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Adimplemento substancial: a preservação do vínculo contratual

Adimplemento substancial: a preservação do vínculo contratual

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O adimplemento substancial é empregado somente em casos específicos em que o devedor já cumpriu quase a totalidade do contrato, mas tornou-se incapaz de fazê-lo por completo.

Nos casos de descumprimento da obrigação contratual, a regra aplicada é a do artigo 475 do Código Civil:

 “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”

Todavia, na tentativa de preservação do vínculo contratual e do negócio jurídico, a doutrina e jurisprudência têm reconhecido a teoria do Adimplemento Substancial.

O Código Civil de 2002 não previu, formalmente, o adimplemento substancial. Sua aplicação vem se realizando com base nos princípios da boa-fé objetiva (CC, art. 422), da função social dos contratos (CC, art. 421), da vedação ao abuso de direito (CC, art. 187) e ao enriquecimento sem causa (CC, art. 884).

A teoria do adimplemento substancial tem admitido o impedimento da rescisão do contrato pelo credor nos casos de cumprimento de parte expressiva do contrato por parte do devedor; porém, importante ressaltar, aquele não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo ajuizar ação de cobrança para tanto.

Para a configuração do adimplemento substancial, são necessários os seguintes pressupostos: a) cumprimento expressivo do contrato; b) prestação realizada que atenda à finalidade do negócio jurídico; c) boa-fé objetiva na execução do contrato; d) preservação do equilíbrio contratual; e) ausência de enriquecimento sem causa e de abuso de direito, de parte a parte.

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”. 

Embora não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa. 

De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina do adimplemento substancial. 

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 1.200.105 asseverou que o embasamento para aplicação da referida teoria é o artigo 187 do CC, que veda o abuso de direito. Ou seja, o titular de um direito que excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, comete ato ilícito. 

O descumprimento deve ser insignificante em relação à parte que já foi cumprida. Sendo adimplida parte essencial da obrigação, serve para "salvar" o contrato não totalmente quitado.

Neste sentido é a jurisprudência:

“DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇAO DE VEÍCULO (LEASING ). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEIS PARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇAO DO CONTRATO. AÇAO DE REINTEGRAÇAO DE POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITO REMANESCENTE. APLICAÇAO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.

1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos" .

2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.

3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença.

4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título.

5. Recurso especial não conhecido.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.051.270 - RS (2008/0089345-5 – Min. Luis Felipe Salomão) (grifo nosso)

Se o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”. (AREsp 155.885 - Ministro Massami Uyeda) (grifo nosso) 

O adimplemento substancial não é argumento para incitar fraudes e nem é essa a intenção, e sim, serve apenas para manter a lídima justiça do negócio jurídico e a preservação do contrato.

No mesmo sentido é o entendimento da Quarta Turma do STJ, ao julgar o REsp 761.944, que assevera quando o comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. 

Diante de todo o exposto, o adimplemento substancial é empregado somente em casos específicos em que o devedor já cumpriu quase que a totalidade do contrato e durante seu cumprimento torna-se incapaz de adimpli-lo. Sobrevindo referido argumento com a finalidade de preservar o contrato e o negócio jurídico entabulado sem qualquer prejuízo às partes contraentes de boa-fé.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Maria Lígia Rizzatto dos. Adimplemento substancial: a preservação do vínculo contratual . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3577, 17 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24209. Acesso em: 19 abr. 2024.