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Comentários ao art. 29 da Lei de Execução Fiscal

Comentários ao art. 29 da Lei de Execução Fiscal

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"Art.29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

Impede o citado art.29 da Lei de Execução Fiscal que a Fazenda Pública com seu crédito entre no Concurso de Credores, seja de devedor civil ou devedor comerciante, isto é, em processos de insolvência civil ou falimentar. Obstando, da mesma forma, a participação da Fazenda Pública no Concurso de Preferências com credores que não sejam entes públicos. Deste modo, cumpre examinar o comportamento do crédito fiscal em face da execução concursal.

O Código Tributário Nacional já previa em seu art.187 tal regra sobre a não inclusão do crédito fiscal em juízos universais. Isto exprime dizer que o crédito fazendário não disputa o pagamento, qualquer que seja a modalidade da execução concursal universal. É satisfeito por inteiro tão logo se dê, na falência, a realização do ativo. Podendo, inclusive, ser liquidado antes daquela fase, bastante que existam em poder do Síndico recursos disponíveis, provenientes das rendas da massa.

Essa disposição se baseia no fato de que o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a sua natureza, salvo o crédito trabalhista, oriundo de salários, indenizações, nelas incluídas as provenientes de Acidente de Trabalho, conforme o art.186 do CTN.

Mas enquanto o crédito trabalhista é arrolado, para ser pago, quadro de credores, preferencialmente a qualquer outro, o fazendário não é, dada a legislação já recitada.

Por outro lado, a declaração de falência do devedor comerciante não prejudica o andamento dos executivos fiscais propostos antes da caracterização daquele estado, nem impedirão que outros venham a ser ajuizados posteriormente. Não poderia deixar de ser assim, pois o crédito tributário não é constituído somente por dívidas da massa, senão, também, por encargos da massa (art.188 do CTN).

O fato, portanto, há suscitado fortes divergências na jurisprudência e doutrina, no tocante à forma devida à Fazenda Pública para fazer valer o seu crédito, sem entrar em concurso com os demais credores.

Entendem alguns juízos que, como o executivo fiscal não sofre qualquer sobrestada em defluência da declaração do estado de falência, o juízo executivo penhorará qualquer bem da massa, caso a ação executiva seja ajuizada após sua constituição, ou simplesmente mantém-se indiferente à quebra e mantendo a constrição sobre o bem penhorado impede sua arrecadação pelo juízo falimentar. Em qualquer das hipóteses, a ele incube expropriar o bem e se após o pagamento à Fazenda algo sobrar o sobejado é enviado ao Juízo da falência para imputação ao ativo.

Outros consideram, porém, mais prudente, mantida a penhora já efetuada, submeter o bem penhorado, contudo, à administração do juízo universal, transferindo-lhe o bem devidamente onerado. E, sendo o caso de ação posterior à declaração da falência a efetuação da penhora, no juízo da quebra, no rosto dos autos da execução da coletiva.

Finalmente, uma terceira corrente se compraz, em qualquer das hipóteses, em aconselhar que o juízo da execução singular se limite a oficiar ao da execução coletiva pedindo a reserva de numerário suficiente.

A primeira corrente tem pecado de colocar em choque os juízos, ferindo o princípio da universalidade do foro da falência. A Segunda, no que tange à "penhora no rosto dos autos" é destituída de fundamento legal, pois não lhe serve de suporte o art.674 do CPC, por não ser o caso. A terceira seria a solução mais compatível se o privilégio não fosse de ordem absoluta e sua gênese não promanasse de uma Lei Complementar (art.186 CTN).

Deste modo, sujeitando-se a Fazenda Pública a imunidade concursal, segundo o Prof. Humberto Theodoro Júnior, "a jurisprudência estabeleceu uma distinção entre os executivos fiscais aforados antes da falência e os que se abriram já após a decretação da quebra. O tema chegou a merecer inclusão na súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos, nos seguintes termos:

Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico. Súmula 44. Aplicação analógica da Súmula. Competência do Juízo Cível, suscitado [grifo nosso]. (TFR, C Comp. 5.708, Rel. Min. Moacir Catunda, DJU, 7 mar.1985, p.2482).

A posição do TFR mereceu inteira adesão da Suprema Corte, conforme se vê do seguinte aresto:

Os precedentes do Supremo Tribunal se orientam no mesmo sentido que veio a ser consubstanciado na Súmula 44, do TRF, e que se inspira a decisão recorrida, a saber: ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no processo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico [grifo nosso]. (STF, 1ª T., RE 105.632-RJ, Rel. Min. Rafael Mayer, ac. De 17-09-1985, RTJ, 115:1408)."

Sobre a execução fiscal anterior ao estado de falência dispôs o STF no seguinte acórdão:

"O Juízo da Vara de Execuções Fiscais não é incompetente uma vez que a execução e a penhora são, no caso, muito anteriores à decretação de falência, não tendo sido, por isso mesmo, arrecadados os bens penhorados pelo juízo falimentar, dado o entendimento jurisprudencial de que "ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação do juízo falimentar"(súmula 44 do TFR).

E por não serem os bens penhorados nessas condições susceptíveis de arrecadação pelo juízo falimentar não há, evidentemente, que se pretender a aplicação do art.40 da Lei de Falências" (STF, 1ª T., RHC 66.469-SP, Rel. Min. Moreira Alves, ac. de 21-06-1988, RTJ, 127:168).

Através do acórdão acima, observa-se que o pleito executivo fiscal anterior ao estado de quebra prossegue normalmente no Juízo Federal – se crédito for da União – ou na competente Vara da Fazenda Pública Estadual – créditos relativos ao Estado ou Município. Os bens já penhorados serão expropriados em processo paralelo ao processo falimentar, tudo em conformidade com a imunidade concursal da Fazenda Pública. Quando do momento da quitação dos créditos fiscais devidos, com o produto da alienação o que sobrar será remetido ao juiz da execução concursal. Atenta-se, todavia, para o caso de haver crédito mais privilegiado que o da Fazenda Pública (v.g. trabalhista) o pagamento a esta depende da quitação daquele.

Se a penhora é realizada no rosto dos autos o pagamento à exeqüente dependerá da realização do ativo, salvo se o Síndico dispuser de recursos próprios da massa. O juiz da execução fiscal aguardará que o juízo universal coloque o numerário à sua disposição. Anotou o STF sobre a penhora no rosto dos autos:

"A penhora no rosto dos autos não viola a lei, pois não impede o curso do executivo, que continua em seu andamento normal, recebendo a fazenda Pública, no final, prioritariamente, do resultado da liquidação da massa. De outro modo, impossível se tornaria a atuação do juízo da falência, cuja unidade seria desfeita com séries de penhoras em bens por ela já arrecadados" (RE 92.488, 1ª T., Rel. Min. Cunha Peixoto, ac. de 11-11-1980, RTJ, 103:221).

Porém, ressalta-se que como conseqüência desta autonomia, não há anulação do privilégio dos créditos trabalhistas habilitados na falência, destacados pelo art.186 do CTN (TJRS, Ap. 58.803.888-5, Rel. Des. Ton dos Santos Martins, ac. de 13-9-1988, RJTJRS, 136:321).

Art.29. Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I – União e suas autarquias;

II – Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;

III – Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.

Depois de impedir que a Fazenda Pública participe de qualquer espécie concursal com credores privados, rende ensejo, todavia, a que se arme um apenas, entre entes públicos e assim mesmo observada a gradação hierárquica que a Constituição Federal escalona entre eles.

Ante ao que consta no parágrafo, há preferência: a) dos créditos da União e suas autarquias sobre os dos estados, Distrito Federal e suas autarquias, bem assim Municípios e suas autarquias; b) dos créditos dos Estados, Distrito Federal e suas autarquias sobre dos Municípios e suas autarquias.

Face ao referido concurso de preferências, questiona-se sobre a constitucionalidade desta discriminação. A Constituição Federal de 1988 veda qualquer tipo de preferência no tratamento aos entes da Federação, objetivando preservar a autonomia de todas as pessoas jurídicas de direito público que fazem parte do Pacto Federativo.

Destarte, a questão foi levada ao STF,, dispondo este da seguinte forma:

"Creio, pois, que o exato sentido da norma é o de impedir que se criem desigualdades entre o Distrito Federal e os Estados, ou desigualdades entre os Municípios, favorecendo a alguns em detrimento de outros, colocados no mesmo plano em face da Constituição".

"Dar-lhes, porém, prioridade em concurso creditório, dados os diferentes níveis em que se situam, no sistema constitucional, a União, os Estados e os Municípios, não põem em risco a igualdade na Federação, que o texto visa a preservar" (STF, RE 80.045- SP, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ 80/816)

Admitida a constitucionalidade da discriminação, a LEF corretamente nivelou as autarquias aos entes políticos que lhes deram origem. No entanto, deverá o crédito da União, do Estado ou do município preferir sempre ao das autarquias, de qualquer nível administrativo devido ao fato de os entes políticos terem precedência sobre as pessoas meramente administrativas


BIBLIOGRAFIA

COSTA E SILVA, Antônio Carlos. Teoria e Prática do Processo Executivo Fiscal. 2ed. Rio de janeiro: AIDE, 1985.

FLAKS, Milton. Comentários à Lei de Execução Fiscal. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

PACHECO, José da Silva. Tratado das Execuções: Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 1976.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal. 3ed. São Paulo: Saraiva, 1993.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRAIS, Patrícia de Aragão. Comentários ao art. 29 da Lei de Execução Fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2410. Acesso em: 19 abr. 2024.