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Dignidade da pessoa humana x banalização da tragédia (se questo è un uomo).

De Maquiavel a Hannah Arendt em "Os afogados e os sobreviventes"

Dignidade da pessoa humana x banalização da tragédia (se questo è un uomo). De Maquiavel a Hannah Arendt em "Os afogados e os sobreviventes"

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A partir da leitura sistemática da obra "Os afogados e os sobreviventes", busca-se encontrar as ideias e pensamentos defendidos por pensadores políticos como Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Tocqueville, John Stuart Mill, Hannah Arendt, Alain Touraine e Antonio Gramsci.

RESUMO

A leitura de Os Afogados e os Sobreviventes nos convida a compreender a singularidade pela qual se manifesta o fenômeno da violência. A literatura de testemunho, produzida pelo sobrevivente Primo Levi, busca por meio de sua memória representar a realidade de quem passou pelo campo de concentração, desmistificar a imagem dos campos de extermínio, permitindo discernir entre distintas formas de violência. Dialoga perfeitamente com pensadores políticos desde Maquiavel, passando por Antonio Gramsci até chegar a Hannah Arendt, (re) desenhando perfeitamente seus discursos. Campos de prisioneiros, campos de concentração, presídios, masmorras, penas de trabalho escravo ou forçado são, muitas vezes, ainda confundidos. A compreensão da peculiaridade do fenômeno dos campos de concentração (Lager) possibilita o conhecimento de uma face da modernidade que, sustentada pela fé cega na razão, na neutralidade da técnica e no progresso de supostas leis históricas, produziu milhões de cadáveres. O testemunho de Primo Levi é uma contribuição para evitar uma típica separação operada pela modernidade: entre conhecimento e pensamento, entre ação e reflexão, entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa. Mais de 60 anos nos separam dos campos de extermínio existentes durante a Segunda Guerra Mundial. Todavia, enquanto o tempo parece encarregado de banalizar o mal, a memória busca apagá-lo. Ninguém pode assegurar à humanidade que a inaudita brutalidade dos campos de concentração foi sepultada de uma vez por todas. Ocorrerão outros extermínios em massa? Auschwitz retornará? A eliminação física, mental e simbólica de grupos étnicos ou religiosos cessou?

PALAVRAS-CHAVE: VIOLÊNCIA, LAGER, EXTERMÍNIOS, BANALIZAR, RAZÃO


1.                  Preliminares da abordagem

O escopo do presente trabalho tem como objetivo – a partir da leitura sistemática da obra Os afogados e os sobreviventes – encontrar as ideias e pensamentos defendidos por pensadores políticos como Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Tocqueville, John Stuart Mill, Hannah Arendt, Alain Touraine e Antonio Gramsci expressas em suas principais obras e discursos ao longo do tempo. Cabe aqui – a guisa de reiteração – ponderar que os pensadores supracitados viveram em épocas e contextos distintos (salvo raras exceções), afinal falamos de Itália (pré-unificação), Inglaterra, França, Estados Unidos (ainda 13 colônias), Itália (pós unificação).

Estudiosos que viveram o Estado (sua estrutura e formação); sofreram represália, pressões daquele sistema e fomentaram questões acerca da realidade, da conjuntura que os circundava. Homens a frente de seu tempo que conseguiam romper os antolhos do sedentarismo e do senso comum, passando a enxergar caleidoscopicamente e não por espelho, em enigma.

Em sua obra – Os afogados e os sobreviventes – Primo Levi apresenta (de maneira deveras peculiar) o cenário com o qual se defrontava: Alemanha no III Reich – período que antecedera a República de Weimar – governada pelo totalitário Adolf Hitler, deflagrando as atrocidades que por este foram realizadas ao longo do negro e sangrento período do nazismo, que fora, por sua vez, subsumido na execração de homens – diz-se homens e não raças, não só nos resguardando o direito de não empregar indevidamente o vocábulo, mas também pondo em evidência a realidade em voga, qual seja o extermínio de seres humanos –, no massacre de vidas inocentes que se viram esfaceladas pelos ditames de um poder cuja índole era desconhecida. Almas que se viram a si mesmas tendo sua dignidade depredada, estuprada, deflorada violentamente por um vento tempestuoso, obscuro e desconhecido.

Assim, num falar ora melancólico, condoído, revoltado ora orgulhoso, confiante, otimista, o autor vai desvelando toda uma sequência de fatos que se entrelaçam de modo a formar apenas a ponta do iceberg do que realmente consistia o nazismo (ou seria hitlerismo [1]?) aclamado como o nacional-socialismo alemão. Cada fala, comentário, recordações de momentos vividos no Lager [2] deflagra detalhes que nos forçam a refletir e/ ou inferir a respeito de que justificativa leva um ser humano (ou poder) a ultrapassar as barreiras do jusnaturalismo e, movido pela vontade própria e por autodeterminação enumerar, estereotipar quem serve e quem não serve; quem é superior e quem é inferior, sendo a morte o galardão daqueles que estão fora do padrão. Destarte merece destacar que, na concepção dos adeptos ao modelo totalitário, a morte era um favor para aquele grupo de seres subumanos, afinal, tratava-se de anomalias que deveriam ser execradas da sociedade.

Além disso, não estava morrendo gente, senão judeus. Perda da dignidade, dos direitos humanos, abatimento de vidas, animalização, coisificação, fanatismo, nacionalismo exacerbado são realidades vigentes em Auschwitz e nos outros campos de concentração onde a ideia de valores humanos era desconsiderada em virtude das idiossincrasias do modelo hitleriano. Questões levantadas pelo autor ex-prisioneiro e sobrevivente do Lager de Auschwitz que penetram no seio do leitor, fazendo o olhar para si mesmo e ao seu redor a fim de que melhor possa avaliar o que de fato tem importância nessa vida – fato que só se legitima quando se é privado de ser humano e, muito pior, quando se chega a esquecer do que (e de quem) realmente é em virtude de opressões e imposições que são outorgadas e executadas por um poder e/ ou domínio que perpassa os limites da compreensão, levando os passivos à opressão a desconhecerem as razões de estarem sofrendo os efeitos desse mesmo poder e, no final, apenas lutarem instintivamente pela sobrevivência – direito à vida – com todos os direitos que o verbo requer – sem ser dela privado.

A presente análise propõe – além do diálogo com os pensadores políticos que é o objetivo principal, o cerne que a norteia – uma reflexão da Política enquanto instrumento de poder e como veículo fomentador de paz ou guerra (ou paz e guerra), objetivando chegar a uma conclusão que perpetre um pensamento pró-ativo e crítico da realidade ao seu redor e derredor e não embasado pelo senso comum, rompendo, por conseguinte, as barreiras da mediocridade a que está alicerçado esse tipo de pensamento e aqueles a que dele são adeptos.

Nosso discurso se coaduna à obra de Primo Levi que apresentamos anteriormente e que será utilizada como matiz teórico, bem como às ideias desenvolvidas pelos pensadores políticos apresentados em Clássicos da Política, buscando-se dialogar entre ambos no desenrolar e desvelar de nossa argumentação, visando à efetivação dos objetivos propostos. Para fins de esclarecimento e melhor compreensão da leitura a ser apresentada utilizar-se-á nas citações as abreviações: PL In: OAOS (Primo Levi, Os afogados e os sobreviventes) e In: CP (Clássicos da Política), facilitando-nos o entendimento ao nos referirmos às obras em questão.

Cabe reiterar que, no desenrolar da análise, estará presente em nosso discurso um cabedal de conhecimento e ideias oriundos das aulas de Política que não poderia estar de fora em virtude da grande contribuição que nos proporciona, haja vista que só se torna possível a temática que nos propomos analisar pelo conhecimento prévio sobre o assunto amparado pelas questões desenvolvidas e/ ou levantadas em sala de aula do componente curricular que norteia nossa presente argumentação.


2. Considerações prévias (análise do prefácio)

Tomando como ponto de partida a leitura do prefácio da obra objeto de análise (Os afogados e os sobreviventes) já é possível dialogar com Maquiavel no contexto de anarquia x principado e república, bem como com Hobbes a respeito da condição do homem:

[...] Seja qual for o fim da guerra, a guerra contra vocês nós ganhamos; ninguém restará para dar testemunho, mas mesmo que alguém escape, o mundo não lhe dará crédito. Talvez haja suspeitas, discussões, investigações de historiadores, mas não haverá certezas, porque destruiremos as provas junto com vocês. E ainda que fiquem algumas provas e sobreviva alguém, as pessoas dirão que os fatos narrados são tão monstruosos que não merecem confiança: dirão que são exageros da propaganda aliada e acreditarão em nós, que negaremos tudo, e não em vocês. Nós é que ditaremos a história dos Lager – campos de concentração.

(PL In: OAOS, p. 09).

Maquiavel fala a respeito da desordem proveniente da imutável natureza humana – má, perversa, cobiça, invejosa, etc. –, acrescendo um importante fator social de instabilidade, qual seja a presença inevitável, em todas as sociedades, de duas forças opostas, “uma das quais provém de não desejar o povo ser dominado nem oprimido pelos grandes, e a outra de quererem os grandes dominar e oprimir o povo.” (O Príncipe, cap. IX). Temos deflagrado no extrato acima exatamente o dualismo destacado e/ ou observado por Maquiavel – dominar e ser dominado –, uma vez que esse fato se faz presente em qualquer sociedade política. Afinal, os critérios para a escolha do dominante – este deve ser dotado de fortuna e virtú – que segundo Maquiavel significa honra, riqueza, glória, poder e braveza, coragem, dignidade, respectivamente – o eleva em relação aos dominados, ficando estes em posição inferiorizada pelos detentores do poder.

Em Hobbes, o que chama atenção ao que fora comentado, é a condição de guerra de todos contra todos, sendo cada um governado por sua própria razão como podemos observar no extrato retirado de Clássicos da Política que analisa um fragmento da obra Leviatã:

[...] e não havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa servir-lhe de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. (Op. Cit. cap. XIV, p. 78)

Em outras palavras, é declarado que jus et lex (direito e lei) devem andar juntos numa relação de interdependência e só o farão a partir da não existência do direito de todos os homens a todas as coisas. Outra contribuição que é facilmente desvelada na obra – ainda no prefácio – é a de Hannah Arendt em sua análise sobre totalitarismo e banalização do mal:

[...] Todos os arquivos dos Lager foram queimados nos últimos dias da guerra, e esta foi verdadeiramente uma perda irremediável, tanto que ainda hoje se discute se as vítimas foram quatro, seis ou oito milhões: mas sempre em milhões se fala. Antes que os nazistas recorressem aos gigantescos fornos crematórios múltiplos, os inúmeros cadáveres das próprias vítimas, assassinadas deliberadamente ou destruídas pelos padecimentos e pelas doenças, podiam constituir uma prova e deviam ser eliminados de algum modo. A primeira solução, tão macabra que é difícil falar dela, foi a de empilhar simplesmente os corpos, centenas de milhares de corpos, em grandes fossas comuns, o que foi feito particularmente em Treblinka, em outros Lager menores e nas retaguardas russas. Era uma solução provisória, tomada com uma negligência bestial quando os exércitos alemães triunfavam em todas as frentes e a vitória final parecia certa: depois se veria o que fazer, de todo modo o vencedor é dono também da verdade, pode manipulá-la como lhe convier, de alguma maneira as fossas comuns seriam justificadas, ou eliminadas, ou anda atribuídas aos soviéticos (que, de resto, demonstraram em Katyn não ficarem muito atrás). (PL In: OAOS, p. 11).

Neste fragmento está ilustrada a concepção de Hannah Arendt a respeito do totalitarismo que se difere do despotismo, uma vez que este tem inimigos e aquele vítimas que é fato observável e depreendido da leitura do extrato supracitado. Um poder exacerbado em sua aplicação que torna a morte anônima e se constitui em massacrar inocentes, fato que corrobora a banalização do mal, i.e. o massacre passa a ser uma ação trivial, rotineira, uma das atribuições do cargo que se ocupa e, para que não haja mácula no ponto, o funcionário executa sua tarefa dando o melhor de si – perdoe-me a ironia. (grifo meu). Outra característica do totalitarismo apontada por Arendt e presente na obra é a manipulação da verdade por parte dos detentores do poder que se endeusam, tornando-se onipotentes, podendo escrever sua história como melhor lhe aprouver. Podemos tomar a própria caracterização dos Lager feita pelo autor como mais um elemento que corrobora o pensamento de Arendt: “[...] depois de terem funcionado como centros de terror político, em seguida como fábricas da morte e, sucessivamente (ou simultaneamente), como ilimitado reservatório de mão de obra escrava sempre renovada [...]” (PL In: OAOS, p. 11).

O fragmento a seguir ilustra muito bem o ideário de Thomas Hobbes e Hannah Arendt a respeito da aceitação da dominação (contrato) – que será melhor explicado a posteriori – e totalitarismo, respectivamente:

[...] Ninguém jamais conseguirá estabelecer com precisão quantos, no aparelho nazista, não podiam deixar de saber das atrocidades espantosas que eram cometidas; quantos sabiam alguma coisa, mas podiam fingir ignorância; quantos podiam ainda saber tudo, mas escolheram o caminho mais prudente de tapar os olhos e ouvidos (e sobretudo a boca). [...] é certo que a não difusão da verdade sobre os Lager constitui uma das maiores culpas coletivas do povo alemão e a mais aberta demonstração da vileza a que o terror hitleriano o tinha reduzido: uma vileza tronada hábito, e tão profunda que impedia os maridos de contar às mulheres, os pais aos filhos; sem a qual não se teria chegado aos maiores excessos, e a Europa e o mundo, hoje, seriam diferentes. (PL In: OAOS, p. 12-13).

Iniciemos por Hobbes. O fato de saberem a verdade, conhecê-la e forjarem ignorância, desconhecimento revela aceitabilidade da dominação. Dessa forma o contrato social – segundo Hobbes o indivíduo abre mão de sua liberdade para que sua vida seja garantida, originando um contrato social não expresso, mas tácito – se efetiva, ocasionando a subordinação política que cada indivíduo aceita tacitamente. Por outro lado, o mesmo fragmento nos reporta a Hannah Arendt no que tange ao totalitarismo em que o indivíduo não mais se subordina politicamente por vontade própria, mas por obrigação, por idiossincrasia do poder dominante que obtém êxito por meio do terror e que, mesmo compactuante, passivo a dominação, esta já não mais garante a vida: [...] aqueles que conheciam a horrível verdade por serem (ou terem sido) responsáveis tinham fortes razões para calar; mas, como depositários do segredo, mesmo calando não tinham sempre a vida segura. [...] (PL In: OAOS, p. 12).

Uma consideração que merece destaque é a respeito dos Lager. Já é sabido que se trata de campos de concentração nazistas. Entretanto, não se pode compreendê-lo se o tomarmos como um todo – a guisa de conceituação –, fato que nos remete a Antonio Gramsci em seu estudo de classe, uma vez que os Lager não eram câmaras fechadas, veículos, instrumentos de uso hitleriano para massacre e execração:

[...] os Lager constituíam um sistema extenso, complexo e profundamente entrelaçado com a vida cotidiana do país; falo-se com razão de univers concentrationnaire, mas não era um universo fechado. Sociedades industriais grandes e pequenas, empresas agrícolas, fábricas de armamentos obtinham lucro da mão de obra quase gratuita fornecida pelos campos. Algumas exploravam os prisioneiros [...] Outras indústrias, ou talvez as mesmas, lucravam com fornecimentos aos próprios Lager: madeira, materiais de construção, tecido para o uniforme listrado dos prisioneiros, vegetais desidratados para a sopa, etc. (PL In: OAOS).

Em síntese, não se pode entender os Lager apenas como câmaras de tortura, uma vez que havia sociedades que dependiam e/ ou lucravam com o funcionamento dos campos de concentração. Essa análise só se torna possível a partir de estudo detalhado de todo o funcionamento de cada Lager para que se possa depreender qual é o ramo de cada um e como estes se relacionam e se interdependem que é o que propõe Gramsci quando diz que não se pode olhar classe como algo fechado, uma vez que há todo um sistema (ou sistemas) interno (intra-classe) que a configura.

Cabe reiterar, ao que já fora argumentado a respeito de totalitarismo – excluindo a ideia de massacre intrínseca ao conceito –, um diálogo com John Locke concernente a ideia de tirania que segundo o pensador é o exercício do poder além do direito, i.e. faz-se uso do poder não para o bem daqueles que lhe estão sujeitos, mas a favor da vantagem própria, satisfazendo sua ambição, vingança ou qualquer outra paixão irregular.

Na sequência, nos deparamos com outro conceito que nos fora presenteado por Hannah Arendt que consiste na desconsideração do indivíduo como cidadão, como pessoa, além da privação da liberdade:

[...] Não sabiam para quem trabalhavam. Não compreendiam o significado de certas imprevistas mudanças de condição e das transferências em massa. Cercado ela morte, muitas vezes o deportado não era capaz de avaliar a extensão do massacre que se desenrolava sob seus olhos. O companheiro que hoje tinha trabalhado a seu lado amanhã sumia: podia estar na barraca próxima ou ter sido varrido do mundo; não havia jeito de saber. Em suma, sentia-se dominado por um enorme edifício de violência e de ameaça, mas não podia daí construir uma representação porque seus olhos estavam presos ao solo pela carência de todos os minutos. [...] (PL In: OAOS, p. 14)

Pode-se observar no que fora ilustrado acima o indivíduo privado de sua liberdade, alienado a respeito do mundo, do contexto, da conjuntura da atualidade, sendo, portanto, desconsiderado como cidadão por estar (ou ser) tolhido de sua compreensão e capacidade de abstração da realidade.

Para John Locke, esse fato – violação deliberada e sistemática da propriedade (vida, liberdade e bens) somado ao uso contínuo da força sem amparo legal – seria suficiente para colocar o governo em estado de guerra contra a sociedade e os governantes em rebelião contra os governados, conferindo ao povo o legítimo direito de resistência à opressão e à tirania, ocorrendo a dissolução do estado civil e o retorno ao estado de natureza, em que, esgotadas todas as alternativas, o impasse só poderia ser decidido pela força.

Primo Levi fala a respeito dos prisioneiros políticos que se diferenciavam dos judeus e dos criminosos, uma vez que dispunham de um “substrato cultural que lhes permitia interpretar os fatos a que assistiam [...] e, enfim, porque muitas vezes, além de desempenharem funções importantes nos Lager, eram membros das organizações secretas de defesa.” (Ibidem, p.15) Esse fragmento nos remete a Alain Touraine, visto que ilustra o comportamento coletivo defensivo, neste caso, por parte dos prisioneiros políticos que são integrantes de organizações secretas de defesa.

Mais uma vez voltamos a Thomas Hobbes em sua descrição sobre o estado de natureza humano:

[...] Não há prisioneiro que não o recorde, e que não recorde seu espanto de então: as primeiras ameaças, os primeiros insultos, os primeiros golpes não vinham dos SS, mas de outros prisioneiros, de “colegas”, daqueles misteriosos personagens que também vestiam o mesmo uniforme de listras recém-vestido pelos novatos. [...] (Ibidem, p. 17).

Aqui se vê claramente o homem em estado de guerra, todos contra todos descrito por Hobbes. Nos Lager a guerra, a revolta partia dos próprios prisioneiros contra eles mesmos, como se fosse uma atitude de protesto contra aquele que se permitiu capturar e vê-se desgraçado, humilhado, morto em vida, indigente.


3. A memória da ofensa

Este capítulo da obra de Primo Levi é uma ilustração das ideias defendidas por Hannah Arendt que permeia seu arsenal intelectual. Vejamos:

[...] O opressor continua como tal, tanto quanto a vítima: não são intercambiáveis, o primeiro deve ser punido e execrado (mas, se possível, compreendido), a segunda deve ser lamentada e ajudada; mas ambos, em face da indecência do fato que foi irrevogavelmente cometido, têm necessidade de refúgio e de defesa, indo instintivamente em busca disso. Não todos, mas a maioria; e com frequência por toda a sua vida. [...] (Ibidem, p. 21).

Primeiramente, temos evidenciado a ideia de opressor e vítima que são conceitos caracterizadores do totalitarismo. Segue-se a privação da liberdade e do direito à vida – em relação aos dominados – que, antes de tê-la execrada pelo regime, há um esfacelamento da dignidade e direitos humanos, a fim de que a morte seja anônima e que não seja geradora de culpa ou remorso, já que se trata de anomalias da sociedade que tem que deixar de existir para não contaminar os, verdadeiramente, integrantes da sociedade, nesse caso, os arianos adeptos do hitlerismo.

Além dessas questões, há também intrínseca à abordagem de Hannah Arendt, uma constatação que merece ser destacada: o fato de que o verdadeiro horror do totalitarismo estar concentrado na banalidade e profundo servilismo de seus agentes que executam fidedignamente suas funções, seguem as ordens estritamente sem reservas ou ponderações sem se apoiar em nenhuma explicação psicológica nem tampouco em qualquer vontade política vertiginosa:

[...] Expressas com formulações diversas, e com maior ou menor insolência segundo o nível mental e cultural de quem fala, elas terminam por dizer substancialmente a mesma coisa: fiz porque me mandaram; outros (meus superiores) cometeram ações piores que as minhas; dada a educação que recebi e dado o ambiente em que vivi, não podia fazer outra coisa; se não o tivesse feito, outro agiria com maior dureza em meu lugar. [...] (Ibidem, p. 21-22).

Finalizando o estudo desse capítulo, não poderíamos fazê-lo nos eximindo de mostrar a postura de um estado totalitário que se coaduna à temática abordada por Hannah Arendt:

A pressão que um moderno Estado totalitário pode exercer sobre o indivíduo é tremenda. Suas armas são substancialmente três: a propaganda direta ou dissimulada pela educação, pela instrução, pela cultura popular; o impedimento oposto ao pluralismo das informações; o terror. (Ibidem, p. 24).


4. A zona cinzenta

Preliminarmente, neste capítulo, é possível dialogar com dois pensadores políticos: Tocqueville e Os Federalistas. Sobre aquele a questão da possibilidade de uma unificação da minoria, este a questão das repúblicas e das facções. Vejamos, então, o extrato que segue:

[...] para a direção do campo, o recém-chegado era um adversário por definição, qualquer que fosse a etiqueta que lhe tivesse sido afixada, e devia ser demolido imediatamente para que não se tornasse um exemplo ou um germe de resistência organizada. (Ibidem, p. 33).

Neste fragmento, podemos notar a atitude que a direção do campo tomava em relação aos recém-chegados. Estes deveriam ser demolidos para servir de exemplo aos demais, uma vez que (alguns) ao chegarem eram tomados por espírito revolucionário – não estavam ali por vontade própria. Segundo Tocqueville, uma minoria organizada torna-se maioria. A direção do campo temia este acontecimento e tratava de banir a possibilidade de se pensar dessa forma. Outra questão é, na possibilidade de uma organização, corria-se o risco de um dos diferentes interesses ou opiniões presentes naquela formação organizacional vir a controlar o poder com vistas à promoção única e exclusiva de seus objetivos. Uma realidade que devia ser evitada e por meio do terror, da execração. Antes que se rebelem é melhor que morram.

Retomando o conceito de totalitarismo, voltamos a dialogar com Hannah Arendt quando esta versa a respeito da dignidade humana que deve ser respeitada, uma vez que é um atributo do ser homem. Vejamos o relato seguinte:

[...] ao invés de lhe pegar a mão, tranquiliza-lo, ensinar-lhe o caminho, se arroja sobre você gritando numa língua desconhecida e lhe golpeia o rosto. Ele quer domá-lo, quer apagar a centelha de dignidade que você talvez ainda conserve e que ele perdeu. Mas você estará perdido se esta sua dignidade o levar a reagir: esta é uma lei não escrita, mas férrea, o zurückschlagen [3], a resposta na mesma moeda, é uma transgressão intolerável, que só pode ocorrer a um “novato”. (Ibidem, p. 35).

Aqui, se configura claramente a perda dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, posto que não se possa reagir frente a uma atitude como a que fora apresentada. Trata-se de um atentado contra a dignidade humana, a priori, porém, na ótica hitlerista não se está atentando contra esse princípio, já que não se trata de ser humano e, em não sendo, não possui dignidade. O que de fato acontece é uma catarses da sociedade, uma filtração: o que é imundo é prejudicial, devendo, pois, ser eliminado.

Na sequência do que fora exposto acima, temos uma aplicação de punição típica em Maquiavel: “[...] Quem a comete deve tornar-se um exemplo: outros funcionários acorrem em defesa da ordem ameaçada, e o culpado é surrado com raiva e método, até ser domado ou morto. [...]” (Ibidem). Em outras palavras, um sistema só se legitima pela ordem e esta, para ser mantida, deve se dá mesmo em função da aplicabilidade das penas aos subordinados como surras e execuções públicas para que os outros possam receber a mensagem subliminar daquela atitude: não tente se rebelar, pois o castigo e a morte são iminentes.

Vejamos a seguir outra medida que, segundo Maquiavel, pode ser aplicada (e deve) para que sejam evitados dissabores na administração de um órgão – no caso de Maquiavel o termo próprio seria Estado –:

[...] os ex-inimigos, são indignos de confiança por essência: traíram uma vez e podem trair outra. Não basta relegá-los às tarefas marginais; o modo melhor de comprometê-los é carregá-los de crimes, manchá-los de sangue, expô-los tanto quanto possível: assim contraem com os mandantes o vínculo da cumplicidade e não mais podem voltar atrás. [...] (Ibidem, p. 37).

Para o estudioso, os inimigos são como serpentes, venenosos e devem estar bem próximos de você e não distantes para que você possa medir seus passos friamente, calcular cada movimento, captar o calor com pensamento bífido e depois retirar-lhes toda a peçonha para que, quando estiverem exauridos, terem suas cabeças esmagadas, servindo de testemunho (ainda que secreto) de que és afortunado e virtuoso.

Pouco mais adiante nos reencontramos com Touraine quando é retomado o assunto das organizações de defesa no trecho que segue:

[...] Alguns entre eles – por exemplo, os três citados – também eram membros de organizações secretas de defesa e, por isto, o poder de que dispunham graças a suas funções era contrabalançado pelo perigo extremo que corriam, na qualidade de “resistentes” e de detentores de segredos. [...] (Ibidem, p. 39)

Vemos aqui uma característica peculiar das ideias de Touraine que é uma resposta defensiva a questões impostas aos subordinados. Segundo o pensador, o ideal é que se haja pró - ativamente e não defensivamente, uma vez que esta forma de agir é mais passiva do que ativa e só se executa em resposta a estímulos, porém, ponderando que esses indivíduos estão encarcerados e monitorados a todo o tempo, fazer parte de uma organização secreta é um desafio gigantesco em virtude do contexto em que vivem e já é algo que se pensa se transformado em ação.

Voltemos agora à realidade dos Lager descrita por Primo Levi que se angula com a temática hobbesiana [4]:

[...] ao cabo de poucas semanas ou meses, as privações a que foram submetidos os conduziram a uma condição de pura sobrevivência, de luta cotidiana contra a fome, o frio, a fadiga, o espancamento, condição na qual o espaço para as escolhas (especialmente para as escolhas morais) estava reduzido a nada; [...]

(Ibidem, p. 42)

Nesse contexto se observa a luta pela sobrevivência num estado de guerra – entendemos por guerra privações, agonias, aflições – que é apontado por Hobbes em seus estudos políticos. O que importa nesse contexto é garantir a vida, se não pelo Estado, mas por força própria – caso a possua. Nos Lager os judeus e os demais reclusos voltam ao estado de natureza de todos contra todos, pois se veem limitados de agir. Esse fragmento dialoga também com Hannah Arendt, visto que exposto a essas condições o homem (indivíduo) é privado do básico da vida, fato esse que é repudiado pela estudiosa.

A situação não era totalmente boa para os alemães adeptos do modelo hitleriano que faziam parte de esquadrões especiais. Eles também eram provados. Não faziam parte do regime por vontade própria: eram condicionados a agirem de acordo com as decisões do líder maior. Vejamos o fragmento:

[...] Em Auschwitz se sucederam doze esquadrões; cada qual atuava alguns meses, em seguida era eliminado, sempre com um artifício diferente para prevenir eventuais resistências, e o esquadrão sucessivo, como iniciação, queimava os cadáveres dos predecessores. (Ibidem, p. 43)

Essa medida imposta por Hitler muito se assemelha a Maquiavel (claro que extremada pelo totalitarismo) pelo fato de ser executada para que se evitem resistências e outras manifestações do tipo, visando à proteção do poder e seu inalcance.

Outro recorte que a nosso ver não pode passar despercebido e que ilustra muito bem a ideia de banalização do mal proposta por Hannah Arendt é o expresso a seguir:

“[...] os judeus é que deveriam pôr nos fornos os judeus, devia-se demonstrar que os judeus, sub-raça, sub-homens, se dobram a qualquer humilhação, inclusive a destruição de si mesmos.” (Ibidem, p. 44). O próprio compatriota devia executar outros de sua estirpe. Uma atitude doentia de disseminação do terror. Algo que transcende a capacidade humana de abstração e percepção e que é observado pelos diligentes, pelas autoridades como uma cena trivial como alimentar os pombos ou colher uma fruta num pomar. Como bem retrata o trecho seguinte: “[...] a morte é seu ofício de todos os momentos, a morte é um hábito, porque, precisamente, “ou se enlouquece no primeiro dia, ou então se acostuma” [...]” (Ibidem, p. 47).

Pouco mais adiante nos deparamos novamente com Maquiavel na descrição de Chaim Rumkowski [5] – presidente do gueto nazista de Lodz –:

[...] ele passou a ver-se na condição de monarca absoluto, mas iluminado, e certamente foi estimulado nesse caminho por seus patrões alemães, que naturalmente brincavam com ele, mas estimavam seus talentos de bom administrador e de homem da ordem. (Ibidem, p. 53).

Vê-se aqui uma figura aclamada pelos súditos, a solução para os problemas da época. Os súditos o admiram, estimavam seus talentos, o observam como bom administrador, como homem da ordem, exatamente como determina Maquiavel ao ilustrar a figura do monarca (príncipe).


5. A vergonha

Neste capítulo, podemos depreender de sua leitura, a princípio, uma ilustração – ainda que simplista – que se coaduna à temática gramsciana [6] que segue:

[...] A meu ver, o sentimento de vergonha ou de culpa que coincidia com a liberdade reconquistada era fortemente complexo: continha em si elementos diferentes, e em proporções diferentes para cada indivíduo singular. Deve-se recordar que cada um de nós, seja objetivamente, seja subjetivamente, viveu o Lager a seu modo. [...] (Ibidem, p. 65).

Neste ponto, o autor chama a atenção ao fato de se compreender cada indivíduo em sua individualidade e não apenas como um grupo de indivíduos recém-libertos de campos de concentração. Se não for desta maneira perder-se-á toda uma gama de sensações, posto que cada um vivesse os Lager de modo singular. Da mesma forma, Antonio Gramsci ressalta que não se deve analisar uma classe como algo fechado, mas sim cada componente (em sua singularidade) que integra esse grupo.

Analisemos, agora, outro texto relevante na compreensão de Hannah Arendt e que bem retrata a temática da autora:

[...] o suicídio é próprio do homem e não do animal, isto é, trata-se de um ato meditado, uma escolha não instintiva, não natural; e no Lager havia poucas oportunidades de escolher, vivia-se justamente como os animais subjugados, que às vezes se deixavam morrer, mas não se matam. [...] “havia mais em que pensar”, como se diz comumente. (Ibidem, p. 66)

O suicídio não era comum nos Lager. Suicídio é próprio do homem por ser meditado, pensado, planejado não é próprio de animais ou de seres inferiores aos próprios animais. Depreende-se aqui, a ideia de animalização do ser humano, que por ser privado do direito à vida, à liberdade, são comparados a animais e a coisas. E como animais que eram (na ótica hitleriana) se comportavam como tal e sua rotina diária bem expressava essa ideia: “[...] O dia estava ocupado: tinha-se de pensar em satisfazer a fome, em evitar de algum modo o cansaço e o frio, em escapar dos golpes; justamente pela iminência constante da morte, faltava o tempo para concentrar-se na ideia da morte. [...]” (Ibidem). Nesse trecho, é expresso o pensamento de Hobbes, em que, no estado de natureza, a morte é iminente ao homem, cabendo a este a luta pela sobrevivência. Assim, o homem se assemelha aos animais que têm suas vidas resumidas em lutar pela garantia de suas vidas, vencendo a fome, o cansaço, o frio ou calor, etc. e que vença o mais forte.


6. Comunicar

Analisando este capítulo, voltamos a dialogar novamente com Hannah Arendt, no que tange ao totalitarismo e a perda do básico da vida que são os valores adquiridos com o tempo:

[...] Martelara-se na cabeça dos jovens nazistas que no mundo existia uma só civilização, a alemã; todas as outras, presentes ou passadas, só eram aceitáveis na medida em que contivessem alguns elementos germânicos. Por isso, quem não compreendia nem falava o alemão era um bárbaro por definição; se se obstinava em tentar expressar-se em sua língua, ou melhor, em sua não língua, era preciso fazê-lo calar-se a sopapos e repô-lo em seu lugar, a puxar, a carregar, a empurrar, porque não era um Mensch, um ser humano. [...] (Ibidem, p. 80)

O totalitarismo – para que fosse efetivo – deveria ser introjetado nas mentes dos subordinados, via terror, propaganda, lavagem cerebral [7], enfim, de forma que a ideologia fizesse parte da vida de cada um. O público mais almejado e fundamental para essa disseminação eram os jovens, já que suas mentes estão em desenvolvimento e expansão. Nesse ínterim, a ideia de liberdade já não existe – no sentido de juízo de valor –, uma vez que não importa quem seja o indivíduo, mas sim ser igual. Há um apelo à igualitarização, o que se coaduna também com Tocqueville. Não importa a liberdade, o que interessa é ser alemão, se ariano, superior. O valor maior é atribuído mais à igualdade do que à liberdade.

Ainda se valendo da temática liberdade, vejamos um fragmento que muito se angula aos estudos de Hannah Arendt:

[...] Tivemos a oportunidade de entender bem, então, que do grande continente da liberdade a liberdade de comunicar é uma província importante. [...] Mas a perda não se dá somente em nível individual: nos países e nas épocas em que se impede a comunicação, murcham todas as outras liberdades; morre por média a discussão, grassa a ignorância das opiniões alheias, triunfam as opiniões impostas; [...] (Ibidem, p. 90).

Segundo a estudiosa, a privação do direito de pensar repercute no direito de opinar, que por sua vez, repercute no direito de agir, levando a não ação, i.e. a privação do direito de se comunicar anula todas as outras liberdades. Em outras palavras, as outras liberdades não tem sentido na ausência da liberdade de comunicação.

O estado totalitário hitleriano é marcado pela presença se uma sangrenta ditadura que se dissemina via censura e que Primo Levi chama a atenção no fragmento que segue que reforça a tese de Hannah Arendt: “[...] A intolerância tende a censurar, e a censura aumenta a ignorância das razões alheias e, portanto, a própria intolerância: é um círculo vicioso rígido, difícil de romper.” (Ibidem). Ou seja, a intolerância censura, esta amplia a ignorância, ampliando, por conseguinte, a própria intolerância. Assim sendo, a censura é o veículo que corrobora a privação do direito de comunicação.


7. Violência inútil

Como é perceptível, o capítulo é intitulado sugestivamente e sua conceituação está angulada aos estudos de Hannah Arendt. Analisemos o fragmento que segue:

[...] Nem pensou em dotar cada vagão com um recipiente que servisse como latrina, e este esquecimento se revelou gravíssimo: provocou uma aflição muito pior do que a sede e o frio. Em meu vagão havia muitos anciãos, homens e mulheres: entre outros estavam todos os internos do asilo israelita de Veneza. Para todos, mas especialmente para estes, evacuar em público era angustioso ou impossível: um trauma para o qual nossa civilização não nos prepara, uma ferida profunda infligida à dignidade humana, um atentado obsceno e cheio de presságios; mas também o sinal de uma malignidade deliberada e gratuita. [...]

(Ibidem, p. 96)

Nesse fragmento está devidamente ilustrada outra atitude totalitária que já fora argumentado anteriormente: a perda da dignidade. Temos aqui a exposição dos indivíduos ao ridículo, a invasão de privacidade, a animalização dos seres humanos ao equipará-los a animais irracionais e isso sem nenhuma motivação, apenas por mera vontade, por tripudiação voluntária e inútil.

Nesse contexto, o autor comenta que fora confeccionado pelos próprios passageiros do vagão – se podemos assim considerá-los – um biombo improvisado para não expô-los tanto ao ridículo que prefigura a não aceitação de serem irracionais como podemos notificar no trecho seguinte: “[...] ainda não somos animais, não o seremos enquanto buscarmos resistir. [...]” (Ibidem). A violação da liberdade ocasiona o direito à resistência, fato esse que é expresso por Locke, sendo possível também o diálogo com Touraine, uma vez que da insatisfação estimulada pela perda da liberdade e da sucessiva animalização, nasce o direito à resistência que se torna pró-ativo, ou seja, leva a uma ação, ainda que seja defensiva aprioristicamente.

Na sequência, a partir da leitura do capítulo, é elucidada outra situação que retrata a ideia de banalização do mal exposta por Hannah Arendt:

[...] Eugen Kogon [8] reporta que em Buchenwald deviam comparecer à chamada vespertina inclusive os moribundos e os mortos; estendidos pelo chão, ao invés de permanecer em pé, também deviam ser dispostos em filas de cinco, para facilitar a contagem. [...] (Ibidem, p. 99)

Os mortos devem comparecer à chamada... Parece piegas – desculpe-nos o comentário – e além de comparecerem eram dispostos em filas para facilitar a contagem – como se estivessem fazendo um controle de estoque num depósito qualquer. O fato que permite maior estupefação é a lealdade dos agentes dos Lager (os SS) que de dedicavam ao serviço como que a uma religião, sem contestar e/ ou ponderar quaisquer atitudes como se pode observar:

[...] os SS [9] dos Lager eram antes brutos obtusos do que demônios sutis. Tinham sido educados para a violência: a violência corria em suas veias, era normal, óbvia. Transbordava de seus rostos, de seus gestos, de sua linguagem. Humilhar, fazer o “inimigo” sofrer era seu ofício de cada dia; não raciocinavam sobre isso, não tinham segundas intenções: a intenção era aquela. [...] (Ibidem, p. 105)

Essa questão é asquerosa, repudiante aos olhos de Hannah Arendt que a considera muito pior do que o totalitarismo em si. Não há como justificar o alinhamento dos agentes às atrocidades do regime, de acordo com a visão da autora. Outra questão que é exposta pouco mais adiante ainda no mesmo capítulo é a questão do trabalho que se coaduna com uma das ideias de Alain Touraine: “[...] À diferença da atribulação puramente persecutória, tal como a que acabo de descrever, o trabalho às vezes podia tornar-se uma defesa. [...]” (Ibidem). Trata-se de atitude defensiva por parte dos subordinados, afinal alguma evasão tem de haver. Nesse caso, essa atitude defensiva – como uma válvula de escape – é o que resta para ser feito, já que todos os direitos haviam sido privados.


8. O intelectual em Auschwitz

Mais uma vez, neste capítulo (sexto) nos deparamos com Alain Touraine quando este levanta questões concernentes à atitude (defensiva ou pró-ativa) conforme elucidado no fragmento:

[...] Ele, um culto humanista e crítico alemão, se esforça por virar um escritor francês (jamais o conseguirá) e adere na Bélgica a um movimento da Resistência cujas esperanças políticas efetivas são muito escassas; sua moral, pela qual pagará um preço muito alto em termos materiais e espirituais, já está transformada: pelo menos simbolicamente, consiste em “dar o troco”. (Ibidem, p. 111)

Trata-se, também, como vimos no capítulo anterior, de atitude defensiva por parte do grupo subordinado pelo regime hitleriano que pode passar para uma atitude pró-ativa quando da sua execução. Ao menos, caso seja impossível a execução, o simples fato de se pensar em dar o troco, planejar, questionar, mostrar insatisfação já significa evolução e não aceitação das imposições até então acatadas.

Pouco mais adiante, nos defrontamos novamente com Thomas Hobbes no contexto em que Primo Levi é posto numa construção onde devia cavar uma trincheira sem nunca ter utilizado uma pá. Tenta explicar ao mestre de obras, mas não obtém êxito em fazê-lo, chegando a conjecturar: “[...] outros ainda (entre eles, eu) intuíram confusamente que não havia saída e que a melhor solução seria aprender a manejar a pá e a picareta. [...]” (Ibidem, p. 114). Percebe-se claramente que o indivíduo aceita a dominação para ter sua vida poupada. Ainda que por via férrea, o contrato social – analisado por Hobbes – é novamente efetivado.

Segundo Primo Levi, não só o trabalho, mas a vida nos Lager era muito sacrificante: “[...] À parte o trabalho, também a vida no alojamento era mais penosa para o homem culto. Era uma vida hobbesiana, uma guerra contínua de todos contra todos [...]” (Ibidem, p. 115). Aqui o próprio autor descreve o cenário na visão hobbesiana: uma anarquia – falta de governo – onde todos lutam contra todos.

Em Auschwitz como em todos os outros campos de concentração, o desrespeito e a aniquilação da dignidade e moral humanas eram atitudes ordinárias – no sentido de comuns – executadas a todo instante. Como se fosse um lembrete a cada segundo: vocês são não humanos. Nesse ínterim, o autor (PL) descreve uma ocasião que, através da contemplação do cenário, pode-se apreender o conceito de banalização do mal apresentado por Hannah Arendt:

[...] nu e espremido entre os companheiros nus, com minha ficha pessoal nas mãos, esperava desfilar diante da “comissão” que, com uma passada de olhos, decidiria se eu iria logo para a câmara de gás ou se, ao contrário, ainda estava bastante forte para trabalhar. [...] (Ibidem, p. 124)

Os indivíduos são vistos como mercadorias (coisificação) que servem ou não servem. Em caso positivo, ainda podem ser aproveitadas, caso contrário, devem ser jogadas fora (ou destruídas, se preferir). Os critérios de escolha se resumem em uma mísera olhada que decidirá se presta ou não para continuar vivendo – diria existindo. Nesse caso, a morte era algo costumeiro, não causava espanto ou dor. Era como sentir uma brisa suave, afinal de contas, era menos uma coisa sem muita utilidade e que só ocupa espaço e faz barulho que deixa de existir: “[...] a Morte em Auschwitz era trivial, burocrática e cotidiana. Não se comentava, não tinha o “conforto do pranto”.” (Ibidem, p. 126).


9. Estereótipos

Mais uma vez é retomada por Primo Levi a discussão em torno da liberdade. Dessa discussão podemos estabelecer um diálogo entre Hobbes e Tocqueville no fragmento que segue:

[...] Por que vocês não fugiram? Por que não se rebelaram? Por que não escaparam da captura “antes”?

[...] O primeiro comentário a essas perguntas, bem como sua primeira interpretação, são otimistas. Há países nos quais a liberdade jamais foi conhecida, de vez que a necessidade que naturalmente o homem dela possui vem depois de outras necessidades bem mais urgentes: de resistir ao frio, à fome, às doenças, aos parasitas, às agressões animais e humanas. [...] (Ibidem, p. 128)

A luta pela sobrevivência – em toda sua abrangência – é uma necessidade apriorística e fundamental aos seres vivos – principalmente entre indivíduos que se relacionam num ecossistema – consideração essa defendida por Thomas Hobbes. Essa necessidade (sobrevivência) é muito mais urgente do que a liberdade, pois de que adianta ser livre e, em frações de segundos, ser privado da vida? Antes de qualquer coisa é necessário garantir a vida – que pode ser feito tacitamente abrindo-se mão da liberdade – ou parte dela – para que se possa, então, efetivar o que se pretende: garantia da vida. Essa fala se coaduna a Tocqueville no sentido em que a liberdade é posta em segundo plano. Primeiramente, deve-se pretender a igualdade, igualdade de direitos, depois pensar a liberdade.

Não obstante, e ainda fazendo referência a temática da liberdade, a guisa de ilustração, nos defrontamos com Locke:

[...] Porém, nos países em que as necessidades elementares estão satisfeitas, os jovens de hoje sentem a liberdade como um bem ao qual não se deve renunciar em caso algum: dela não se pode prescindir, é um direito natural e óbvio, e além do mais gratuito, como a saúde ou o ar que se respira. Os tempos e os lugares nos quais esse direito congênito é negado são percebidos como distantes, alheios, estranhos. [...] (Ibidem, p. 128-129).

Nesse caso, estando as necessidades elementares satisfeitas, pode-se pensar em liberdade como um direito natural já não posto em segundo plano. Para Locke a liberdade está incluída no jusnaturalismo. Outra possível análise não muito difícil de ser estabelecida é entre Hannah Arendt e Maquiavel num mesmo fragmento.

Vejamos a citação que segue:

[...] Se fosse capturado vivo, era punido invariavelmente com a morte por enforcamento público, mas sua morte se fazia preceder de um cerimonial que variava caso a caso, sempre de ferocidade inaudita, no qual se desencadeava a crueldade fantasiosa dos SS. [...] (Ibidem, p. 132).

Segundo Maquiavel, era bom que fosse (de tempos em tempos) realizado um enforcamento público – não apenas um a ser enforcado, mas um bando – para que servisse de exemplo aos demais súditos e para que naquele momento o ódio da população fosse extravasado por ocasião do evento. No contexto apresentado por Primo Levi, trata-se de uma atitude maquiaveliana [10] – claro que levada ao extremo. O fragmento que nos propomos analisar, no que tange à Hannah Arendt trata-se de banalização do mal, visto que o ritual de enforcamento era inovado em cada execução.

A violência – em certa medida – para Maquiavel não era algo nocivo, mas sim corretivo, afinal, um governante não pode correr o risco de lhe tomarem o posto. Certas penalidades tinham de ser públicas para que todos presenciassem: “[...] Isso não era “violência inútil”. Era útil: servia muito bem para cortar pela raiz toda veleidade de fuga; [...]” (Ibidem, p. 133).

Novamente nos deparamos com Tocqueville na leitura do fragmento que fala sobre revoltas que se desencadearam ao longo do período hitleriano: “[...] houve insurreições; foram preparadas com inteligência e incrível coragem por minorias resolutas e fisicamente ainda intactas. [...]” (Ibidem, p.135). Além de desmentir o fato de que os prisioneiros dos Lager nunca tentaram se revoltar, o quadro em questão nos reporta a Tocqueville quando explicita que minorias se organizaram a fim de lutar por seus direitos (que é uma atitude pró-ativa (leva a ação)), permitindo-nos dialogar com Touraine nesse preâmbulo.

No fragmento que segue, é claramente visível o discurso de Tocqueville e de Stuart Mill: “[...] A história das rebeliões, isto é, das revoltas de baixo para cima, da “maioria oprimida” contra a “minoria poderosa”, é tão velha quanto a história da humanidade e igualmente variada e trágica. [...]” (Ibidem, p. 135). Stuart Mill defende a ideia de liberdade de reivindicação das massas trabalhadoras que muito bem se enquadram no conceito de maioria oprimida. A questão das rebeliões nos remete a Tocqueville, posto que essas tragam consigo a noção de organização, associativismo que é defendida pelo pensador.


10. Cartas de alemães

Nesse contexto, Primo Levi se comunica – através de cartas – com correspondentes seus que são leitores de outra obra sua qual seja Se questo è un uomo [11]. O autor, preliminarmente, comenta a produção de sua obra e a tradução feita de sua obra para o alemão por Fischer Bücherei. Num de seus comentários, o autor de Os afogados e os sobreviventes elucida algo que se coaduna com Alain Touraine:

[...] Traduzir Se questo è um uomo o entusiasmava: o livro lhe era afim, confirmava, reforçava por contraste seu amor pela liberdade e pela justiça; traduzi-lo era um modo de continuar sua luta temerária e solitária contra seu país desencaminhado. [...] (Ibidem, p. 147).

Trata-se de uma ação pró-ativa, ainda que temerária e solitária, mas não deixa de ser luta, i.e. elemento gerador de ação, não aceitação dos ditames do senso comum, retirada dos antolhos da mediocridade e contemplação do mundo e seu entorno, bem como apreensão da realidade e a sapiência de que ela pode ser mudada, basta iniciativa; basta estar apto a mover-se, doar-se, permitir-se, agir.

Mais uma vez fazemos menção a Hannah Arendt em sua análise sobre o totalitarismo que leva seus adeptos a agirem voluntariamente. Um sadismo exacerbado:

[...] Mas posso recordar-lhe que nada obrigava os industriais alemães a pregar escravos famintos senão o lucro; que ninguém obrigou a empresa Topf [12] (hoje florescente em Wiesbaden) a construir os enormes fornos crematórios múltiplos nos Lager; que talvez se ordenasse que matasse os judeus, mas a incorporação a essa tropa era voluntária. [...] (Ibidem, p. 154).

Torna-se evidente que os adeptos do totalitarismo desempenhavam suas funções com prazer diabólico. Não tinha a necessidade de serem praticadas certas atrocidades, mas em sendo, não eram banidos por isso. Esse fato é o que espanta e enoja – se nos cabe aqui essa designação – Hannah Arendt em seus trabalhos.


11. Considerações finais

Muito se sabe, através de contribuições de autores diversos, sobre o horror que fora perpetrado contra os judeus na ocasião da Segunda Guerra Mundial. Todavia, nada comparado a relatos de alguém que vivenciou o terror dos Lager nazistas, que respirou o pó das cinzas de vidas dissipadas, que sentiu na pele a frigidez da morte iminente a cada segundo. Esse pensamento só nos fora possível graças a Primo Levi, que num falar despido de eufemismos e omissões, nos traz a realidade nua e crua do modelo totalitário – diria hitleriano – de estado.

Segundo Alain Touraine, não é através do individualismo que nos será permitido a compreensão de um movimento social – tomemos o modelo totalitário e/ ou hitleriano como exemplo –, senão da participação – lembremos também do antropólogo Malinowski e sua teoria da observação participante, em que só se é possível compreender uma dada realidade se dela for parte integrante – como fizera o autor de Os afogados e os sobreviventes que se tornou uma raça caída, podendo compreender a amplitude e intensidade desse contexto.

A presente análise pretendeu encontrar e dialogar com os pensadores políticos que estariam (e estão) introjetados no discurso de Primo Levi. Vale ressaltar que a plausibilidade do diálogo entre os autores de épocas distintas de cruzam, se entrelaçam, formando um todo coeso e verossímil. E a maneira que se deflagra esse encontro cobre de sentido toda a nossa análise e da Política em si, por conseguinte. Destarte merece destacar, que todos deixaram contribuições indeléveis e que não se pode elucidar qual dos autores seria atual e qual seria ultrapassado, haja vista que todos são possíveis de serem encontrados nas falas mais atuais. Além do fato de terem deixado conceitos que, ao serem tomados, nos remete aquele pensador.

De tudo que fora argumentado até aqui, e que merece atenção, é o fato da vida humana ser preciosíssima acompanhado, é claro, da dignidade que é correspondente direto da vida. Seja qual for o sistema político em voga a Lex naturalis deve ser preservada. Outra questão que merece atenção é que não indivíduo melhor ou pior – usando como critério de valoração nacionalidade, cor, credo, sexo – lei tem que haver, governo tem que haver, porém não há nada que determine que um povo esteja acima do outro. É possível ser mais rico, desenvolvido, mas ainda assim não o torna melhor do que outro, uma vez que as oportunidades estão abertas a todos. Os caminhos são infindos, basta que se escolha um.

O ser humano é o bem maior que existe, não devendo, pois, ser animalizado, coisificado, nem tampouco exposto ao ridículo. Muito pelo contrário, sua vida deve ser zelada, garantida e protegida.

Através da análise em questão, pudemos depreender que não se deve deixar deturpar pelo poder. Este tem o poder de dominar aquele que o possui, fazendo com que não mais pense por si próprio, sendo dele dependente. Nessa ocasião, os efeitos são avassaladores, como num vício. E pior. Não se pode voltar atrás. A consequência é a aniquilação realizada pelo próprio poder que – como ressalta Maquiavel – quando não é mais saciado – e aqui adaptamos o conceito do pensador – expulsa a fortuna do indivíduo que, desafortunado, vende sua dignidade por qualquer preço e, com ela, sua vida. O perigo da exacerbação do poder é ser por ele consumido. E isso se dá quando não se resta mais quem consumir. O poder desmedido tem sede. Sede de sangue. Faminto de morte e não poupa quem atravessa seu caminho, mesmo que seja seu executor, seu hospedeiro intermediário. Provavelmente, o totalitário não dorme – se nos permite a alegoria – pois pode ser pego desprevenindo por seu maior inimigo: ele mesmo que personificado pelo poder passa a ser vilão de si próprio. Não há escolha. É um pacto de sangue. Sangue este que mata a sede do poder (deturpado).

Há uma medida para todas as coisas e esse fato é o que nos livra de armadilhas que nós mesmos podemos armar (ou permitir que sejam armadas) em nosso caminho. Assim se deve proceder com o poder. Este não deve personificar o estado ou perder-se-á o controle da situação, passando a enxergar as atrocidades, o terror como algo banal, rotineiro. Disso segue-se o desconhecimento de si mesmo, a perda de identidade, o distanciamento do sentir de ser humano e, por conseguinte, autodestruição.

Buscam-se governantes centrados, preocupados com o bem estar social, uma vez que são representantes do povo, convictos de seus deveres para com os subordinados, desprendido do Self normalizado para o sujeito ativo, empreendedor de políticas sociais, aberto a críticas e sugestões, enfim, um político conhecedor de suas possibilidades e de seus limites. Em contrapartida, buscam-se governados cidadãos conhecedores de sua cidadania, formadores de opinião, livres para se comunicar e expressar e confiantes de que seus direitos não estão e nem vão ser violados. Não se deve pensar em distanciamento dominante/ dominados estes não devem ser opostos, mas coparticipantes. Deve-se sim pensar em aproximação para que os papeis sejam desempenhados com eficácia.


12. REFERÊNCIAS

GILBERT, Martin. O Holocausto. História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. 1ª ed, São Paulo: Hucitec, 2010.

KITCHEN, Martin. O Terceiro Reich. Carisma e Comunidade. 1ª ed, São Paulo: Madras, 2009.

LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. 2ª ed, São Paulo: Paz e Terra, 2004.

_____. Se questo è un uomo. Milano: Einaudi, 2005.

RICHARD, Lionel. A República de Weimar (La vie quotidienne au temps de la republique de Weimar). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política vol. 1 e 2. 10ª ed, São Paulo: Ática, 2001.


13. NOTAS

[1] Utilizamos o termo hitlerismo para enfatizar o fato de o sistema nazista ter sido conduzido por autodeterminação de Hitler.

[2] Nomenclatura dada aos Campos de Concentração Nazistas.

[3] v. (new spell.=zurück schlagen) strike back, return a blow or punch, retaliate, fight back [revidar, retornar um golpe ou soco, retaliar, lutar].

[4] Referente a Hobbes.

[5] No dia 13/10/1939, na cidade polonesa Lodz (recentemente batizada Litzmannstadt desde que fora incorporada à Alemanha), um dos líderes de Conselho Judeu mais polêmicos da Guerra foi indicado: Mordechai Chaim Rumkowski. Rumkowski era um empresário e diretor de um orfanato em Lodz. Ele também era conhecido por ser um ativista e defensor do sionismo. A polêmica em torno de Rumkowski está no fato que ele administrou Lodz com mão de ferro e colaborou o máximo possível com os nazistas. Alguns passaram a chamá-lo de Rei Chaim e de tirano e até hoje ele é visto por muitos judeus como um dos maiores traidores do povo judeu na história. Outros, entretanto, veem Rumkowski numa perspectiva menos pessimista. Eles apontam o fato de Lodz ter sido uma das cidades com menor taxa de mortalidade de judeus entre todas as cidades ocupadas pelos nazistas durante a Guerra e destacam que Rumkowski sempre defendeu sua política dizendo que “enquanto formos úteis, não seremos mortos”.

[6] Relativo a Antonio Gramsci.

[7] Termo utilizado para designar o método utilizado pelo regime totalitário para se difundir e ser aceito pela população, afinal, Hitler fora aclamado pelo povo. Fora eleito como o salvador e sua atuação revela bem a inseminação deste tipo de regime político.

[8] Ex-prisioneiro de um dos campos de concentração (Lager) em Buchenwald.

[9] Schutzstaffel (em português "Tropa de Proteção"), abreviada como SS, ? ? ou (em Alfabeto rúnico) foi uma organização paramilitar ligada do partido nazista e de Adolf Hitler. Seu lema era "Meine Ehre heißt Treue" ("Minha honra chama-se lealdade"). Inicialmente era uma pequena unidade paramilitar, posteriormente agregou quase um milhão de homens e conseguiu exercer grande influência política no Terceiro Reich. Construída sobre a Ideologia nazista, a SS sob o comando de Heinrich Himmler, foi responsável por muitos dos crimes contra a humanidade perpetrados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente a força paramilitar nazista era a SA ("Sturmabteilung"), ou "Divisões de Assalto", que utilizava o terror junto aos inimigos dos nazistas, e era vista como semi-independente e uma ameaça ao poder de Hitler. O grupo se tornou uma ameaça ao poder de Hitler e aos poucos foi substituído pela SS, um grupo de elite que contava com homens racialmente selecionados e disciplinados. A partir de 1939, sob o comando de Heinrich Himmler, a SS cresceu e chegou a contar com um exército próprio, a Waffen SS ("SS Armada"), independente do Exército alemão, a Wehrmacht. Além disso, a SS também absorveu a Gestapo, a polícia secreta nazista, a Reichssicherheitshauptamt, o órgão que controlava as polícias, o Sicherheitsdienst (SD), o serviço de inteligência e o Einsatzgruppen, grupos criados com a única intenção de exterminar grupos étnicos minoritários. Em 1939, a SS comandaria os campos de concentração nos países ocupados. Em 1941, a SS passou a comandar os campos de concentração.

[10] Não confundir maquiaveliano com maquiavélico. O primeiro é o que se refere a Maquiavel; o último é um adjetivo pejorativo que faz alusão ao caráter, significando perverso.

[11] LEVI, Primo. Se questo è un uomo/La tregua. Torino: Einaudi Tascabili, 1989.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Horácio dos Santos Ribeiro. Dignidade da pessoa humana x banalização da tragédia (se questo è un uomo). De Maquiavel a Hannah Arendt em "Os afogados e os sobreviventes". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3224, 29 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21626. Acesso em: 19 abr. 2024.