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A legalidade da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho

A legalidade da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho

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A cláusula de não-concorrência não é inconstitucional, apesar das discussões doutrinárias acerca de sua validade, apesar de apresentar certa restrição a liberdade de trabalho.

Resumo: O presente trabalho aborda, de forma simples e objetiva, toda a sistemática envolvendo a cláusula de não-concorrência, tanto na vigência do contrato de trabalho quanto após a extinção do contrato de trabalho, que é a forma mais polêmica para aceitação da sua validade. Aborda-se de forma sintética aspectos da livre concorrência para justificar a legalidade da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho, desde que obedecidos certos requisitos limitadores. O tema aqui tratado tem grande relevância diante da ausência de legislação específica no Brasil, principalmente no que toca a possibilidade da cláusula ter vigência após a extinção do contrato de trabalho. Inúmeras dúvidas práticas tem surgido quando alguns estudiosos chegam a suscitar a ocorrência de ofensa a princípios constitucionais de grande relevância, como a liberdade de trabalho e da livre iniciativa. No entanto, o que ocorre é uma colisão dos princípios da liberdade de trabalho e a necessidade de proteção dos segredos da empresa bem como dos deveres de lealdade e boa-fé que devem existir entre os contratantes. Portanto, procura-se a sistematização do tema, baseada em considerações acerca dos diversos posicionamentos defendidos pelos doutrinadores, além de aspectos legais e jurisprudenciais.

Palavras-chave: cláusula de não-concorrência; liberdade contratual; liberdade de trabalho; livre concorrência; livre iniciativa.


1. INTRODUÇÃO

Com a globalização, o surgimento de novas tecnologias tornou-se imprescindível para o desenvolvimento econômico. Assim, como forma de garantir a competitividade entre as empresas, torna-se imprescindível a conjugação do conhecimento ao capital e à força de trabalho. Nesse diapasão, diversas alternativas são buscadas pelas empresas como forma de garantir a própria sobrevivência, na tentativa de aperfeiçoar o processo de produção e a geração de riqueza. Um exemplo é a utilização da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho, artifício cuja legalidade é muito discutida.

O problema a ser investigado pela presente pesquisa consiste em saber se no exercício da liberdade contratual das partes no direito do trabalho, mesmo diante das regras de ordem pública de observância obrigatória, é legítima a colocação de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho.

O direito do trabalho é uma disciplina jurídica de cunho social, tendo surgido principalmente para proteger os trabalhadores, buscando uma igualdade material entre as partes do contrato de trabalho, já que o empregador detém uma superioridade econômica.

Vale colacionar as palavras de Amauri Mascaro Nascimento, em sua obra iniciação ao direito do trabalho, quando diz que:

O direito do trabalho consolidou-se como uma necessidade dos ordenamentos jurídicos em função das suas finalidades sociais, que o caracterizam como regulamentação jurídica das relações de trabalho que se desenvolvem nos meios econômicos de produção de bens e prestação de serviço, de certo modo impulsionado pela força dos fatos. (NASCIMENTO, 2006, pág. 26)

 Deve-se ter em mente que o ordenamento jurídico pátrio possui diversos dispositivos que oferecem proteção ao trabalhador, entretanto, também existem dispositivos que protegem o empregador, constituindo-se num emaranhado legal em que se busca a proteção do trabalho, garantindo-se os direitos recíprocos entre o trabalhador e o empregador.

A relevância da pesquisa em tela situa-se em demonstrar que não há óbice para a inserção da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, pois decorre da autonomia privada, não constituindo em prejuízo para o trabalhador, visto que se compatibiliza com os princípios protetivos do trabalhador e mesmo do empregador.

Ademais, não existem regras claras e específicas acerca da possibilidade de cláusula de não concorrência para viger depois da extinção do contrato de trabalho. Diante da omissão legislativa, o presente estudo busca analisar sobre diversos aspectos a legitimidade de tal cláusula, visto que não ofende princípios constitucionais fundamentais do trabalhador, como liberdade de trabalho, ofício ou profissão, preconizado no art. 5º, XIII da Constituição Federal.

Vale ressaltar que, diante do fenômeno da globalização, em que se busca cada vez maior o aperfeiçoamento do processo de produção, para que as empresas possam ter competitividade, garantindo a própria sobrevivência, torna-se útil e importante a utilização de mecanismos que possam assegurar essa competitividade.

Nesse contexto, os contratos de trabalho sofrem influência direta, visto que a força de trabalho é um componente essencial para a produção. Assim, a cláusula de não concorrência inserida nos pactos laborais torna-se uma importante ferramenta na garantia de direitos recíprocos dos trabalhadores e empregadores, além de constituir-se num meio hábil de evitar conflitos concernentes as novas formas de produção, gestão e de práticas de concorrência empresarial.

Cumpre ainda afirmar que a cláusula de não concorrência trata-se de uma importante ferramenta a ser utilizada nos contratos de trabalho diante das circunstâncias atuais, como a globalização e a própria crise global que afeta os mercados, no entanto, é um mecanismo a ser utilizado com ponderação, dentro de preceitos razoáveis e proporcionais, sob pena de ofensa a dispositivos constitucionais e legais.


2. DA NÃO-CONCORRÊNCIA

A estipulação contratual da impossibilidade de o empregado realizar concorrência ao empregador tem sua validade discutida na doutrina, constituindo-se num conflito de princípios tutelados tanto pelo direito constitucional quanto pelo direito do trabalho. 

Por um lado, os que defendem a impossibilidade alegam ofensa à proteção ao livre exercício de profissão (art. 5º, inciso IX e XIII da CF) e à livre iniciativa, ao passo que os defensores da sua validade recorrem aos deveres de lealdade, de sigilo, de boa-fé que devem estar presentes na relação contratual existente entre o empregado e o empregador, bem como apontam uma interpretação onde não se constata ofensa aos princípios citados.

Com o fenômeno da globalização da economia, torna-se imprescindível o conhecimento de novas tecnologias para viabilizar a concorrência da empresa em âmbito mundial. Assim, além do capital e do trabalho, o conhecimento passou a ser essencial para o processo de produção e geração de riquezas, havendo reflexos no contrato de trabalho, visto que empregados especializados situados em áreas estratégicas da empresa detém informações privilegiadas, sendo necessário novas regulamentações na relação de trabalho. Nesse contexto, surge a cláusula de não-concorrência.

 A doutrina aponta que a cláusula de não-concorrência teve sua origem no direito norte americano, depois tendo se expandido pelo mundo. Adriana Carrera Calvo, em artigo publicado na internet aponta alguns casos emblemáticos de existência da cláusula de não-concorrência:

William Redmond Jr., Diretor Geral das Operações Californianas da Pepsi, aceitou, em 1994, o cargo de Diretor Executivo Operacional da divisão mundial Gatorade da Quaker Oats. Logo após o seu desligamento, a Pepsi Co. ajuizou um processo contra o ex-empregado, alegando que ele assinara contrato de confidencialidade e não-concorrência. Redmond era co-responsável pelo plano de marketing de refrigerantes da empresa. A sentença judicial não só obrigou Redmond a não trabalhar para referia empresa durante 6 (seis) meses, como também o proibiu de revelar o plano da PepsiCo. aos seus novos patrões.    [...] Em muitos casos americanos, os tribunais se colocam a favor dos empregadores: "estão dispostos a colocar o trabalhador de lado durante determinado período de tempo, até que a informação que ele possui envelheça", afirma Theodore Rogers Jr., sócio de uma grande firma de advogados nos EUA. (CALVO, on-line, 2005)

Portanto, pode-se constatar pelo exemplo citado que os Tribunais norte americanos tem se posicionado favoráveis a estipulação da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho, desde que obedecidos alguns pressupostos, como a limitação temporal, já que proibiu o executivo de trabalhar por 6 meses, além de não poder revelar ao novo empregador os planos estratégicos da empresa em que prestara serviços.

2.1. Conceito

O termo concorrência significa, segundo o minidicionário da Melhoramentos, “ato ou efeito de concorrer” (MELHORAMENTOS, p. 120). Por sua vez, concorrer pode significar “ter a mesma pretensão de outrem; competir”.

Em artigo publicado na Revista Ltr, Ari Possidonio Beltran conceitua concorrência como sendo:

disputa entre aqueles que exercem a mesma atividade. Como conseqüência, busca-se a proteção de dados comerciais, técnicos, ‘know-how’, até a preservação de empregados com elevada formação técnica, por vezes com bolsas de estudos no exterior financiadas pela própria empresa, bem como a relação de clientes, ou ainda, almeja-se, em certas condições, evitar a própria concorrência direta, ainda que por disposição limitada no tempo. (BELTRAN, 2002, p. 421)

A concorrência constitui-se num tema complexo, que extrapola os limites do direito do trabalho, despertando a preocupação de outros ramos do direito, como do direito civil, comercial, penal entre outros.

O presente artigo preocupa-se com a concorrência no âmbito laboral, mais precisamente com abusos cometidos no exercício do direito de concorrer pelos empregados, visto que, por uma série de fatores, encontram-se impossibilitados de realizar concorrência ao respectivo empregador.

No campo do Direito do Trabalho Sérgio Pinto Martins diz que “a cláusula de não-concorrência envolve a obrigação pela qual o empregado se compromete a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para o empregador” (MARTINS, 2008, p. 121).

O renomado doutrinador Sérgio Pinto Martins ainda nos fornece os diversos sinônimos encontrados para a cláusula de não-concorrência na doutrina brasileira:

São encontradas as denominações cláusula de não-restabelecimento, cláusula de não-concorrência em contrato social, cláusula de não-concorrência em contrato de trabalho, cláusula de não-concorrência, proibição de concorrência, pacto de não-restabelecimento, proibição negocial de concorrência, cláusula de interdição da concorrência, pacto de não-concorrência, pacto de abstenção de concorrência, pacto de exclusão de concorrência etc. Muitas dessas denominações dizem respeito ao Direito Comercial e não propriamente ao Direito do Trabalho. (MARTINS, 2008, pág 11)

Cibele Andrade Pessoa de Freitas, em artigo publicado na Revista de Direito do Trabalho 2008 – RDT 132, faz uma rápida abordagem da concorrência em outros ramos do direito:

Outras manifestações estão presentes na esfera cível, a exemplo do art. 1.147 do CC/2002, previsão que obsta o alienante de fazer concorrência ao adquirente do estabelecimento nos cinco anos subseqüentes a transferência. Ainda na área comercial, há possibilidade de se estabelecer no contrato social vedação dirigida ao sócio retirante no sentido de obstar sua atuação em empresa concorrente e/ou em determinado espaço territorial. (FREITAS, 2008, p. 11)

Portanto, constata-se a importância da regulamentação da concorrência pelo direito, visto que se torna importante para a manutenção dos mercados, sendo necessário o Estado coibir práticas que afetem a normalidade da concorrência.

Complementando, pode-se afirmar que a cláusula de não-concorrência constitui-se numa obrigação negativa do empregado, que não poderá realizar atos que possam constituir concorrência ou que de algum modo afete a atividade da empresa do seu empregador.

No que toca a impossibilidade de concorrência durante o contrato de trabalho, a CLT fez previsão expressa em seu art. 482, alínea “c”, determinando como ensejador do rompimento do pacto por justa causa a prática de atos de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado. No entanto, deve-se considerar que, mesmo após a extinção do contrato de trabalho, alguns efeitos devem continuar vigendo por um certo período, em especial o dever de fidelidade, probidade e boa-fé, constituindo-se a cláusula de não-concorrência um desses efeitos a serem observados mesmo após a extinção do contrato de trabalho.

2.2. Legislação brasileira

No que toca a legislação brasileira, como já foi dito em outras passagens do presente trabalho, a Consolidação das Leis Trabalhistas do Brasil dispõe em seu art. 482, alínea “c” que constitui justa causa para o rompimento do pacto laboral a “negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço”.

Com relação ao pacto de não-concorrência para viger após a extinção do contrato de trabalho, a legislação brasileira é omissa, não havendo uma disciplina específica acerca da matéria.

Portanto, considera-se dois momentos distintos para se avaliar o pacto de não-concorrência. Durante a vigência do contrato a CLT veda expressamente, constituindo uma justa causa para a rescisão contratual, como decorrência do dever de lealdade, de fidelidade e da boa-fé que deve nortear os contratantes. Já com relação a não-concorrência considerada após a extinção do contrato, o ordenamento jurídico pátrio não dispões de normas específicas, deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência a disciplina acerca da matéria.


3. DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

Predomina na doutrina o entendimento de que a natureza da relação de emprego é contratual, sendo o elemento volitivo essencial para a formação da relação empregatícia, demonstrando a existência de um contrato, que reflete a liberdade de constituir obrigações mútuas entre as partes.

Dado a natureza contratual, empregado e empregador estipulam livremente as condições para a realização do pacto laboral, desde que obedecidos certos parâmetros previstos por normas de ordem pública, já que o direito do trabalho é marcadamente social, com várias normas dispositivas de observância obrigatória por todos, dado o caráter intervencionista do Estado no âmbito laboral, para coibir abusos que já foram cometidos no passado.

É perfeitamente aplicável ao pacto laboral o disposto no art. 122 do Código Civil:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Assim, obedecendo-se os direitos consagrados pelas normas trabalhistas como essenciais para a validade do pacto laboral, é lícito às partes estabelecerem condições para a realização do trabalho, tanto para vigerem durante o vínculo como para terem eficácia após a sua extinção, como a cláusula de não-concorrência após o fim da relação empregatícia. Nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimento:

Com as restrições à autonomia da vontade no direito do trabalho, são essas negociações de âmbito reduzido, mas existem, quer na oportunidade da formação do vínculo de emprego, quer durante o seu desenvolvimento, quer, ainda, em sua extinção. (NASCIMENTO, 2001, p. 206)

Portanto, dado a liberdade contratual que rege as relações trabalhistas, ainda levando-se em conta ainda a existência de normas de ordem pública que devem ser obrigatoriamente observadas, verificamos a validade da cláusula de não-concorrência nos contratos individuais de trabalho, por razões que serão melhor expendidas posteriormente.

3.1. Alguns deveres do empregado

Emerge do próprio contrato de trabalho alguns deveres que devem ser obedecidos pelas partes, como a boa-fé dos contratantes, o dever de lealdade, de fidelidade e mesmo o dever de não-concorrência.

O dever de boa-fé decorre da necessidade de os contratantes agirem com lealdade, com correção, de acordo com os usos, costumes e sem desobedecer às normas em vigor.

O art. 422 do Código Civil dispões que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, sendo um exemplo de positivação da boa-fé que deve nortear as partes de um contrato.

Considera-se que a boa-fé deve estar presente nos contratos de trabalho, desde as negociações pré-contratuais, já que antes mesmo da conclusão do contrato as partes já devem agir com o ânimo de não violar interesses alheios. Durante a execução do contrato também é imprescindível a boa-fé entre as partes.

Ainda após a extinção do pacto laboral é necessária a observância da boa-fé, na medida em que existem segredos das partes contratantes que devem ser preservados, além de outros valores éticos e morais.

Assim, a boa-fé contratual deverá subsistir após o término dos contratos. É o que ocorre, por exemplo, com a inserção da cláusula de não-concorrência em que, mesmo após a extinção do contrato, o empregado deve agir de boa-fé não prejudicando o empreendimento do seu antigo empregador por atos concorrenciais por algum tempo.

Como conseqüência do dever de boa-fé no relacionamento entre as partes, o empregado deve executar o trabalho com seriedade e consciência, empreendendo diligências no sentido de melhor desempenhar a sua função no emprego. Daí decorre o dever de fidelidade. Na concepção de Orlando Gomes e Élson Gottschalk:

O dever de fidelidade na prestação de trabalho é o aspecto particular que assume o princípio de boa-fé inerente à execução de todo contrato. Nos contratos a trato sucessivo, especialmente no de trabalho, este dever assume relevância especial, que em certos ordenamentos jurídicos, como aconteceu na legislação do III Reich, foi elevado à máxima exaltação com a instituição de um Tribunal de Honra Social, com o objetivo assinalado de disciplinar o Treupflicht, que era a pedra de toque da organização social de empresa nazista. (GOMES, 2005, p. 212)

Dessa forma, decorre do dever de fidelidade a obrigação de o empregado abster-se na sua atividade dentro e fora da empresa de praticar atos prejudiciais a mesma.

Ari Possidonio Beltran seguindo os ensinamentos de Krotoschin nos fornece a seguinte lição:

Krotoschin discorrendo sobre o dever de fidelidade diz que, contrariamente ao que foi sustentado no passado, não se trata de um mero dever acessório, mas essencial para a configuração do contrato de trabalho que é alicerçado na confiança recíproca e no ânimo de colaboração. [...] Afirma ainda, que o dever de fidelidade materializa-se, sobretudo, em três aspectos da relação de trabalho: proibição de fazer concorrência ao patrão, dever de guardar sigilo sobre certos segredos da empresa e proibição de receber vantagens pecuniárias de terceiros. (BELTRAN, 2002, p. 419)

Portanto, decorre também do dever de fidelidade a impossibilidade de o empregado realizar concorrência ao empregador.

3.2. Da justa causa prevista no art. 482, alínea “c” da CLT

Trataremos agora da rescisão contratual em decorrência de ato faltoso praticado pelo empregado, mais precisamente da hipótese da alínea “c” do art. 482 da CLT, que dispõe:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

[...]

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

Um dos requisitos para que se configure a rescisão por justa causa é a taxatividade da conduta, ou seja, somente ocorre nos casos expressamente previstos em lei. A hipótese em apreço trata-se de um caso de resolução contratual, visto que o rompimento do pactuado se dá pelo cometimento de ato faltoso do empregado.

Pela análise do dispositivo citado, percebe-se que a realização de concorrência pelo empregado é motivo ensejador do rompimento do liame empregatício, por constituir uma falta grave do empregado. Maurício Godinho Delgado esclarece que:

Para que seja desleal a concorrência, é necessário que ela afronte expressamente o contrato, ou agrida o pacto inequivocamente implícito entre as partes, ou, por fim, derive, naturalmente, da dinâmica própria do empreendimento do trabalho. (DELGADO, 2006, p. 1193)

 Assim, a falta somente se caracterizará quando a atividade desempenhada caracterizar concorrência desleal ao empregador ou for prejudicial ao serviço e que se desenvolva de forma habitual, sem a concordância do patrão. Vale ressaltar ainda que não necessariamente a concorrência aqui estudada será considerada crime. Nesse sentido, vale transcrever os ensinamentos de Délio Maranhão:

A concorrência ao empregador, que se traduz pela negociação habitual do empregado, por conta própria ou alheia, sem o consentimento daquele, não se confunde, necessariamente, com o crime de concorrência desleal, de que trata o art. 195 da Lei 9.279/96, embora, algumas vezes, o ilícito trabalhista possa configurar tal crime, como quando o empregado “recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao seu dever, proporcionar vantagem a concorrente do empregador” (art. 195, X, do Citado Código). (MARANHÃO, 2005, p. 581)

Mais adiante, socorrendo-se dos ensinamentos de Evaristo de Moraes Filho, Délio Maranhão conclui que ”a negociação que se proíbe é restrita ao gênero de atividade do empregado” (MARANHÃO, 2005, p. 581).

Também nesse sentido são os ensinamentos de Francisco Ferreira Jorge e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, buscando apoio na doutrina de Plá Rodriguez:

A concorrência desleal apresenta-se quando o empregado exerce atividades que impliquem em prejuízos ao empregador, pela evidente colisão de interesses contrários. Acentua Plá Rodriguez: “Note-se que a proibição não atinge qualquer outra atividade, mas somente o desempenho da mesma atividade por conta própria ou de outra pessoa que não seja o empregador. Não se proíbe a pluralidade de ocupações, mas a concorrência desleal. A proibição somente abrange toda espécie de atividade quando no contrato for estipulada à exclusividade ou dedicação total...” (CAVALCANTE, 2005, p. 429)

Portanto, a realização de concorrência pelo empregado na vigência do contrato de trabalho constitui uma hipótese ensejadora da resolução contratual, por justa causa, por constituir uma falta grave prevista pela CLT em seu art. 482, alínea “c”, tendo o ordenamento jurídico pátrio disciplinado expressamente tal situação.


4. DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Como já ficou assente anteriormente, a hipótese de se pactuar no contrato de trabalho a hipótese de não-concorrência para viger após a extinção do pacto laboral não é expressamente prevista na legislação brasileira. Por isso, não existe unanimidade tanto na doutrina quanto na jurisprudência acerca da sua validade.

Para os que advogam a tese da impossibilidade de sua utilização, alegam, em síntese, ofensa aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de trabalho. Os que a defendem não vislumbram ofensa aos princípios citados, justificando-se a sua utilização na liberdade de contratar além de imporem alguns requisitos para que se utilize a razoabilidade na utilização da cláusula de não-concorrência para viger após a extinção do contrato de trabalho.

4.1. Da validade da cláusula de não-concorrência  

Atualmente a globalização facilitou sobremaneira as transações comerciais, inclusive internacionais, tornando as empresas cada vez mais vulneráveis. Isso se dá porque com o avanço tecnológico, a competitividade do mercado se torna cada vez mais acirrada.

Nesse contexto, torna-se de grande importância a valorização dos empregados, principalmente daqueles que ocupam posições estratégicas na empresa, já que possuem o conhecimento das técnicas e métodos de produção imprescindíveis para o bom posicionamento da empresa no mercado, ou seja, possuem acesso às informações confidenciais e aos segredos da empresa.

Diante dessa situação, surge o legítimo interesse das empresas em estipularem a cláusula de não-concorrência para produzirem efeitos após extinto o contrato de trabalho, a fim de impedir que o empregado pratique atos abusivos, em virtude da posição e conhecimento obtidos na empresa, causando-lhe prejuízo.

Como decorrência dos deveres de lealdade e fidelidade inerentes ao contrato de trabalho, deve o empregado conservar os segredos da empresa, mesmo que lhe custe uma limitação à liberdade de trabalho após a extinção do contrato de trabalho. Tais prerrogativas decorrem da boa-fé que deve nortear o espírito dos contratantes, que devem manter a lealdade mesmo após a extinção do pacto, ou seja, são alguns efeitos do contrato que devem ser observados mesmo depois de rescindido o pacto laboral.

Assim, há de um lado o direito do empregador de proteger os segredos da empresa, de outro o direito do empregado de liberdade de trabalho. Como dito em outras passagens, há uma verdadeira colisão de princípios, sendo necessário uma cuidadosa atividade interpretativa, em que se busque os critérios de interpretação das normas diante de cada caso concreto.

Vale ressaltar que, de acordo com os métodos hermenêuticos, a solução terá que levar em consideração a importância de cada princípio em colisão, objetivando uma solução ponderada que considere os interesses em conflito e não se fundamente na completa prevalência de um princípio em detrimento do outro.

Sabe-se que nenhum princípio é absoluto, e sim relativo. Por isso, a liberdade de trabalho deve ser relativizada já que se coloca diante de outros princípios igualmente tutelados pelo corpo constitucional. Dessa forma, só haveria ofensa ao princípio da liberdade de trabalho se fosse estipulada a proibição de qualquer atividade, em qualquer lugar e para sempre, o que não ocorre na cláusula de não-concorrência.

Alice Monteiro de Barros defende a validade da cláusula de não-concorrência:

Não cremo, tampouco, possa a referida cláusula, nessas condições, cercear a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, na forma do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, pois a inserção da cláusula deverá permitir ao empregado a possibilidade de exercer a atividade que lhe é própria, considerando sua experiência e formação, desde que junto a estabelecimentos empresariais insuscetíveis de ocasionar concorrência danosa ao ex-empregador. (BARROS, 2009, p. 259)

 Ademais, deve-se levar em conta os artigos 8º e 444 da CLT, aliados ao art. 122 do Código Civil, que dispõem:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Assim, permite o texto consolidado em seu art. 8º a possibilidade de utilização do direito comparado além de outros princípios, preservando-se ao interesse público, além de os arts. 444 da CLT 122 da CC disporem acerca da liberdade que é dado aos contratantes em pactuarem cláusulas que não sejam ofensivas ao interesse público nem as disposições protetivas do trabalho.

Não se considera que a cláusula de não-concorrência seja ofensiva a qualquer dos princípios e normas protetivas previstas no ordenamento jurídico pátrio, por isso, pode ser utilizada, desde que usada com razoabilidade e obedecendo a certos requisitos.

Nos Tribunais ainda verificamos poucas decisões tratando da cláusula de não-concorrência. É possível encontrar algumas decisões no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, não havendo um consenso entre as Turmas do Tribunal. Em acórdão proferido pela 8ª Turma do Tribunal citado, os magistrados posicionaram-se contrários a cláusula de não-concorrência, senão vejamos:

"Cláusula de não concorrência. Cumprimento após a rescisão contratual. Ilegalidade. A ordem econômica é fundada, também, na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos existência digna, observando dentre outros princípios a busca do pleno emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso VIII, da Constituição. O art. 69 do diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais. Finalmente, o contrato de trabalho contempla direitos e obrigações que se encerram com sua extinção. Por tudo, cláusula de não concorrência que se projeta para após a rescisão contratual é nula de pleno direito, a teor do que estabelece o art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho." (TRT 2 Região, 8ª Turma, Relator José Carlos da Silva Arouca. Ac. 20020U79847) DOESP 5.3.02.

Com o devido respeito, concluímos que o posicionamento citado não é o mais adequado, uma vez que coloca o princípio do pleno emprego como absoluto, excluindo os demais princípios conflitantes.

No entanto, no mesmo ano de 2002, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região proferiu acórdão admitindo a cláusula de não concorrência:

Não afronta o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, cláusula contratual firmada por empregado, após ruptura do contraio de trabalho, comprometendo-se a não prestar serviços à empresa concorrente, quer como empregado, quer como autônomo. Inexistência de erro ou doação a anular o pactuado. Não há Ilegalidade a macular o pactuado e nem danos materiais decorrentes da limitação expressamente aceita. Impenda aqui, invocar-se também o princípio da boa-fé, presente em todos os atos da vida civil e pressuposto deles, mormente quando em ajuste, estão pessoas capazes, de mediano conhecimento jurídico e alto nível profissional, como é o caso das partes envolvidas no Termo de Confidencialidade e Compromissos Recíprocos." (TRT 21 Região, 5S Turma, Relatora Rita Maria Silvestre —Ac. 2002053 4536) — DOESP 30.8.02

  Sérgio Pinto Martins faz alusão ao entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria:

A STF já teve oportunidade de julgar questão semelhante na vigência do § 23, do art. 153 da Constituição de 1967, que tinha a seguinte redação: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”. O acórdão não conheceu do recurso extraordinário, tendo a seguinte ementa:

“Liberdade de trabalho. Cláusula pela qual o empregado, que fez cursos técnicos às expensas do empregador, obrigou-se a não servir a qualquer empresa concorrente nos 5 anos seguintes, ao fim do contrato. Não viola o art. 153, § 23 da Constituição o acórdão que declarou inválida tal avença” (STF, RE 67.653, Rel. Min Aliomar Baleeiro, DJ 3-11-70, p. 5.294, RTJ 55, 1971, p. 42) (MARTINS, 2008, p. 122)

Portanto, importantes doutrinadores nacionais admitem a cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho para terem vigência após a extinção do pacto laboral, sendo um tema ainda pouco abordado nos Tribunais pátrios, já havendo decisões no sentido de admiti-la. Deve-se considerar que não há qualquer ilegalidade na utilização da cláusula, desde que obedecidos certos requisitos, que serão abordados a seguir.

4.2. Pressupostos de validade da cláusula de não-concorrência

Para que seja possível a utilização da cláusula de não-concorrência no contrato de trabalho, deve-se levar em consideração a necessidade da presença de alguns pressupostos de validade, dentre os quais, o que garanta a possibilidade de o trabalhador desenvolver outra atividade, um limite espacial e temporal, além de uma recompensa indenizatória ao empregado a ser paga pelo empregador, como forma de garantir a sua sobrevivência pelo tempo em que esteja obrigado a não praticar a concorrência ao seu ex-patrão, garantindo assim o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

4.2.1. Do interesse do empregador

O interesse na contratação da cláusula de não-concorrência deve ser claro entre as partes, como conseqüência de uma necessidade do empregador. Estevão Mallet diz que “a restrição a liberdade de trabalho tem que satisfazer legítimo interesse do empregador e não se apresentar de forma desarrazoada” (MALLET, 2005, p. 1161), concluindo mais adiante que “a interferência na liberdade de trabalho do empregador somente é válida quando destinada a satisfazer relevante e legítimo interesse do empregador”.

Por constituir a limitação à uma liberdade, tem-se que a utilização da cláusula de não-concorrência deve ser fundamentada. Nesse sentido, Estevão Mallet cita legislações estrangeiras:  

No direito português, por exemplo, a cláusula de não-concorrência somente pode ser estabelecida em relação a “actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador”. De modo bastante semelhante, o Estatuto de los Trabajadores espanhol condiciona a validade do pacto de no competência a que “el empresário tenga um efectivo interes industrial o comercial en ello”. (MALLET, 2005, p. 1162) 

Portanto, para que se possa defender pela validade da cláusula de não-concorrência, inicialmente é imprescindível que exista interesse do empregador, que consiste na análise da atividade exercida pelo empregado, nos conhecimentos adquiridos bem como na potencialidade de prejuízo que possa o empregado causar ao empregador realizando concorrência.

Realizando-se essa análise, pode-se justificar a limitação ao direito à liberdade de trabalho fundamentalmente legitimada pelo relevante interesse do empregador ocasionado pelo real potencial de risco. Assim, não se deve utilizar a cláusula de não-concorrência indistintamente, abrangendo qualquer trabalhador da empresa, visto que tem que haver essa potencialidade de risco, que se pode ser aferida por ocupantes de cargos que sejam efetivamente capazes de prejudicar os legítimos interesses do empregador.

4.2.2. Limite material

O limite material diz respeito às atividades específicas que terão o seu exercício vedado. Tal requisito é de suma importância, pois não se pode vedar o exercício de qualquer atividade, sob pena de estar sendo violado o princípio da liberdade de trabalho.

Discorrendo sobre o assunto, Estevão Mallet diz que “trata-se de requisito substancial de validade do ajuste, cuja falta torna-o nulo, até porque não se admite restrição genérica, indeterminada, abrangendo todo e qualquer trabalho” (MALLET, 2005, p. 1162).

Cibele Andrade Pessoa de Freitas nos traz o seguinte exemplo real de nulidade da cláusula de não-concorrência pela vastidão do seu objeto:

Com base nessa restrição – material – foi considerada nula a cláusula estabelecida entre a Aurus Ltda e  Mário Sérgio Uehara, nos autos do processo 025070.2003.045.02.00-5, que tramitou na 45ª Vara de São Paulo (TRT – 2ª Reg). O acórdão respectivo (RO 20070117254, 5ª T., j. 27.02.2007) entendeu que a restrição imposta não podia prosperar, uma vez que abrangia extensa lista de atividades. (FREITAS, 2008, p. 16)

Importante destacar que, quanto mais restrita a limitação imposta, menor deverá ser a indenização paga e menor será o risco de discussão acerca da validade da cláusula, visto que será bem menor a restrição ao trabalho.

4.2.3. Limitação espacial

Ao se estabelecer uma cláusula de não-concorrência, é imprescindível a disposição acerca do território em que a mesma terá validade. A limitação territorial deve levar em conta o mercado que se pretende proteger, limitando-se, assim, a abrangência do pacto ao território que o empregador exerça sua atividade comercial.

Sérgio Pinto Martins diz que “não terá valor a cláusula em locais que a empresa não venha a competir com outras no mesmo mercado. Assim, ela deve ser estabelecida para certa área geográfica” (MARTINS, 2008, p. 124).

No que pese as opiniões favoráveis à limitação espacial, considera-se que hoje, diante do mundo globalizado, onde os negócios se realizam em locais diversos dos da sede da empresa, é prescindível a estipulação de limitação espacial para a validade da cláusula de não-concorrência. Assim, pode ser que uma empresa situada em qualquer lugar do planeta faça concorrência a uma empresa brasileira.

Nesse sentido são os ensinamentos de Estevão Mallet:

Restringir, em tal contexto, a eficácia de cláusula de não-concorrência ao âmbito do território nacional não se justifica, e faria com que se tornasse muito fácil burlar a limitação, comprometendo a legítima tutela da informação, o que não se admite. Deve-se, pois, aceitar, ao menos em tese, restrição territorialmente mais ampla, caso, diante das circunstâncias, seja ela realmente necessária. (MALLET, 2005, p. 1163)

Portanto, consideramos não ser imprescindível a limitação territorial da cláusula de não-concorrência pelos motivos expostos, no entanto, uma vez prevista, há que ser observada pelos contratantes.

4.2.4. Da limitação temporal

Um dos principais requisitos a serem observados diz respeito a limitação temporal da vigência da cláusula de não-concorrência. Não se pode achar que teria eficácia infinita, sob pena de acabar retirando à liberdade de trabalho do empregado.

Sérgio Pinto Martins nos ensina que:

A cláusula de não-concorrência deverá ser estipulada por tempo determinado e para certo local. Não pode ser, portanto, perpétua, pois impediria o empregado de trabalhar na atividade. Deve a limitação estar balizada dentro do princípio da razoabilidade, de acordo com o que for pactuado entre as partes. (MARTINS, 2008, p 123)

Importantes também são as palavras de Estevão Mallet acerca da matéria:

Restrição permanente ou mesmo indefinida afigura-se, seja qual for a atividade considerada ou o empregado envolvido, ilícita, conclusão a que se chega sem nenhuma dificuldade. Cerceia, de modo desmedido, a liberdade de trabalho do empregado. Ademais, restrição temporalmente ilimitada compromete o próprio desenvolvimento econômico e “o livre progresso”, o que não se concebe. (MALLET, 2005, p. 1163)

Alguns doutrinadores chegam a defender a aplicação, por analogia, do prazo máximo dos contratos por prazo determinado, que é de 2 anos. Outros buscam no art. 1.147 do Código Civil o prazo de 5 anos, que é o utilizado pelo direito empresarial, que proíbe o alienante do estabelecimento de fazer concorrência ao adquirente nos 5 anos subseqüentes. No entanto, entendemos que não se justifica a fixação de prazo genérica, sendo mais sensato a verificação do caso concreto para que, por critérios razoáveis, se chegue a uma conclusão acerca de um prazo ideal.

Insta destacar ainda que, em decorrência dos deveres de fidelidade e lealdade, bem como da boa-fé que deve nortear os contratantes, mesmo após a expiração da cláusula de não-concorrência, não se afigura uma postura ética a revelação de segredos ou informações sigilosas que obteve no seu antigo emprego.   

Portanto, a determinação do período deve levar em conta o tempo razoável para anular ou minimizar o potencial risco de dano em razão das informações que o empregado possui, tal como o tempo necessário para que o ex-patrão possa se fixar no mercado, para que aquele segredo de empresa se torne obsoleto em face das inovações tecnológicas ou para que determinada informação se torne de domínio público.

4.3. Compensação pela cláusula de não-concorrência

No direito comparado a regra é a necessidade de uma contraprestação pela cláusula de não-concorrência, que deve ser proporcional à limitação imposta. Mallet  diz que a obrigatoriedade de compensação constitui “requisito de validade da cláusula de não-concorrência, no Código de Trabalho de Portugal, na legislação belga, no Estatuto de los Trabajadores da Espanha e no Codice Civile italiano” (MALLET, 2005, p, 1164).

No Brasil, mesmo diante da omissão legislativa, considera-se como imprescindível a estipulação de uma contraprestação pelo empregador, observando-se um mínimo de equilíbrio entre a obrigação imposta ao empregado e a contrapartida que cabe ao empregador.

No entanto, não basta o mero pagamento. Deve haver um equilíbrio entre as prestações dos contratantes, devendo a retribuição ser proporcional à restrição imposta. Nesse sentido são os ensinamentos de Sérgio Pinto Martins:

Para a validade da cláusula, o empregado deve receber compensação financeira, que lhe permita fazer face a seus compromissos, como se estivesse trabalhando, visando a que o trabalhador não enfrente dificuldades financeiras para manter seu mesmo nível de vida, pois o pagamento terá natureza alimentar. (MARTINS, 2008, p. 124)

 No que se refere ao valor da compensação, existem diversos posicionamentos a esse respeito. Sérgio Pinto Martins diz que “a solução é o pagamento da compensação financeira no valor da última remuneração do empregado, multiplicado pelo número de meses em que deixará de exercer outra atividade” (MARTINS, 2008, p. 124).

Por outro lado, Estevão Mallet não fixa parâmetros relacionados à remuneração do empregado, devendo-se avaliar caso a caso, senão vejamos:

Quanto mais ampla a limitação – quer do ponto de vista do objeto, quer do ponto de vista temporal, quer, ainda, do ponto de vista espacial – maior deve ser a compensação e vice-versa. O valor da compensação não está vinculado, portanto, ao montante da remuneração recebida pelo empregado durante a vigência do contrato, ao contrário do que já se pretendeu. [...] O importante é que não exista desequilíbrio entre as obrigações das partes. (MALLET, 2005, p. 1164)

Portanto, não há que se fixar valores pela compensação nem forma padrão de pagamento. Quer seja mensal ou de forma única, o pagamento deve corresponder a uma compensação à limitação imposta, observando-se a proporcionalidade entre eles. Considera-se apenas que, dado a hiposuficiência do empregado, não seria justo a estipulação de que o pagamento se daria apenas no final do período da não-concorrência, sendo por isso, vedado tal estipulação.

Quanto a natureza da indenização, a doutrina não é pacífica, existindo basicamente duas correntes, uma defendendo a sua natureza salarial ao passo que a outra diz ter o caráter indenizatório.

Parece prevalecer o entendimento na doutrina que se trata de caráter indenizatório, como se observa das palavras de Estevão Mallet:

Reveste-se o crédito conferido ao empregado, outrossim, de natureza indenizatória, como explicitado em alguns sistemas jurídicos. [...] Indeniza-se, isso sim, a limitação à liberdade de trabalho. [...] não constitui, em conseqüência, base de incidência de contribuições previdenciárias ou imposto de renda, à semelhança dos valores conferidos em programas de incentivo à rescisão de contrato de trabalho. (MALLET, 2005, p. 1165)

 Assim, por caracterizar o ressarcimento a uma lesão causada no patrimônio do empregado, tem-se que a compensação financeira, advinda da cláusula de não-concorrência, possui natureza indenizatória, sendo imprescindível a sua estipulação para que a cláusula tenha validade.


5. CONCLUSÃO

Como visto anteriormente, o direito do trabalho é muito dinâmico e marcadamente social, sendo que, a noção de trabalho remonta a própria história do homem.

A Revolução Industrial é apontada como a causa econômica do surgimento do Direito do Trabalho, visto que da relação entre o trabalho e a indústria surge o salário, bem como as explorações aos trabalhadores, que eram submetidos a péssimas condições de trabalho. Nesse contexto, o Direito do Trabalho surge como forma de intervenção estatal para conferir proteção aos trabalhadores, na tentativa de dar uma superioridade jurídica ao empregado para compensar a sua inferioridade econômica.

A Constituição Federal de 1988 garante princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana e da livre iniciativa e concorrência, assegurando a todos a prática livre de qualquer atividade econômica, vedando aquelas que busquem o domínio do mercado.

Apesar dos dispositivos protetivos, se verifica na prática a ocorrência de alguns abusos, quando, por exemplo, algumas empresas se valem da má-fé de alguns ex-empregados de empresas concorrentes para terem acesso a segredos de produção e de mercado do concorrente.

Uma forma de se evitar esses abusos é com a utilização da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho, impedindo que os ex-empregados passem um período de tempo sem trabalhar em empresas concorrentes, em funções que possam de alguma forma revelar informações relevantes que tinha conhecimento no antigo emprego, e que possam de alguma forma afetar a concorrência leal entre as empresas.

A CLT dispõe acerca da impossibilidade de o empregado efetuar concorrência durante a vigência do contrato de trabalho, constituindo justa causa para o rompimento do liame empregatício. No entanto, para a possibilidade de cláusula de não-concorrência para viger após a extinção do contrato de trabalho não existe no ordenamento jurídico pátrio nenhuma disposição acerca da matéria.

Diante da omissão legislativa, buscamos fundamentos na doutrina e na jurisprudência para justificar a legalidade da cláusula de não-concorrência para valer também após a extinção do pacto laboral.

Ao contrário do que alguns defendem, não existe violação dos princípios constitucionais da liberdade de trabalho e da livre iniciativa. Na verdade, o que há é uma colisão de princípios constitucionais, visto que a atividade empresarial, a liberdade contratual e a livre concorrência também devem ser protegidos. Temos que mesmo os princípios constitucionais pode ser relativizados, na tentativa de se buscar uma maior efetividade no meio social.

Assim, a cláusula de não-concorrência pode e deve ser fundamentada no princípio da livre iniciativa, pois, na medida em que a livre iniciativa garante a liberdade no exercício de qualquer atividade econômica, valorizando o trabalho, o pacto de não-concorrência se presta a efetivá-la, mesmo que represente limitação a ela, pois consubstancia uma forma de evitar o cometimento de abusos e conseqüente violação a direito alheio.

Por outro lado, por tratar-se de uma colisão de princípios, tem-se que a cláusula de não-concorrência não deve ser utilizada de modo irrestrito. Deve ser utilizada de modo razoável, obedecendo a certos requisitos e sofrer limitações de ordem temporal, material e espacial.

Pode-se afirmar que a cláusula de não-concorrência, de um lado, garante a livre iniciativa e a livre concorrência da empresa, na medida que impede a revelação de seus segredos por empregados e ex-empregados, e, por outro lado, restringe a livre iniciativa do empregado, que tem por um certo período e sob certas condições, limitado o seu exercício de emprego.

Essa limitação imposta pela cláusula aqui estudada concretiza a valorização do trabalho humano, na medida em que garante a existência de um mercado de trabalho competitivo e viável, fazendo valer a função social da empresa no mercado de trabalho, albergando aquelas pessoas que querem exercer o ofício de forma honesta e de boa-fé.

Portanto, conclui-se que a cláusula de não-concorrência, apesar das discussões doutrinárias acerca de sua validade, apesar de apresentar certa restrição a liberdade de trabalho, não é inconstitucional, uma vez que esta liberdade pode até ser relativizada, em função de um fim nobre, como a própria subsistência do trabalho.

Ademais, para a validade da cláusula de não-concorrência, como dito, deve-se obedecer alguns requisitos e limitações. Faz-se necessário a limitação específica das atividades a serem limitadas ao ex-empregado, o espaço territorial em que haverá a restrição, o lapso temporal em que deverá viger tal cláusula bem como a previsão de uma contraprestação devida ao ex-empregado como compensatória da limitação imposta.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Rodrigo Allan Coutinho. A legalidade da cláusula de não-concorrência nos contratos de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3450, 11 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23210. Acesso em: 18 abr. 2024.