação judicial, denominado mérito.

Assis (2011, p. 120), ressaltando o fato de que todo recurso prolonga indefinidamente o processo, afirma que “é natural que, para legitimar a atividade adicional subsequente à interposição, a lei imponha uma série de requisitos específicos”.

Autorizada doutrina compara os referidos requisitos de admissibilidade às condições da ação exigidas para que uma demanda possa ser admitida em juízo.

Jorge (2009, p. 62) defende esta analogia e paralelismo, mas ressalva que “na ação os requisitos são verificados em relação a fatos exteriores e anteriores ao processo e nos recursos os requisitos de admissibilidade são aferidos tendo em vista o próprio processo já existente.”

Mancuso (2010, p. 111), igualmente, sustenta a correlação entre as condições da ação e os pressupostos recursais, ao afirmar que:

Ao interesse de agir corresponde o de recorrer, à legitimidade para propor a ação corresponde a subjetivação, no vencido, do poder de interpor o recurso; à possibilidade jurídica do pedido corresponde a adequação do recurso ao modelo legal previsto na espécie.

Câmara (2008) classifica os requisitos de admissibilidade recursal em “condições do recurso” e pressupostos recursais. Os primeiros, equivalentes às condições da ação, seriam a legitimidade para recorrer, o interesse de recorrer e a possibilidade jurídica do recurso. Os últimos consistiriam na análise do órgão ad quem (para o qual é dirigido o recurso) investido de jurisdição, da capacidade das partes para recorrer e da regularidade formal do recurso[2].

A semelhança entre as condições da ação e os requisitos de admissibilidade do recurso é notável, ainda, no fato de ambos consistirem em questões prévias ao julgamento e serem questões de ordem pública, ou seja, podem ser conhecidas de ofício, a qualquer momento, independentemente de alegação das partes.

Didier (2010) identifica o juízo de admissibilidade como sendo um juízo sobre a validade do procedimento, operando-se no plano da validade dos atos jurídicos complexos. Outros autores acreditam que a admissibilidade atua no plano da própria existência do recurso. De uma forma ou de outra, o juízo de admissibilidade condiciona o julgamento do mérito recursal, podendo impedir que seja ele apreciado.

O juízo de admissibilidade pode ser positivo ou negativo e as expressões utilizadas para esses dois resultados são, respectivamente, “conhecimento” e “não conhecimento”.

O não conhecimento de um recurso equivale à declaração de que o mesmo é inadmissível, o que segundo Moreira (1968 apud JORGE, 2009, p. 65) “é julgar que não concorrem os requisitos necessários do legítimo exercício da atividade judicante, no funcionamento suplementar pleiteado pelo recorrente”.

Em sendo a inadmissibilidade, conforme anota Didier (2010), uma decisão que obsta o prosseguimento da atuação do magistrado, impedindo que seja examinado o mérito do ato postulatório e o prosseguimento da marcha processual, esta decisão, consequentemente, deve ser fundamentada, ou seja, devem ser explicitados os motivos pelos quais se entendeu não estarem presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conforme estabelece a regra prevista no texto constitucional acerca das decisões do Poder Judiciário:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988)

No que concerne ao juízo positivo de admissibilidade, segundo a doutrina majoritária, a fundamentação não teria consequência prática, já que não cabe recurso contra a decisão proferida pelo juízo a quo que admite o recurso, pelo simples fato de que a parte contrária poderá, em suas contrarrazões, antes de ser proferida a decisão quanto à admissibilidade, expor os motivos pelos quais sustenta o não conhecimento do recurso. Ademais, mesmo sem provocação da parte, o órgão ad quem tem o poder de apreciar todos os requisitos em novo juízo de admissibilidade, não havendo que se falar em preclusão, por serem considerados matérias de ordem pública.

Moreira (1968) defende que a admissão do recurso é o desenvolvimento normal do processo que percorre o itinerário previsto sem se deparar com obstáculos. No entanto, nos casos em que existe previsão expressa no tocante à fundamentação da admissibilidade do recurso, esta deverá ser explícita, como é o caso dos recursos excepcionais (especial e extraordinário), que exigem a referida fundamentação mesmo em caso positivo, prevista no art. 542, §1.º, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973).

Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar contra-razões.

§ 1º Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada

Por outro lado, o juízo de admissibilidade dos recursos na legislação processual brasileira também é realizado em duplo exame, isto porque, em regra, o recurso é interposto perante o órgão que proferiu a decisão (a quo), que realizará a primeira verificação do atendimento aos requisitos de admissibilidade e decidirá pelo seu conhecimento ou não.[3]

A apelação, por exemplo, é interposta perante o juiz de primeiro grau e depois remetida ao tribunal competente, já o recurso especial é interposto perante o tribunal local e posteriormente remetido ao Superior Tribunal de Justiça. Nos dois casos a remessa somente é possível após o juízo positivo de admissibilidade.

 Este primeiro juízo realizado pelo órgão prolator da decisão recorrida, entretanto, não é definitivo, pois, se negativo, o recorrente terá sempre a possibilidade de dirigir recurso, na modalidade de agravo, ao órgão competente ad quem, haja vista que a este cabe proferir decisão definitiva acerca da admissibilidade da impugnação, para que só então seja apreciado o seu fundamento. O juízo positivo realizado na origem não vincula o órgão ad quem, que poderá, quando da realização de seu juízo, apreciar livremente os requisitos.

Para Nery Jr. (1997, p. 222), “a razão jurídica que possibilita ao juízo a quo fazer o exame da admissibilidade do recurso decorre do princípio da economia processual”, ou seja, seria uma forma de impedir que recursos manifestamente inadmissíveis fossem remetidos ao órgão ad quem e, tardiamente, fossem declarados insuscetíveis de conhecimento.

Conforme aduz Moreira (1968, p. 114) “se o recurso reveste-se de características que tornam manifestamente inviável o exame da decisão é necessário que se corte da raiz a pretendida extensão do processo”.

O juízo de admissibilidade realizado no órgão ad quem, este sim, possui caráter de definitividade, já que, em sendo negativo, encerra o processo sem que o mérito tenha sido apreciado, ou seja, sem que nada seja decidido acerca do direito do recorrente.

Caso seja constatada, no órgão ad quem, a presença de todos os requisitos indispensáveis ao seu conhecimento, o recurso será então recebido para a apreciação dos fundamentos e razões do recorrente, quando só então poderá ser modificada ou mantida a decisão vergastada.

O juízo positivo de admissibilidade, entretanto, não influencia nem vincula o julgamento do mérito desse recurso, tornando apenas possível a sua apreciação.

Moreira (1997), ao tratar da distinção entre os juízos de admissibilidade e de mérito, afirma que ao primeiro deles corresponde à verificação da possibilidade de se dar atenção ao que o recorrente pleiteia, seja para acolher, seja para rejeitar a impugnação feita à decisão contra a qual se recorre. Ao outro, cuida-se de averiguar se a impugnação merece ser acolhida, caso o recorrente tenha razão, ou rejeitada, caso não a tenha.

Enquanto o juízo de admissibilidade é realizado em duas oportunidades, no juízo a quo e no juízo ad quem[4], o juízo de mérito só pode ser realizado no juízo ad quem, sob pena de usurpação de competência.

Assis (2011, p 130), apoiando-se nas idéias de Moreira, observa a inviabilidade do julgamento do mérito recursal pelo mesmo órgão que proferiu a decisão, haja vista que o curto espaço de tempo decorrido entre a prolação do ato e a interposição do recurso não enseja clima propício à mudança do entendimento externado.

No exame de mérito, será analisada a matéria devolvida através da interposição do recurso, que é a própria pretensão recursal, e, empós decidido se assiste razão ao recorrente, será então reformado, anulado, ou integrado o provimento impugnado. Tal exame, entretanto, somente será possível após a admissibilidade do recurso, que é aferida através do atendimento aos pressupostos de admissibilidade recursal, que a seguir serão abordados.

2.3       Requisitos de Admissibilidade Genéricos

 

 

2.3.1 As várias classificações indicadas pela doutrina

Não obstante a certeza de que por ocasião do juízo de admissibilidade deve ser verificada a presença de requisitos que são necessários para o conhecimento e julgamento do mérito de toda e qualquer impugnação, denominados genéricos, a doutrina não é uníssona quanto à classificação desses requisitos, se baseando, basicamente, em dois critérios diferentes para a realização dessa tarefa.

A maior parte dos doutrinadores segue a divisão estabelecida por Moreira (1968), que os discrimina em requisitos intrínsecos e extrínsecos. Os primeiros seriam atinentes à própria existência do poder de recorrer, que seriam: o cabimento do recurso; a legitimidade para recorrer; o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. Já os requisitos extrínsecos relacionar-se-iam ao exercício daquele poder: a tempestividade; a regularidade formal e o preparo.[5]

Entretanto, existe classificação que os divide em requisitos objetivos e subjetivos, que se referem ao recurso propriamente dito e à pessoa do recorrente, respectivamente. Os requisitos objetivos seriam a adequação, tempestividade, preparo e motivação. Os subjetivos consistiriam na legitimidade e no interesse para recorrer.

Apesar de ambas as classificações esquematizarem de forma satisfatória os requisitos de admissibilidade recursal, por ser considerada de compreensão mais fácil pela doutrina majoritária, neste estudo será adotada a divisão proposta por Moreira (1968), que os separa em requisitos intrínsecos e extrínsecos.

2.3.2 Requisitos intrínsecos

 

 

2.3.2.1 Cabimento

O requisito do cabimento está ligado a dois outros fatores: a recorribilidade e a adequação. São espécies de requisitos inerentes ao próprio cabimento.

A recorribilidade está presente quando o pronunciamento judicial que se deseja atacar é passível de recurso, o qual deverá está previsto em lei para determinado tipo de decisão.

O Código de Processo Civil (Brasil, 1973), em seu art. 496, prevê as espécies recursais: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos divergência. Cada uma das espécies é associada a um tipo de decisão: interlocutória, sentença ou acórdão.

Já o requisito da adequação exige que o recurso interposto contra determinada decisão seja o indicado pela lei para aquele tipo de decisão, o que se torna possível pelo fato de a legislação processual brasileira haver previsto os tipos de pronunciamentos judiciais e os recursos oponíveis contra cada um deles.

Isso porque no sistema processual civil brasileiro vige o princípio da singularidade dos recursos, também denominado de unirrecorribilidade ou princípio da unicidade, o qual, segundo Nery Jr. (1997), estabelece que para cada ato judicial recorrível existe um único recurso previsto no ordenamento, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de mais de um recurso visando a impugnação de um mesmo ato judicial. Excepcionalmente uma mesma decisão comportará mais de um recurso. É o que ocorre, por exemplo, com a possibilidade do manejo simultâneo do recurso especial e do recurso extraordinário, quando uma mesma decisão contrariar norma constitucional e norma de direito federal.

Ocorre que, ante a dificuldade, às vezes existente, em se identificar a natureza de determinada decisão, se interlocutória ou sentença, por exemplo, pode ocorrer de a parte utilizar-se de recurso inadequado, impedindo o seu conhecimento.

O princípio da fungibilidade veio a solucionar essa situação, na medida em que um recurso equivocado pode ser conhecido e julgado como se fosse o correto, desde que o recorrente não tenha agido de má-fé ou que não tenha havido erro grosseiro. É o princípio segundo o qual o processo não deve sacrificar o fim pela forma, ou seja, a parte não pode ser impedida de fazer valer a correta aplicação da lei pelo equívoco formal na interposição de um recurso.

Nesse caso, o juiz, tomando ciência da inadequação de uma impugnação recursal, verificando a existência de controvérsia sobre qual recurso deve-se propor naquele caso e constatando a boa-fé do recorrente, deve ordenar o seu processamento em conformidade com o rito do recurso cabível

A recorribilidade e a adequação, portanto, são os fatores essenciais para que o recurso seja considerado cabível. Terminologias diferentes, como a utilizada por Souza (2000), que prefere falar em taxatividade e singularidade, consistem apenas em maneiras distintas de se afirmar que o recurso só será cabível quando estiver previsto em lei e quando for ele o único meio adequado para combater a decisão geradora da irresignação.

2.3.2.2 Legitimidade

A lei processual atribui a determinadas pessoas a possibilidade de recorrer, tendo em vista a relevância que a decisão possa ter para elas e a possibilidade de seu interesse em recorrer.

Conforme o art. 499 do Código de Processo Civil (Brasil, 1973), são legitimados à interposição de recurso: as partes (autor e réu, incluídos os litisconsortes, intervenientes e assistentes), o terceiro prejudicado e o Ministério Público.

A parte, segundo Chiovenda (1998 apud JORGE, 2009, p. 104), “é aquela que demanda em seu próprio nome a atuação de uma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada.”

O terceiro, apesar de não fazer parte da relação processual, pode sofrer prejuízos com o ato decisório proferido no litígio, mesmo não tendo atuado como parte da demanda, por possuir uma relação jurídica ligada àquela discutida em juízo. Havendo algum prejuízo a alguém que não foi parte na ação, que foi reflexamente atingido pela sentença que pretendeu solucionar o litígio, nada mais justo que este tenha o direito de recorrer daquela decisão.

Essa legitimidade tem como objetivo evitar que a eficácia de uma sentença prejudique o direito de outrem, estranho à causa e que não participou do contraditório, o que feriria os princípios informadores do processo previstos na Constituição Federal.

De acordo com Santos (1993, p. 94), “considera-se haver prejuízo do terceiro quando o ato decisório diretamente ou apenas por repercussão reflexa, necessária ou secundária, ofenda o direito deste.”

O terceiro, entretanto, tem o dever de demonstrar a conexão entre a relação jurídica sub judice e aquela da qual é titular de direito e deveres, conforme exige o art. 499 do Código de Processo Civil (Brasil, 1973):

 Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.§ 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial.

Em seu recurso, deverá discutir justamente a lide apreciada pela sentença, não sendo permitida a inovação. “No recurso de terceiro deve este, em princípio, defender o direito da outra parte, para assim indiretamente, lograr que seja defendido, mediatamente, direito seu.” (WAMBIER, 2006, p. 244)

O Ministério Público é legitimado para recorrer tanto na condição de parte como na de fiscal da lei. A circunstância de não ter oficiado antes no processo, segundo a doutrina, é irrelevante, podendo este intervir em qualquer fase do mesmo, recebendo-o no estado em que se encontra. A irresignação da parte também não retira a legitimidade do Ministério Público para recorrer, conforme estabelece a Súmula nº 99 do Superior Tribunal de Justiça: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que atuou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”.

2.3.2.3 Interesse

O interesse recursal está intimamente relacionado à existência para o recorrente de uma situação de desvantagem jurídica oriunda da decisão a ser recorrida. É essa situação que conduz o recorrente a buscar, através do recurso, que seja proferida uma decisão que lhe proporcione uma situação mais favorável.

Além da desvantagem, denominada por alguns autores de sucumbência[6], o recorrente deve demonstrar a necessidade e a utilidade do recurso.

A necessidade do recurso estará presente quando o recurso consistir no único meio de o autor lograr êxito em sua pretensão.

Nesse sentido, em artigo publicado acerca do juízo de admissibilidade dos recursos civis, observa Câmara (2002, p. 11):

 [...] significa isto dizer que, havendo algum outro meio capaz de permitir ao recorrente alcançar o resultado prático que com o recurso se pretende obter, então o recurso não é necessário, dele não se podendo conhecer por falta de interesse em recorrer. Indispensável, pois, que em cada caso concreto se verifique quais seriam as conseqüências no caso de não se interpor o recurso.

Já a sua utilidade se demonstra quando o recurso é capaz de lhe proporcionar uma situação mais vantajosa, isto porque não é razoável que o recorrente interponha recurso que não seja capaz de, objetivamente, modificar para melhor a sua situação de sucumbência.

A conjugação do binômio necessidade-utilidade foi formulada por Moreira (1968) e acolhida pela doutrina pátria como fator indispensável à aferição do interesse recursal.

2.3.2.4 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer

Considerados requisitos negativos de admissibilidade dos recursos, os fatos impeditivos e extintivos do poder de recorrer são atitudes tomadas pela própria parte que impedem que o seu recurso seja admitido.

Moreira (1968, p. 96) afirma que “a ninguém é dado usar as vias recursais para perseguir determinado fim, se o obstáculo ao atingimento desse fim, representado pela decisão impugnada, se originou de ato praticado por aquele mesmo que pretende impugná-la”.

A doutrina diverge quanto à classificação dos fatos em impeditivos e extintivos. Alguns autores afirmam serem fatos impeditivos do poder de recorrer: a desistência da ação, o reconhecimento jurídico do pedido, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação e a transação. Já os fatos extintivos seriam a renúncia ao recurso, a desistência do recurso e a aquiescência da parte em relação ao teor da decisão.

Neste caso, a diferença estaria na direção da vontade manifestada, os primeiros seriam direcionados à ação em si, os últimos ao próprio direito de recorrer.

Outros, entretanto, os enquadram de forma diferente. Para Jorge (2009) o único fato extintivo do direito de recorrer seria a desistência do recurso, todos os outros seriam impeditivos. Isto porque, segundo o autor, na desistência o recurso já foi interposto, por isso não se poderia dizer que seria um fato impeditivo do recurso, consistiria, por outro lado, em um fato extintivo do julgamento do mérito. Quanto à renúncia ao recurso, a parte ficaria impedida de praticar um ato incompatível com a própria renúncia, e na aquiescência o próprio art. 503 do Código de Processo Civil (Brasil, 1973) diz que a parte “não poderá recorrer”, ou seja, ficaria impedida de recorrer.[7]

Já Nelson Luiz Pinto (2001) prefere excluir do elenco dos pressupostos intrínsecos a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, entendendo que esta categoria seria subsumível ao interesse recursal.

2.3.3 Requisitos extrínsecos

 

 

2.3.3.1 Tempestividade

A legislação processual estabelece um prazo para que a decisão possa ser impugnada, prazo este que, transcorrido, gera a preclusão temporal, perdendo a parte o direito de praticar o ato de recorrer.

A previsão de prazos para a interposição dos recursos, segundo Jorge (2010, p. 146) decorre do princípio da segurança jurídica, pois em sendo fixado um prazo para que a decisão venha a ser impugnada, “ele acaba com a intranqüilidade das partes, diante de uma situação em que a decisão pudesse ser revista a qualquer momento”.

A tempestividade é requisito de forma que visa à verificação da obediência, pela parte recorrente, do prazo estipulado legalmente para a prática do ato impugnatório.

O termo inicial para a contagem do prazo recursal é a data em que a parte toma ciência da decisão, que, segundo os arts. 242 e 506 do Código de Processo Civil (Brasil, 1973), pode se dar através da leitura da sentença em audiência, da intimação das partes ou da publicação do dispositivo do acórdão em órgão oficial. O referido prazo, segundo a lei processual, é contado excluindo-se o dia do início e incluindo-se o do final.

A tempestividade recursal, portanto, consiste no exercício do direito de recorrer dentro do prazo estipulado pela lei para cada recurso. Sendo intempestivo o recurso, cabe à autoridade perante a qual é interposto, quando do juízo admissibilidade, negar-lhe seguimento, impedindo que o mesmo seja processado e remetido ao órgão ad quem.

2.3.3.2 Regularidade formal

Para que sejam admitidos, os recursos devem também observar a forma prevista em lei. Apesar de existirem normas específicas quanto à forma que deve possuir cada espécie de recurso, existem normas gerais que se aplicam a todos eles.

Assis (2011) elenca quatro requisitos formais genéricos: petição escrita; identificação das partes; motivação e pedido de reforma ou de invalidação do pronunciamento recorrido.

Assim, a petição, protocolada na forma escrita, deve conter os nomes e a indicação das partes, para que haja uma delimitação subjetiva do recurso, bem como os fundamentos de fato e de direito pelos quais o recorrente requer nova decisão.

A petição, em regra, deverá ser assinada e o subscritor deve ter procuração nos autos para representar o recorrente. Em regra, esta petição será dirigida ao juízo que proferiu a decisão impugnada, que enviará as razões do recurso para o órgão competente para o julgamento.[8]

O recorrente deve indicar exatamente os erros que maculam a decisão e os fundamentos pelos quais acredita que ela está errada. Baseando-se no entendimento de Seabra Fagundes, Jorge (2009, p. 183) afirma que quando a parte delimita o objeto e alcance de sua impugnação “estará possibilitando ao recorrido oferecer a sua resposta e estará, da mesma forma, indicando ao órgão julgador qual a parte da decisão que está sendo atacada e de que maneira ela deverá ser reformada ou anulada”.

Por fim, a necessidade de pedido expresso de reforma deve-se ao fato de que o provimento substitutivo do ato impugnado, seja para a reforma, invalidação ou integração da decisão, consiste no próprio objeto do recurso.

2.3.3.3 Preparo

O último requisito extrínseco, o preparo, consiste no pagamento das despesas relativas ao recurso. O valor de tais despesas é estabelecido na lei de organização judiciária para cada recurso e a ausência do referido pagamento gera a sanção de inadmissão, denominada, neste caso, de deserção.

Apesar de ser também um requisito de admissibilidade, o preparo é dispensado em alguns casos tendo em vista a pessoa do recorrente e a espécie do recurso. É dispensado o preparo, por exemplo, para o Ministério Público, União, Estados, Municípios e respectivas autarquias; para o beneficiário da justiça gratuita e também para a interposição de algumas espécies de recurso, como os embargos de declaração e o agravo retido.

Feitas essas considerações iniciais acerca dos recursos cíveis em geral e a sua admissibilidade, no capítulo seguinte iniciar-se-á a abordagem do Recurso Especial, objeto central deste estudo.


3 O RECURSO ESPECIAL

3.1 Histórico

Até a Constituição de 1967, o Supremo Tribunal Federal (STF) era o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro responsável, através do recurso extraordinário, tanto pelo exame das questões constitucionais como das questões de direito federal, existindo, além daquele, somente o Tribunal Federal de Recursos, criado com a missão de funcionar como segunda instância da Justiça Federal, em 1947.

O Supremo Tribunal Federal e suas atribuições foram estabelecidos pelo Decreto nº 510, de 22.06.1890 (BRASIL, 1890), ainda no Governo provisório, antes da promulgação da primeira constituição republicana do Brasil. O Decreto dispôs que, das sentenças da justiça dos Estados em última instância, caberia recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionasse sobre a validade ou aplicabilidade de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado fosse contra ela e; b) quando se contestasse a validade das leis ou atos de governos dos Estados, em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do estado considerasse válidos os atos ou leis impugnados.

 Ocorre que, em decorrência do assoberbado volume de impugnações dirigidas àquele Tribunal, gerou-se a chamada Crise do Supremo Tribunal Federal, que levou a Corte Suprema a adotar diversos óbices legais e procedimentais à apreciação dos recursos. Um deles foi a experiência da “relevância da questão federal”, que, apesar de haver possibilitado a elevação da destinação essencial do recurso extraordinário, suscitou críticas em razão das restrições criadas ao acolhimento das irresignações. (VELLOSO, 1988)

Apesar dos esforços, permanecia a idéia de que o STF não mais poderia continuar operando como protetor e intérprete, ao mesmo tempo, da Constituição e do Direito Federal.

Silva (1963), em seu estudo acerca do recurso extraordinário, já afirmava faltar um Tribunal Superior correspondente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para compor a estrutura judiciária do direito comum, defendendo a criação de um Tribunal Superior cuja função seria a de exercer as atribuições de órgão de cúpula e de composição das estruturas judiciárias defeituosas. Defendia, também, a necessidade de um instituto nos moldes do Recurso Extraordinário, o qual, mais tarde, se materializaria na figura do Recurso Especial.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 surgiria o Superior Tribunal de Justiça e, juntamente com ele, o Recurso Especial, que, não obstante os demais motivos que possam ter impulsionado a sua criação, sem dúvidas consistiu em uma tentativa de desafogar a Corte Suprema através da criação de um órgão e de um instituto, nos moldes já conhecidos do Recurso Extraordinário, capazes de viabilizar a interpretação final do direito federal.

Para Mancuso (2010, p. 98), a criação do Superior Tribunal de Justiça atendeu aos reclamos existentes à época, por haver liberado o Supremo Tribunal Federal “para um menos atribulado exercício de sua missão maior”, além de ter substituído o Tribunal Federal de Recursos por cinco Tribunais Regionais Federais, melhor aparelhados para servir como instância recursal ordinária das decisões dos juízes federais.

Apoiado nas lições de Silva, Cavalcante (2003) também atribui a criação do Superior Tribunal de Justiça à tentativa de desafogar o Supremo Tribunal Federal, através da retirada do âmbito da competência da Corte Suprema das questões de índole infraconstitucional.

A origem do recurso especial explica o fato de ser este, conforme aduz Teixeira (1990, p. 10), “espécie de recurso extraordinário lato sensu, destinado, por previsão constitucional, a preservar a unidade e autoridade do direito federal”.

Por ser um desmembramento do recurso extraordinário, diversas disposições legislativas, inclusive súmulas, tratam e são aplicadas, simultaneamente, aos dois institutos.

3.2 Características e finalidades

O recurso especial é comumente tipificado como recurso extraordinário (lato sensu), excepcional ou de estrito direito.

 Tal denominação ocorre em razão de ser ele um meio de impugnação de decisão judicial exercitável após o esgotamento de todos os recursos na instância ordinária, que tem como objetivo a verificação pelo Superior Tribunal Justiça, da correta aplicação e interpretação da lei federal no caso concreto.

A classificação do recurso especial como modalidade de recurso extraordinário, mencionada no próprio Código de Processo Civil, em seu art. 467, utiliza, portanto, como critério, o objeto tutelado pelo recurso. Os recursos extraordinários são diferentes dos ordinários porque estes, também denominados comuns, possuem como fim imediato a simples tutela do direito subjetivo das partes litigantes, mediante a discussão de questões de fato e de direito, e são oponíveis perante a Justiça Ordinária, ou seja, perante os juízos de primeiro e segundo grau de jurisdição, com a finalidade de que sejam corrigidas as injustiças praticadas pelo juízo que proferiu a decisão.

Já os recursos extraordinários remetem a causa aos tribunais superiores, que são responsáveis pela garantia da integridade e uniformidade do direito federal e pela defesa da Constituição, e por isso devem demonstrar a existência de uma questão federal ou constitucional controvertida, para que, como enuncia Cavalcante (2003), a causa seja revista sob o foco exclusivo da observância ao ordenamento jurídico, onde não se ultrapassará a fronteira da análise restrita da legalidade ou constitucionalidade da decisão recorrida.

Por outro lado, o recurso especial é também classificado como recurso de fundamentação vinculada, em contraposição aos de livre fundamentação.

Em nosso sistema, os recursos de fundamentação livre são aqueles que “não se prendem diretamente a determinado defeito ou vício na decisão. Qualquer que seja o defeito ou vício, cabível será sempre aquele determinado recurso” (JORGE, 2009, p. 41). São exemplos: a apelação, o agravo, os embargos infringentes, o recurso ordinário e os embargos de divergência. Para estes é imprescindível apenas a existência da decisão, independentemente do vício que possa ser alegado pelo recorrente para justificar a necessidade de reforma.

Tratando dos recursos de livre fundamentação, Assis (2011, p. 60) ressalta que, nesse caso, “o recorrente poderá impugnar a decisão pelos motivos que lhe parecerem convenientes, devendo ser observada tão-somente a congruência entre a fundamentação do ato decisório e as razões do recurso”.

Já os recursos de fundamentação vinculada, como o especial, o extraordinário e os embargos de declaração, são assim classificados por exigirem, para que sejam cabíveis, a existência de determinados vícios na decisão.

Para que sejam oponíveis embargos de declaração, por exemplo, é imprescindível a existência de omissão, obscuridade ou contradição na decisão impugnada. No tocante ao recurso especial, somente é permitida a utilização de tal mecanismo quando houver na decisão recorrida I) contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal; II) julgamento em que se considerou válido lei ato de governo local contestado em face de lei federal; ou III) interpretação da lei federal diversa da concedida por outro tribunal.

O recurso de fundamentação vinculada difere dos de fundamentação livre, portanto, pelo fato de que para a sua interposição existem restritas e imodificáveis hipóteses de cabimento, além dos pressupostos de interposição comuns aos demais recursos.

 Nestes, “a tipicidade do erro passível de alegação pelo recorrente, ou a crítica ao provimento impugnado, integra o cabimento do recurso e, por conseguinte, a respectiva admissibilidade”. (ASSIS, 2011, p. 59),

O recurso especial, além de estar regulado no Código de Processo Civil Brasileiro, especificamente em seus arts. 541 a 545, é previsto e tem suas hipóteses de cabimento estabelecidas na própria Constituição Federal, especificamente no art. 105, inciso III, o que faz com que o referido mecanismo de impugnação seja também denominado recurso constitucional.

Por fim, pode-se caracterizar o Recurso Especial como um recurso político-constitucional, pois ao garantir a preservação da ordem jurídica federal está protegendo o próprio Estado de Direito, cuja base é o ordenamento jurídico.

A partir da sua caracterização, extrai-se que o recurso especial possui três finalidades: preservar a integridade do direito federal, garantir a autoridade de lei federal em relação aos atos de governo local e viabilizar a uniformidade da interpretação do direito federal nos diversos tribunais locais e regionais. Busca impedir, conforme observa Pinto (1996, p.53), “não só a desobediência como, também, a regionalização da interpretação e da aplicação do direito federal”.

De fato, o sistema federativo exige que haja um tribunal que fixe um entendimento único da lei federal, dada a amplitude que a jurisdição é exercida no Estado brasileiro, onde existem vários estados membros e, ainda, vários graus de jurisdição apreciando uma mesma causa, conforme aduz Theodoro Jr (2001, p. 541):

[...] a função do recurso especial é manter a unidade e autoridade da lei federal, uma vez que no Brasil existem múltiplos organismos judiciários encarregados de aplicar o direito positivo elaborado pela União, função esta que antes da Constituição de 1988 era exercida pelo Supremo Tribunal Federal, por via do Recurso Extraordinário.

O acesso ao Superior Tribunal de Justiça possibilitado pelo recurso especial, desta feita, não tem o escopo de ser mais uma instância a julgar a demanda e corrigir eventuais injustiças ou má interpretação dos fatos da causa, mas sim verificar se a decisão proferida no órgão a quo se deu de acordo com a correta interpretação da lei federal.

Nos tribunais superiores, a suposta injustiça contida na decisão recorrida é corrigida somente de forma mediata e secundária, o que se pode extrair da conclusão de Jorge (2009, p. 40):

[...] quando estamos diante dos recursos extraordinários, o direito subjetivo do recorrente somente será protegido quando, e somente nessa circunstância, tiver havido lesão ao direito objetivo, portanto, em decorrência natural da proteção deste. Quer dizer, a justiça da decisão só é alcançada como decorrência natural da correta aplicação da lei ao caso concreto. O benefício alcançado pelo recorrente advém do fato de o direito objetivo ter sido aplicado incorretamente num primeiro momento, sendo reconhecida a lesão posteriormente em sede recursal.

Assim, pode-se concluir que a caracterização do recurso especial como recurso extraordinário, excepcional[9] ou de estrito direito, como visto, é justificada pelas peculiaridades inerentes à sua interposição e finalidade, que difere dos ditos recursos comuns ou ordinários.

3.3 O juízo de admissibilidade do recurso especial

O Código de Processo Civil, conforme disposição do Artigo 542, §1º, determina que após a interposição do Recurso Especial e findo o prazo para apresentação das contrarrazões pelo recorrido, serão os autos conclusos para a admissão ou não do recurso especial interposto, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada. Já o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2011), dispõe que:

Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.

Nota-se, então, que a admissibilidade do recurso especial ocorre em duas oportunidades processuais: a primeira, efetuada no Tribunal de origem pelo seu presidente (ou a pessoa designada no regimento interno), e a segunda, exercida pelo Ministro relator do Superior Tribunal de Justiça.

Hugo de Brito Machado (2000, p. 221) fala em um triplo juízo de admissibilidade, já que a primeira verificação da admissibilidade é exercida pelo Presidente do Tribunal perante o qual é interposto o recurso, a segunda pelo relator no Superior Tribunal de Justiça e há, ainda, a possibilidade de uma terceira verificação pelo órgão colegiado do Superior Tribunal de Justiça, que antes de examinar o mérito do recurso pode considerá-lo incabível.

De todo modo, primeiramente, é realizado o exame do preenchimento dos pressupostos recursais, em caráter provisório, pela presidência ou vice-presidência do tribunal a quo, que emite juízo positivo ou negativo de admissibilidade ao recurso interposto. Neste patamar, deverá ser constatada apenas a ocorrência dos pressupostos genéricos e específicos do recurso especial, sem ser apreciado o acerto ou erro da decisão recorrida.

Como observa Mancuso (2010, p. 164), o tribunal recorrido deve “examinar os pressupostos gerais e constitucionais do recurso interposto, zelando, contudo, para não avançar considerações que resvalem para uma valoração do seu mérito”.

No caso do recurso especial, a distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito não é tarefa simples. Isso porque alguns requisitos específicos exigem uma aferição mais aprofundada de seus fundamentos e essa aferição, muitas vezes, ultrapassa a linha limítrofe entre os dois tipos de juízo.

Passado o juízo de admissibilidade realizado pelo tribunal a quo, em tendo este como resultado o não conhecimento do recurso, o recorrente tem à sua disposição o recurso de agravo, comumente denominado agravo de despacho denegatório, o qual será dirigido diretamente ao Superior Tribunal de Justiça e recebido pelo relator, que poderá, ao entender serem procedentes as razões do agravo, convertê-lo em recurso especial e incluí-lo na pauta para julgamento pela Turma do Superior Tribunal de Justiça para o exame do mérito.

Em caso de juízo positivo no tribunal a quo, ou pelo relator do STJ em caso de interposição de agravo, ainda assim será realizado novo juízo de admissibilidade pela Turma Julgadora do Superior Tribunal de Justiça, antes do julgamento propriamente dito.

Cavalcante (2003, p. 87) ressalta a importância em se estudar detalhadamente o juízo de admissibilidade do recurso especial, “pois referida atividade funciona como autêntica guilhotina na pretensão de reforma da decisão recorrida, ainda mais em se cuidando de recurso excepcional, que contempla pressupostos específicos de admissibilidade.”

Adiante, serão abordados os pressupostos de admissibilidade do recurso especial, que diferentemente dos recursos ordinários, deve atender a pressupostos genéricos e específicos.

3.4 Pressupostos de admissibilidade do recurso especial

O exame do mérito do recurso, como já foi enunciado, somente pode ser feito após a análise da presença dos requisitos de admissibilidade, que funcionam como condição necessária ao julgamento do recurso interposto.

Como aduz Françolin (2006, p. 652), para os recursos excepcionais existe ainda um maior rigor, já que “tratando-se de recursos dirigidos a tribunais que visam resguardar a lei federal e a Constituição da República, não poderiam possuir largo espectro de abrangência, pois, do contrário, os tribunais superiores seriam, assumidamente, uma terceira instância”.

Sobre o assunto, ensina Cavalcante (2003, p. 211):

A admissibilidade desses recursos não é assegurada simplesmente pelo implemento dos requisitos ou pressupostos gerais: há que se lhes acrescentar um plus, que consiste, exatamente, nas exigências específicas para sua admissibilidade, constantes dos textos que, na CF, cuidam do recurso extraordinário (art. 102, III) e do especial (art. 105, III)

Assim, o recurso especial deve atender aos pressupostos genéricos de admissibilidade aplicáveis a todas as espécies de recursos e, ainda, aos requisitos específicos, exigidos em virtude da sua natureza excepcional, que em sua maioria estão previstos na própria Constituição Federal.

3.4.1 Pressupostos genéricos aplicados ao recurso especial

 

 

3.4.1.1 Hipóteses de cabimento do recurso especial

Conforme já foi exposto no primeiro capítulo deste trabalho, para que um recurso seja cabível ele precisa estar previsto em lei contra determinada decisão judicial (recorribilidade) e precisa ser o meio de impugnação adequado para aquela espécie (adequação).

No caso do recurso especial, o seu cabimento está previsto na própria Constituição Federal (Brasil, 1988), especificamente nas alíneas do art. 105, inciso III:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Veja-se que as alíneas do dispositivo supramencionado estabelecem exatamente que espécies de vício podem ser apontadas nas decisões impugnadas por meio do recurso especial, haja vista ser este, como já foi exposto anteriormente neste trabalho, um recurso de fundamentação vinculada.

Assim, as hipóteses de cabimento do recurso especial são: a contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal, o julgamento em que se considerou válido ato de governo local contestado em face de lei federal e o dissídio jurisprudencial em relação à interpretação de lei federal.

3.4.1.1.1 Contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal

Primeiramente, há que se ressaltar que “contrariar” e “negar vigência” não significam a mesma coisa. Veja-se a lição de Mancuso (2010, p. 221-222):

Pensamos que ‘contrariar’ um texto é mais do que negar-lhe vigência. Em primeiro lugar, a extensão daquele termo é maior, chegando mesmo a abarcar, em certa medida, o outro; segundo, a compreensão dessas locuções é diversa: ‘contrariar’ tem uma conotação mais difusa, menos contundente; já ‘negar vigência’ sugere algo mais estrito, mais rígido. Contrariamos a lei quando nos distanciamos da mens legislatoris, ou da finalidade que lhe inspirou o advento; e bem assim quando a interpretamos mal e lhe desvirtuamos o conteúdo. Negamos-lhe vigência, porém, quando declinamos de aplicá-la, ou aplicamos outra, aberrante da fattispecie; quando a exegese implica em admitir, em suma... que é branco onde está escrito preto; ou quando, finalmente, o aplicador da norma atua em modo delirante, distanciando-se de todo do texto de regência.

Assim, a contrariedade à lei ocorre quando a decisão proferida se distancia do real significado da lei e da finalidade que inspirou a sua criação, através da má interpretação dada pelo julgador. A negativa de vigência ocorre quando o julgador deixa de aplicar a lei que deveria ser observada naquele caso concreto, seja pela simples omissão ou pela aplicação de outra em seu lugar.

 O Superior Tribunal de Justiça dá ampla interpretação quanto ao que seja “lei federal” para os fins do recurso especial interposto pela alínea “a”. Segundo a jurisprudência deste tribunal, compreende-se como lei federal não só as leis provenientes do Congresso Nacional (leis em sentido formal e substancial), mas também as leis em sentido substancial, como as medidas provisórias, os decretos autônomos e os regulamentos editados pelo Presidente da República.[10]

Já quando se fala em violação a tratado, entende-se este em sentido amplo, compreendendo as convenções e acordos internacionais de que o Brasil faça parte e seja signatário.

Para que seja conhecido o recurso especial na hipótese ora explicitada, portanto, deve haver a devida demonstração de seu cabimento, com a subsunção do fundamento da impugnação em umas das hipóteses previstas na Constituição.

A forma pela qual deverá o recorrente demonstrar a incidência da hipótese prevista na alínea “a” do art. 105, III, da CF/88 é bastante controvertida e será debatida em capítulo próximo.

3.4.1.1.2 Julgamento em que se considerou válido ato de governo local contestado em face de lei federal

Antes da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, a redação da alínea “b” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal era diferente, pois incluía a palavra lei, nos seguintes termos: “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal”.

Ocorre que o conflito entre lei local e lei federal diz respeito tão-somente à competência legislativa, que é determinada por normas constitucionais. Tal fato gerava dúvida quanto à interposição do recurso cabível e na maioria das vezes havia uma duplicidade de recursos com base no mesmo fundamento, ou seja, um era interposto um para o STJ, com base na letra b do inc. III do art. 105, em virtude do ato de governo local contestado em face de lei federal, e outro para o STF, com base no art. 102, III, a, em virtude do conflito constitucional entre lei local e lei federal.

Saraiva (2002, p. 208) entende da seguinte forma a expressão “lei ou ato de governo local”:

Configura toda e qualquer atividade normativa do Estado-Membro ou do Município, isto é, a expressão ‘lei’ traduz atividade do Poder Legislativo de cada um desses entes – Assembléia Legislativa e Câmara Municipal – e o termo ‘ato’ refere-se a toda e qualquer manifestação normativa do Poder Executivo, seja mediante decreto, portaria, resolução ou outros quaisquer.

Vicente Greco Filho (2006, p. 374) entende que ambas as hipóteses consistem em espécies de negativa de vigência ou contrariedade à lei federal, haja vista que “se a decisão recorrida afirmou a validade da lei ou ato local (entenda-se estadual ou municipal) que está confrontando com norma federal é porque deixou de aplicá-la.”

Com a emenda retro mencionada, a hipótese em que a decisão recorrida “julgar válida lei local contestada em face da lei federal” foi transferida para a competência do Supremo Tribunal Federal, com a inclusão da alínea “d” ao art. 102, III, da Lei Maior, tendo sido a competência para apreciar os casos se “julgar válido ato de governo local contestado em face da lei federal”, por sua vez, mantida no Superior Tribunal de Justiça.

A situação em que se julga válido um ato local contestado em face de lei federal é uma espécie de negativa de vigência ou contrariedade à lei federal, tendo em vista que, se a decisão recorrida afirmou a validade do ato local que está confrontando com norma federal é porque deixou de aplicá-la.

Saraiva (2002, p. 208) entende que o termo “ato” refere-se a toda e qualquer manifestação normativa do Poder Executivo, seja mediante decreto, portaria, resolução ou outras quaisquer.

Assim, se uma decisão judicial faz prevalecer um ato local em detrimento de lei federal, cabível será o recurso especial com base na alínea “b” do artigo já citado.

3.4.1.1.3 Dissídio jurisprudencial

O recurso especial, nessa hipótese, é cabível quando o tribunal de origem houver decidido uma controvérsia mediante interpretação de lei federal de forma diversa da que lhe tenha conferido outro tribunal.

Pinto (2004, p.201-202) afirma que para se ingressar com recurso especial com base na alínea “c” do artigo 105, III, da CF, não basta ao recorrente afirmar que a decisão recorrida diverge de outra, proferida por outro tribunal. Ressalta que deve ser demonstrado que a interpretação acertada da lei federal é a constante da decisão apresentada como paradigma.

Baseando-se no mesmo entendimento, conclui Cavalcante (2003, p. 74) que “acaba então por se caracterizar essa hipótese autorizadora do recurso especial como um desdobramento da hipótese primeira do recurso, qual seja, contrariar ou negar vigência ao direito federal”.

Coerentes são os supracitados entendimentos, haja vista que, muitas vezes, a pretexto de se atribuir determinada interpretação ao direito federal, a decisão acaba negando vigência ao tratado ou a lei, se em seu conteúdo transparecer o desprezo à correta interpretação da norma federal que deveria ser aplicada naquela situação. Nesse caso, o recurso seria cabível tanto pela alínea “a” como pela alínea “c”.

Válida é a observação de Wambier (2002, p. 172):

 [...] às letras b e c temos chamado de hipóteses de cabimento. À letra a, de único fundamento. Por isso é que nos parece que o recurso especial não pode ser baseado nas letras b e c, isoladamente. O fato de este fenômeno às vezes ocorrer nada mais é, na verdade, do que uma deformação do sistema. Já sustentamos que as alíneas b e c deveriam ser uma espécie de ‘subalíneas’ (se existisse essa figura...), já que são especificações da letra a.

Existem, ainda, algumas exigências quanto a essa hipótese de cabimento do recurso especial. Inicialmente, deve-se observar que a divergência deve se dar entre diferentes tribunais da federação, não servindo de paradigma um julgado do mesmo tribunal de onde emanou a decisão recorrida, já que o dispositivo constitucional frisa que a interpretação divergente deve ter sido atribuída a “outro tribunal”.[11]

Por outro lado, há exigência quanto à forma de demonstração da divergência, que será mencionada a seguir, quando da análise da regularidade formal do recurso especial.

O recurso especial interposto com sustentáculo na alínea “c” do permissivo constitucional evidencia a atribuição constitucional do Superior Tribunal de Justiça como uniformizador da interpretação do direito federal dada pelos diferentes tribunais do país.

3.4.1.2 A regularidade formal do recurso especial

As regras formais a serem seguidas no recurso especial encontram-se previstas no art. 541 do Código de Processo Civil (Brasil, 1973):

Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

Tem-se que a interposição do recurso especial deverá ser feita perante o Presidente ou o Vice-Presidente do tribunal recorrido e deverá conter a exposição dos fatos e do direito, a demonstração do cabimento e as razões do pedido de reforma da decisão.

A demonstração do cabimento é feita quando é devidamente apontada uma das alíneas (“a”, “b” ou “c”) do inciso III do art. 105 da Constituição Federal como justificativa para a o ingresso na instância especial.

O artigo faz ainda uma exigência relativa a uma das hipóteses de ofensa ao direito federal, que é a interpretação da lei federal diversa da concedida por outro tribunal.

A comprovação da existência da decisão divergente deve ser realizada através de certidões, cópias autenticadas, repositórios credenciados ou oficiais e indicação de fonte, exigindo ainda o Superior Tribunal de Justiça que haja transcrição de trechos do acórdão recorrido e do paradigma, para, em seguida, ser feita a comparação analítica, isto é, destacando-se as partes semelhantes e as divergentes.

O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2011), em seu artigo 255 e parágrafos, também prevê regras acerca da comprovação do dissídio jurisprudencial e da confrontação entre trechos da decisão recorrida e do acórdão paradigma que comprovem a divergência:

Art. 255. O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo.

§ 1º. A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita:

a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal;

b) pela citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se achem publicados.

§ 2º. Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

§ 3º. São repositórios de jurisprudência, para o fim do § 1º, b, deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento.

A inobservância dessas regras impede o conhecimento do recurso por falta do requisito de admissibilidade atinente à forma.

3.4.1.3 Preparo

O Código de Processo Civil (Brasil, 1973), especificamente em seu art. 511, prevê a necessidade de pagamento das despesas de interposição do recurso sob pena de deserção.

Entretanto, o art. 112 do regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2011) dispõe que naquele Tribunal “não serão devidas custas aos processos de sua competência originária ou recursal”.

Conforme aduz Cavalcante (2003, p. 100) tal fato “pode levar à falsa conclusão de inexistir preparo no recurso especial”.

Contudo, o autor observa que o Código de Processo Civil inclui no preparo as despesas de porte de remessa e de retorno, daí por que esclarece a Súmula nº 187 daquele Tribunal que “é deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e de retorno dos autos”.

Assim, em se cuidando do especial, o pagamento da quantia corresponde somente ao porte de remessa e retorno, e a falta de comprovação deste pagamento no momento da interposição do recurso impõe o seu não conhecimento.

Este requisito é um dos grandes responsáveis pela inadmissão dos recursos, haja vista a tecnicidade de sua forma de comprovação.

3.4.2 Pressupostos específicos do recurso especial

 

 

3.4.2.1 Causas decididas em única ou última instância

O dispositivo constitucional que prevê a interposição do recurso especial, além de estabelecer que tipo de decisão é impugnável através deste recurso, torna perceptível a existência de alguns requisitos específicos para sua interposição.

Nota-se que a recorribilidade é restrita, já que para que o recurso seja cabível é necessário que a causa seja decidida, em única ou última instância, e que esta decisão tenha emanado de um dos Tribunais de Justiça dos estados, do Distrito Federal ou dos Tribunais Regionais Federais.

Sobre o conceito de causa, expõe Cavalcante (2003, p. 104):

A constituição, ao se referir ao termo causa, na verdade está afastando do âmbito do controle dos recursos excepcionais as decisões de cunho não jurisdicional, de modo que qualquer decisão judicial, ainda que de índole interlocutória, desde que represente a última ou única instância em relação ao que ali se decide, pode ser atacada por recurso excepcional; e nesse sentido, editou o Superior Tribunal de Justiça a Súmula 86, destacando que “cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento”.[12]

O que se quer dizer com a expressão “causa decidida”, segundo Mancuso (2010, p.126), “é que a decisão atacada seja final, isto é, que tenham sido exercitados os recursos ordinários cabíveis”.

Albuquerque (1996, p. 84), considerando a exigência de a causa ser decida como um requisito relativo ao próprio cabimento, expõe:

 [...] a interpretação de algum recurso extraordinário em causa que não está ainda decidida em única ou última instância, faz o recurso inadmissível por incabível, eis não serem os adequados contra a decisão. A impugnação por essa via será inidônea, não ensejando qualquer dos efeitos da interposição do recurso: não evita o trânsito em julgado, não devolve o conhecimento da matéria impugnada ao órgão ad quem. Como isso, não produz novo julgamento da matéria. Esse os motivos por que tratamos a causa decidida, assim como os demais requisitos do (...) transcrito III (do art. 105 da CF), como integrante do pressuposto de cabimento.[13]

Pode-se dizer que a definitividade da decisão é exigida em virtude de ser o recurso especial um recurso de estrito direito, que tratará dos fatos da forma como foram decididos na instância de origem, cuidando somente da correta aplicação do direito federal à espécie.

Mancuso (2010, p. 115) explicita a referida exigência da seguinte maneira:

O STJ e o STF são órgãos de cúpula judiciária, espraiando a eficácia de suas decisões por todo o território nacional. Em tais circunstâncias, compreende-se que as Cortes Superiores apenas devam pronunciar-se sobre questões federais (STJ) ou constitucionais (STF) – que podem ser até prejudiciais – numa lide cujas quaestiones juris tenham sido compridamente enfrentadas e dirimidas nas instâncias inferiores.

Por outro lado, a decisão deverá provir de um dos tribunais citados no artigo, sendo inviável, por exemplo, a apresentação do recurso especial contra decisões de primeiro grau e decisões proferidas pelos Colégios Recursais dos Juizados Especiais. Estes últimos não se qualificam como tribunais, conforme se constata no disposto no art. 92 da Constituição Federal acerca dos órgãos que compõem o Poder Judiciário.

Para Cavalcante (2003, p. 62), o rigor existente para o acesso à instância especial “é, na verdade, uma garantia do próprio litigante de que sua causa terá o julgamento pleno nas instâncias ordinárias, encarregadas constitucionalmente de analisar de forma exaustiva os aspectos fáticos, probatórios e jurídicos da causa.”

O exercício do recurso especial, portanto, pressupõe a preclusão consumativa quanto aos recursos cabíveis nas instâncias inferiores, restando então o campo propício para que se leve a questão federal à instância especial.

3.4.2.2 Prequestionamento

O prequestionamento, considerado por juristas e doutrinadores o requisito mais importante dos apelos excepcionais, etimologicamente significa “dizer antes”.

Este requisito advém da exigência constitucional de que o recurso especial somente é viável contra causas decididas, ou seja, causas em que tenha havido pronunciamento judicial acerca da questão federal objeto do recurso, impedindo-se, por consequência, que o recorrente inove em suas razões recursais.

Segundo a doutrina majoritária, a razão de ser do prequestionamento é que se o tribunal que proferiu a decisão recorrida não se manifestou a respeito de determinada matéria, significa que não houve o exaurimento da instância, e, portanto, não estaria presente o pressuposto constitucional para a interposição do recurso.

O esgotamento do processo na instância ordinária é fundamental para que haja o pleno julgamento da causa, haja vista que na instância especial não será mais possível o reexame dos fatos, sendo analisada somente a questão de direito federal.

Segundo Cavalcante (2003, p. 108), a exigência do prequestionamento é um meio de “garantir às próprias partes que será respeitado o princípio do juiz natural, evitando-se que a instância especial prevaleça sobre as instâncias ordinárias, o que geraria uma concentração de força jurisdicional no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal”.

Assim, pode-se concluir que, segundo a doutrina majoritária, o requisito do prequestionamento é considerado satisfeito quando a questão federal foi debatida pelo acórdão recorrido.

Corroborando este entendimento, Didier Jr. e Cunha (2006, p. 189) expõem:

Preenche-se o prequestionamento com o exame, na decisão recorrida, da questão federal ou constitucional que se quer ver analisada pelo Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal. Se essa situação ocorre, induvidosamente haverá prequestionamento e, em relação a esse ponto, o recurso extraordinário eventualmente interposto deverá ser examinado.

Embora muito já se tenha escrito e debatido acerca do requisito do prequestionamento, tormentosa ainda se mostra a análise de sua natureza jurídica, definição e forma de atendimento. Todas essas particularidades serão examinadas e debatidas no capítulo seguinte, quando da crítica à interpretação dada pelos tribunais a esse instituto.

3.4.2.3 Questão de direito federal: impossibilidade de reexame de matéria fática.

Haja vista ser o recurso especial um recurso de estrito de direito, responsável pela verificação da correta aplicação da lei federal ao caso concreto, proíbe-se o seu conhecimento quando em suas razões se exige o reexame de matéria fática, conforme a Súmula nº 07 do STJ.[14] Tal proibição revela-se de fundamental importância visto que, caso contrário, o Superior Tribunal de Justiça passaria a atuar como órgão de terceira instância.

Na instância especial os fatos processuais devem ser recebidos da forma em que foram decididos após o pleno esgotamento das instâncias ordinárias, e tal exigência é de fácil compreensão, conforme explicita Mancuso (2010, p. 116):

Não se compreenderia que as coisas se passassem de outro modo, porque o conhecimento da matéria de fato, bem como a alegação de injustiça da decisão recorrida são temas ou capítulos que já ficaram para trás, nos momentos em que foram (ou poderiam ter sido!) interpostos os recursos de tipo comum (agravos, apelação, embargos infringentes, embargos de alçada).

Para que seja atendida essa exigência, é necessária a realização da difícil tarefa que é a distinção entre a questão de fato e de direito. Wambier (1998, p. 266) afirma que “a questão será predominantemente fática, do ponto de vista técnico, se, para que se decida a matéria, houver necessidade de se reexaminar provas, ou seja, de se reavaliar como os fatos teriam ocorrido, em função da análise do material probatório produzido”.

A Corte Superior deve considerar as conclusões alcançadas definitivamente pelo tribunal a quo acerca do arcabouço fático apurado no processo, apenas analisando se foi correta a interpretação das normas federais aplicáveis no caso concreto.

Assim, caso seja necessário o reexame das provas produzidas nas instâncias ordinárias para que seja verificada a correção da aplicação da lei federal, não é cabível o recurso especial.

Para a correta aplicação deste requisito, além da distinção entre questão de fato e de direito, é necessária a devida distinção entre o simples exame de fatos e o reexame de fatos, com a formação de nova convicção acerca destes.

3.4.2.4 Impossibilidade de interpretação de cláusula contratual

Por fim, tem-se a impossibilidade de exegese de cláusulas contratuais, estabelecida pela Súmula nº 5 do STJ, segundo a qual “a simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”.

Essa premissa advém da proibição ao reexame de matéria-fática na instância especial, já comentada supra, haja vista que a exegese das cláusulas contratuais pressupõe a pesquisa da real vontade do agente na firmação do contrato, o que implicaria em reexame do material probatório.

Assim, cumpre às instâncias ordinárias definir o alcance do negócio jurídico firmado entre as partes, cabendo ao Tribunal Superior somente aplicar o direito à espécie.

Ultrapassada a indicação e explicitação de cada um dos requisitos genéricos e específicos para a interposição do Recurso Especial, passar-se-á ao ponto central do presente estudo, que consiste na análise do juízo de admissibilidade deste recurso e do excesso de rigor e falta de razoabilidade no exame de alguns dos requisitos retro mencionados.


4 O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL NA PRÁTICA

Conforme já foi explicitado, o juízo de admissibilidade deve funcionar como uma espécie de “triagem”, para que só se submetam a julgamento os recursos que atendam aos requisitos necessários à análise do conteúdo da impugnação.

Ocorre que, na prática, o juízo de admissibilidade do recurso especial tem se tornado um obstáculo quase intransponível para os recorrentes. Isso porque os requisitos de admissibilidade, denominados “filtros” recursais, tem tido uma interpretação cada vez mais restritiva, prestigiando-se o rigorismo formal em detrimento da efetividade da prestação jurisdicional. 

Como vimos no segundo capítulo deste trabalho, o principal objetivo da criação do Superior Tribunal de Justiça foi a liberação do Supremo Tribunal Federal, que se encontrava em crise em face do soberbo volume de processos recebidos, para que este pudesse atuar exclusivamente como guardião da Constituição Federal, ficando a matéria infraconstitucional absorvida pelo novo órgão.

Ocorre que, como é de conhecimento de todos, o Superior Tribunal de Justiça inevitavelmente foi assolado por semelhante problema. O grande volume de processos protocolados levou o Superior Tribunal de Justiça a adotar uma postura repulsiva em relação a eles. Optou-se pela eliminação dos processos em detrimento da solução dos litígios e da viabilização dos princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário e do acesso à ordem jurídica justa.

A “corrida” pela eliminação de processos inicia-se já no plano dos tribunais locais, que, extrapolando os limites de sua competência, realizam mais do que um mero juízo de admissibilidade, chegando a proferir uma espécie de prévio julgamento da demanda; e tem continuidade no Superior Tribunal de Justiça, que apresenta uma postura repulsiva e excessivamente formalista.

Conforme foi abordado no capítulo anterior, o recurso especial, por sua qualidade de recurso excepcional, de estrito direito e fundamentação vinculada, bem como em face da função atribuída constitucionalmente ao tribunal competente para o seu julgamento, deve atender a regras de admissibilidade diferenciadas em relação aos recursos comuns.

Essa necessidade advém, como já foi afirmado anteriormente, da finalidade do próprio recurso prevista na Carta Magna, qual seja a de “restabelecer a inteireza positiva do direito federal, fixar-lhes a interpretação e preservar-lhes a autoridade”. (MANCUSO, 2010, p. 145). Apenas por via reflexa é restaurado o direito subjetivo suscitado pelo recorrente.

A existência propriamente dita dos “filtros” recursais, portanto, é totalmente legítima, pois assegura o alcance da finalidade precípua para qual o recurso foi criado. O problema consiste na maneira, muitas vezes exagerada, com que estes filtros têm sido interpretados e aplicados nos casos concretos.

4.1 A interpretação restritiva dos pressupostos de admissibilidade e o excesso de formalismo

As decisões de inadmissão e não conhecimento do recurso especial, tanto no âmbito dos tribunais locais como do próprio Superior Tribunal de Justiça têm se mostrado excessivamente rigorosas quando à interpretação dos pressupostos de admissibilidade, impondo aos recorrentes restrições ilegítimas com sacrifício à própria legislação processual e aos princípios constitucionais.

Nos tópicos, seguintes serão abordadas algumas das situações mais frequentes em que os tribunais, quando do juízo de admissibilidade do recurso especial, interpretam de forma distorcida e excessivamente restritiva os pressupostos de admissibilidade do recurso e utilizam-nos para atender aos seus interesses de contenção dos recursos e controle de demanda, violando o direito de acesso à justiça e deixando em segundo plano a efetiva prestação jurisdicional.

4.1.1 A exigência de demonstração da efetiva violação à lei

Sabe-se que uma das hipóteses de cabimento do recurso especial é a alegação pelo recorrente de que o acórdão violou um dispositivo de lei federal ou tratado, conforme estabelece o art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal (Brasil, 1988).

Ocorre que, quando da realização do juízo de admissibilidade, os tribunais locais, muitas vezes, negam seguimento ao recurso sob o fundamento de que não haveria ocorrido a mencionada violação.

Não obstante o que já foi dito nas linhas anteriores deste estudo, nas quais se destacou a distinção entre juízo de mérito e de admissibilidade, tantos os tribunais locais como o próprio Tribunal Superior, quando do juízo de admissibilidade, ao invés de realizarem o simples exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso, têm tangenciado e até mesmo invadido o mérito da causa, realizando uma espécie de julgamento precário do processo.

A problemática é ainda maior no caso dos tribunais locais, tendo em vista que o poder de apreciar o mérito da causa foi conferido exclusivamente à instância especial pelo próprio texto constitucional.

Tratando do assunto, Mansur (2001, p. 62) menciona que a corte local “confundindo os pressupostos de admissibilidade do recurso com o próprio mérito, exige, para a sua admissão, que este seja procedente em seu mérito, matéria cuja apreciação constitucionalmente está afeta às Cortes Superiores”.

Embora a efetiva violação à lei federal ou tratado seja claramente o objeto do juízo de mérito, a admissão do recurso especial tem sido condicionada à demonstração dessa violação, o que, na verdade, deveria ser apreciado somente no Superior Tribunal de Justiça, como pressuposto para a decisão de provimento ou desprovimento do recurso.

Consiste essa situação em uma atecnia processual, haja vista que, conforme observa Françolin (2006, p. 654) “a lei não deixa dúvida alguma de que o tribunal local exerce uma atividade absolutamente vinculada ao exame dos requisitos de admissibilidade do recurso especial”

Ocorre que a referida prática é autorizada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, que, incorporando a “corrida” pela eliminação dos processos, permite aos tribunais locais o exercício de atividade de sua própria competência.

A posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme aduz Mancuso (2010, p. 160), é que “o juízo de admissibilidade do recurso especial realizado nos tribunais de origem deve ser amplo, em ordem a ser examinado tudo o que esteja contido na rubrica do cabimento desses recursos, o que, por vezes, acaba por resvalar nas questões de fundo”.

Pode-se extrair essa linha entendimento a partir da leitura do seguinte trecho retirado do voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira quando do julgamento de um Agravo Regimental:

Em primeiro lugar, é pacífica a orientação desta Corte no sentido da possibilidade de o juízo de admissibilidade adentrar o mérito recursal, conforme se colhe dos AgRg/Ags 35.315-PE (DJ 8/11/93) e 173.195-SP (DJ 21/9/98), relatados, respectivamente pelo Ministro Cesar Rocha, quando ainda integrava a Primeira Turma, e por mim, assim ementados, no ponto:

(...)

I - É possível o juízo de admissibilidade adentrar o mérito do recurso, na medida em que o exame da sua admissibilidade, pela alínea a, em face dos pressupostos constitucionais, envolve o próprio mérito da controvérsia. (STJ, AgRg 22000)

Contudo, tendo como base a brilhante doutrina de Moreira (2009, p. 116), o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que autoriza o tribunal recorrido a exercer verdadeiro juízo de provimento do recurso excepcional “contraria o aspecto de que o juízo de admissibilidade há de ser preliminar ao juízo de mérito”.

Conforme aduz Pinto (2002, p.194), as hipóteses de cabimento desses recursos correspondem ao tipo de vício que pode ser apontado na decisão e a sua admissibilidade é condicionada não à demonstração, que corresponde ao próprio mérito do recurso, mas à alegação e apontamento do vício.

Nota-se que a apreciação do mérito na fase em que deveriam ser examinados simplesmente requisitos de aspecto processual-formal é evidentemente incompatível com a legislação processual.

   “Decisões como esta vão de encontro com diversos princípios, mas salta aos olhos a usurpação de competência dos tribunais locais, já que somente aos tribunais superiores está reservada a tarefa de apreciar o mérito dos recursos”. (FRANÇOLIN, 2006, p. 656)

Cavalcante (2003, p. 123), entende ser correta a amplitude dada ao juízo de admissibilidade no tribunal recorrido, já que “prestigia as instâncias ordinárias, pois o juízo negativo de admissibilidade, se não sofrer ataque mediante o agravo de instrumento específico, será a decisão definitiva da causa, emanada da própria instância ordinária.”

Ocorre que, como é sabido, é raríssima, nos dias de hoje, a situação em que o recorrente, diante do não conhecimento do recurso especial, não interponha o recurso de agravo contra esse juízo negativo.

Conforme o último Relatório Estatístico do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2010), em 2010 foram julgados 330.283 processos. Desse total, 69.797 referem-se a Recurso Especial e 131.379 correspondem a Agravo (a 14,77% foi dado provimento, a 57,65% negado, 25,18% não foram conhecidos e 2,40% incluem-se na categoria “outros”).

Por outro lado, essa prática causa sério prejuízo à parte, já que, apesar de esta poder se valer do agravo de despacho denegatório que, necessariamente, será dirigido diretamente à instância superior, terá de se valer de um novo recurso e aguardar um tempo muito maior para ver sua pretensão apreciada.

Não se pode exigir que o recurso seja procedente para que seja admissível, como observa Moreira (2009, p. 592), in verbis:

Se o texto constitucional, querendo indicar hipótese de cabimento, usou, por impropriedade técnica, expressão que já desenha hipótese de procedência, isso não é razão para que se deixe de atender à distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Por outro lado, já que a ocorrência efetiva do esquema consagrado no texto constitucional constitui requisito de procedência, seria absurdo exigi-la para declarar admissível o recurso: não se pode condicionar a admissibilidade à procedência, pois esta pressupõe aquela, e para chegar-se à conclusão de que um recurso merece provimento é logicamente necessário que, antes, se haja transposto a preliminar. Requisito de admissibilidade será, então, a mera ocorrência hipotética (isto é, alegada) do esquema constitucional [...]

Pinto (1996, 119-120), com a coerência que lhe é peculiar, explicita que a demonstração do cabimento do Recurso Especial com base na alínea “a”, do art. 105, inciso III, deve consistir em uma alegação razoável de que a decisão recorrida teria contrariado dispositivo de lei federal ou tratado, ficando o exame da efetiva contrariedade ou negativa de vigência reservado ao Superior Tribunal de Justiça, para análise quando do posterior exame de mérito do recurso, o qual resultará no provimento ou não do mesmo, e não no seu conhecimento ou inadmissão.

Para o autor, a alegação razoável significa a probabilidade de ter havido a alegada contrariedade ou negativa de vigência ao dispositivo legal invocado. Como exemplo, afirma ser razoável a alegação caso o tribunal a quo, ao julgar a apelação do recorrente, tenha enfrentado a questão para cuja solução demandaria efetivamente a interpretação e a aplicação do dispositivo legal invocado.

O exame da plausibilidade da alegação poderia ser comparado, dessa forma, ao exame do fumus boni iuris no processo cautelar, no qual o julgador não pode ingressar propriamente no mérito do recurso.

Ocorre que, na prática, assim não é feito. O próprio Superior Tribunal de Justiça, não raras vezes, deixa de observar a distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito, somente admitindo o recurso pela alínea “a” do art. 105, III da CF/88 quando entende ser este procedente em seu mérito.

Sobre essa situação, Pinto (2002, p. 199) aduz:

Com efeito, procedendo da forma como vem fazendo, está o STJ dando péssimo exemplo aos presidentes e vice-presidentes dos tribunais estaduais, encarregados de exercer o primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial. Se esse procedimento ainda se justifica no próprio STJ, que tem também competência para o exame do mérito do recurso especial, o mesmo não ocorre e não se justifica, em hipótese alguma, sendo até mesmo inconstitucional, se adotado nos tribunais a quo, a quem a lei confere competência exclusivamente para o juízo de admissibilidade do recurso.

A exigência da efetiva violação à lei federal para o conhecimento do recurso especial, apesar de comumente constante dos julgamentos proferidos pelos tribunais em sede de juízo de admissibilidade, consiste em verdadeira afronta à lei processual e constitucional, principalmente em relação às regras de competência fixadas.

4.1.2 A vedação ao reexame de matéria fático-probatória na instância especial

Um dos argumentos mais utilizados para a inadmissão de recursos especiais é a existência da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Veja-se um exemplo de sua aplicação:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ, AgRg 1.413.315/RN, 2011)

Como já foi dito anteriormente neste estudo, o recurso excepcional, por ser de estrito direito, não se destina à correção da injustiça do julgado recorrido, mas sim à verificação da correta aplicação do direito federal ao caso concreto. Ademais, quando da sua interposição, há a presunção de que os fatos tenham sido exaustivamente analisados nas instâncias ordinárias.

A proibição de reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial, portanto, advém exatamente das peculiaridades desta espécie recursal, que se destina à verificação de questões exclusivamente de direito.

  Ocorre que a súmula nº 7 vem sendo utilizada de forma inadequada, resultando na indevida inadmissão dos recursos sob a justificativa da necessidade de consideração de questões fáticas para a aplicação do direito federal.

 Na verdade, a impossibilidade do reexame de matéria fático-probatória em sede de recursos excepcionais não implica que devam ser ignorados os fatos, visto que sua apreciação é indispensável à aplicação do direito e à justa prestação jurisdicional.

Sobre o assunto, elucidativa é a lição Fontoura (1993, p. 75):

Não é exato afirmar que a questão federal é só uma questão de direito. Será de direito sempre, sem dúvida, porque deverá estar em jogo, em forma direta, alguma cláusula de direito federal; ainda assim poderá ser de fato, enquanto seja necessário avaliar fatos para satisfazer os fins próprios do instituto em estudo. Esta última alternativa tem deixado de ser uma exceção para converter-se numa gestão obrigatória sempre que resulte útil cumpri-la, com o objetivo de afiançar, numa situação determinada, a supremacia e a unidade do direito federal.

Wambier (1997, p. 448-449), ressalta a dificuldade existente na distinção entre questões de fato e questões de direito, já que “o fenômeno do direito ocorre, de fato, no momento da incidência da norma no mundo real, no universo empírico”.

É que, segundo observa a autora, as decisões judiciais somente podem ser proferidas mediante a prévia análise e qualificação dos fatos e posterior subsunção à norma.

Tem-se, assim, que o que se veda em sede de recurso especial é a análise de questões predominantemente fáticas e a formação de uma nova convicção acerca destas, sendo proibido, portanto, que seja alterada a versão dos fatos dada pelo acórdão recorrido.

Relevante é o entendimento de Oliveira (2007, p. 302):

 O mundo jurídico lida com valores, e o efeito (jurídico) da norma não é nem o simples valor nem o simples fato, mas o valor atribuído ao fato, conforme o enquadramento realizado pela norma. Nisso reside o specificum do fenômeno jurídico, constituído sempre de fato valorado pela regra jurídica.

As decisões que se utilizam da Súmula nº 7 do STJ com fundamento em que não seria permitida a apreciação dos fatos na instância especial, mostram-se, desta feita, excessivamente restritivas e contrariam a própria natureza do recurso especial, haja vista que, sendo este destinado à preservação da inteireza e uniformidade do direito federal, não se pode deixar de considerar os fatos quando da verificação da correta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto.

4.1.3 A necessidade de a questão federal haver sido prequestionada

Não obstante a inexistência de previsão legal ou constitucional a respeito da exigência do requisito do prequestionamento, a jurisprudência é uníssona e a doutrina é majoritária no sentido de que a sua necessidade advém da exigência constitucional de que os recursos excepcionais deverão ser interpostos em face de causas decididas em única ou última instância.

Apesar da certeza dessa exigência, existe uma série de entendimentos em relação ao seu conceito, ao momento em que deve surgir, o modo como se dá sua exteriorização e quando ele efetivamente se caracteriza como pressuposto específico de admissibilidade dos recursos excepcionais.

Sobre o conceito de prequestionamento nos recursos excepcionais, Medina (2005, p. 217-218) cita três definições existentes:

a)      Prequestionamento como manifestação expressa do Tribunal recorrido acerca de determinado tema;

b)      Prequestionamento como debate anterior à decisão recorrida, acerca do tema, hipótese em que o mesmo é muitas vezes considerado como ônus atribuído à parte;

c)      A soma das duas tendências citadas, ou seja, prequestionamento como prévio debate acerca do tema de direito federal ou constitucional, seguido de manifestação expressa do Tribunal a respeito.

Expondo a sua opinião sobre o tema, a qual possui relevante importância, afirma o supracitado autor ser o prequestionamento apenas um meio através do qual se leva a conhecimento do órgão a quo a questão federal ou constitucional. Esta última, sim, há que estar presente na decisão recorrida, mas poderá surgir mesmo que ausente a provocação das partes. Sob esse prisma, o verdadeiro requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais seria o fato de a matéria federal ou constitucional ter sido efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias, seja por ter sido prequestionada, seja por ter surgido espontaneamente na decisão recorrida.

A posição hoje adotada pela doutrina majoritária, contudo, é a de que o prequestionamento seria a própria circunstância de a matéria de direito federal ou constitucional haver sido debatida pelo tribunal, independentemente de ter sido ventilada pela parte recorrente. Atribui-se, tomando como base a doutrina de Medina, a denominação “prequestionamento” ao que corresponde, na verdade, ao requisito do cabimento.

Destacam-se as considerações tecidas por Cavalcante (2003, p. 108) sobre o tema:

Assim a matéria constitucional e/ou federal há de ter sido examinada e julgada pelas instâncias ordinárias, de modo exaustivo, ou seja, depois de esgotados todos os recursos e meios de impugnação, para que se possa almejar o ingresso na instância especial, sendo que para viabilizar mencionada transição de instâncias é preciso ficar evidente que não se cuida de matéria nova, não questionada e nem apreciada pelas instâncias ordinárias, pois do contrário a instância especial acabaria funcionando como instância ordinária, ou seja, o Supremo tribunal federal e o Superior Tribunal de Justiça se tornariam os juízes primeiros a examinar a matéria, quando a Constituição Federal lhes reservou a função de intérpretes finais do Direito quando provocados mediante recursos excepcionais.

Os Tribunais Superiores, através das seguintes súmulas, fixaram o mesmo entendimento:

Enunciado da súmula 282 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

Enunciado da súmula 211 do STJ: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.

Cite-se, ainda, voto do Ministro Ari Pargendler em sede de Agravo Regimental, o qual demonstra essa linha de entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

O prequestionamento, no recurso especial, é aferido a partir do acórdão recorrido; nada importa que o tema tenha sido suscitado desde a petição inicial, pois é imprescindível que o tema tenha sido decidido a respeito dos artigos de lei federal alegadamente violados, ainda que implicitamente (STJ, AgRGMC n° 3345/ SP, 2001)

Apesar da certa uniformidade quanto ao conceito do prequestionamento no âmbito jurisprudencial, não há um consenso definitivo, entretanto, se o dispositivo constitucional ou lei federal que se tem por violado deve ser expressamente mencionado na decisão recorrida, ou se basta, para a configuração da questão decidida, que a matéria tenha sido apenas levantada e discutida, mesmo que não se mencione determinação constante em lei.

A corrente defensora do prequestionamento explícito, afirma ser imprescindível a menção expressa ao artigo de lei porventura contrariado, ou seja, deve haver a referência ao número e à letra da normal legal tida por violada quando de sua análise por parte do tribunal de origem. A outra sustenta ser suficiente que o tema a respeito do qual versa o dispositivo tenha sido analisado pela corte a quo, mesmo que o dispositivo supostamente violado não tenha sido explicitado no corpo do acórdão.

O Superior Tribunal de Justiça há algum tempo consolidou o entendimento de que não se faz necessário que seja mencionado no acórdão recorrido o dispositivo legal que se alega ter sido violado, bastando que a questão federal tenha sido enfrentada e decidida nas instâncias inferiores. Veja-se:

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA JURÍDICA – DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS – IPC – ÍNDICES DE JANEIRO E FEVEREIRO DE 1989 – REFLEXO LÓGICO - PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO - NÃO EXIGÊNCIA. 1. O STJ não exige o chamado prequestionamento numérico para o conhecimento da questão federal, ou seja, aquele em que necessariamente o acórdão recorrido deve registrar o artigo de lei federal que a parte quer debater. Basta que o Tribunal de origem julgue a matéria federal, explicitamente, ainda que não indique o artigo de lei, que é facilmente identificável. 2. O entendimento da Primeira Seção desta Corte é no sentido de que aplica-se o IPC, no percentual de 42,72%, relativo à correção monetária no mês de janeiro/89, que produz efeitos reflexos relativamente ao mês de fevereiro/89. Agravo regimental improvido. (STJ, EDcl nº 416.406/MA, 2008)

O Supremo Tribunal Federal, apesar de haver mitigado a exigência do prequestionamento explícito, ainda exara decisões em que o exige. Vejam-se exemplos das duas posições:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. MENÇÃO EXPRESSA AO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL NA DECISÃO RECORRIDA. DESNECESSIDADE. TRIBUTÁRIO. ICMS EM OPERAÇÃO DE IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. COBRANÇA DO TRIBUTO POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. LEGITIMIDADE. SÚMULA 661 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – A exigência do prequestionamento não impõe que a decisão recorrida mencione expressamente o dispositivo constitucional indicado como violado no recurso extraordinário. Basta, para a configuração do requisito, o enfrentamento da questão pelo juízo de origem. II – Nos termos da Súmula 661 do STF, na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro. III - Agravo regimental improvido. (STF, 2011)

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NA HIPÓTESE, DE PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SÚMULA STF 735. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, LIV, LV, LXIX E 93, IX, DA CF/88. OFENSA REFLEXA. 1. O Supremo Tribunal Federal exige o prequestionamento explícito da matéria impugnada no recurso extraordinário, não admitindo, em princípio, o chamado prequestionamento implícito. 2. Não cabe o apelo extremo contra decisão que concede ou indefere provimentos liminares. Incidência da Súmula STF 735. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, em regra, as alegações de ofensa a incisos do artigo 5º da Constituição Federal podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. 4. O fato de a decisão ter sido contrária aos interesses da parte não configura ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF,  AgRg nº 765.066/RJ, 2011)

Haja vista ser o Supremo Tribunal Federal o guardião da Constituição e, portanto, do alcance dos arts. 102, III e 105, III da Constituição Federal, esta imprecisão causa grande dúvida quanto à exigência do prequestionamento e sua forma de cumprimento, impedindo que os que anseiam a prestação jurisdicional tanto do Superior Tribunal de Justiça como do Supremo Tribunal Federal interponham de forma segura os seus apelos, que fica condicionada a uma questão puramente formal.

Ressalva Costa (1991), em obra a respeito do juízo de admissibilidade do recurso especial, que a exigência do prequestionamento decorre da própria natureza extraordinária do recurso, pouco importando o silêncio da constituição, mas que essa exigência deve ser escoimada dos exageros do formalismo.

Esclarecedora é a lição do Ministro Costa (1991, p. 193):

 Importa é que a questão federal emerja da decisão recorrida, ainda que implicitamente. Exageros seriam a indicação expressa do artigo de lei, para aperfeiçoar-se o prequestionamento, e a necessidade de oposição de embargos declaratórios, para tornar explícito o que, de modo implícito, está contido no acórdão recorrido.

Deve-se considerar que, apesar da facilidade de constatação do prequestionamento quando a contrariedade à lei federal é inequivocamente evidenciada na decisão local através da expressa menção ao dispositivo tido como violado, em alguns casos, não obstante a ausência de identificação dos dispositivos violados, uma leitura mais atenta do acórdão e das manifestações da parte recorrente torna possível a identificação de que o tribunal tratou da tese levantada pela parte. Nestas condições, não há porque não se considerar a causa decidida e, portanto, prequestionada, para fins de recurso especial.

Ocorre que nem sempre assim é entendido, o que contribui para que, cada vez mais, sejam opostos embargos de declaração pelos recorrentes, mesmo inexistindo omissão, obscuridade ou contradição, com o fito de evitar que o especial não seja conhecido por ausência de prequestionamento da matéria.

Este, entretanto, não é o único ponto controvertido acerca do requisito do prequestionamento. É oportuno ressaltar, ainda, que os Tribunais Superiores sedimentaram o entendimento de que a questão recorrida deve ter sido ventilada no voto vencedor e não apenas no voto vencido, o que se extrai dos seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 7, II, DA LEI N. 1.533/51. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 282 DO STF. QUESTÃO FEDERAL VENTILADA APENAS NO VOTO VENCIDO DO ACÓRDÃO GUERREADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 320 DESTA CORTE. 1. O voto vencedor do acórdão recorrido não proferiu juízo de valor a respeito do art. 7º, II, da Lei n. 1.533/51, inviabilizando, assim, sua análise em sede de recurso especial por ausência de prequestionamento. Incide, in casu, o Enunciado Sumular n. 282 do Supremo Tribunal Federal. 2. A afirmação constante do voto vencido reconhecendo a inexistência de fumus boni iuris na hipótese não é capaz de suprir o requisito do prequestionamento conforme orientação consagrada na Súmula n. 320 desta Corte. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg nº 1034667, 2009)

Medina (2005, p. 295), criticando o referido posicionamento, aponta para o fato de que o recurso se dirige “contra o acórdão, do qual o voto vencido faz parte, e não unicamente contra o voto vencedor”.

Na mesma linha de entendimento, Souza (2006, p.319) afirma que “mesmo que a questão tenha sido tratada apenas no voto vencido, resta evidenciada a discussão da quaestio iuris no julgado recorrido estando, assim, atendido o requisito do prequestionamento”.

Acertados são os referidos entendimentos, haja vista que o voto não se trata de peça distinta e independente, mas sim um elemento integrante do acórdão. A partir do momento em que a fundamentação do voto vencido integrou o acórdão, é coerente que se tenha por prequestionada a matéria nele abordada.

Se a questão foi registrada no voto minoritário, houve não só discussão, mas também solução da questão na corte de origem. O voto divergente revela-se tão-somente um posicionamento não prestigiado pela maioria.

Trata-se de mais uma demonstração do excesso de formalismo enraizado pelos Tribunais Superiores e da utilização dos pressupostos recursais como simples forma de controlar o número de processos que lhes são dirigidos.

Outra questão bastante discutida é se a interposição de embargos de declaração é suficiente para que seja considerada prequestionada a matéria antes omitida pelo tribunal recorrido, que consiste no chamado prequestionamento ficto.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo, conforme a Súmula 211/STJ. Nesse sentido, o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. INDICAÇÃO DE PRECATÓRIO À PENHORA. 1. A matéria suscitada nas razões de recurso especial e não abordada no acórdão recorrido, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmula 211/STJ). 2. Esta Corte não admite o prequestionamento ficto, por meio da simples oposição dos embargos declaratórios, tanto que foi editada a Súmula 211/STJ, que preconiza a impossibilidade de conhecimento do recurso especial quando a questão, mesmo que tenha sido levantada em embargos de declaração, não tenha sido efetivamente debatida. 3. "É inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário" (Súmula 126/STJ). 4.Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no REsp 1079931/SP, 2008)

O Supremo Tribunal Federal, diferentemente, considera suficiente a interposição de Embargos Declaratórios para fins de prequestionamento:

PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 1. O que, a teor da Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela (RE 210.638/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19/6/1998). 2. Agravo regimental improvido (STF, AI-AgR nº 648760/SP, 2007)

Segundo o STJ, nos casos de reiterada omissão, deve ser interposto recurso especial por ofensa aos artigos 535, II, 458, II, e 165 do Código de Processo Civil, por negativa de prestação jurisdicional, para que só então seja determinada à corte de origem a manifestação sobre a questão legal suscitada. Somente após a referida manifestação poderá ser admitido o recurso especial, com fundamento em uma das hipóteses previstas no art. 105, III, da CF.

Observa-se que um problema que poderia ser resolvido com um único recurso e uma única decisão somente é solucionado através de dois recursos e três decisões.

Esse tortuoso caminho proposto pelo STJ como solução para a citada questão não encontra guarida nos princípios que regem a Teoria Geral do Processo. Isso porque é cediço o entendimento de que o processo, sendo instrumental, não pode ser visto como um fim em si mesmo, devendo constituir-se em um meio pelo qual se aplica o direito material ao caso concreto.

Sobre o tema, observa Didier Jr. (2006, p.54):

O processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica desenvolvida para a tutela do direito material. O processo é realidade formal - conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido atingido. A separação entre direito e processo – desejo dos autonomistas – não pode implicar um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela. A visão instrumentalista do processo estabelece a ponte entre o direito processual e o direito material.

Há que se frisar ainda que, com a mencionada solução, se atribui ao recorrente um ônus pela irregularidade cometida pelo próprio tribunal a quo, qual seja a de não haver se manifestado quando deveria fazê-lo. O recorrente tem o seu recurso especial inadmitido em virtude da omissão do órgão julgador.

Por fim, apesar de não restar dúvida quanto à necessidade de que a matéria tenha sido ventilada no processo para que se considere preenchido o requisito do pequestionamento, o art. 267, § 3º do Código de Processo Civil (Brasil, 1973), segundo o qual as matérias de ordem pública devem ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, até mesmo de ofício, se contrapõe a esse entendimento.

Dessa forma, surge então mais uma dúvida no que concerne ao instituto do prequestionamento: se é possível a apreciação de matéria de ordem pública pelos tribunais superiores, independentemente de prequestionamento, tendo em vista que o dispositivo processual estabelece que são suscitáveis em qualquer tempo e grau de jurisdição e até de ofício tais matérias.

Haja vista que o requisito do prequestionamento tem origem constitucional, como inicialmente abordado, há neste caso, portanto, um conflito hierárquico de normas.

Sendo assim, tendo em conta a prevalência da norma constitucional, tal requisito se afiguraria intransponível, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DESCABIMENTO: FALTA DE PREQUESTIONAMENTO, EXIGÍVEL, SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE, AINDA QUE A MATÉRIA SEJA DE ORDEM PÚBLICA, CUJA DECLARAÇÃO DEVA SE DAR DE OFÍCIO: INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356: PRECEDENTES. (STF, EDcl nº 254.921-5, 2004)

O Superior Tribunal de Justiça vem, entretanto, admitindo a apreciação das matérias de ordem pública, desde que o recurso tenha sido admitido por outro fundamento, devidamente prequestionado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. MENOR CARENTE. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EXAME DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO POR OUTRO FUNDAMENTO. SÚMULA 456/STF. ECA. PROTEÇÃO JUDICIAL DOS INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS. APELAÇÃO. PRAZO. 15 DIAS. ART. 212, § 1º, DA LEI N.º 8.069/90. 1. É possível analisar de ofício matéria de ordem pública se, após ser o recurso especial conhecido por outro fundamento, defrontar-se o julgador com nulidade absoluta ou matéria de ordem pública que possa implicar anular ou tornar rescindível o julgamento. Súmula 456/STF. Precedentes. (STJ, REsp 610.438/SP, 2005)

Pinto (1996) sustenta que relativamente às questões de ordem pública, que, por disposição legal, devem ser conhecidas e decretadas até mesmo ex officio em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º), deve ser dispensado o requisito do prequestionamento, devendo o Superior Tribunal de Justiça conhecer dessas questões, evitando-se, assim, o trânsito em julgado da decisão viciada.

Acertada é a lição do autor, haja vista não ser razoável que, mesmo enxergando vício fundamental no acórdão recorrido, o STJ permita a perpetuação da nulidade. Desde que a matéria de ordem pública impeça o julgamento do mérito do recurso e, sendo esta evidente, passível de ser reconhecida sem necessidade de reexame de fatos ou de provas, a mesma deverá ser reconhecida em sede de recurso especial.

Após toda essa abordagem acerca do requisito do prequestionamento e suas diferentes concepções, verifica-se a existência de precedentes em todos os sentidos, o que causa enorme insegurança jurídica entre os jurisdicionados, que até hoje não sabem ao certo qual o entendimento prevalecente acerca do tema. Na dúvida, interpõem-se sempre embargos de declaração, o que acumula ainda mais o trabalho nos tribunais.

Por outro lado, a referida imprecisão facilita a utilização do instituto como mero elemento de contenção dos recursos, muitas vezes de forma ilegítima e desarrazoada.

Para concluir o presente tópico não se poderia deixar de citar a brilhante lição de Bueno (2002, p. 31-32)

O que é de ser destacado aqui e agora é que, enquanto não houver um consenso a respeito do que é prequestionamento, como ele se manifesta perante os jurisdicionados e qual o papel dos embargos de declaração para a fase recursal extraordinária e especial, o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça resta seriamente comprometido. Enquanto for difícil responder à questão "o que é e como se dá o prequestionamento?", enquanto não houver uma segura uniformidade de entendimentos acerca deste tema, o acesso àqueles dois Tribunais é mais ilusório do que real. É mais declaração de direito do que uma efetiva garantia de direitos constitucionalmente prevista. Trata-se, inegavelmente, de um caso em que a forma parece estar suplantando — e em muito — o conteúdo.

Impõe-se, assim, mais do que nunca, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e, pois, do alcance dos arts. 102, III e 105, III, da Constituição Federal diga o que é ou o que deve ser entendido por prequestionamento: se a iniciativa das partes; se o conteúdo da decisão recorrida ou se uma junção destas duas vertentes. Se é pertinente para sua identificação o número do dispositivo constitucional ou legal que se pretende impugnar, em que condições que a decisão deve dizer que está rejeitando as argüições das partes e, enfim, definir quais os parâmetros que devem ser empregados para a verificação de sua ocorrência, aí incluída a necessidade, ou não, e o papel dos embargos declaratórios. Tudo para que os jurisdicionados possam saber, de antemão, se e como podem pretender alcançar as Cortes Superiores para uniformização do direito federal, constitucional e infraconstitucional, nos precisos termos do art. 102, III e 105, III, da Constituição Federal. Em suma: para que se possa saber qual o caminho a ser seguido por quem anseia pela prestação jurisdicional daqueles Tribunais.

Enquanto estas questões não forem decididas com ânimo de definitividade parece curial, com o devido respeito dos que pensam diferentemente, que não só o alcance dos referidos arts. 102, III e 105, III, estará em cheque mas, também — senão principalmente —, o art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. O acesso à Justiça e o devido processo legal estão comprometidos por uma questão que, em última análise, é formal: se, é verdade, há, hoje, consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da indispensabilidade do prequestionamento — até porque sua previsão constitucional parece irretorquível —, ainda se debate acerca da sua forma ou do seu modo de surgimento. Omissão quanto a este ponto é insustentável em um Estado Democrático de Direito, em que nem a lei pode excluir lesão ou ameaça a direito do Poder Judiciário.

4.1.4 A deserção em questões referentes ao preparo

Merecem destaque, ainda, os casos de juízo de admissibilidade negativo em virtude de questões referentes ao preparo.

Primeiramente, têm-se os casos de deserção do recurso especial em razão do não recolhimento do preparo (no caso do recurso especial, porte de remessa e de retorno) devido pela interposição do recurso, entendimento este fixado por meio de súmula no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 187/STJ: É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos. (Brasil, 2009)

Como se sabe, diante da redação do caput do art. 511, do Código de Processo Civil (Brasil, 1973), o preparo deve ser comprovado no ato de interposição do recurso, sob pena de se ter configurada a deserção.[15]

Contudo, houve a flexibilização da referida norma, haja vista que o próprio Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), em seu §2º do art. 511, passou a prever que o preparo pode ser complementado na hipótese de ter sido realizado de forma insuficiente, nos seguintes termos:

Art. 511. [...]

§ 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREPARO RECOLHIMENTO INSUFICIENTE. DESERÇÃO. INOCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO. 1. O recolhimento insuficiente do preparo do recurso não enseja a deserção, senão posteriormente à intimação da parte para que o complemente, quando não atendida. Inteligência do artigo 511, § 2º, do CPC. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg nº 1.270.327/SP, 2011)

Ocorre que existem reiteradas decisões que consideram que o preparo feito após a interposição do recurso, ainda que dentro do prazo recursal, não impede a ocorrência da deserção. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUSTAS JUDICIAIS. RECOLHIMENTO POSTERIOR À INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. DESERÇÃO. PRECEDENTES. 1. Caso em que o agravante insurge-se contra a decisão a quo que julgou deserto o recurso especial. 2. A jurisprudência desta Corte entende que de acordo com a dicção do art. 511 do CPC, o recorrente deve comprovar a realização do preparo no ato de interposição do recurso, tendo-o como deserto se ocorrido em momento posterior, ainda que dentro do prazo recursal. Precedentes: AgRg no Ag n. 596.598/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17/12/2004; EDcl nos EREsp 1.068.830/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 4/5/2009; AgRg no AREsp 9.786/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9/8/2011. 3. O preparo insuficiente enseja a intimação, com a abertura de prazo para a sua complementação, o que não ocorre na falta da comprovação do preparo no ato da interposição do recurso, consoante o disposto no § 2º do art. 511 do CPC. Precedentes: AgRg no Ag 940.069/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 10/12/2007; AgRg no Ag 1.377.859/AM, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 15/9/2011. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg nº 22942/PR, 2011)

Com efeito, nota-se que não é razoável que haja a possibilidade da complementação do preparo nos casos de insuficiência e não seja permitida a hipótese em que o comprovante do preparo é apresentado após a interposição do recurso, ainda que dentro do prazo recursal.

A restrição não se justifica nem mesmo em termos de celeridade processual. A juntada do comprovante do preparo feita somente após a interposição do recurso, desde que dentro do prazo recursal, não causa qualquer retardamento no andamento do processo, já que o prazo que a parte teria para recorrer teria apenas decorrido em sua integralidade. O mesmo não se pode afirmar da permitida intimação do recorrente para promover o complemento do preparo.

Não há justificativa, portanto, para a preclusão automática do recurso por falta de preparo quando a omissão pode ser sanada e ainda quando o prazo do recurso ainda não se exauriu.

Por outro lado, existem decisões que consideram deserto o recurso especial em face de meras irregularidades na comprovação do referido pagamento, mesmo quando realizado concomitantemente à interposição do recurso. Senão vejam-se:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.  PREPARO. GUIA DE RECOLHIMENTO. ANOTAÇÕES FEITAS À MÃO. NECESSIDADE DE  CONSTAR O NÚMERO DO PROCESSO NA ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. 1.  A eg. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de  que, “a partir da edição da Resolução n. 20/2004, além do  recolhimento dos valores relativos ao porte de remessa e retorno em rede  bancária, mediante preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) ou  de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), com a anotação do  respectivo código de receita e a juntada do comprovante nos autos, passou a  ser necessária a indicação do número do processo respectivo” (AgRg no  REsp 924.942/SP, de relatoria do e. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado  na sessão de 3/2/2010 e publicado no DJe de 18/3/2010). 2. Com isto, ficou  consolidado, no âmbito deste STJ, o entendimento de que, em qualquer  hipótese, a ausência do preenchimento do número do processo na guia de  recolhimento macula a regularidade do preparo recursal, inexistindo em tal  orientação jurisprudencial qualquer violação a princípios constitucionais  relacionados à legalidade (CF, art. 5º, II), ao devido processo legal e seus  consectários (CF, arts. 5º, incs. XXXV e LIV, e 93, IX) e à  proporcionalidade (CF, art. 5º, § 2º). Ressalva do entendimento pessoal  deste Relator, conforme voto vencido proferido no julgamento do AgRg no REsp  853.487/RJ. 3. Na hipótese em exame, a guia de recolhimento do preparo do  recurso especial não foi devidamente preenchida com a correta indicação do  número do processo junto ao Tribunal de origem. Portanto, é forçoso  reconhecer a inviabilidade de conhecimento do apelo especial. 4. As  anotações feitas à mão na respectiva guia de recolhimento não podem ser  consideradas, não sendo aptas a demonstrar a regularidade do preparo.  Precedentes. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgRg nº 1.105.229/MG, 2011)

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ESPECIAL POR IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DO PREPARO. GRU. NÚMERO DE REFERÊNCIA NÃO COINCIDENTE COM O NÚMERO DO PROCESSO. 1. No caso dos autos, o código indicado no campo "número de referência" da Guia de Recolhimento da União não confere com o número do processo na origem. Ali consta o número "01" e não o número do processo de referência. 2. Está consolidado o entendimento, neste Superior Tribunal, no sentido de que, não havendo a indicação na Guia de Recolhimento da União do número de referência do processo, bem como do código de receita definido na Resolução vigente, fica impossibilitada a identificação da veracidade do recolhimento, o que implica, consequentemente, a deserção do recurso. 3. Agravo Regimental improvido. (STJ, AgRg nº 38.121/SP, 2011)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PORTE DE REMESSA E RETORNO DOS AUTOS. EXIGÊNCIAS CONTIDAS NAS RESOLUÇÕES DO STJ APLICÁVEIS À ESPÉCIE. DESERÇÃO VERIFICADA. AUSENTE O NÚMERO DO PROCESSO A QUE SE REFERE O RECOLHIMENTO. PREPARO EFETIVADO EM 20.6.2005. INDICAÇÃO ERRÔNEA DO CÓDIGO DA RECEITA. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO N. 12/2005. 1. A partir da edição da Resolução n. 20/2004, além do recolhimento dos valores relativos ao porte de remessa e retorno em rede bancária, mediante preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) ou de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), com a anotação do respectivo código de receita e a juntada do comprovante nos autos, passou a ser necessária a indicação do número do processo respectivo. 2. Constata-se que, in casu, não foi anotado o número do processo a que se refere o documento de arrecadação de receitas federais, juntado à fl. 227 dos autos, bem como houve anotação errônea do código de receita. 3. Tendo sido efetuado o preparo em 20.6.2005, incide o disposto na Resolução n. 12/2005, não merecendo reparo a decisão agravada. 4. Agravo regimental na provido. (STJ, AgRg nº 924.942/SP, 2010)

Nota-se que nos casos acima expostos tem-se a deserção dos recursos com base em critérios puramente formais, interpretados com excesso de rigor. Trata-se de questões que apesar de requerem meramente a regularização, são utilizadas como forma de impedimento à análise do recurso, causando a sua preclusão consumativa.

Na lição de Lacerda (1996, p. 187) “não existe, nem pode existir, essa integração de essência entre o recurso, como ato processual impugnativo de uma decisão judicial, e o preparo, como ato administrativo de pagamento de custas”.

Segundo o Ministro Waldemar Zveiter, em voto proferido em julgamento de recurso especial, “não se pode admitir que o ato administrativo de que se reveste o preparo se sobreponha ao direito ao recurso.” (STJ, 1997)

Os requisitos formais devem ser aplicados tendo-se sempre presente o fim pretendido pela norma que os estabeleceu, evitando qualquer excesso formalista que os converta em meros obstáculos processuais e em fonte de incerteza.

4.2 Crítica à política judiciária de contenção dos recursos especiais

Não há duvidas de que o volume de trabalho tem aumentado em todas as esferas do Poder Judiciário, principalmente no que se refere aos Tribunais Superiores, que apesar das especificidades, transformaram-se indevidamente em uma terceira instância. No entanto, tal volume exagerado de processos não pode servir de justificativa para que os tribunais passem a se utilizar de um formalismo exagerado em detrimento da garantia do acesso à justiça.

Esse estudo não busca deslegitimar os requisitos de admissibilidade do recurso especial, uma vez que estes evitam que o recurso manifestamente inadmissível prossiga em seu trâmite normal, movimentando injustificadamente a máquina judiciária. É indiscutível que estando os tribunais diante de casos em que efetivamente não foram preenchidos os requisitos de admissibilidade, devem negar conhecimento ao recurso.

O juízo negativo de admissibilidade deve, sem dúvidas, ser utilizado como forma de impedir o quanto antes o dispêndio de energias, tempo e custos pelo Poder Judiciário. Entretanto, válida é a observação de Moreira (2007, p. 270):

Os tribunais não devem exagerar na dose: por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento.

Na realização deste juízo, não se pode utilizar de um formalismo excessivo, em que a forma do ato é posta acima de tudo, com o simples propósito de encerrar o processo judicial a qualquer custo.

A criação de requisitos de admissibilidade ao arrepio da lei e a interpretação excessivamente formalista dos requisitos existentes com vistas a obstar a maior quantidade possível de recursos não pode ser considerado o caminho certo a ser seguido. A identificação do problema está correta, ao contrário da solução.

Os referidos requisitos devem ser interpretados com razoabilidade e coerência, com o fim de aferir realmente a capacidade de um recurso em ter seguimento e ter o seu conteúdo apreciado. A previsão legal dos requisitos de admissibilidade dos recursos especiais não pode se tornar uma forma de legitimação da criação de empecilhos motivados por aspectos políticos e alheios à prestação jurisdicional.

Segundo Carneiro (2008, p. 230) “essa política judiciária acaba gerando situações de injustiça, pois os requisitos de admissibilidade não são examinados por eles mesmos, mas sim de acordo com a vontade que aquele órgão tem de julgar ou não o recurso”.

O autor explica a situação da seguinte forma:

[...] quando interessa julgar o mérito, os Tribunais Superiores interpretam de maneira branda os requisitos de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários. Por outro lado, quando não desejam examinar o mérito do recurso, utilizam verdadeiro pente fino para achar, custe o que custar, algum requisito de admissibilidade que não tenha sido satisfeito.

Não se está defendendo a inobservância das regras processuais, mas apenas chamando atenção para o fato de que se tem dado exacerbado valor ao processo e à determinadas regras, como forma impedir ao máximo o seguimentos dos recursos.

É preciso, desse modo, seja o formalismo processual considerado como um instrumento viabilizador da segurança jurídica, que propicia às partes a ciência de como o processo será desenvolvido.

Passos (2002, p. 132) enfatiza:

As formas processuais tutelam as partes, ora assegurando-as contra o arbítrio judicial, ora contra os abusos do adversário, bem como tutelam o exercício do poder-dever jurisdicional do Estado. Mesmo as primeiras, indiretamente, estão a serviço deste último. Norma processual, disse-o Satta, é a que regula o exercício da jurisdição civil. E disse-o bem. Os fins da justiça (legalidade) perseguidos pelo Estado são, inclusive, o interesse das partes, que outra coisa não podem validamente pleitear além da aplicação da lei ao caso concreto, com a cessação do conflito entre elas estabelecido. Toda atipicidade acarreta um prejuízo, um dano, desde que os fins do processo ou os fins particulares dos atos não sejam atingidos.

 A visão de formalismo acima exposta não pode ser confundida com a supervalorização da forma em detrimento do objetivo central do processo, qual seja, proporcionar às partes o alcance do justo resultado do litígio.

Bedaque (2006) ensina que a efetividade da tutela jurisdicional consiste na maior identidade possível entre o resultado do processo e o cumprimento espontâneo das regras do direito material.

As exigências formais devem ser sempre apreciadas conforme sua finalidade e sentido razoável, sem que estas sejam colocadas acima do conteúdo.

A maneira como os Tribunais vêm interpretando e aplicando os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional consiste em uma ofensa aos direitos fundamentais dos recorrentes, principalmente ao direito de acesso à justiça, haja vista que, além de acesso ao Poder Judiciário, esse direito deve proporcionar às partes a justa composição da lide.

Watanabe (1988, 128-135) estabelece os meios para possibilitar o acesso à justiça, sendo eles: o direito à informação; direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica; direito ao acesso a uma justiça adequadamente organizada e formada, inserida na realidade social e comprometida com seus objetivos, o direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos e o direito à retirada dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à justiça.

 Alvim (2003, p. 1), expondo o seu conceito acerca de acesso à justiça, enuncia:

Para mim, o acesso à Justiça compreende o acesso aos órgãos encarregados de ministrá-la, instrumentalizados de acordo com a nossa geografia social, e também um sistema processual adequado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, bem assim com a representação (em juízo) a cargo das próprias partes, nas ações individuais, e de entes exponenciais, nas ações coletivas, com assistência judiciária aos necessitados, e um sistema recursal que não transforme o processo numa busca interminável de justiça, tornando o direito da parte mais um fato virtual do que uma realidade social. Além disso, o acesso só é possível com juízes vocacionados (ou predestinados) a fazer justiça em todas as instâncias, com sensibilidade e consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser dominado, para que não faça, além do necessário, mal à alma do jurisdicionado.

 Impor aos recorrentes tantas exigências e minúcias impede que o recurso especial alcance a sua ifnalidade. A solução para o enxugamento dos processos no Superior Tribunal de Justiça não está nessa postura repulsiva de intentar a qualquer custo obstar o seguimento dos recursos mediante excesso de formalismo, que se mostra de todo egoística, pois parece objetivar sobrepor o problema do próprio Tribunal ao atendimento dos preceitos constitucionais e à prestação jurisdicional efetiva, mediante a solução dos litígios.

Marinoni (2004, p. 2) faz uma reflexão sobre o papel do juiz frente ao direito fundamental à tutela jurisdicional:

[...] o juiz tem o dever de interpretar a legislação à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional, estando obrigado a extrair da regra processual, sempre com a finalidade de efetivamente tutelar os direitos, a sua máxima potencialidade, desde – e isso nem precisaria ser dito – que não seja violado o direito de defesa.

A resolução dos conflitos e a efetivação dos direitos devem, portanto, ser priorizadas em relação às formas procedimentais, e “todos os obstáculos à efetiva realização do direito [acesso à justiça] devem ser corretamente enfrentados” (WATANABE, 1988, p. 135).

Por outro lado merece ser questionada a efetividade da prática encampada pelos tribunais para o “desafogamento” do STJ, haja vista a grande quantidade de agravos interpostos contra as decisões denegatórias dos recursos especiais.

Conforme já foi citado neste trabalho, o Relatório Estatístico de 2010 do Superior Tribunal de Justiça demonstra que o Agravo é um dos maiores responsáveis pelo grande acúmulo de trabalho no Superior Tribunal de Justiça, já que dos 330.283 processos julgados em todo o ano de 2010, 69.797 referem-se a Recurso Especial e 131.379 correspondem a Agravo. (STJ, 2010)

Tal fato leva a crer que o rigor do juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais, o qual muitas vezes demonstra um verdadeiro sacrifício da Lei Processual Civil e dos princípios constitucionais em nome do descongestionamento do STJ não tem alcançado necessariamente a sua finalidade, mas, em contrário, tem prolongado o litígio.

Importante frisar, também, que a contenção dos recursos com base em filigranas processuais, ofende o princípio da isonomia, já que pode ocorrer de litigantes que estejam em situações semelhantes não tenham o mesmo resultado na solução de seu litígio em face da restrição ao direito de recorrer a um deles com base em formalismos ilegítimos.

Tal formalismo, na medida em que pode ensejar o trânsito em julgado de decisões contrárias à pacífica jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, quanto ao direito material, é flagrantemente contrário ao princípio da isonomia.

O referido princípio, constante do caput do art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), propõe que os iguais deverão ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida de sua desigualdade, e, segundo aponta Luis Roberto Barroso (2009, p. 18) veda “as desequiparações que não tenham um fundamento racional e razoável e que não se destinem a promover um fim constitucionalmente legítimo. Veda-se o arbítrio, o capricho, o aleatório, o desvio”

O autor chama atenção ainda para o fato de que o princípio da isonomia tem íntima relação com o princípio da razoabilidade, que é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferenciação utilizada é aceitável e se o fim por ela visado é legítimo.

A questão, portanto, consiste em verificar se formalismos insignificantes, como, por exemplo, no caso citado em que um recurso especial foi inadmitido em face do erro no preenchimento da guia de recolhimento que comprova o pagamento do preparo, que poderia ser simplesmente regularizado, podem ser considerados relevantes para o fim de justificar o não conhecimento do recurso e a não solução do litígio, até mesmo em casos de entendimento pacífico quanto à procedência de seu direito material. Tal situação consiste em clarividente contradição, haja vista a função precípua do STJ de ser o intérprete final da lei federal e responsável pela sua correta aplicação ao caso concreto.

Assim, conclui-se que outras maneiras devem ser pensadas para a resolução do problema que é explícito não só nos tribunais superiores, mas em todo o Poder Judiciário brasileiro. Como simples exemplos podem ser citados: a coibição da procrastinação do processo, a concessão de efetividade nas sentenças, a estruturação do Poder Judiciário mediante a contratação e capacitação de pessoal e o investimento na informatização, a realização de campanhas conciliatórias e preventivas, e o aumento da efetividade das tutelas coletivas, haja vista que se mostram instrumentos legítimos na tentativa de diminuição da carga de trabalho no Superior Tribunal de Justiça e todo o Poder Judiciário.


5 CONCLUSÃO

O recurso especial, por sua qualidade de ato postulatório, comum a todos os recursos, precisa atender a determinados requisitos de admissibilidade para que seja admitido e tenha o seu mérito apreciado. Assim, passa por um duplo exame, dividido em juízo de admissibilidade e juízo de mérito. No primeiro, deve ser realizada uma análise superficial, onde será verificada a presença ou não dos requisitos previstos em lei, que são considerados essenciais para que o recurso possa ser admitido e então submetido ao segundo exame, referente ao conteúdo material da impugnação

Por seu caráter excepcional e finalidade distinta, o juízo de admissibilidade do recurso especial é realizado com maior rigor e estrita observância a determinadas normas específicas, além dos requisitos genéricos comuns a todas as espécies recursais. Por não se tratar de terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça não pode examinar o feito de maneira ampla para rever erros de julgamento nas instâncias ordinárias.

Ocorre que, na prática, o juízo de admissibilidade do recurso especial tem se tornado um obstáculo quase intransponível para os recorrentes, tendo em vista que os requisitos de admissibilidade, denominados “filtros” recursais, tem tido uma interpretação cada vez mais restritiva, prestigiando-se o rigorismo formal em detrimento da efetividade da prestação jurisdicional. 

É de conhecimento de todos que o Superior Tribunal de Justiça é assolado diariamente por um grande volume de processos protocolados, o que dificulta a celeridade processual e a apreciação acurada do mérito de cada demanda. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça vêm “criando” obstáculos processuais ilegítimos, com o único propósito de “encerrar processos”, sem a mínima preocupação com a qualidade do julgamento promovido, autorizando, inclusive, essa postura ainda nos tribunais locais, quando da realização do primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial. Adotou-se uma postura repulsiva em relação aos processos, onde se optou pela eliminação em detrimento da solução dos litígios e da viabilização dos princípios do acesso à ordem jurídica justa e efetiva prestação jurisdicional.

A existência propriamente dita dos “filtros” recursais é legítima, já que assegura o alcance da finalidade precípua para qual o recurso foi criado. O problema consiste na maneira, com que estes filtros têm sido interpretados e aplicados nos casos concretos. A quantidade de trabalho no STJ não pode continuar a condicionar a apreciação de uma demanda judicial e o reconhecimento de um direito.

O formalismo processual é, sem dúvidas, um instrumento que jamais pode ser desprezado, pois proporciona segurança, ordenação e previsibilidade ao procedimento. Porém, essa visão de formalismo não pode ser distorcida e aplicada de maneira exagerada, pois, assim, estará sendo diretamente afrontada a garantia do acesso à justiça.

Foi visto que a exigência de demonstração da efetiva violação à lei federal não pode ser utilizada como fundamento para, em juízo de admissibilidade realizado no tribunal local, inadmitir-se o recurso especial. A efetiva violação à lei federal ou tratado se refere claramente ao objeto do juízo de mérito, o qual deveria ser apreciado somente no Superior Tribunal de Justiça, como pressuposto para a decisão de provimento ou desprovimento do recurso a admissão do recurso. O entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça que autoriza o tribunal recorrido a exercer verdadeiro juízo de provimento do recurso excepcional contraria o aspecto de que o juízo de admissibilidade há de ser preliminar ao juízo de mérito, bem como ofende as regras constitucionais de competência.

Com relação à vedação do exame de matéria fático-probatória na instância especial, entendeu-se que o fato de ser o recurso especial de estrito direito e não se destinar à correção da injustiça do julgado recorrido, mas sim à verificação da correta aplicação do direito federal ao caso concreto, não implica que os fatos devem ser simplesmente ignorados, visto que sua apreciação é indispensável à aplicação do direito e à justa prestação jurisdicional. Concluiu-se, por meio da análise dos entendimentos doutrinários pertinentes ao tema, que o que se veda em sede de recurso especial é a análise de questões predominantemente fáticas e a formação de uma nova convicção acerca destas, sendo proibido, portanto, que seja alterada a versão dos fatos dada pelo acórdão recorrido.

Abordando o requisito do prequestionamento e a enorme controvérsia existente acerca de seu conceito, do momento em que deve surgir, do modo como se dá sua exteriorização e quando ele efetivamente se caracteriza como pressuposto específico de admissibilidade dos recursos excepcionais, acrescentou-se que existem decisões em todos os sentidos, considerando a sua modalidade explícita, implícita e ficta, e que algumas delas demonstram o excesso de formalismo enraizado pelos Tribunais Superiores e a utilização dos pressupostos recursais como simples forma de controlar o número de processos que lhes são dirigidos. Por outro lado, frisou-se que a referida imprecisão, além de causar enorme insegurança jurídica entre os jurisdicionados, que até hoje não sabem ao certo qual o entendimento prevalecente acerca do tema, facilita ainda a utilização do instituto como mero elemento de contenção dos recursos, muitas vezes de forma ilegítima e desarrazoada. De acordo com a vontade do tribunal em julgar ou não o processo, pode ser exigida uma forma de prequestionamento mais rigorosa.

Quanto às questões referentes ao preparo, notou-se que em diversos casos tem-se a deserção dos recursos com base em critérios puramente formais, interpretados com excesso de rigor, os quais, apesar de demandarem meramente a regularização, são utilizados como empecilho à análise do recurso. Concluiu-se que não se pode admitir que a exigência do preparo, apesar de ser condição à interposição do recurso, se sobreponha radicalmente a esse direito.

Por fim, concluiu-se que o volume exagerado de processos não pode servir como justificativa para que os tribunais passem a considerar o formalismo exagerado em detrimento da garantia do acesso à justiça e da isonomia entre os jurisdicionados.

Os referidos requisitos devem ser interpretados com razoabilidade e coerência, com o fim de aferir a capacidade de um recurso em ter seguimento e ter o seu conteúdo apreciado. A previsão legal dos requisitos de admissibilidade dos recursos especiais não pode se tornar uma forma de legitimação da criação de empecilhos motivados por aspectos políticos e alheios à prestação jurisdicional.

A criação de requisitos de admissibilidade ao arrepio da lei e a interpretação excessivamente formalista dos requisitos existentes com vistas a obstar a maior quantidade possível de recursos não pode ser considerado o caminho certo a ser seguido. Estes devem ser aplicados tendo-se sempre presente o fim pretendido pela norma que os estabeleceu, evitando qualquer excesso formalista que os converta em meros obstáculos processuais e em fonte de incerteza.

Não se defendeu, em nenhum momento, a inobservância das regras processuais, mas apenas chamou-se a atenção para o fato de que se tem dado exacerbado valor ao processo e a determinadas regras, como forma de impedir ao máximo o seguimento dos recursos.

A solução para o enxugamento dos processos no Superior Tribunal de Justiça não está nessa postura repulsiva de intentar a qualquer custo obstar o seguimento dos recursos mediante excesso de formalismo, pois sobrepõe o problema do próprio Tribunal ao atendimento dos preceitos constitucionais.


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Notas

[1] Em contrário a esse entendimento: Araken de Assis, Manual dos recursos, 2011, p. 44.

[2] Para essa classificação, o autor segue a linha de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, Recursos no Processo Penal, São Paulo:RT, 1996, pp. 73-75.

[3] O recurso de agravo de instrumento difere dos demais, já que é interposto diretamente no tribunal que julgará o mérito do recurso, responsável pela mantença ou reforma da decisão vergastada.

[4] Com exceção do agravo de instrumento, que é interposto diretamente no tribunal competente para o seu julgamento e só nele passará pela aferição da admissibilidade; do agravo retido, que por ficar retido nos autos, será apreciado pelo relator no tribunal competente, quando do seu primeiro contato com os autos e dos Embargos de Declaração que são revistos pelo próprio juízo prolator da decisão.

[5] Seguem essa linha Ovídio Batista, Teoria Geral do Processo Civil, p. 310 e Nelson Nery Jr., Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 238.

[6] A exigência da sucumbência para o interesse de recorrer é criticada por vários autores, tendo em vista que o Ministério Público e o terceiro prejudicado, apesar de não sucumbirem, possuem interesse e legitimidade para recorrer.

[7] Em sentido diverso, Araken de Assis, Manual dos recursos, 3. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 173, considera a renúncia e a aquiescência fatos extintivos e o único fato impeditivo seria a desistência.

[8] Com exceção do agravo, que é interposto diretamente no órgão julgador, e dos embargos de declaração, que são julgados pelo próprio prolator da decisão.

[9] Essa terminologia foi firmada doutrinariamente por Rodolfo de Camargo Mancuso, atribuindo-a a Almeida Santos, ao tentar enquadrá-los como recursos não ordinários, com características próprias.

[10] STJ, 1ª Turma, REsp 879.221/RS, rel. Min. Teori Albino Zavaschki, j. un. 18.9.2007, DJ 11.10.2007, p. 306; STJ, 4ª Turma, EDcl no AgRg o Ag 646.526/RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. un. 16.10.2007, DJ 206.

[11] A súmula nº 13 do STJ também adverte: “a divergência de julgados do mesmo tribunal

não enseja recurso especial”.

[12] O autor ressalta que em se cuidando de recurso excepcional manejado contra decisão interlocutória, o recurso será processado sob a forma retida nos autos, pois muitas vezes o recurso excepcional dirigido contra decisão interlocutória perde seu sentido diante da decisão resultante do julgamento fina da causa.

[13] O autor se refere ao recurso extraordinário lato sensu, ou seja, recurso extraordinário e especial.

[14] A Súmula nº 7 do STJ estabelece que “a simples pretensão de prova não enseja recurso especial, não seria possível a discussão de matéria fática”

[15] Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Larissa Lucena de. A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3127, 23 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20903. Acesso em: 24 abr. 2024.