Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/2457
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Prescrição dos direitos do trabalhador rural

alguns aspectos sobre a Emenda Constitucional nº 28, de 25 de maio de 2000

Prescrição dos direitos do trabalhador rural: alguns aspectos sobre a Emenda Constitucional nº 28, de 25 de maio de 2000

|

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1. Introdução e propositura do problema. 2. Conceito de prescrição. 3. Princípios da irretroatividade das leis e do respeito ao direito adquirido. 4. Direito adquirido em matéria prescricional. 5. Conclusão. 6. Bibliografia


I. Introdução e Propositura o Problema

     Dia 25 de maio de 2000, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram a Emenda Constitucional n. 28, a qual teve vigência a partir de 26 de maio do corrente ano, data de sua publicação no Diário Oficial. A referida Emenda Constitucional trouxe inovação quanto ao prazo prescricional dos direitos do trabalhador rural, igualando-o ao dos trabalhadores urbanos, bem como revogou o artigo 233 da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 1º. O inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

a) (Revogada);

b) (Revogada);

Art. 2º. Revoga-se o art. 233 da Constituição Federal.

Art. 3º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação."

A EC n. 28 nasceu da Proposta de Emenda Constitucional n. 65/95, de autoria do Senador Osmar Dias, do PSDB-PR, que teve aprovação, em segundo turno de votação, no Senado Federal, no dia 3 de março de 1999, e, posteriormente, tramitou na Câmara, onde recebeu o número 07/99.

Tendo conhecimento da tramitação, no Senado Federal e na Câmara, da proposta de unificação dos prazos prescricionais dos direitos do trabalhador rural e urbano, tivemos a oportunidade de criticá-la, rebatendo os fundamentos da PEC e defendendo a manutenção do prazo prescricional diferenciado para o trabalho no campo, tendo em vista vários aspectos, dentre os quais cumpre aqui destacar, de forma simplificada: a) ser o trabalho penoso no meio rural; b) as condições de vida precárias no campo; c) a frágil influência do sindicalismo no meio rural; d) o fato de que, em muitas situações, o empregado reside na fazenda do patrão por vários anos, formando com este quase um laço de parentesco, sentindo-se inibido de ajuizar eventual ação trabalhista no decorrer do contrato de emprego, não por omissão, mas sim em razão do seu estado de sujeição; e, e) porque o revogado art. 233 da Constituição Federal e o art. 10, § 3º, do ADCT, já asseguravam ao empregador rural, a cada cinco anos, ou até menos, o direito de comprovação, perante a Justiça do Trabalho, do cumprimento de suas obrigações trabalhistas, eximindo-o, via de conseqüência, de ter custos contábeis com a guarda de documentos por prazo indeterminado.[1]

Na ocasião, sugerimos, sim, a regulamentação do artigo 233 da Carta Magna, de maneira explícita, com a simplificação do procedimento a ser adotado, de modo a dar às partes certeza a respeito da extensão da decisão proferida.

Entretanto, promulgada a emenda constitucional, a discussão agora se volta para sua aplicação, visto que muitas dúvidas já surgiram entre os operadores do direito, tais como: a) o novo texto se aplica às ações ajuizadas antes de sua vigência? b) como fica a situação dos trabalhadores rurais que têm contratos com mais de cinco anos de duração e permanecem trabalhando? c) aplica-se o novo prazo prescricional aos contratos de trabalho, cuja duração é superior a cinco anos, e a respectiva extinção ocorreu antes da vigência do novo texto constitucional, com ajuizamento da ação a partir de 26 de maio de 2000? d) a norma tem aplicação imediata para os casos em que houver extinção do contrato de trabalho após a vigência da novel emenda?

É exatamente sobre essas questões que nos propomos a escrever este trabalho.


II. Conceito de Prescrição

Em todo estudo é imperioso que, primeiramente, se teçam, ainda que de maneira superficial, algumas considerações sobre a definição do tema do qual se está a tratar.

A prescrição, nas lições de Pontes de Miranda, "é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação."[2]

No tocante aos seus efeitos, Ferreira Prunes ensina que "a prescrição, se não ataca a essência da questão, mostrando que o direito foi atendido pelo devedor, impede que o autor venha a exigi-lo, mesmo que titular de um direito."[3]

Quatro são os elementos da prescrição, segundo Oris de Oliveira: "1º) existência de um direito violado. No dia subseqüente à violação do direito, em princípio, começa a correr o prazo prescricional a não ser que a lei expressamente preveja uma causa impeditiva. Em rigor, também, no dia subseqüente, o titular do direito violado pode tomar qualquer providência que tenha efeito, previsto, em lei, de causa interruptiva do prazo. No primeiro dia do prazo, portanto, o titular pode propor ação judicial. Este o sentido da expressão ‘actio nata’, que na expressão de Yussef Said Cahali se situa em zona cinzenta porque expressa que antes de violação não há prazo, e que o início do prazo prescricional (direito material) coincide com o da possibilidade de proposição de ação (direito processual). 2º) inércia do titular do direito violado; 3º) continuidade da inércia durante certo lapso de tempo; 4º) ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional."[4]

Em linhas gerais, pois, a prescrição consiste na perda da exigibilidade do direito, dada a inércia do seu titular, em virtude do transcurso de um determinado lapso temporal previsto em lei, sem que haja ocorrido fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional.


III. Princípios da Irretroatividade das Leis e do Respeito ao Direito Adquirido

A primeira leitura da EC n. 28, que retirou do curso do contrato de trabalho a condição de fato impeditivo do decurso prescricional, reduzindo para cinco anos o prazo da prescrição dos direitos do trabalhador rural — sem qualquer ressalva ou regra transitória — sugere uma aplicação imediata e retroativa do novo texto, interpretação esta que não resiste ao confronto com os princípios da irretroatividade das leis e do respeito ao direito adquirido, insculpidos no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República de 1988, no qual se impõe que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

O legislador constituinte, visando à consolidação efetiva do Estado Democrático de Direito e seguindo uma tradição histórica, manteve no nível constitucional o respeito da lei nova ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, consoante fora expresso nas Constituições de 1824, 1891, 1934, 1946 e 1967, consagrando-se o respeito a tais princípios em verdadeira regra, cuja única exceção foi a Constituição de 1937. Ressalte-se que mesmo durante a vigência desta Carta, em vários julgados, "o Supremo Tribunal havia decidido, no rumo de melhor corrente doutrinária, que não há retroatividade tácita, devendo o Juiz não aplicar a lei nova aos fatos passados se nela não se expressar tal possibilidade."[5]

Esse breve apanhado histórico documenta o vigor do princípio da irretroatividade das leis no ordenamento jurídico brasileiro desde o Império,[6] de tal forma que "a irretroatividade das leis, mesmo quando não seja canon constitucional, permanece como principio científico do direito, principio orientador de legisladores e juizes."[7]

Conclui-se, então, ser desnecessária qualquer menção da EC n. 28 à inexistência de efeitos pretéritos — mesmo em se tratando de emenda constitucional — eis que a irretroatividade da norma é regra insculpida no ordenamento jurídico brasileiro, preceito este não violado sequer no período de arbítrio constituído na vigência da Carta de 1937, quando, apesar de permitida, a retroatividade da lei dependia de previsão expressa.[8]

Ainda que ignorássemos a impossibilidade de aplicação retroativa da EC n. 28 e vislumbrássemos com sua edição um conflito de normas constitucionais — entre o conteúdo da própria emenda e o que dispõe o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República de 1988 — a solução não seria diferente, prevalecendo os princípios da irretroatividade das leis e do respeito ao direito adquirido.

Ensinam os constitucionalistas portugueses Gomes Canotilho e Vidal Moreira que direitos constitucionais podem estar em conflito com outros direitos da mesma natureza ou com bens constitucionalmente protegidos. É o que chamam "colisão ou conflito de direitos fundamentais."[9]

A solução para tais conflitos, segundo os mestres portugueses, passa por alguns procedimentos: a) determinação do âmbito normativo dos direitos, a fim de se verificar se existe efetivamente o conflito, uma vez que este pode ser apenas aparente; b) verificada a existência de um conflito autêntico, é necessário apurar se existe uma "reserva de lei restritiva" expressamente prevista na Constituição para alguns dos direitos colidentes, pois nesse caso a própria norma constitucional resolve o conflito, dando-se eficácia ao direito não restringível, limitando-se, entretanto, o direito sujeito à reserva de lei restritiva com observância do princípio da proporcionalidade; c) inexistindo qualquer "reserva de lei restritiva" para os direitos colidentes, "o intérprete ou concretizador da Constituição deve limitar-se a uma tarefa de concordância prática que sacrifique no mínimo necessário ambos os direitos, não podendo privilegiar um direito a favor do outro;" e, finalmente, d) "em caso de conflito entre direitos, liberdades e garantias não sujeitos a reserva da lei restritiva com outros direitos fundamentais (ex. direitos económicos, sociais e culturais) ou com outros bens constitucionalmente protegidos (defesa, saúde), devem prevalecer aqueles;"[10]

Extrai-se da lição supra que sempre haverá prevalência da norma constitucional concernente a direitos, liberdades e garantias, desde que inexista restrição em sua aplicação, quando esta conflitar com outra norma constitucional que se refira aos demais direitos fundamentais (v.g. direitos econômicos, sociais e culturais).

O mandamento que garante, diante de nova lei, a preservação do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, além de não conter qualquer restrição em sua aplicação, encontra-se inserido no Capítulo I do Título II, da Carta Magna, tratando-se de inabalável garantia constitucional e, por conseguinte, deve prevalecer diante dos novos preceitos da EC n. 28, cujas normas se referem a direitos sociais.

Então, ainda que houvesse o conflito de normas constitucionais analisado — o que se admite por mera hipótese — este seria resolvido, dando-se eficácia plena à aplicação do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República de 1988, com a preservação do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada na aplicação das novas normas introduzidas pela EC n. 28, vale dizer, respeitar-se-ia o princípio da irretroatividade das leis.

O princípio da irretroatividade das leis, por fim, liga-se de forma umbilical ao do respeito ao direito adquirido, a tal ponto que em sua ontologia descortinamos a proteção deste, o que nos remete a uma breve análise do instituto do direito adquirido.[11]

Sempre lembrado em matéria constitucional, José Afonso da Silva leciona que "se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando convier. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes". E mais adiante acrescenta: "Ora, essa possibilidade de exercício continua no domínio da vontade do titular em face da lei nova. Essa possibilidade de exercício do direito subjetivo foi adquirida no regime da lei velha e persiste garantida em face da lei superveniente. Vale dizer – repetindo: o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi constituído". E, finalmente, arremata: "Não se trata aqui da questão da retroatividade da lei, mas tão-só de limite de sua aplicação. A lei nova não se aplica a situação objetiva constituída sob o império da lei anterior."[12]


IV. Direito Adquirido Em Matéria Prescricional

A preservação do direito adquirido em matéria prescricional também faz parte da tradição histórica do nosso ordenamento jurídico. Foi o que ocorreu em 1943, com a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho, que em seu art. 916 previa expressamente a impossibilidade de retroação dos prazos prescricionais em curso,[13] e em 1988, por ocasião da promulgação da Constituição Federal, no tocante à ampliação do prazo prescricional dos direitos do trabalhador urbano, quando houve o efeito imediato da nova norma, preservando-se, porém, o direito adquirido do empregador no tocante à prescrição já consumada pela norma antiga.[14]

E não é só no ordenamento jurídico brasileiro que a preservação do direito adquirido em matéria prescricional tem eco. Com toda sua autoridade, o civilista francês Planiol ensina:

"La nueva ley no podría hacer que una prescripción simplemente comenzada sea considerada como completada, porque esto sería modificar retroactivamente el modo de adquisición del derecho; no puede apoderarse de hechos pasados para reconocerles un efecto adquisitivo que no les acordaba la ley anterior.

Asignar como punto de partida para el nuevo plazo el momento en que la prescripción comenzó a correr bajo la ley antigua, sería evidentemente reconocer a la ley nueva un efecto retroactivo".[15]

Somam-se aos argumentos doutrinários expostos o fato de que o objeto de nosso estudo está inserido no contexto do Direito do Trabalho, cujos preceitos fundamentais estão alicerçados na proteção jurídica à debilidade econômica do empregado e que exigem a utilização de um processo hermenêutico peculiar.

O intérprete, no âmbito trabalhista, ao aplicar uma norma, procede à filtragem da mesma pelo conjunto de princípios peculiares do Direito do Trabalho, adequando sua execução pela ótica da proteção jurídica ao empregado hipossuficiente.

Destarte, sofrendo a prescrição restrições de aplicação no próprio direito comum,[16] maiores serão as resistências enfrentadas para sua utilização no Direito do Trabalho, no qual a diminuição de prazos prescricionais foi regulada para se evitar qualquer aplicação retroativa da norma.

É o que determina o já citado art. 916 da CLT, que cuidou de preservar o direito adquirido dos trabalhadores contido na legislação anterior à CLT, quando de sua edição, sempre que os prazos de prescrição previstos nesta fossem menores, sinalizando claramente que o espírito da lei não aceita a retroatividade de norma em matéria prescricional.

Não obstante o supracitado dispositivo consolidado seja norma transitória, de aplicação circunscrita à época da edição do Diploma Consolidado, entendemos que o pensamento primitivo que norteou sua edição se preservou, amalgamando-se aos princípios peculiares do Direito do Trabalho.

A peculiaridade da hermenêutica de normas trabalhista afasta, por si só, ainda, qualquer cogitação de aplicação do entendimento emoldurado na Súmula n. 445 do Colendo Supremo Tribunal Federal ao caso em exame.[17] Entretanto, outro argumento reforça esta exegese, senão vejamos.

Enquanto a EC n. 28 entrou em vigor imediatamente, no dia de sua publicação, a Lei n. 2437, de 7.3.55, fê-lo somente em 1.1.56, quase dez meses após sua publicação, o que torna os casos absolutamente distintos.

A incidência do disposto na súmula à EC n. 28 implicaria imediata perda da exigibilidade de direitos sem que o trabalhador tivesse qualquer possibilidade de exercê-los — e sequer era obrigado a fazê-lo, haja vista a existência de fato impeditivo do curso da prescrição — ao contrário do que sucedeu na vacatio legis da norma que originou o entendimento ora analisado.

Concluímos, pois, que a exegese mais cientificamente aceitável é a que advoga o efeito imediato da Emenda Constitucional n. 28 aos contratos de trabalho em vigor, respeitando-se, todavia, transitoriamente, o império do dispositivo constitucional derrogado — art. 7º, inciso XXIX, alínea "b" — que garantia aos trabalhadores rurais o direito de postular eventuais verbas trabalhistas de todo o pacto laboral até dois anos da data da rescisão contratual. Isso em estrita obediência à garantia constitucional dos princípios da irretroatividade das leis e do direito adquirido, bem como atendendo às peculiaridades do processo hermenêutico das normas trabalhistas — notadamente aquelas pertinentes à prescrição — consoante já expusemos.

A aplicação transitória do disposto na norma constitucional derrogada implica o surgimento de dois blocos de lapso temporal nos contratos de trabalho em vigor, aplicando-se regras transitórias a um e permanentes ao outro, quais sejam:

O primeiro bloco, garantido pela aplicação transitória do dispositivo constitucional derrogado, compreende o lapso temporal decorrido entre a data da admissão até 25.5.00, inclusive. Para tal bloco não deve haver prescrição imediata, mas sim, o efeito imediato da EC n. 28 a partir da data de sua publicação, quando então se iniciou a contagem do novel qüinqüênio prescricional, de tal forma que a reparação de direitos violados desde a data da admissão do trabalhador rural até o dia 25.5.00 poderá ser postulada em juízo até 26.5.05. Entretanto, ultrapassada esta última data, poderão ser declarados prescritos todos os direitos relativos a este bloco.

Já o segundo bloco, ao qual se aplica imediatamente a EC n. 28, compreende o lapso temporal iniciado em 26.5.00. Neste caso, já se aplica o novo prazo prescricional de cinco anos, de modo que, se um empregado rural ajuizar ação trabalhista, hipoteticamente, em 18.10.05, postulando horas extras de todo o contrato de emprego, poderá ter declarada a prescrição não só dos direitos atinentes ao primeiro bloco (compreendido entre a data da admissão até 25.05.00) mas também daqueles relativos ao período de 26.5.00 a 17.10.00.

Esse nosso entendimento é o mesmo adotado para a contagem da prescrição dos direitos do trabalhador adolescente,[18] cujo prazo qüinqüenal somente se esgota cinco anos após a data em que o trabalhador completar 18 (dezoito) anos de idade.[19]

Convém ressaltar, ainda, que a prescrição somente será declarada se argüida pelo empregador e, também, desde que não haja ocorrido fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional.

Por fim, registramos que, no novo prazo prescricional dos direitos do trabalhador rural, observar-se-á o conceito da actio nata,[20] até então inócuo no Direito do Trabalho Rural porque o início da contagem do prazo prescricional se dava não da violação do direito, mas somente da data da extinção do contrato.


V. Conclusão

Retomando, pois, as questões propostas nas notas introdutórias deste trabalho, conclui-se que:

1. Ações ajuizadas antes de 26.5.2000: As ações ajuizadas antes de 26.5.00 não sofrerão os efeitos da EC n. 28, em virtude do mandamento constitucional, insculpido no art. 5º, inciso XXXVI, da nossa Carta, que impede a retroatividade da lei nova para prejudicar direito adquirido.

2. Contratos de trabalho em vigência, com duração superior a cinco anos: Os contratos de trabalho em vigor, com duração superior a cinco anos, sofrerão o efeito imediato da EC n. 28, a partir da vigência desta, sem prejuízo, no entanto, ao direito adquirido do trabalhador, garantido na forma da regra constitucional revogada, constituindo-se dois blocos de prazo prescricional: a) o primeiro, garantido pela norma antiga — art. 7º, inciso XXIX, alínea "b", da Constituição da República de 1988 — compreendido entre a data da admissão até 25.5.00, para o qual não haverá prescrição imediata, porquanto tal período está imune à aplicação da EC n. 28, até que esta complete cinco anos de vigência, o que se dará somente em 26.5.05, de sorte que, somente a partir de 27.5.05, pode ser declarada a prescrição deste bloco; e b) o segundo – contado a partir de 26.5.00 – ao qual já se aplica o novo prazo prescricional de cinco anos.

3. Contratos de trabalho cuja duração é superior a cinco anos e a respectiva extinção ocorreu antes da vigência do novo texto constitucional, com ajuizamento da ação a partir de 26.5.00: Primeiramente, não se pode esquecer de que o prazo prescricional de dois anos contado a partir da extinção do contrato de trabalho — que para nós, na verdade, se trata de prazo decadencial — nenhuma alteração sofreu com a EC n. 28, de modo que, se a ação somente for ajuizada dois anos após a extinção do contrato de trabalho, evidentemente, acolher-se-á a prescrição bienal, desde que argüida pelo empregador. No mais, os contratos de trabalho rescindidos antes de 26.5.00 não sofrerão os efeitos da EC n. 28, em virtude do mandamento constitucional, insculpido no art. 5º, inciso XXXVI, da nossa Carta, que impede a retroatividade da lei nova para prejudicar direito adquirido, conforme mencionado acima, ainda que o ajuizamento da ação trabalhista se dê somente após a vigência da nova norma constitucional.

4. Contratos de trabalho extintos após a vigência da EC n. 28: Aos contratos extintos a partir de 26.5.00, aplica-se a nova lei, a partir de sua vigência, respeitando-se, porém, o direito adquirido do trabalhador, consagrado sob o império da norma antiga, consoante já exposto neste escrito.

Essas eram as considerações que tínhamos para fazer.

Ituverava, SP, setembro de 2000.


VI. Notas

1.Cf. VIDOTTI, Tarcio José, BENTO, José Gonçalves. "Prescrição: Uma crítica à proposta de unificação dos prazos prescricionais do direito de ação dos trabalhadores rurais e urbanos." LTr Suplemento Trabalhista, São Paulo, ano 35, n. 128/99, p. 675-679, 1999.

2.Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2000, V. 6:Parte Geral, p. 135.

3.PRUNES, José Luiz Ferreira. A Prescrição no Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1992, p. 31.

4."A prescrição no direito de trabalho brasileiro." Revista LTr Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 53, n. 2, p. 174, fev. 1989.

5.Brasil. Supremo Tribunal Federal. Irretroatividade das leis. Retroatividade tácita. Inexistência. Necessidade de disposição expressa a respeito. Aplicação do art. 6º da lei de introdução ao Código Civil. É caso de recurso extraordinário fundado na letra "d" do art. 101, n. III, da Constituição Federal, quando o acórdão recorrido, em divergência com o Supremo Tribunal Federal, decidiu pela aplicação da lei nova a fatos passados, sem cláusula expressa da sua retroatividade. Agravo de instrumento n. 11291. Rel. Min. Castro Nunes. 16 de setembro de 1943. Revista dos Tribunais [São Paulo] ano 34, n. 153, p. 695, jan. 1945. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Irretroatividade das leis. Não era princípio consagrado na Carta de 1937, nem havia como buscá-la através do ato jurídico perfeito ou do direito adquirido, se a lei expressamente previa tal efeito em relação a preceito ou preceitos anteriores. Recurso extraordinário n. 9315. Cia. Nacional de Mercados S.A. e Prefeitura Municipal de Curitiba e outros. Rel. Min. Afranio Antonio da Costa. 5 de dezembro de 1952. Internet: www.stf.gov.br.

6.Como bem lembra Sutherland, citado por Maximiliano, "pouco importa que se não reproduzam as palavras: basta que fique a essência, o conteúdo, substancialmente se haja mantido o pensamento primitivo." MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 140.

7.LIMA, João Franzen de. "Irretroatividade das Leis." Revista dos Tribunais [São Paulo] ano 30, n. 132, p. 45, jul. 1941.

8.Cf. nota n. 5.

9.GOMES CANOTILHO, José Joaquim, MOREIRA, Vidal. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 135.

10.Op. cit., p. 136-137 (g. n.).

11.É nesse sentido a lição de Limongi França: "Portanto, como afirmamos de início, dúvida inexiste de que, o princípio em foco, através dos tempos e dos povos, efetivamente, evolveu no sentido de amadurecer a idéia de que, em suma, o que se visa é impedir que as leis novas atinjam o Direito Adquirido nos têrmos das leis que se tenham revogado." FRANÇA, R. Limongi. Direito Intertemporal Brasileiro. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 399.

12.Curso de Direito Constitucional Positivo. 15.ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 434-435.

13.BRASIL. CLT. Art. 916: Os prazos de prescrição fixados pela presente Consolidação começarão a correr da data da vigência desta, quando menores do que os previstos pela legislação anterior.

14.Cabe aqui um parênteses para relembrar aquela época, não muito distante e que, por isso, ainda remanesce em nossa memória. Antes de 5.10.88, data da promulgação da atual Constituição Federal, o prazo prescricional dos direitos do trabalhador urbano era de dois anos, previsto no art. 11 da CLT. Com a nova Carta, esse prazo foi ampliado para cinco anos, ou seja, ocorreu exatamente o contrário do que acontece agora, com a promulgação da EC n. 28, que – repita-se – reduziu o prazo prescricional dos direitos do trabalhador rural. Na ocasião, como não poderia deixar de ser, a nova regra prescricional prevista na Constituição teve efeito imediato, mas preservou o direito adquirido do empregador, não se admitindo em hipótese alguma a retroatividade da lei nova para reavivar parcelas ou ações já atingidas pela prescrição bienal. Por isso, na oportunidade, os prazos prescricionais foram assim considerados: a) para os contratos firmados a partir da promulgação da Constituição Federal indiscutivelmente se aplicaram as novas regras estabelecidas; b) no tocante aos contratos de trabalho com vigência em 5.10.88, a nova lei teve efeito imediato, aplicando-se ao prazo ainda não consumado naquela data, ressalvado o prazo já consumado em 5.10.88, respeitando-se aí o direito adquirido do empregador, não se admitindo a retroatividade da lei nova; c) relativamente aos contratos cuja extinção ocorreu antes de 5.10.88, mas que a ação foi ajuizada somente depois desta data, a nova prescrição qüinqüenal teve efeito imediato, observando-se, contudo, o prazo prescricional já atingido pela norma antiga, em respeito, mais uma vez, ao direito adquirido do empregador; e, d) também em respeito ao direito adquirido, a todas as ações ajuizadas antes de 5.10.88, aplicou-se a norma revogada. Esse entendimento restou pacificado pelo Enunciado n. 308 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho: "A norma constitucional que ampliou a prescrição da ação trabalhista para 5 anos é de aplicação imediata, não atingindo pretensões já alcançadas pela prescrição bienal, quando da promulgação da Constituição de 1988 (Res. TST 06/92, de 22/10/92, DJ 5/11/92)".

15.RIPERT, Georges, BOULANGER, Jean. Tratado de Derecho Civil Segun el Tratado de Planiol. Buenos Aires: La Ley, t. 1, p. 228.

16.Ensina Barros Monteiro que, em matéria de prescrição, "as disposições são sempre de aplicação restrita, não comportando interpretação extensiva, nem analogia; a exegese será sempre restritiva. Na dúvida, deve julgar-se contra a prescrição, meio talvez antipático de extinguir-se a obrigação." MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 1994, v. 1, p. 294.

17.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 445. A Lei 2.437, de 7.3.55, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1.1.56), salvo quanto aos processos então pendentes. Abstemo-nos, neste estudo, de criticar a utilização desta Súmula no Direito Civil por entender que as exposições aqui efetuadas a respeito do princípio da irretroatividade das leis evidenciam nossa censura ao seu conteúdo.

18.BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 3. Turma. Prescrição - Menor - Marco inicial para contagem do prazo previsto no artigo 7º, XXIX da CF/88. Para decidir-se acerca da contagem do prazo prescricional faz-se indispensável a exegese combinada dos artigos 7º, XXIX, a, da Constituição Federal e 440 da CLT, os quais são transcritos a seguir, respectivamente: - art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:... XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de: a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato; - "art. 440 - Contra os menores de 18 anos não corre nenhum prazo de prescrição." No caso em exame constata-se que à época em que o Reclamante completou 18 anos já havia sido extinto o contrato de trabalho celebrado entre as partes, motivo pelo que nos termos do art. 7º, inciso XXIX, a, da Constituição da República e, considerando que o marco inicial da prescrição ocorreu em 26 de setembro de 1989 - quando completados 18 anos de vida - não há como se deixar de reconhecer que o direito de ação já se encontrava fulminado pela prescrição. Com efeito, a reclamação foi ajuizada no dia 21.09.93 e, portanto, após o prazo de dois anos que findou em setembro de 1991. Esta é a melhor exegese dos artigos 440 da CLT e 7º, XXIX, a, da CF/88. Precedente da Corte: RR-216832/95, AC. 2ª-T., Rel Min. Luciano de Castilho, DJ-30.04.98. Nego provimento ao Recurso de Revista. Recurso de revista n. 329897/96. Cícero Moacir de Oliveira e Pater – Projetos e Construções Rodoviárias Ltda. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paulo. 1 de setembro de 1999. Internet: www.tst.gov.br.

19.BRASIL. CLT. Art. 440: Contra os menores de 18 anos não corre nenhum prazo de prescrição. BRASIL. Lei 5889/73. Art. 10, parágrafo único: Contra o menor de 18 anos não corre qualquer prescrição.

20.Ensina Washington de Barros Monteiro que "enquanto não nasce a ação não pode ela prescrever. É o princípio da actio nata (actione nun nata non praescribitur). Op. cit., p. 297. O conceito da actio nata pressupõe, portanto, a violação do direito.


VII. Bibliografia consultada

FRANÇA, R. Limongi. Direito Intertemporal Brasileiro. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, 583 p.

GOMES CANOTILHO, José Joaquim, MOREIRA, Vidal. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, 310 p.

LIMA, João Franzen de. "Irretroatividade das Leis." Revista dos Tribunais, [São Paulo] ano 30, n. 132, p. 45, jul. 1941.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 426 p.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2000. V. 6: Parte Geral.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 1994, 6 v. V. 1: Parte Geral.

OLIVEIRA, Oris de. "A prescrição no direito de trabalho brasileiro." Revista LTr Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 53, n. 2, p. 174-183, fev. 1989.

PRUNES, José Luiz Ferreira. A Prescrição no Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1992, 528 p.

RIPERT, Georges, BOULANGER, Jean. Tratado de Derecho Civil segun el tratado de Planiol. Buenos Aires: La Ley, [s.d.], 11 v. V. 1: Parte General. El Derecho – Instituciones Civiles.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15.ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998, 863 p.

VIDOTTI, Tarcio José, BENTO, José Gonçalves. "Prescrição: Uma crítica à proposta de unificação dos prazos prescricionais do direito de ação dos trabalhadores rurais e urbanos." LTr Suplemento Trabalhista, São Paulo, ano 35, n. 128/99, p. 675-679, 1999.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIDOTTI, Tarcio José; BENTO, José Gonçalves. Prescrição dos direitos do trabalhador rural: alguns aspectos sobre a Emenda Constitucional nº 28, de 25 de maio de 2000. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2457. Acesso em: 24 abr. 2024.