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Processo Administrativo

Processo Administrativo

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1. Processualidade administrativa

A "processualidade" está intimamente relacionada ao exercício das principais funções estatais, em especial no que concerne à atuação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Neste sentido, pode-se falar de uma "processualidade ampla", e não apenas adstrita ao funcionamento do aparato jurisdicional, conforme historicamente ficou mais acentuado. De fato, até bem pouco tempo, sempre que se ouvia falar em "processo" surgia desde logo uma vinculação desta palavra com o exercício da função jurisdicional. Tal noção ampliada da processualidade permite, em nossos dias, falar-se não só em processo judicial, mas também num processo administrativo e legislativo, conducentes à edição de decisões administrativas (atos administrativos) e legislativas (formalizadas em leis).

Tal perspectiva da processualidade, inerente ao desempenho das atividades estatais, ao exercício dos poderes do Estado, guarda estreita relação com os avanços do direito processual moderno, principalmente no destaque dado nos últimos tempos à chamada "instrumentalidade" do processo. Esta atualíssima concepção metodológica, extremamente moderna e sintonizada com os atuais anseios sociais, vislumbra o direito processual, na lição de Dinamarco (A instrumentalidade do processo, Ed. RT, 1986, p. 42), como um conjunto de princípios, institutos e normas estruturados para o exercício do poder em conformidade com determinados objetivos. Desta concepção instrumental do processo, a noção de processualidade migrou para abranger cada vez mais o exercício dos Poderes Executivo e Legislativo.

Por outro lado, como revela Odete Medauar (Processualidade no Direito Administrativo, RT, p. 16), a progressiva aproximação entre a Administração e administrado, reflexo do menor distanciamento entre Estado e sociedade, levou à necessidade de tornar conhecidos os modos de atuação administrativa e de propiciar ocasiões para que o cidadão se faça ouvir. O próprio aumento da ingerência estatal tem, como contrapartida, a exigência de fixação de parâmetros para a atividade administrativa, em especial a discricionária. Por outro lado, exigências relacionadas à cidadania e ao caráter democrático do nosso Estado de Direito (art. 1º, caput) trazem em si a idéia de participação na gestão administrativa, conduzindo a uma especial atenção sobre os momentos que antecedem a edição das decisões administrativas.

Neste contexto é que se situa a chamada processualidade administrativa, da qual o processo administrativo, em suas múltiplas modalidades, é uma decorrência imediata.


2. Núcleo comum da processualidade

A processualidade encontra-se disseminada nas atividades básicas do Estado de Direito, nas manifestações dos três Poderes Constitucionais. Encontramos no ordenamento jurídico, pois, uma processualidade administrativa, legislativa e jurisdicional, cada uma dessas com traços e características peculiares, inerentes ao exercício da função que objetiva disciplinar.

Não obstante isso, pode-se, detectar o núcleo comum da processualidade, que abrangeria o desempenho das funções legislativa, executiva e jurisdicional, como ensina Odete Medauar (Processualidade no Direito Administrativo, RT, p. 23 a 42). Os elementos fundamentais desta processulidade são agora relacionados.

Sucessão encadeada de atos. O processo denota sempre um vir-a-ser, um fazer, um operar, algo dinâmico, em contraposição ao seu resultado final da operação. Processo designa, pois, noção jurídica diversa de ato. Tal vir-a-ser, contudo, supõe uma progressão de fases e etapas, de atos que se sucedem uns aos outros, onde o precedente impulsiona o subsequente até o obtenção de uma resultado final, que consubstancia uma manifestação concreta de vontade do Estado (legislador, juiz ou administrador). Tal encadeamento, na ordem em que deve ser percorrido, encontra-se previamente disciplinado no ordenamento jurídico, seja através de norma constitucional (processo legislativo), seja através de norma legal (processo administrativo e jurisdicional). A atuação do órgão estatal encontra-se vinculada à observância desta processualidade, que tem, para os agentes envolvidos (públicos e privados) caráter obrigatório.

Pluripessoalidade. Vários sujeitos tomam parte na processualidade estatal. De fato, nas fases componentes da processualidade, órgãos e sujeitos diversos, públicos e privados, podem ocupar diversas posições jurídicas, praticando atos em conformidade com direitos, obrigações, deveres ou simples ônus, em conformidade com a disciplina jurídica previamente estabelecida. O ato resultante da cooperação e participação dos órgãos, agentes e pessoas envolvidas é imputado à entidade estatal, sendo considerado como sua manifestação de vontade em relação à matéria objeto da tramitação processual.

Produção de resultado unitário. O processo, em qualquer âmbito do poder estatal, não configura um fim em si mesmo. O referencial da sucessão encadeada de atos é a formação de um ato final, de um resultado unitário. Todos os atos da cadeia sucessória destinam-se à edição de uma decisão final. Mesmo as garantias constitucional estabelecidas, com a participação de diversos sujeitos, têm em vista propiciar condições para prolação da decisão mais acertada e legítima. Neste sentido, o processo tem caráter instrumental, destinando-se, desde seu nascedouro, à obtenção de um ato final, que se expressa, em conformidade com a função estatal exercida, em lei (processo legislativo), sentença/acórdão (processo jurisdicional) e ato administrativo (processo administrativo).

Disciplina do exercício do poder. O poder, sob qualquer de suas formas, e em particular, o poder estatal está direcionado à determinação de comportamentos, através do predomínio de uma vontade sobre as demais. No Estado Democrático de Direito, o exercício do poder estatal é juridicamente disciplinado, sendo tal mister alcançado, entre outros meios, através do processo, ou seja, da processualidade imposta às dos órgãos e agentes instrumentalizados de "poder". Assim, no diversos âmbitos estatais (legislativo, executivo e jurisdicional), a processualidade vincula-se à disciplina do poder. O poder que se exerce fora dos parâmetros de processualidade fixados na Constituição e nas leis apresenta-se como poder despótico e arbitrário, eivado de ilegalidade e ilegitimidade nas decisões que edita. Nesta perspectiva, o processo destina-se a conferir legalidade e legitimidade ao exercício do poder. Somente se reveste destes dois atributos, imperativos no Estado Democrático de Direito, o poder que se exercita em conformidade com o devido processo, seja este fixado por norma constitucional ou legal.


3. Conceito e finalidades

O processo administrativo apresenta-se como uma sucessão encadeada de atos, juridicamente ordenados, destinados todos à obtenção de um resultado final, que consubstancia uma determinada decisão administrativa. O procedimento é, pois, composto de um conjunto de atos, interligados e progressivamente ordenados em vista da produção de um resultado final. A observância do procedimento, na concatenação de atos legalmente previstos, é imperioso para a legalidade e legitimidade da decisão a ser tomada. Todos os atos da cadeia procedimental destinam-se à preparação de um único provimento, que consubstancia e manifesta a vontade da Administração em determinada matéria.

Não há como negar a importância do processo administrativo em nossos dias. Ele apresenta-se como imperativo basilar do Estado Democrático de Direito no terreno da Administração Pública, principalmente quando se tem em vista as múltiplas e crescentes ingerências do Poder Público na vida privada, dos grupos e da sociedade em geral.

O processo administrativo deve observar as seguintes exigências básicas: a) publicidade do procedimento; b) direito de acesso aos autos; c) observância do contraditório e da ampla defesa, sempre que haja litigantes (CF, art. 5º, LX); d) obrigação de motivar; e) dever de decidir (ou condenação do silêncio administrativo).

Combinando tais requisitos, poder-se-ia dizer, com Roberto Dromi (Derecho Administrativo, Ediciones Ciudad Argentina, 5ª ed., p. 759) que o processo administrativo disciplina, a um só tempo, os exercício das prerrogativas públicas, legitimando o exercício do poder da Administração, bem como o exercício de direitos subjetivos importantes por parte dos administrados, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal (due process of law). Por isso, o processo administrativo apresenta uma tríplice face : é instrumento de exercício do poder, é instrumento de controle, e, por fim, é instrumento de proteção dos direitos e garantias dos administrados.

Dentro desta ótica, Odete Medauar (Direito Administrativo Moderno, Editora Revista dos Tribunais, p. 188/190) aponta as diversas vantagens propiciadas pelo processo administrativo. São elas: garantia dos administrados, legitimação do poder, correto desempenho das funções públicas, justiça da Administração, melhor conteúdo das decisões, aproximação entre Administração e cidadãos, sistematização das ações administrativas, propiciação de melhor controle da Administração.


4. Competência legislativa – lei federal

O processo administrativo tem, entre nós, inegável embasamento constitucional (art. 5º, LV). Tratando-se de matéria afeta à economia administrativa interna de cada esfera de governo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm autonomia para legislarem sobre o processo administrativo aplicável às suas administrações direta e indireta. Em todo o caso, devem ser observados os princípios constitucionais norteadores da atividade administrativa (art. 37, caput), assim como os direitos e garantias fundamentais assegurados aos administrados em geral, principalmente as cláusulas decorrentes do "due process of law".

Tais leis, adaptadas às peculiaridades de cada pessoa política, bem como às peculiaridades de sua organização administrativa, deverão disciplinar de forma satisfatória o processo administrativo em cada âmbito de governo, vinculando todos os órgãos e agentes públicos nela inseridos.

No âmbito federal encontra-se em vigor a Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta (art. 1º, caput). Tal diploma legal, que incorpora categorias e conceitos do moderno direito administrativo, ao disciplinar o processo administrativo aplicável aos órgãos e entidades federais, contém, em primeiro lugar, uma farta principiologia aplicável ao processo. Ao processo administrativo federal aplicam-se os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art. 2º, caput). São também estabelecidos de forma criteriosa normas e preceitos concernentes a: fase do processo (inicial, instrução, relatório, julgamento), direitos e deveres dos administrados (art. 3º e 4º), competência, delegação e avocação (arts. 11 a 17), impedimentos e suspeição (art. 18 a 21), forma, tempo e lugar dos atos processuais (art. 22 a 25), instrução (art. 29 a 44), relatório (art. 47), dever de decidir (art. 48 e 49), motivação (art. 50), desistência e outros casos de extinção do processo (art. 51 e 52), anulação, revogação e convalidação (art. 53 a 55), recursos administrativos (art 56 a 65), prazos (art. 66 e 67), sanções (art. 68).

Conforme já acenado, a Lei 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta (autarquais, fundações, etc.). Destina-se, assim, prioritariamente, ao Poder Executivo, onde se concentra boa parte da chamada função administrativa. Não obstante isso, seus preceitos "também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa" (art. 1º, § 1º).

Trata, tal normatização, de lei genérica, vocacionada a conviver com leis que disciplinam procedimentos específicos, tais como a Lei de Licitações (Lei 8.666/93), a Lei de Processo Disciplinar (Lei 8.112/90 – Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), Lei de Desapropriação (Decreto-lei 3.365/41). Sendo uma lei processual genérica, aplicável sempre que inexistir processo específico, a Lei 9.784/99 é de aplicação subsidiária aos referidos procedimentos específicos.


5. Princípios do processo administrativo

Aplicam-se ao processo administrativo princípios amplamente positivados no Texto Constitucional. Dentre tais princípios, alguns se referem às atividades administrativas em geral (art. 37, caput), enquanto outros dizem respeito especificamente ao processo administrativo, como as garantias fundamentais fixadas no art. 5º da Carta Magna. A par desses princípios, constitucionalmente cristalizados, outros, desenvolvidos pela doutrina e jurisprudência administrativista, também se aplicam aos processos administrativos. A LPA fixa ainda os seguintes: princípio da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, do interesse público. Dada a força jurídica de tais coordenadas, temos que o processo não operado segundo os princípios constitucionais e infraconstitucionais postos pelo ordenamento jurídico, ou que deles sejam conseqüências lógicas e necessárias, encontra-se eivado de vício de nulidade.

Princípio da publicidade. O procedimento administrativo, salvo nos casos em que o interesse público ou a honra pessoal recomendar o sigilo, deve se dar da forma mais transparente possível. Tal exigência aumenta principalmente quando a decisão administrativa a ser tomada concerne a interesse público. Segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha (Revista de Informação Legislativa, out/dez, 1997, Brasília, ano 34, n. 136, p. 22), a observância do princípio da publicidade é fundamental para que o processo possa cumprir o seu objetivo de garantidor de direitos. Processo sigiloso ou sem publicidade é antidemocrático e eivado de ilegitimidade.

A LPA determina uma "divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição". Noutra passagem este diploma legal consagra o direito dos administrados em "ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vistas dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas" (art. 3º, II). De fato, em matéria de processo administrativo, a publicidade é a regra, enquanto o sigilo é a exceção.

Quando o administrado envolvido se faz representar por advogado no processo administrativo (v.g., em processo disciplinar), este, na forma do Estatuto do Advogado (Lei nº 8.906/94), pode ter vista do processo, qualquer que seja sua natureza, podendo, inclusive, retirá-lo no prazo legal (art. 7º, incisos XIII e XV).

Devido processo legal. Reza o Texto Constitucional que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Para Cármen Lúcia Antunes Rocha (Revista de Informação Legislativa, out/dez, 1997, Brasília, ano 34, nº 136, p. 15), tal princípio, vinculador de todo procedimento administrativo, compreende um conjunto de elementos jurídicos garantidores de direitos fundamentais quando ameaçados, lesados ou simplesmente questionados, tais como o direito à ampla defesa, ao contraditório, ao juízo objetivo e devidamente motivado, atuando como instrumento legitimador da ação administrativa.

Podemos dizer, sinteticamente, que o direito constitucional ao devido processe legal na via administrativa inclui em seu bojo pelo menos as seguintes garantias básicas por parte do administrado: a) direito de ser ouvido; b) direito ao oferecimento e produção de provas; c) direito a uma decisão fundamentada.

Percebe-se, pois, que tal princípio, em sua ampla consagração constitucional, abrange tanto a forma quanto o conteúdo das decisões administrativas. Ou seja, o devido processo legal contém exigências de cunho formal e material ou substantivo. Neste sentido, o princípio em apreço impõe, para além da observância das formalidades legais, que o conteúdo da decisão tomada observe critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

O contraditório vincula-se visceralmente ao devido processo leal, e implica conhecimento, por parte dos interessados, do atos mais relevantes da marcha processual, mormente aqueles que possam interferir na decisão a ser tomada ao cabo do processo.

Deve-se, contudo, dizer que a exigência do contraditório é eventual, ou seja, depende da circunstância de existirem interesses contrapostos de interessados, discutidos no mesmo procedimento.

Por essa razão, costuma-se falar em contraditório pleno ou restrito. Será pleno, conforme já indicado, quanto se fizerem presentes no processo mais de um administrado com interesses contrapostos (licitações, concursos públicos, concessões, franquias, etc.). Será restrito quando o processo envolver apenas a Administração e um particular.

A ampla defesa também constitui uma decorrência imediata do devido processo legal. Por meio dela, o administrado tem o direito de argumentar e arrazoar (ou contra-arrazoar), oportuna e tempestivamente sobre tudo que contra ele se alega, bem como de ser levada em consideração as razões por ele apresentadas (STF. RE-75251/PR, DJ, 4 fev,. 1983). Para que sua defesa possa ser preparada com rigor e eficiência, há de receber o interessado todos os elementos e dados quanto se ponha contra ele, pelo que deve ser intimado e notificado regularmente (STF. RE-16680/SC). Nesta mesma ótica, a LPA consagra como direitos básicos do administrado no processo administrativo "formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente" (art. 3º, III). Por outro lado, a ampla defesa também implica o direito de impugnar a decisão pronunciada, ainda na via recursal administrativa, sem que óbices pecuniários (v.g., como cauções, depósitos prévios, etc.) sejam impostos, dificultando, e, em alguns casos, inviabilizando o preceito constitucional da ampla defesa.

Destaque-se, como faz Ada Pellegrini Grinover (Revisa de Direito Administrativo, 183, jan/mar-1991, p. 13), que a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos punitivos em que haja acusados, mas estende tais garantias ao todos os procedimentos administrativos, punitivos (externos e disciplinares) ou não-punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes (CF, art. 5º, LX), ou seja, sempre que haja conflito de interesses.

Deve-se aqui também observar que fere o direito à ampla defesa disposições legais ou administrativas que impõem desembolsos prévios por parte do particular (Exemplo: valor da multa aplicada por agente de fiscalização), como pressuposto de defesa ou recurso na via administrativa, como no caso de processos administrativos que podem culminar no pagamento de multas. Tal prática, manifestamente ilegítima, ainda é bastante corriqueira entre nós.

Princípio da oficialidade. Como a perseguição ininterrupta do interesse público constitui dever impostergável da Administração, impõe à autoridade administrativa competente a obrigação de dirigir, ordenar e impulsionar o procedimento, de tal forma a resolver ou esclarecer adequadamente a questão posta. A LPA determina, no âmbito federal, a "observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados" (art. 2º, VIII). Segundo Nelson Nery Costa (Processo administrativo e suas espécies, Forense, Rio de Janeiro, 1997, p. 18), a Administração tem o direito e o dever de apurar, no processo administrativo, todos os documentos, dados e informações relativas ao objeto processual, sem limitar-se às considerações dos administrados ou servidores envolvidos.

A oficialidade acarreta as seguintes conseqüências jurídicas: a) impulso oficial; b) busca da verdade material, não se limitando à verdade formal, dado o caráter de indisponibilidade dos interesses públicos; c) prerrogativas de iniciativa investigatória por parte da autoridade conducente do procedimento, tendo em vista o satisfatório esclarecimento da matéria versada.

Informalismo em favor do administrado. Poderíamos ampliar este importante princípio nos seguintes termos: informalismo para o administrado, formalismo para a Administração. Trata-se, aqui, portanto, de princípio que somente pode ser invocado pelo administrado, e nunca pela Administração. A LPA, nesta direção, estatui a "adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados" (art. 2º, IX). No mesmo sentido, "os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir" (art. 22).

Tal princípio apresenta-se como decorrência do caráter democrático da Administração Pública, e destina-se a propiciar o acesso de todos os administrados ao processo administrativo, importa em diversas implicações. Deve-se despir o procedimento administrativo de todo formalismo que obstaculize ou impeça a participação do interessado, flexibilizando, dentro do possível, os requisitos de acesso do administrado à via administrativa. Tal exigência se faz ainda mais premente quando se tem em conta a diversidade de níveis sócio-econômicos dos administrados em nosso país, marcado por profundas desigualdades regionais e sociais.

Roberto Dromi (Derecho Administrativo, Ediciones Ciudad Argentina, 5ª ed., p. 769) apresenta algumas aplicações práticas deste princípio. Cite-se, dentre outras possibilidades, a desnecessidade de qualificar juridicamente as petições e os recursos; a interpretação das petições e recursos em conformidade com a intenção de requerente, colocando-se em segundo plano a letra escrita; a correção, pelo agente competente, de equívocos na designação da autoridade ou órgãos destinatários do requerimento; eliminação de fases desnecessárias e trâmites supérfluos.

De fato, como registra García de Enterría, o procedimento administrativo não pode ser encarado como uma corrida de obstáculos para o administrado, onde, a todo momento, existem "armadilhas" para fazê-lo cair e deixá-lo de "fora da corrida".

Proporcionalidade. A LPA (Lei 9.784/99) consagra explicitamente este importante princípio processual e administrativo, determinando, no processo, como de resto em toda atividade administrativa, uma "adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público" (art. 2º, VI).

Gratuidade. Ao contrário do processo judicial, o processo administrativo é marcado pela absoluta gratuidade. Nele não existe "pagamento de custas" nem condenação em "honorários advocatícios", decorrente estes últimos do chamado "ônus da sucumbência". Trata-se de uma imposição do princípio da igualdade e da participação do administrado nos procedimentos públicos. A Administração não pode impor obstáculos ao acesso dos administrados ao processo administrativo, sob pena de afrontar o princípio democrático (art. 1º, caput da CF) e a garantia constitucional do devido processo legal.

A gratuidade aqui referida deve ser bem entendida. Significa que cada interessado deve arcar com seus próprios gastos, como por exemplo, advogado ou peritos. Cada parte cobre seus próprios gastos, exceto em caso de manifesta insuficiência econômica.

Em se tratando de procedimento preparatório ao exercício de poder de polícia (Exemplo: licença para construir), ou que desembocar em prestação de serviço público específico e divisível, a Administração poderá cobrar uma taxa, nos termos do art. 145, II da Constituição.

Como diz Augustin Gordillo, na realidade o princípio em apreço é da ausência de custas, e não gratuidade propriamente dita, posto que os gastos que surjam, relativos à pretensão do particular, deverão ser custeados por este com seu patrimônio, sem possibilidade de retorno posterior.

Nesta perspectiva, a LPA consagrou como critério do processo administrativo de âmbito federal a "proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei" (art. 2º, XI).


6. Tipologia

A doutrina, utilizando-se de critérios diversos, intenta sistematizar em tipologias e classificações os diversos tipos de procedimentos administrativos que se apresentam na rotina da Administração Pública. Alerte-se, desde logo, que não se trata de empresa fácil, dada a enorme gama de variações possíveis, nem sempre apreensíveis em esquemas classificatórios.

Procedimentos internos e externos. Os primeiros, também chamados intra-administrativos, são aqueles que se originam de uma relação entre órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ou entre tais órgãos e seus servidores, efetivos, comissionados ou temporários (Exemplo: processos preparatórios à celebração de convênios, processos disciplinares). O segundo é aquele que se desenvolve entre o Poder Público e particulares (Exemplo: licitação para aquisição de equipamentos ou concessão de serviço ou bem público). Não se deve assimilar interno a secreto e externo a público. Todo procedimento, interno ou externo, deve ser, a princípio, público, salvo quando o contrário determinar interesse público relevante ou a preservação da imagem e honra de pessoas. O afastamento da regra da publicidade deve fazer-se mediante decisão fundamentada da autoridade administrativa competente, decisão esta passível de controle administrativo ou jurisdicional, quando eivada de ilegalidade.

Procedimento declaratório e procedimento constitutivo. Os primeiros têm escopo e efeitos declaratórios, servindo para atribuir qualificações jurídicas a pessoas, a coisas, a relações, como os processos que culminam na concessão de títulos acadêmicos, na inscrição em quadros profissionais, ou na emissão de certidões negativas de débito para com o Fisco. O segundo, para além da mera declaração, culminam, através do seu ato final, na constituição, modificação ou desconstituição de uma determinada situação jurídica. É o caso da licitação, que encerra com a adjudicação do objeto da licitação ao vencedor do certame, ou da expedição de licença ambiental, que permite ao particular, sob determinadas circunstâncias, proceder a corte de árvores.

Os processos constitutivos podem apresentar três feições: a) podem ser ablatórios (conducentes à privação de bens, como no caso da desapropriação por interesse público); b) podem ser concessórios (ampliando a esfera jurídica do administrado, como no caso da concessão ou permissão de uso de bem público); e c) podem ser autorizatórios (impedindo ou consentindo que o particular faça algo).

Procedimento constitutivo ou impugnativo. Sob uma outra ótica, distinta da anterior, o procedimento pode ser constitutivo ou impugnativo. O primeiro, também chamado de processo de 1º grau ou ainda preparatório, tem por finalidade a emissão de atos administrativos, via de regra decidindo conflitos na primeira instância da via administrativa. O segundo, também chamado de procedimento recursivo, destina-se a impugnar ou recorrer, para uma segunda instância administrativa, de uma dada decisão administrativa tomada na primeira.

Procedimentos nominados e inominados. São nominados os processos administrativos que têm, no ordenamento jurídico-postivo, um "nomen iuris" próprio, com procedimento fixado em lei. Exemplo: procedimento licitatório, procedimento disciplinar. São inominados, por outro lado, aqueles que não têm senão uma denominação genérica, sem disciplina legal específica, e cujos contornos procedimentais obedecem apenas aos princípios gerais do processo. É o caso dos chamados processos de expediente, que analisaremos a seguir.


7. Atos e formalidades

Estruturado e conduzido com base nos princípios acima e comportando a atuação de órgãos, agentes públicos e particulares, o procedimento administrativo não prescinde da prática de atos e da observância de algumas formalidades no que se refere à sua instauração e desenvolvimento. Analisaremos, agora, os atos e formalidades mais corriqueiros no processo administrativo, sempre recordando que o grau de formalidade ou informalidade depende, em última instância, da matéria versada e das finalidades do processo em questão. Tratando-se do processo administrativo de âmbito federal (Lei 9.784/99), vale a regra geral já suscitada de que os atos e termos não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 22).

Instauração e autuação. O procedimento pode originar-se de ofício (exemplo: auto de infração) ou mediante provocação de parte (denúncia, reclamação, petição, etc.). Instaurado o processo administrativo, por ato da autoridade competente, atendendo ou não a provocação de alguém, com designação ou não de comissão, este deve ser autuado desde seu início. Como anota Nelson Nery Costa (Processo administrativo e suas espécies, Forense, Rio de Janeiro, 1997, p. 30), o processo administrativo compreende a reunião ordenada e cronológica das peças processuais que o integram, coberto por uma capa que contenha informações relativas ao assunto, interessados, nome da repartição, data e local. Depois de formalizado, deve ser numerado e sua tramitação pelos órgãos públicos precisa ser anotada. A capa do processo é a folha inicial, devendo a numeração das demais folhas sucedê-la. Cada juntada de documento deve ser comprovada, através de termo de juntada, emitido pela autoridade competente. Pode ocorrer apensamentos de outros processos conexos com o principal, para que haja melhor esclarecimento e uniformidade de decisões.

Formalização dos atos e termos. Em razão do princípio da formalidade (não formalismo), e das exigências de controle, inerente às atividades administrativas, todos os atos do processo, produzidos pelas partes envolvidas, deverão assumir forma escrita. Mesmo os processos marcados pela oralidade, com audiências de instrução com oitiva de testemunhas ou acareação de pessoas deverão, ao final, serem reduzidos a termo.

Segundo a LPA (art. 22), os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável (§ 1º). Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade (§ 2º). O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas (§ 4º).

Produção de prova. A prova, dependendo do caso, poderá ser apresentada tanto pela Administração quanto pelo administrado. Quando produzida pela administrado, tal ocorre em virtude do direito de defesa, que implica a possibilidade de oferecer e produzir prova, permitindo-se, em princípio, a ampla produção, vedadas somente aquelas não permitidas em direito (Exemplo: escuta telefônica clandestina e outras provas obtidas por meios ilícitos).

Assim, no curso do procedimento, em conformidade com seu objeto, poderão ser apresentados os seguintes meios de prova: a) prova documental (certidões, atestados, declarações, fotografias, video-cassetes, gravações feitas em recintos públicos, etc.), sendo admitidos tanto documentos públicos quanto privados; b) prova testemunhal (depoimentos de servidores públicos e particulares); e c) prova pericial, quando o deslinde de uma dada situação exigir o concurso de conhecimentos técnicos especializados (Exemplo: perícias relativas a danos ambientais).

Segundo a LPA (art. 36), cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado. Contudo, quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para instrução proverá, de ofício, a obtenção dos documentos ou das respectivas cópias (art. 37). O interessado, poderá, ainda na fase instrutória e antes de tomada a decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo (art. 38). Por outro lado, deve-se considerar que os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão (§ 1º).

Sendo o procedimento conduzido por comissão, órgão ou autoridade pública singular, esta, detentora da prerrogativa de condução e direção do processo, e tendo em vista os imperativos de eficiência, economia e celeridade, sem comprometimento da ampla defesa, poderá rejeitar a prova oferecida, total ou parcialmente, quando esta for impertinente ou meramente protelatória, devendo fazê-lo através de despaho fundamentado. Neste diapasão, pela LPA, "somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando seja ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias" (art. 38, § 2º).

Na valoração das provas, a Administração não se encontra enclausurada dentro de parâmetros fixos, não se admitindo, por outro lado, a valoração discricionária e arbitrária. Vigora aqui o princípio da apreciação crítica e da livre convicção, a qual, ao manifestar-se em julgamento ou decisão, deve expressar-se de forma fundamentada, revelando de forma explícita os caminhos de sua formação. Assim, chegado ao termo do procedimento, a decisão a ser tomada deve ser motivada.

Prolação da decisão administrativa. O processo, em sua estruturação dialética e progressiva, destina-se à formação de uma decisão administrativa, que consubstancia um ato administrativo, prenhe, como todo ato jurídico, de efeitos jurídicos. Pode-se afirmar, neste sentido, que a Administração Pública, através de seus agentes e órgãos competentes, tem não só a prerrogativa, mas fundamentalmente o dever de resolver, de decidir as questões que lhe são postas de forma legítima, atendidos os requisitos legais. Deve-se, portanto, evitar toda a morosidade, prolatando-se a decisão administrativa no prazo legal, ou quando este não se encontra previsto em lei, dentro de um prazo razoável. Pela LPA, "a Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência" (art. 48).

Deve-se atentar para a especificidade das decisões colegiadas, ou seja, proferidas, ao termo do procedimento, por um órgão colegiado. Na decisão colegiada, com lembra Lúcia Valle Figueiredo (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2ª ed., p. 298), o ato expressado por apenas um dos membros do colegiado (que pode receber o nome de relator), normalmente de forma oral, não se constitui em decisão propriamente dita. Somente o será quando aceito pela manifestação dos outros integrantes do colegiado, presente o "quorum" mínimo, nos termos previstos em lei, regulamento ou regimento interno. A não observância do "quorum" implica em nulidade da decisão tomada. A votação, por seu turno, normalmente observa o princípio majoritário, ou seja, vence a proposição que consegue o maior número de votos. Quando não exigida expressamente uma maioria absoluta, subentende-se que a deliberação pode ser tomada mediante maioria simples, isto é, com 50% mais 1 (um) dos presentes, observado o "quorum" mínimo.

Havendo posições individuais divergentes, estas, quando manifestadas e expressas, têm força para eximir o vencido na votação as conseqüências que podem advir da decisão colegiada. É o que pode ocorrer, por exemplo, nas licitações, quando se permite que membro da comissão licitante declare seu voto (Lei nº 8.666/93, art. 51, § 3º). Cite-se como outros exemplos de decisão colegiada a tomada por Conselhos de Contribuintes em processos administrativos fiscais, ou Conselhos de Usuários em procedimentos relativos a serviços públicos.

Muitas vezes ocorre o chamado silêncio da Administração. Instada a se manifestar sobre determinado assunto, de interesse individual, corporativo ou público, o Poder Público não se manifesta. Ou mesmo sendo processada uma determinada pretensão, a decisão administrativa, em processo administrativo, não é pronunciada em tempo razoável. Em ambos os casos é o famoso "engavetamento". Tal silêncio deve ser interpretado como uma denegação tácita do pedido formulado. De fato, a Administração foi convocada, mediante petição da parte administrativa interessada (particular, pessoa jurídica, associação, servidor público), a se manifestar sobre determinada. A inércia, omissão, ou mesmo má vontade do Poder Público não pode prejudicar direitos ou interesses legítimos, ou mesmo obstaculizar o acesso a instâncias superiores. Segundo Nelson Nery Costa (Processo Administrativo e suas espécies, Forense, p. 32), este silêncio é fato jurídico administrativo relevante, consistindo em indeferimento tácito da petição direcionada à Administração. Assim, em face do laconismo da Administração Pública, o interessado fica habilitado a desencadear as medidas cabíveis, devendo-se considerar que medidas são cabíveis. Pode recorrer à instância administrativa superior, ou mesmo acionar a via judicial.


Autor

  • Robertônio Santos Pessoa

    Robertônio Santos Pessoa

    professor de Direito Administrativo da UFPI, membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, mestre em Direito pela USP, doutorando em Direito Administrativo pela UFPE, especialista em Direito Comparado pela Faculté des Affaires Internacionales du Havre (França)

    também escreveu autor o livro "Curso de Direito Administrativo Moderno", Editora Consulex.

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Informações sobre o texto

Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Robertônio Santos. Processo Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2107. Acesso em: 17 abr. 2024.