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A (in)constitucionalidade da progressividade de alíquota do ITCMD

A (in)constitucionalidade da progressividade de alíquota do ITCMD

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O STF entende ser constitucional a progressividade de alíquotas do ITCMD, dando prioridade aos postulados da justiça fiscal em detrimento a dicotomia impostos reais e impostos pessoais.

Dispõe o art. 155, I, da Constituição Federal:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:I – transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos;”

No § 1°, IV, a Constituição Federal determina que as alíquotas máximas do ITCMD devem ser fixadas pelo Senado Federal. Aqui se abriu a porta para uma discussão que parece ter chegado ao fim na primeira semana de fevereiro deste ano, com uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

A fim de dar eficácia ao inciso IV, §1°, do art. 155, da Constituição Federal, o Senado editou a Resolução 9, de 05.05.1992, a qual além de fixar a alíquota máxima do ITCMD em 8%, determinou que as alíquotas dos Impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal. Até hoje muito se questiona sobre esta Resolução, as opiniões se dividem, há quem defenda que a competência do Senado Federal era tão somente para fixar a alíquota máxima do ITCMD. Para esses, o Senado extrapolou a competência trazida pela Constituição Federal ao assegurar a aplicabilidade do princípio da progressividade do ITCMD; outros, no entanto, acreditam ser plenamente aplicável e constitucional a progressividade de alíquotas do ITCMD, uma vez que a aplicação da progressividade está diretamente relacionada com os princípios constitucionais republicano, federativo e da igualdade, do qual advém o princípio da capacidade contributiva.

No Estado do Rio Grande do Sul, a Lei Estadual n° 8.821, de 1989, que regulava o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, foi substituída pela Lei 13.337, de 2009. A recente lei fixa alíquotas de 4% para transmissão causa mortis, e 3% para transmissão entre vivos, pondo fim a tão discutida progressividade do imposto, trazida pela revogada Lei 8.821/89.

A polêmica se iniciou quando se questionou se o ITCMD, sendo um imposto real, poderia ter alíquotas progressivas. Aparentemente o Art. 145, § 1°[1] autoriza que os impostos, sempre que possível, tenham caráter pessoal e sejam graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, cabendo à administração tributária conferir efetividade a esses objetivos.No entanto, a doutrina clássica, que adota a divisão de impostos em impostos de natureza real e impostos de natureza pessoal, entende não ser possível a aplicação de alíquotas progressivas nos impostos de natureza real, por lhe faltarem o elemento pessoal, logo não há aplicação do princípio da capacidade contributiva, uma vez que o fato gerador leva em conta um dado objetivo que não tem o condão de medir a riqueza do contribuinte. Para os adeptos dessa teoria, os impostos reais só poderiam ser progressivos se constitucionalmente previstos, como é o caso do IPTU (art 156, § 1° e 182, § 4°, II, da CF/88) e o ITR (art. 153, VI, § 4°, I, da CF/88). Foi à luz da doutrina clássica que se firmou a jurisprudência no sentido de que imposto de natureza real não pode variar em razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS, INTER VIVOS – ITBI. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. C.F., art. 156, II, § 2°. Lei 11,154, de 30.12.91, do Município de São Paulo.

I – Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos – ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição não autoriza a progressividade das alíquotas, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda.

II – R.E. conhecido e provido.

(RE 234.105-3, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo STF, de 14-4-1999)

Nessa esteira também advoga Aliomar Baleeiro:

“em regra geral, só os impostos pessoais se ajustam adequadamente à aplicação de critérios progressivos medidos pela capacidade contributiva, se bem que esta se possa presumir da natureza, valor ou aplicação específica de determinada coisa, no sentido de que a possui, compra ou prefere o indivíduo de maiores recursos econômicos. Mas imposto sobre coisa, em princípio, exclui, por exemplo, a progressividade em atenção à pessoa, salvo em casos de aplicação extrafiscal”[2]

Foi considerando tais premissas que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou o incidente de inconstitucionalidade n° 70013242508

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. ITCD. ALÍQUOTA.PROGRESSIVIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. DECADÊNCIA. É inconstitucional a progressividade de alíquotas prevista na Lei Estadual 8821/89 conforme decisões do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça (incidentes de inconstitucionalidade n.°s 70013242508 e 70019099233). Vinculatividade das decisões imposta aos órgãos fracionários. Inteligência do art. 211 do RITJRS. Uma vez inconstitucional a Lei Estadual 8821/89, aplica-se a lei anterior que previa alíquota de 4%. Inteligência do art. 11, III, da Lei Estadual 7608/81. O prazo decadencial não tem como termo inicial o fato gerador, e sim o primeiro dia do exercício seguinte que o lançamento poderia ter sido efetuado, conforme dispõe o art. 173, I, do CTN: Em relação ao ITCD, detém o sujeito passivo prazo de 120 dias para informar o óbito e recolher o tributo, o que, no caso, venceu em 23/03/2004, e, considerada esta data, conta-se o prazo decadencial a partir do primeiro dia do exercício seguinte, ou seja, a partir de 1/1/2005. Como o lançamento ocorreu em 09/11/2009, não houve decadência. Sucumbência redimensionada. APELO DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO AUTOR DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA, NO MAIS, EM REEXAME CONHECIDO DE OFÍCIO. (Apelação Cível Nº 70051353316, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 12/12/2012)

Por tal decisão, decidiu-se que nos impostos reais, sejam eles direitos ou indiretos, não pode haver progressividade, uma vez que ela se trata de um mecanismo diretamente relacionado com a capacidade contributiva, princípio este expresso direta e imediatamente do fato gerador dos tributos pessoais. Nesse sentido, a progressividade, mencionada no art 145, § 1°, da CF/88,

“só é possível nos tributos em que a própria dimensão econômica do fato gerador (base de cálculo) é expressão e medida, direta e imediata, da capacidade contributiva, por isso que a pessoalização do tributo decorre de forma natural, sem necessidade de uma lei que estabeleça as condições e qualidades da pessoa do sujeito passivo e ao mesmo tempo as vincule à pessoa do contribuinte”[3]

Do julgamento do TJ/RS, que decidiu pela inconstitucionalidade da progressividade do ITCMD coube recurso ao Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário 562.045/RS foi interposto em 2007, tendo decisão final no início de fevereiro de 2013.

Ao se deparar com a matéria, o STF se posicionou contrário à decisão proferida no Rio Grande do Sul, acabando com a superioridade da teoria clássica, a qual adota a divisão dos impostos em reais e pessoais. Em 01/02/2008oTribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada

EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS - ITCD. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Questão relevante do ponto de vista econômico, social e jurídico que ultrapassa o interesse subjetivo da causa.(Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Nº 562.045-0 RS, , Supremo Tribunal Federal, Relator: Ministro Carlos Lewandowsky, Julgado em 01/02/2008)

Para Ricardo Lewandowski, relator,

“a possibilidade de fixação de alíquota progressiva para o imposto sobre transmissão causa mortis e doação – poderá afetar a situação econômica de um contingente incontável de contribuintes e estabelecer tese relevante quanto aos aspectos jurídicos do tributo em questão, inclusive em relação aos demais estados da federação, ultrapassando a causa o interesse subjetivo do recorrente”.

Julgo extremamente acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao defender, em primeiro lugar, os valores sociais, econômicos e jurídicos. 

Entendo que a classificação doutrinária em impostos reais e pessoais tem o sentido de uma recomendação ao legislador, não se trata, pois, de uma classificação legal. Não há lei que faça tal distinção, mas a busca por uma justiça social é inquestionável.

Geraldo Ataliba em sua obra Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, dispõe que

“o sistema normativo é um conjunto unitário e ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento comum”.

Temos que o Sistema Tributário Nacional é um sistema regido por princípio, dos quais merecem destaque os princípios republicano, federativo e da igualdade. Tais princípios podem ser considerados os alicerces do sistema tributário, por isso que o não atendimento a eles é algo tão grave.

Visando a efetividade do sistema, o art. 145, § 1°, da CF/88, propõe o mecanismo da progressividade das alíquotas dos impostos, uma vez que é por meio de tal mecanismo que se efetiva o princípio da capacidade contributiva, desdobramento do princípio da igualdade, como advoga Roque AntônioCarrazza

“o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza”[4]

É, pois, por meio das alíquotas progressivas que se efetiva o princípio da capacidade contributiva, uma vez que possibilita que quanto maior a base de cálculo, maior a contribuição. Aqui se questiona se a base de cálculo do ITCMD seria capaz de mensurar a riqueza do contribuinte e nesse sentido defende Sacha Calmon Navarro Coelho, citado por Adriano Beluci Gregório[5] que o ITCMD tem caráter pessoal, uma vez que além da transmissão de bens e direitos, ele traz consigo acréscimo ao patrimônio do beneficiário (seja ele herdeiro, legatário ou donatário), e que se não houvesse a tributação sobre a transmissão essa se daria na área do imposto de renda.

Ainda sob esse entendimento, autores como José Souto Maior Borges defendem que todo imposto tem natureza real e pessoal, sendo o caráter pessoal relativo à própria constituição da relação jurídico-tributária, presente em todos os impostos.

Foi nessa esteira que o STF julgou o RE 562.045/RS, entendendo pela constitucionalidade da progressividade de alíquotas do ITCMD e dando prioridade aos postulados da justiça fiscal em detrimento a dicotomia impostos reais e impostos pessoais. Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal se mostrou preocupado em um julgamento que ultrapassa os interesses subjetivos da parte, buscando a aplicação principiológica do Sistema Tributário Nacional acima de tudo.


BIBLIOGRAFIA

ALDROVANDI, Andrea; DEMARI, Melissa. A inconstitucionalidade da progressividade do ITCD aos casos de sucessão aberta antes da vigência da Lei Estadual nº 13.337/2009, do Rio Grande do Sul. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2599, 13ago.2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17182>. Acesso em: 19 fev. 2013.

BALEEIRO, Aliomar. Igualdade e Capacidade Contributiva – V Congresso Brasileiro de Direito Tributário, São Paulo, Separata da Revista de Direito Tributário, 1991.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Constitucional. Repercução Geral em Recurso Extraordinário nº 562.045-0 / RS. Estado do Rio Grande do Sul e Espólio de Emília Lopes de Leon. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. 01 fev. 2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 19 fev. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Tributário. Recurso Extraordinário nº 234105 / SP. Adolfo Carlos Canan e Município de São Paulo. Relator: Min. Carlos Velloso. 08 abr. 1999. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 ago. 2010.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

DAMICO, Rodolpho Pandolfi. A inconstitucionalidade na fixação de alíquotas progressivas para o imposto sobre transmissão causa mortis e doação. In. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8279. Acesso em fev 2013.

GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. A Juridicidade do ITCMD Progressivo. Disponível em: http://www.ferabeluci.blogspot.com/2010/08/juridicidade-do-itcmd-progressivo.html. Acesso em: 19 fev. 2013.


Notas

[1] Art. 145, § 1° : “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

[2] BALEEIRO, Aliomar. Igualdade e Capacidade Contributiva – V Congresso Brasileiro de Direito Tributário, São Paulo, Separata da Revista de Direito Tributário, 1991, pág. 157

[3]ALDROVANDI, Andrea; DEMARI, Melissa. A inconstitucionalidade da progressividade do ITCD aos casos de sucessão aberta antes da vigência da Lei Estadual nº 13.337/2009, do Rio Grande do Sul. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2599, 13ago.2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17182>. Acesso em: 19 fev. 2013.

[4] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, P.37

[5] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição. São Paulo: Editora Forense, 2010. Apud GREGÓRIO, Adriano Beluci Corrêa Santos. A Juridicidade do ITCMD Progressivo. Disponível em: http://www.ferabeluci.blogspot.com/2010/08/juridicidade-do-itcmd-progressivo.html.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BROFMAN, Paula Eschholz Ribeiro. A (in)constitucionalidade da progressividade de alíquota do ITCMD. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3576, 16 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24201. Acesso em: 19 abr. 2024.