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O controle difuso de constitucionalidade no STF e o papel do Senado Federal

O controle difuso de constitucionalidade no STF e o papel do Senado Federal

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A decisão do STF em controle difuso que houver declarado a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por voto da maioria absoluta de seus membros, após o trânsito em julgado, será comunicada ao Senado Federal.

1.1 considerações iniciais

Aspecto importante no sistema jurídico brasileiro diz respeito a uma tendência que vem se instalando no âmbito do controle de constitucionalidade: a da abstrativização do controle difuso.

O controle é difuso porque qualquer juiz ou tribunal poderá declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e ainda, sua eficácia atingirá apenas as partes que litigam naquele caso concreto. Ou seja, o juiz ou tribunal apreciará a inconstitucionalidade de lei a fim de analisar os direitos subjetivos das partes litigantes.

Já o controle concentrado recebe esta denominação pois a função de declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo se concentra em um único órgão do Poder Judiciário, que é, em regra, o Supremo Tribunal Federal, e cujo objeto principal da ação é esta própria declaração. Ou seja, não se refere a um caso concreto, e sim a própria discussão acerca da constitucionalidade de lei, em abstrato. Sua eficácia se estende a todos.

Entretanto, atualmente tem-se verificado uma tendência de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Ela é reflexo da conduta do Supremo Tribunal Federal que, diante de um caso concreto levado à sua jurisdição, ou seja, em controle difuso, via recurso extraordinário, aplica os efeitos que são inerentes ao controle abstrato-concentrado.

“A idéia é a seguinte: o controle, embora difuso, quando feito pelo STF (Pleno) tem força para vincular os demais órgãos do Poder Judiciário, assemelhando-se, nesta eficácia, ao controle concentrado de constitucionalidade.” (DIDIER Jr., 2008, p. 267).

Embora o tema não seja pacífico, o STF tem se inclinado a utilizar esse fenômeno em algumas situações. Certo é que o controle difuso passou e continua passando por transformações.

O controle de constitucionalidade brasileiro era inicialmente difuso. Atualmente, ambos os modelos de controle, o difuso e o concentrado, convivem no sistema jurídico. Entretanto, maior enfoque foi dado, com a Constituição de 1988, ao controle concentrado, inclusive com a ampliação de sua legitimação.

Cada vez mais esses dois modelos interagem, e o controle difuso está adquirindo muitas das características que antes eram exclusivas ao controle concentrado-abstrato.

Neste contexto, a Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe inovações, instituindo a súmula vinculante e o requisito da repercussão geral para a admissão dos recursos extraordinários, atribuindo ao STF a função de verdadeira Corte Constitucional; entre outras mudanças.

A fim de melhor análise dessa tendência, observar-se-á, a seguir, o controle difuso de constitucionalidade no STF, englobando o recurso extraordinário, a súmula vinculante, e a participação senatorial.


1.2 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A guarda da Constituição compete, precipuamente, ao Supremo Tribunal Federal, que poderá exercê-la por meio de controle abstrato ou difuso, este último, normalmente, através de recurso extraordinário.

O Supremo exerce a proteção dos valores constitucionais em ações de sua competência originária (art. 102, I, e suas alíneas, da CF); de sua competência recursal originária (art. 102, II, e suas alíneas, da CF); e mediante recurso extraordinário (art. 102, III, e suas alíneas, da CF). (BRASIL, 1988).

Passar-se-á, pois, a análise do recurso extraordinário, importante instrumento de controle difuso de constitucionalidade, bem como da repercussão geral, requisito de admissibilidade deste recurso, instituído pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Esta emenda também instituiu a súmula vinculante, um dos mecanismos utilizados para uniformizar as decisões judiciais.

1.2.1 Recurso Extraordinário

Como ressaltado, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo poderá ser suscitada, em controle difuso de constitucionalidade, perante qualquer órgão do Poder Judiciário. Desta decisão caberá recurso, podendo alcançar o Supremo Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciário responsável pela guarda da Constituição Federal.

Isto ocorre, em regra, através de recurso extraordinário, sendo este, portanto, típico instrumento de controle difuso. A competência do Supremo Tribunal Federal em relação ao Recurso Extraordinário está estabelecida no art. 102, inciso III, da Carta Constitucional, nos seguintes termos:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

Portanto, quando esgotados todos os demais recursos cabíveis, poderá ser interposto Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses constitucionalmente previstas.

O seu papel é “[...] o de resguardar a interpretação dada pelo STF aos dispositivos constitucionais, garantindo a inteireza do sistema jurídico constitucional federal e assegurando-lhe validade e uniformidade de entendimento”. (DIDIER Jr.; CUNHA, 2009, p. 325). Ou seja, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, analisa as questões constitucionais visando, além de garantir que não haja afronta à Constituição (e também sobre este propósito), que esta norma suprema seja interpretada uniformemente no país, pelas mais diversas jurisprudências.

Didier Jr. e Cunha (2009, p. 324-325) enfatizam:

Daí por que as decisões do STF, ainda que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, despontam como paradigmáticas, devendo ser seguidas pelos demais tribunais da federação. No espectro dessa função desempenhada pelo STF, insere-se o recurso extraordinário, mercê do qual a Corte Suprema rejulga decisões proferidas, em última ou única instância, que tenham violado dispositivo da Constituição Federal. No particular, além de corrigir a ofensa a dispositivos da Constituição, o STF cuida de uniformizar a jurisprudência nacional quanto à interpretação das normas constitucionais.

A parte vencida, então, estando diante de uma das hipóteses de cabimento previstas no art. 102, inciso III, e suas alíneas, da Constituição Federal, poderá interpor recurso extraordinário. Porém, é necessário o preenchimento de certos requisitos, a fim de que o recurso venha a ser conhecido pelo Supremo Tribunal Federal.

1.2.1.1 Requisitos de Admissibilidade

Os requisitos de admissibilidade são os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, possibilitando a posterior apreciação do mérito.

O recurso extraordinário só será admitido se presentes os requisitos gerais, inerentes a todos os recursos. Theodoro Júnior (2012, p. 599) classifica os requisitos em subjetivos e objetivos:

Subjetivamente, estes requisitos dizem respeito às pessoas legitimadas a recorrer. Objetivamente, são pressupostos do recurso: a) a recorribilidade da decisão; b) a tempestividade do recurso; c) a singularidade do recurso; d) a adequação do recurso; e) o preparo; f) a motivação; g) a forma.

E ainda explica:

No juízo de admissibilidade resolvem-se as preliminares relativas ao cabimento, ou não, do recurso interposto. Verifica-se se o recorrente tem legitimidade para recorrer, se o recurso é previsto em lei e se é adequado ao ato atacado, e, finalmente, se foi manejado em tempo hábil, sob forma correta e com atendimento dos respectivos encargos econômicos. Se a verificação chegar a um resultado positivo, o órgão revisor ‘conhecerá do recurso’. (THEODORO JÚNIOR., 2012, p. 594).

Ademais, o recurso extraordinário é um recurso excepcional, e para sua admissão faz-se necessário a observância de requisitos específicos a esta espécie recursal.

Acerca destes pressupostos específicos, Castro Filho (2002, p. 189-191) trata que:

a) É necessária a existência de uma decisão de causa, pois só há de se falar em recurso se houver decisão;

b) Nesta decisão, é necessário que haja o prequestionamento da matéria a que se quer recorrer, ou seja, é necessário que o órgão do qual a decisão provenha já tenha se pronunciado acerca da questão;

c)  O ato impugnado deve ter sido decidido em única ou última instância, portanto, só será admitido o recurso se esgotados todos os graus ordinários de jurisdição.

Quanto ao prequestionamento,“Essa necessidade decorre da própria natureza dos recursos extraordinários, que são recursos de estrita revisão de direito. Revê-se apenas o que foi efetivamente decidido.” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006, p. 581). Não caberá, logo, em recurso extraordinário, a mera revisão de matérias de fato.

Mesmo entendendo que os interessados só poderão arguir, na via de defesa e através de recurso extraordinário, as questões explicitamente prequestionadas, Bulos (2012, p. 206-207) tem outra visão acerca do prequestionamento pelo Supremo Tribunal Federal:

Pois bem, diante de uma demanda que chegue ao seu exame, entendemos que o Pretório Excelso, por livre e espontânea deliberação, se achar conveniente, poderá levantar, de ofício, a questão de inconstitucionalidade e sobre ela decidir, mesmo sem prequestionamento, pelo fato de que lhe compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput).

Essa prerrogativa, de apreciar questão de inconstitucionalidade que não tenha sido suscitada anteriormente, é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, decorrente de sua posição institucional. (BULOS, 2012, p. 207).

Além desses pressupostos elencados, a Emenda Constitucional nº 45/2004 instituiu, como requisito do Recurso Extraordinário, a necessidade de demonstração pelo recorrente da repercussão geral.

Outras são ainda as características do controle difuso, via recurso extraordinário à Corte Suprema: o recurso extraordinário é incabível para simples reexame de prova, conforme súmula nº 279 do STF (BRASIL, 1963); a decisão recorrida pode ter sido proferida por juiz singular ou tribunal, pois o art. 102, inciso III, da CF, não traz ressalvas quanto a quem decide as causas em única ou última instância a que se recorre por meio de recurso extraordinário (BRASIL, 1988); exige-se que a ofensa à norma constitucional seja, em regra, direta e frontal; é possível a execução provisória da decisão recorrida, enquanto transcorrer o recurso extraordinário, conforme art. 497 do CPC (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973); o recurso extraordinário pode ser, quando cabível, ajuizado simultaneamente ao recurso especial (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543, §1º); este recurso será recebido, em regra, apenas no efeito devolutivo (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 542, §2º); entre outros. 

O recurso extraordinário não se presta a corrigir a injustiça do julgado recorrido, e nem tem por finalidade a defesa do direito subjetivo individual do recorrente. O seu objetivo é a defesa e manutenção do direito objetivo. (PRETTI, 2006, p. 416). Ou seja, seu fim maior é a defesa da Constituição e não do direito das partes de se utilizam deste recurso excepcional, mesmo que estas venham a ser beneficiadas com a proteção despendida às normas constitucionais.

São estes, portanto, os pressupostos do recurso extraordinário, sobre os quais será realizado o juízo de admissibilidade, que “[...] consiste na verificação, pelo juízo competente para a sua realização, da presença dos requisitos de admissibilidade da espécie recursal de que se tenha servido a parte para impugnar a decisão que lhe foi desfavorável.” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006, p. 517).

1.2.1.2 A Repercussão Geral

O recurso extraordinário possibilita, como instrumento do controle difuso de constitucionalidade, que a parte inconformada com a decisão proferida em única ou última instância recorra ao Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses de cabimento constitucionalmente previstas. Entretanto o recurso, que foi concebido para hipóteses excepcionais, acabou por ser usualmente utilizado. A parte interessada em recorrer acaba por interpor este recurso debatendo matéria constitucional, porém com a finalidade de reanálise do mérito de seu direito subjetivo, ou seja, utilizando este tribunal como mera instância recursal.

Gomes Júnior (2006, p. 265) analisa as consequências desta exacerbada quantidade de recursos extraordinários:

No âmbito do STF não é ocioso afirmar que a situação mostra-se caótica se considerada a quantidade de recursos que são julgados pelo mais importante tribunal do País. O que era pra ser extraordinário – manifestação da Suprema Corte – tornou-se ordinaríssimo.

Com a emenda constitucional nº 45 de 2004 introduziu-se o instituto da repercussão geral na Carta Constitucional, passando esse a constar como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Sua previsão consta no art. 102, §3º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

[...] § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Ou seja, precisará demonstrar-se que o tema discutido no recurso tem uma relevância que transcende aquele caso concreto, revestindo-se de interesse geral, institucional.” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006, p. 581). Apenas estando presente este requisito é possível o conhecimento do recurso pelo Supremo Tribunal Federal.

Este instituto da repercussão geral foi disciplinado pela Lei nº 11.418 (BRASIL, 2006), acrescendo ao Código de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B.

A repercussão geral é presumida no caso do recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art. 323, §2º), ou quando impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal, conforme §3º, do art. 543-A, do CPC. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973).

A parte recorrente deverá, portanto, demonstrar a repercussão geral das questões discutidas no caso. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-A, §2º). O Tribunal recusará a admissão do recurso extraordinário pela manifestação de dois terços de seus membros se entender que este requisito não está presente, pelo que se extrai do art. 102, §3º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988); ou poderá decidir pela repercussão geral por, no mínimo quatro votos, ficando, nesse caso, dispensada a remessa do recurso ao Plenário (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-A, §4º), e procedendo-se ao julgamento do mérito.

Neste sentido, dispõe Theodoro Júnior (2012, p. 684):

A competência constitucional do Colegiado maior do STF é reclamada pela Constituição apenas para negar a repercussão geral (art. 102, §3º). Para acolhê-la, portanto, não há necessidade de ir até o Plenário. Basta que quatro votos coincidentes, na Turma, se manifestem pela ocorrência da repercussão geral para que o incidente seja superado. É, pois, quando a expectativa desse resultado positivo não seja divisada pelo relator que este promoverá a remessa de sua manifestação aos demais Ministros que foram o Plenário do STF. Isto acontecerá quando ele mesmo entender, desde o início, que a questão debatida não tem a necessária repercussão geral, ou quando levada a questão à Turma não se chegar a colher pelo menos quatro votos em prol da repercussão.

Esta análise da repercussão geral obedecerá o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-B, §5º). Portanto, se não for caso de inadmissibilidade do recurso extraordinário por outra razão, o Relator ou Presidente da Corte Suprema manifestar-se-á acerca da existência, ou não, de repercussão geral ao caso, e submeterá aos demais Ministros cópia de sua manifestação, por meio eletrônico, conforme o art. 323, caput, do RISTF. (BRASIL, 2011).

Os ministros, recebida a manifestação do Relator, terão o prazo de vinte dias para manifestar-se acerca da repercussão geral, encaminhando a manifestação por meio eletrônico. Se, decorrido o prazo, não houver manifestações suficientes para recursa do recurso (dois terços dos membros, nos termos do art. 102, §3º, da Constituição Federal de 1988, ou seja, oito membros), reputar-se-á existente a repercussão geral, e julgar-se-á o recurso ou designar-se-á dia para seu julgamento. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, arts. 324 e 325). Negada a existência de repercussão geral, o recurso será rejeitado, formalizando-se e subscrevendo-se a decisão de recusa, e, ademais, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente na instância local, salvo revisão de tese. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-A, §5º).

O art. 543-A, §6º, do CPC (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973), possibilitou ao relator admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros. Aqui a necessidade de interessados participarem deste controle difuso de constitucionalidade é porque, indiretamente, outras pessoas poderão ser afetadas com a decisão da repercussão geral. Pessoas com processos similares, por meio desta intervenção, podem expor outros argumentos a fim de ver a repercussão geral ser conhecida, pois esta servirá não só no âmbito daquele caso recorrido. Tem-se, pois, reservado aos precedentes de controle de repercussão geral a função de causar efeitos ao juízo de admissibilidade de outros recursos que venham a discutir a mesma questão constitucional. (THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 684).

O art. 543-B do CPC (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973) trata da repercussão geral quando houver multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia, prevendo que, nestes casos, o Tribunal selecionará um ou mais recursos representativos da questão, encaminhando-os ao Supremo Tribunal Federal para análise da existência ou não de repercussão geral (art. 543-B, §1º, do CPC). Os demais recursos, não encaminhados à Corte Suprema, serão sobrestados até o julgamento definitivo dos que foram remetidos (art. 543-B, §1º) e, negada a existência da repercussão geral, serão automaticamente não admitidos (art. 543-B, §2º, do CPC).

Se a repercussão geral for admitida nos casos remetidos ao STF, estes terão posterior julgamento de mérito. Já os recursos sobrestados serão apreciados nas instâncias em que se encontrarem (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-B, §3º), sendo declarados prejudicados (se a decisão do STF acerca dos recursos a ele remetidos estiver em conformidade com a decisão recorrida, ou seja, se o STF confirmar o entendimento da decisão a que se recorre); ou havendo retratação (quando houver contradição entre a decisão recorrida e o julgamento pelo STF dos casos com idêntica controvérsia a ele remetidos), podendo nesse caso o tribunal local reformar sua decisão, adequando-a ao entendimento da Suprema Corte.

Mesmo sendo a decisão recorrida contrária ao entendimento da Corte Suprema, pode o tribunal local não se retratar, mantendo sua decisão. Nesse caso, admitido o recurso, o Supremo Tribunal Federal poderá cassar ou reformar o acórdão contrário à orientação firmada, nos termos de seu Regimento Interno. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-B, §4º).

Este é, de maneira geral, o procedimento para análise da repercussão geral previsto no Código de Processo Civil, observados ainda outros dispositivos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

O julgamento das questões múltiplas, com identidade de recursos que envolvam as mesmas questões constitucionais (cujo procedimento foi visto acima), foi um importante fator que buscou diminuir as demandas em controle difuso, favorecendo o exercício pelo Supremo Tribunal Federal de sua função de Corte Constitucional e aprimorando a configuração objetiva do recurso extraordinário.

Didier Jr. e Cunha (2009, p. 340) tratam deste caráter objetivo do controle de constitucionalidade, que ocorre no recurso extraordinário:

É possível concluir, sem receio que o incidente para a apuração da repercussão geral por amostragem é um procedimento de caráter objetivo, semelhante ao procedimento da ADIN, ADC e ADPF, e de profundo interesse público, pois se trata de exame de uma questão que diz respeito a um sem-número de pessoas, resultando na criação de uma norma jurídica de caráter geral pelo STF. É mais uma demonstração do fenômeno de ‘objetivação’ do controle difuso de constitucionalidade das leis [...]. 

Gomes Júnior (2006, p. 284-286), buscando identificar quando haverá a repercussão geral, exemplifica as questões de relevância econômica, política, social ou jurídica que superam os interesses subjetivos das partes: os reflexos econômicos são aqueles em que a decisão possui potencial para criar um precedente, outorgando um direito que poderá ser reivindicado por uma quantidade considerável de pessoas (a exemplo, a alteração nos critérios para se considerar a correção de salários de determinada categoria); já o relevante interesse social é o que se vincula ao interesse público, a noção de bem comum (a exemplo, o aumento das mensalidades dos planos de saúde); os reflexos políticos ocorrem quando a decisão altere a política econômica ou qualquer diretriz governamental, ou ainda que deixe de aplicar tratado internacional; os reflexos sociais ocorrem quando a decisão deferir ou indeferir um direito, alterando a situação de fato de várias pessoas; e, por fim, os reflexos jurídicos, quando a decisão atacada no recurso extraordinário estiver em desconformidade com o já decidido pelo STF (jurisprudência dominante ou sumulada).

Criou-se, portanto, com a Emenda Constitucional nº 45/2004, mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, a repercussão geral, pelo qual o STF irá analisar se há relevância econômica, política, social e jurídica no caso, que supere os interesses subjetivos da causa, para só então admitir o recurso e analisar o mérito.

Trata-se, pois, de mudança introduzida em controle difuso. O que se buscou foi, além de diminuir os casos que chegam ao Supremo Tribunal Federal através de recurso extraordinário, que este tribunal realmente assuma seu papel de Corte Constitucional e examine as questões cuja relevância seja imprescindível ao Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, Gomes Júnior (2006, p. 306) concluiu quanto à necessidade do instituto da repercussão geral: “Se tudo for tido como digno de relevância, em razão do volume de recursos e feitos a serem julgados, nada será tratado como tal.”

1.2.1.3 Procedimento

O procedimento do Recurso Extraordinário encontra-se disciplinado no Código de Processo Civil, em seus artigos 541 a 546, e segue o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Como visto, é através desse recurso que o Supremo Tribunal Federal se pronuncia em sede de controle difuso de constitucionalidade.

O Recurso Extraordinário, nas hipóteses constitucionalmente previstas, será interposto perante o presidente ou vice-presidente do Tribunal recorrido, e conterá a exposição do fato e do direito, a demonstração do cabimento do recurso interposto, e as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 541). Ainda, se o recurso tiver como fundamento dissídio jurisprudencial, o recorrente deverá fazer prova desta divergência, na forma do art. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973).

O art. 542 do CPC dispõe que, recebida a petição (o recurso extraordinário) pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões. Observa-se, a teor do art. 508 do CPC, que o prazo para a interposição bem como para resposta do recurso extraordinário é de quinze dias. Após o prazo para contrarrazões, os autos serão conclusos ao Presidente ou Vice-Presidente do tribunal recorrido para admissão ou não do recurso, em decisão a ser fundamentada (art. 542, §1º, CPC). (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973). Ressalte-se, pois, que o procedimento até aqui relatado ocorre no Tribunal recorrido.

Portanto, interposto recurso extraordinário de decisão final, o primeiro juízo de admissibilidade é realizado de onde emanou a decisão de que se quer recorrer. (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2006, p. 583). 

Quando o recurso extraordinário for interposto contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução, ficará retido nos autos; somente sendo processado se assim reiterar a parte quando do recurso contra a decisão final, ou quando das contrarrazões. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 542, §3º). 

Na análise da admissão do recurso, se esse não for admitido no tribunal recorrido caberá agravo nos autos (art. 544, CPC), que, após o prazo de manifestação do agravado, serão remetidos ao tribunal superior (art. 544, §2º, CPC), obedecendo, em seu julgamento, o regimento interno do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973).

Se admissíveis tanto o recurso especial quanto o extraordinário, os autos serão remetidos, primeiramente, ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de que julgue o recurso especial (art. 543, caput, do CPC). Concluído o julgamento deste, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para julgamento do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado (art. 543, §1º, do CPC). Este julgamento observará o art. 543, do CPC e seus parágrafos. Se não admitido o recurso extraordinário ou o especial, caberá agravo, na forma do art. 544 do CPC. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973).

Se admitido o recurso extraordinário pelo Tribunal recorrido, este será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal para processamento. Os autos serão, então, conclusos ao Presidente para serem distribuídos. Proceder-se-á a distribuição do recurso entre todos os Ministros (art. 67, RISTF), excetuando-se o Presidente, com observação ainda aos parágrafos do art. 67 do RISTF. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011).  Após a distribuição, designando-se o Relator, os autos ser-lhe-ão conclusos.

Como salientado, verificar-se-á se estão presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, entre eles o da repercussão geral. E, ainda, o relator pedirá a inclusão do processo em pauta se entender pela negação do seguimento ao recurso que for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou estiver em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 557); observada a exigência do art. 102, §3º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) para a recusa do recurso (manifestação de dois terços de seus membros).

Se o Supremo Tribunal Federal entender pelo não conhecimento do recurso, por falta de repercussão geral, a decisão será irrecorrível. (BRASIL. Lei nº 5.869, 1973, art. 543-A). Entretanto, se o recurso for inadmissível por outro motivo, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias, conforme art. 317 do RISTF, sem efeito suspensivo. (BRASIL, 2011). O agravo será submetido ao prolator do despacho recorrido, que poderá reconsiderar o seu ato ou submeter o agravo ao julgamento do Plenário ou da Turma. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art. 317, §2º).

Conclui-se, pois, que há um fracionamento da competência do juízo de admissibilidade entre o Tribunal recorrido e o Tribunal a que se recorre (o STF).

Segundo Pretti (2006, p. 422), ao tribunal recorrido compete, no recurso extraordinário, verificar os seus pressupostos objetivos (legitimidade das partes, interesse em recorrer, tempestividade, preparo, etc.), bem como examinar e decidir acerca das questões constitucionais ou legais e o que mais couber para fins do juízo de admissibilidade; sem, entretanto, seu juízo preliminar vincular o tribunal ad quem.

Sendo assim, primeiramente o Tribunal recorrido analisará se estão presentes os pressupostos de admissibilidade, encaminhando, se assim entender, os autos ao Supremo Tribunal Federal. A este caberá nova análise dos requisitos de admissibilidade, não estando vinculado a análise realizada pelo juízo a que se recorre, podendo admitir ou não o recurso.

O fracionamento da competência do juízo de admissibilidade serve, pois, como meio procedimental para conter o acúmulo de recursos nos tribunais superiores, evitando a subida dos recursos que apresentarem falhas no procedimento de interposição. (PRETTI, 2006, p. 422).

No mesmo sentido, Theodoro Júnior (2012, p. 689) manifesta-se sobre este duplo controle:

O sistema legal é de duplo controle de admissibilidade do recurso extraordinário: um no Tribunal de origem e outro no Supremo Tribunal Federal, sendo que o primeiro não vincula o Tribunal ad quem, ao qual é possível reapreciar toda a matéria de cabimento do recurso, seja para confirmá-lo, seja para reformá-lo.

Logo, se o Supremo Tribunal Federal admitir o recurso, procederá ao julgamento da causa, aplicando o direito à espécie, conforme súmula nº 456 do STF (BRASIL, 1964). No julgamento, as partes poderão se manifestar; bem como o Procurador-Geral e os litisconsortes, se houver; o oponente; e, em havendo, o assistente na ação penal pública; na forma do art. 132 e seus parágrafos, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2011).

Se, pela complexidade da causa, algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los até a segunda sessão ordinária subsequente para prosseguimento da votação, de acordo com o art. 134, do RISTF (BRASIL, 2011), e ainda, conforme a regulamentação dada a este artigo pela Resolução nº 278 de 2003.[1](BRASIL). Estas medidas visam evitar prejuízos à parte, que poderiam ser causados pela demora no julgamento do recurso. 

Diante do aqui apresentando, percebe-se que compete ao Supremo Tribunal Federal tanto a análise das condições de admissibilidade do recurso, em princípio, quanto o exame do mérito da causa recorrida.

Qualquer das duas turmas do Supremo Tribunal Federal, após a ouvida prévia do Procurador-Geral da República, submeterá a arguição de inconstitucionalidade ao plenário. A cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), também é aplicada ao Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade, seguindo os artigos 176 a 178 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2011).

Ou seja, o Plenário julgará a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questões da causa (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art.177), sendo necessário um quórum mínimo de oito ministros para a votação acerca de matéria constitucional, conforme art. 143, parágrafo único, do RISTF (BRASIL, 2011) e conforme o art. 97 da Carta Constitucional. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis ministros. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art. 173). Resolvido o incidente de inconstitucionalidade, o pleno julgará o mérito da ação, sem devolver a causa ao órgão fracionário, como ocorre nos procedimentos dos incidentes de inconstitucionalidade nos demais tribunais. Assim, o Supremo Tribunal Federal julgará o recurso extraordinário no mérito, confirmando ou reformando a decisão recorrida; ou ainda, anulará a decisão recorrida, se houver vício de forma que não possa desde logo ser sanado, com a remessa às instâncias inferiores para que haja outra decisão. (PRETTI, 2006, p.424).

Se a decisão do incidente resultar na declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou ao órgão interessado, bem como, após o trânsito em julgado, ao Senado Federal, na forma constitucionalmente prevista no art. 52, inciso X, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), dispositivo este a ser posteriormente observado. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art. 178).

1.2.2 Súmula Vinculante

Inovação levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 45/2004 foi a Súmula Vinculante, enunciada no art. 103-A da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).

Possibilitou-se ao STF, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros e após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a contar de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta (tanto na esfera federal como na estadual e municipal). (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 103-A). A Corte Constitucional poderá também revisar as súmulas já editadas, ou cancelá-las, na forma estabelecida em lei (art. 103-A, da Constituição Federal), sendo que este procedimento (de edição, cancelamento e revisão) foi disciplinado na Lei nº 11.417. (BRASIL, 2006).

Quanto ao objetivo desta súmula, será a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, sobre as quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 103-A, §1º).

Denota-se, pois, que “As chamadas ‘súmulas’ são a cristalização de entendimentos jurisprudenciais que predominam nos Tribunais em certo espaço de tempo. A palavra quer indicar as decisões reiteradamente proferidas em determinado sentido pelos Tribunais.” (BUENO, 2008, p. 371). Por meio delas, busca-se a redução da demanda de ações, a celeridade processual, além da coerência dentro do sistema normativo, criando-se condições para uma maior segurança jurídica.

Seus efeitos são vinculantes, ou seja, elas “[...] têm aptidão de vincular todos os órgãos jurisdicionais e, bem assim, todas as esferas e níveis da Administração Pública no sentido de serem de observação obrigatória.” (BUENO, 2008, p. 373).

Em essência, a súmula vinculante foi criada a fim de uniformizar as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, em suas diversas instâncias, em relação a matérias constitucionais, vinculando tanto este poder como a administração pública. Evita-se, assim, a repetição de causas em que se discutem questões idênticas, bem como a divergência de posicionamentos num mesmo órgão, o que ensejaria a insegurança jurídica.

Tavares (2007, p. 15) compreende que a súmula vinculante demonstra convergência entre o sistema de controle difuso e o de controle abstrato de constitucionalidade, comparando-a com uma espécie de ponte. 

Ou seja, em controle difuso de constitucionalidade, que chegue ao STF através de recurso extraordinário, caso a lei seja declarada inconstitucional a sua eficácia se aterá apenas as partes litigantes naquele caso concreto levado à análise. Caso venha a ser editada súmula vinculante, após reiteradas decisões concretas no mesmo sentido, determinando que é esta a interpretação a ser observada, a eficácia da decisão, proferida em controle difuso, será erga omnes, ligando-se ao caráter abstrato.

Logo, a essência da súmula vinculante, como criada pela EC 45/2004 e regulamentada pela Lei 11.417/2006, está representada como uma forma de transposição do concreto para o abstrato-geral. Isto porque os detalhes dos casos concretos, suas particularidades e interesses, apreciados pelas decisões anteriores, serão descartados para fins de criação de um enunciado que seja suficientemente abstrato para ter efeitos erga omnes. (TAVARES, 2007, p. 15).

Institui-se também, no §3º do art. 103-A da Constituição (BRASIL, 1988), um meio a combater a não observância da súmula vinculante em ato administrativo ou em decisão judicial, que é a reclamação constitucional ao Supremo Tribunal Federal. Assim, se a súmula não for aplicada ou o for indevidamente, caberá reclamação ao STF que, se a julgar procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, determinando-se que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, a depender do caso (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 103-A, §3º), sem prejuízo dos outros meios de impugnação admissíveis.

Isto porque vem a assegurar que o Executivo e o próprio Judiciário, que estão jungidos ao determinado na súmula, respeitem, efetivamente, o seu conteúdo. Sem mencionada reclamação, o termo ‘vinculante’ certamente resultaria de escasso sentido prático. (TAVARES, 2011, p. 453).

Portanto, além da previsão do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, que por meio da atuação do Senado Federal confere eficácia geral às decisões do STF em sede de controle difuso, a edição de súmula vinculante também assim fará, atingindo a todos.


1.3 A PARTICIPAÇÃO DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO

A competência do Senado Federal é determinada pela Constituição Federal em seu art. 52. Esse órgão atua, entre outras atribuições, no controle repressivo de Constitucionalidade, quando houver recurso extraordinário em que, incidentalmente, discuta-se a constitucionalidade de lei perante o Supremo Tribunal Federal, conforme previsão do art. 52, inciso X, da Constituição (BRASIL, 1988): “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”

O fato é que, em controle difuso a ser exercido pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão que houver declarado a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por voto da maioria absoluta de seus membros (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 97), após o trânsito em julgado, será comunicada ao Senado Federal.

Consoante verificado, o controle difuso de constitucionalidade tem eficácia apenas entre as partes que litigam naquele caso concreto, ou seja, inter partes.

Constata-se que, neste controle, nos moldes adotados pelo Brasil, podem advir inconvenientes, entre os quais a insegurança jurídica. Isto porque, pautado no livre convencimento motivado do juiz, no julgamento de determinada lide, uma lei pode não ser aplicada por determinados juízes, por entendê-la inconstitucional, e, em contraponto, ser aplicada por outros juízes, que a entendem constitucional. Perpetua-se, pois, uma incerteza do direito, que nem mesmo uma declaração incidental de inconstitucionalidade proferida pela Corte Constitucional seria capaz de impedir, pois não vincularia aos demais, apenas lhes servindo de orientação jurisprudencial. (CASTRO, 2008, p. 35-36).

Deste modo, o art. 52, inciso X, da Constituição, disciplinou instrumento capaz de atribuir eficácia geral, erga omnes, as decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, em controle difuso a eficácia poderá se estender, excepcionalmente, a todos que se encontrem na mesma situação jurídica, e não só aos que buscaram a prestação jurisdicional naquela situação levada ao Poder Judiciário, garantindo-se a segurança das decisões.

1.3.1 Procedimento

Frisa-se que o caso concreto poderá chegar até a Corte Constitucional para análise do incidente de inconstitucionalidade, o que ocorre via Recurso Extraordinário. A decisão acerca da inconstitucionalidade será aplicável somente ao caso em que foi suscitada, atingindo apenas as partes ali litigantes. Continuará, pois, a ter validade para todos os que não provocaram o judiciário acerca da questão.

Decidido pela inconstitucionalidade de lei e transitada em julgado a decisão, o próprio Supremo Tribunal Federal comunicará esta declaração ao Senado, competindo a este órgão, por meio de resolução, suspender a execução da lei declarada inconstitucional. (BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, 2011, art. 178). O Senado conhecerá da declaração mediante, ainda, representação do Procurador-Geral da República e projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. (BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal, 2011, art. 386).

Outrossim, a comunicação, a representação e o projeto serão instruídos com o texto de lei cuja execução se deve suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, além do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento. (BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal, art. 387). Lida em plenário, procede-se ao encaminhamento da comunicação ou representação à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte. (BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal, art. 388).

É através de resolução do Senado Federal que se atribui eficácia geral a decisão de inconstitucionalidade, ou seja, a lei, por ser declarada inconstitucional, poderá ter suspensa sua execução, no todo ou em parte, por ato do Senado Federal.

Como se verifica, o Supremo Tribunal Federal é o órgão responsável pela decisão acerca da inconstitucionalidade de lei, e o Senado Federal será, quando de sua comunicação, o órgão responsável pela extensão ou não dos efeitos da declaração. Cada qual possui uma competência específica, exercida em momentos distintos.

1.3.2 A Origem da Participação Senatorial

Barroso (2004, p. 90) explica a razão da intervenção do Senado no controle difuso de constitucionalidade:

A razão histórica – e técnica – da intervenção do Senado é singelamente identificável. No direto norte-americano, de onde se transplantara o modelo de controle incidental e difuso, as decisões dos tribunais são vinculantes para os demais órgãos judiciais sujeitos à sua competência revisional. Isso é válido inclusive, e especialmente, para os julgados da Suprema Corte. Desse modo, o juízo de inconstitucionalidade por ela formulado, embora relativo a um caso concreto, produz efeitos gerais. Não assim, porém, no caso brasileiro, onde a tradição romano-germânica vigorante não atribui eficácia vinculante às decisões judiciais, nem mesmo às do Supremo Tribunal. Desse modo, a outorga ao Senado Federal de competência para suspender a execução da lei inconstitucional teve por motivação atribuir eficácia geral, em face de todos, erga omnes, à decisão proferida no caso concreto, cujos efeitos se irradiam, ordinariamente, apenas em relação às partes do processo.

Cunha Júnior (2012, p. 171) também enfatiza a origem desse mecanismo constitucional:

Visava-se, com isso, evitar a proliferação de ações judiciais propostas por todos aqueles que, igualmente, se sentissem afetados pela lei ou ato inconstitucional e, decerto, prevenir a possibilidade de conflitos de decisões – que tanto maculam a segurança jurídica e a certeza do direito – entre os vários órgãos judiciários competentes para a realização do controle.

Ao mesmo tempo em que havia a necessidade de estender os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do Supremo, havia o receio de que se instalasse uma ditadura do Poder Judiciário. Foi atribuída, então, pela Constituição de 1934, em seu art. 91, inciso IV (BRASIL), a participação do Senado Federal no controle repressivo de constitucionalidade, competindo a este órgão a suspensão da execução de lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário, a fim de dar-lhe eficácia erga omnes. Aqui o dispositivo constitucional tratava do Poder Judiciário de forma ampla, geral, não restringindo a suspensão a lei ou ato declarado inconstitucional pelo STF, como na atual Constituição.

Ademais, o Senado Federal figurava nessa Constituição de 1934 como órgão de coordenação dos poderes, cuja competência encontrava-se no capítulo V daquela Carta Constitucional; e não como órgão do poder legislativo.

Compreendia-se, dessa maneira, que a competência privativa do Senado para suspender a execução dos textos legais declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário estava consentânea com a sua atribuição constitucional de ‘Coordenador dos Poderes’. Situado acima dos demais Poderes, a sua participação no controle de constitucionalidade das leis não colidia com o sistema de controle exercido pelo Poder Judiciário, nem com o princípio da separação de Poderes. (CASTRO, 2008, p. 56-57).

A Constituição de 1937, ditatorial, não previu a competência do Senado. Ao contrário, este órgão foi dissolvido, conforme art. 178. (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1937).

Com a Constituição de 1946, reintroduziu-se a competência do Senado Federal, passando este a integrar o Poder Legislativo (Título I - Capítulo II). Constou como da incumbência do Senado Federal “[...] suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.” (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1946, art. 64). Aqui se restringiu a decisão que poderia ser suspensa: decisão definitiva e do Supremo Tribunal Federal, e não do Poder Judiciário, como era antes.

As Constituições que se seguiram mantiveram essa competência do Senado Federal em matéria de controle de constitucionalidade, incluindo a atual Constituição.

1.3.3 Noções acerca da Cláusula do Senado Federal

Cabe, primeiramente, ressaltar que a participação do Senado Federal, a fim de suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva no STF, restringe-se ao controle difuso de constitucionalidade.

Até 1977, no entanto, a intervenção senatorial era exercida tanto em controle difuso quanto em controle concentrado, sendo que, por debate da Alta Corte, naquele ano, modificou-se o procedimento interno quanto à comunicação das declarações de inconstitucionalidade. (SILVA, 2000, p. 137).

Logo, a própria decisão da Corte Constitucional passou, em controle concentrado, a gerar eficácia geral, ou seja, erga omnes, dispensando-se a cláusula senatorial. Isso se extrai do art. 178 do RISTF (BRASIL, 2011), quando dispõe que a inconstitucionalidade, declarada incidentalmente, será comunicada ao Senado Federal. Trata-se, pois, de controle incidental, difuso, concreto, nada mencionando o dispositivo sobre o controle concentrado.

Ademais, o art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868 (BRASIL, 1999), expressamente dispôs acerca da eficácia contra todos e efeito vinculante da declaração de constitucionalidade e inconstitucional em controle concentrado; e o art. 102, §2º, da Constituição (BRASIL, 1988) tratou que as decisões definitivas de mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, proferidas pelo STF, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, dispensando-se, portanto, a intervenção do Senado Federal.

Mello (1980, p. 213) consigna que:

Porisso, quando o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade em tese, com efeito erga omnes, dispensável se torna a intervenção do Senado federal, pois a sua ação seria a de suspender os efeitos de ato jurídico federal ou estadual, já suspensos pelo próprio Supremo Tribunal Federal, e de conhecimento público, pela publicidade das decisões deste, reconhecendo-o juridicamente.

Logo, a participação do Senado Federal, a fim de possibilitar que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de lei alcance a todos, só ocorre no controle difuso. No controle concentrado, esta é desnecessária, pois a decisão da Corte Suprema, por si só, já é dotada de eficácia erga omnes.

A propósito do tema, no controle difuso de constitucionalidade a competência suspensiva do Senado, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição, projeta-se sobre qualquer lei ou ato normativo federal, estadual, distrital ou mesmo municipal, declarado inconstitucional pelo STF, de forma incidental.  (LENZA, 2011, p. 253).

As considerações acerca do papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade motivam diversas discussões, que a seguir serão assinaladas.

1.3.3.1 Atividade senatorial vinculada ou discricionária

Uma delas consiste na natureza desta atividade senatorial: se discricionária ou vinculada.

Há quem aponte ser a suspensão do Senado Federal vinculada, ou seja, comunicado acerca da inconstitucionalidade de lei, esse órgão tem o dever constitucional de agir, suspendendo a sua execução. Lúcio Bittencourt (1968, p. 145) pactua com esse entendimento, bem como Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007, p. 43), Zeno Veloso (2003, p. 57) e Dirley da Cunha Júnior (2012, p. 175-176).

Ferreira Filho (2007, p. 43) anota que:

[...] essa suspensão não é posta a critério do Senado, mas lhe é imposta como obrigatória. Quer dizer, o Senado, à vista da decisão do Supremo Tribunal Federal, tem de efetuar a suspensão da execução do ato inconstitucional. Do contrário, o Senado teria o poder de convalidar ato inconstitucional, mantendo-o eficaz, o que repugna ao nosso sistema jurídico.

Corroborando com essa ideia, Veloso (2003, p. 57) argumenta que é insustentável o ato do Senado ser de sua competência discricionária, pois, se houver liberdade de suspender ou não a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo, o Senado acabará por fazer um novo juízo sobre a inconstitucionalidade, e portanto, estar-se-á admitindo que um posicionamento exclusivamente político sobreponha-se a uma verificação jurídica (e também política) – exercida pelo Supremo Tribunal Federal, comprometendo e diminuindo o papel deste. Este expoente ainda complementa que o Senado Federal tem uma atribuição significativa, porém de conteúdo meramente formal, ou seja, examinará apenas se ocorreram os pressupostos constitucionais para a declaração de inconstitucionalidade, e se presentes, estará vinculado a suspender a lei ou ato. (VELOSO, 2003, p. 57-58).

Confirmando esse posicionamento, Cunha Júnior (2012, p. 175-176) argumenta que entender que a atribuição do Senado seja discricionária é desconsiderar as razões que levaram o constituinte a instituí-la (como a prevenção da abundância de ações judiciais e a possibilidade de decisões conflitantes, o que formaria um estado de insegurança jurídica lamentável), sendo que esse órgão decidiria a seu mero arbítrio se confere ou não efeitos gerais a uma decisão inter partes do Supremo Tribunal Federal, deixando, neste último caso, abertas as vias geradoras da incerteza do direito.

Contrapondo-se a essa tese, a vertente predominante é a que interpreta o ato de suspensão do Senado como sendo optativo, discricionário. Dentre os simpatizantes dessa corrente estão Alexandre de Moraes (2012, p. 749-750), Luís Roberto Barroso (2004, p. 90), Luis Carlos Hiroki Muta ( 2007, p. 55), Michel Temer (2002, p. 48), Nelson Nery Júnior (2004, p. 74), Ronaldo Rebello de Britto Poletti (2001, p. 153), Paulo Napoleão Nogueira da Silva (2000, p. 137), Pedro Lenza (2011, p. 255), Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2012, p. 809), Uadi Lammêgo Bulos (2012, p. 229), entre outros.

Silva (2000, p. 137) defende que a prática do ato não é obrigatória, sendo que o Senado, “[...] recebendo a comunicação da declaração incidental de inconstitucionalidade, apreciará discricionariamente, sob sua ótica de órgão político, a conveniência e oportunidade de suspender ou não a execução do texto inquinado.” Aduz ainda que o ato, em sendo decisório, é praticado à vista da presença de outros elementos, alheios à declaração, sendo que ao Senado cabe, também, cercar seu exame das cautelas necessárias a fim de constatar a reiteração dos julgados da Suprema Corte no mesmo sentido da que declarou a inconstitucionalidade daquela lei, prevenindo uma eventual mudança de entendimento no Tribunal. (SILVA, 2000, p. 138, 160). Esses traços evidenciam que a flutuação e a instabilidade jurisprudencial integram um dos substratos que permitem ao Senado Federal apreciar de maneira crítica o julgamento da Alta Corte, suspendendo-o ou não. (CARVALHO, 2011, p. 385).

Nota-se, pois, uma conjugação de competências, sendo que tanto o Supremo (formando livremente o seu convencimento para declarar ou não a inconstitucionalidade), quanto o Senado (formando livremente o seu convencimento político sobre a conveniência e oportunidade de estender ou não, a todos, aquilo que o Supremo declarou com eficácia restrita às partes) atuam decisoriamente na etapa que lhes é determinada pela Constituição no procedimento incidental. (SILVA, 2000, p. 139).

Alexandre de Moraes (2012, p. 750) expressa sua opinião no sentido de que ao Senado Federal cumpriria examinar os aspectos formais da decisão declaratória de inconstitucionalidade, verificando se foi tomada por quórum suficiente e se é definitiva, assim como indagar da conveniência da suspensão. De outro modo, Silva (2000, p. 115) aduz que o exame do Senado só se refere à conveniência da suspensão, pois se este órgão analisasse os requisitos formais do processo em que foi declarada a inconstitucionalidade, importaria em intromissão numa questão interna corporis da Alta Corte, ferindo o princípio da tripartição dos poderes.

A orientação, tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Senado Federal, é de que este não está obrigado a editar resolução suspensiva da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva daquele, tratando-se, portanto, de ato discricionário do órgão legislativo, de uma deliberação essencialmente política. (MORAES, 2012, p. 749).

Há até mesmo precedente que aponta no sentido do Senado deixar de suspender lei declarada inconstitucional pelo STF: trata-se do RE 150.764/PE (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1992), em que o Supremo declarou, pela via incidental, a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 7.689/1988 (lei que instituiu a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas); e, feita a comunicação ao Senado, este deixou de editar a resolução suspensiva.[2]

1.3.3.2 Abrangência da resolução do Senado Federal

Outro aspecto polêmico é quanto à abrangência da resolução do Senado Federal ao que se refere à suspensão da execução, “no todo ou em parte”; isto é, se o Senado pode ampliar ou restringir a extensão da declaração definitiva de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Parte da doutrina entende que o Senado deverá suspender a totalidade da lei, ou parte dela, conforme for a declaração de inconstitucionalidade do Supremo. Esse é o posicionamento de Mendes (2009, p. 1130), segundo o qual o ato de suspensão pelo Senado é discricionário, porém, entendendo este pela suspensão, deve-se ater, estritamente, à extensão da decisão do STF.

Incorporando-se a esta corrente, Bulos (2012, p. 227) complementa que: “[...] a resolução senatorial deve, obrigatoriamente, acompanhar os estritos termos da sentença declaratória de inconstitucionalidade lavrada pelo Supremo, sob pena de ofensa à separação dos Poderes (CF, art. 2º)”, e de uma invasão de competências.

Desta maneira, o Senado estará limitado a suspender a execução de lei ou parte da lei declarada inconstitucional pelo Supremo, nos exatos termos da declaração, nem mais, nem menos. Traz-se, pois, a ideia de que a expressão “no todo ou em parte” refere-se às decisões em que toda a lei ou parte dela, consecutivamente, foram declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte, sob a qual a resolução deve estar conforme.

A outra teoria reproduz a lição de que a extensão da suspensão pelo Senado também se sujeita ao juízo de conveniência e de oportunidade desse órgão. Alvitrada por Michel Temer (2002, p. 48), argumenta-se que o Senado dispõe de discricionariedade para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo, bem como, se resolver por sua suspensão, não está obrigado a suspendê-la na mesma extensão da declaração efetivada pela Corte Constitucional.

Na acepção de Temer (2002, p. 48), “O Senado Federal não é mero órgão chancelador das decisões da Corte Suprema.”, podendo exercitar sua competência de acordo com seu entendimento, sendo que “O simples fato de o art. 52, X, possibilitar a suspensão parcial ou total da lei revela essa discricionariedade.” 

Em apoio a essa corrente, Barroso (2004, p. 90) defende que o Senado poderá suspender a execução de toda a lei declarada inconstitucional, de parte dela, ou simplesmente não suspendê-la, quando não se estenderá a decisão do Supremo Tribunal Federal erga omnes. Nota-se que a suspensão da execução pelo Senado, aludida por essa tese, não necessariamente se igualaria à abrangência da declaração do Supremo Tribunal Federal.

1.3.3.3 Os efeitos temporais da suspensão pelo Senado Federal

Em relação aos efeitos temporais da suspensão da execução, a doutrina também não é uníssona, divergindo entre esses serem retroativos (ex tunc) ou prospectivos (ex nunc).

A primeira corrente tem como adeptos, entre outros, Zeno Veloso (2003, p. 60), Luís Roberto Barroso (2004, p. 91), Dirley da Cunha Júnior (2012, p. 174) e Saul Tourinho Leal (2012, p.196-197). Ao entender que os efeitos da resolução suspensiva operam-se retroativamente, estar-se-ia retornando à produção da lei declarada inconstitucional, ou seja, a lei seria nula, sem efeitos, desde sua entrada em vigor.

Conforme anota Veloso (2003, p. 60):

A declaração de inconstitucionalidade não fere de morte a norma; proclama que ela é natimorta. Entendemos, pois, que o que se convencionou chamar de suspensão da execução de lei declarada inconstitucional é a retirada da lei do ordenamento jurídico, pelo mais grave dos vícios, não podendo esta providência deixar de ter efeito retroativo.

Cunha Júnior (2012, p. 174) também advogada pelos efeitos ex tunc da resolução senatorial, entendendo que cumpre ao Senado somente emprestar eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal que fica, consequentemente, valendo para todos e, mais ainda, com todos os efeitos, inclusive os retroativos, como se a lei nem houvesse existido.

Ou seja, a declaração incidental de inconstitucionalidade, realizada pela Corte Suprema, terá efeitos retroativos em relação aos litigantes naquele caso concreto. Portanto, a teor desse posicionamento, quando o Senado editar resolução suspendendo a execução da lei inconstitucional os efeitos deverão ser os mesmos, retroativos, porém agora com eficácia geral.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os efeitos serão, a partir da resolução suspensiva da execução de lei, editada pelo Senado Federal, ex tunc. Assim, no sentido da decisão proferida no MS nº 17.976 do STF , “[...] a suspensão da vigência da lei ou ato normativo por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional”. (MORAES, G. P., 2012, p. 172).

Entendimento diverso e formando a corrente majoritária é o pronunciado por Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt (2007, p. 47), Regina Maria Macedo Nery Ferrari (2004, p. 205), Alexandre de Moraes (2012, p. 752), José Afonso da Silva (2012, p. 54) e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1980, p. 210). Esses posicionam-se no sentido de que a norma produziu efeitos, o que deixa de ocorrer apenas a contar da resolução do Senado Federal. Assim, o ato do Senado produzirá efeitos meramente prospectivos.

José Afonso da Silva (2012, p. 54) manifesta que, no que tange ao caso concreto, a declaração do Supremo pela inconstitucionalidade de lei, de forma incidental, produz eficácia apenas para as partes ali litigantes e os efeitos são retroativos, fulminando a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento. Entretanto, suspensa a execução da lei por ato do Senado, a eficácia da declaração passa a ser geral, tendo efeitos ex nunc, não retroativos, ou seja, a partir da suspensão a lei deixa de produzir efeitos, porém, até então existiu, produziu-os validamente, e revelou-se eficaz.

Ferrari (2004, p. 205) adere a esse posicionamento:

Ora, parece-nos claro, dentro de tal colocação de idéias, que só a partir dessa suspensão é que a lei perde a eficácia, o que nos leva a admitir seu caráter constitutivo. [...] Assim sendo, não estão com a razão aqueles que consideram ter efeito retroativo a suspensão pelo Senado, pois, se não podemos negar o caráter normativo de tal ato, o mesmo, embora não se confunda com a revogação, opera como ela, já que retira, por disposição constitucional, a eficácia da lei ou ato normativo tido por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Considerando essa última corrente doutrinária, a declaração incidental do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de lei, com eficácia inter partes, terá efeitos retroativos; no entanto, a resolução suspensiva da execução dessa lei, expedida pelo Senado, conferindo eficácia erga omnes à declaração, terá efeitos prospectivos, a contar da publicação do ato senatorial.

1.3.4 Outras considerações

Registre-se que não há prazo previsto para que o Senado edite a resolução suspensiva após a comunicação do Supremo Tribunal Federal, e nem sanção no caso de demora ou de deixar de editar o ato, o que reafirma a caráter de discricionariedade do órgão nesta atribuição constitucional. Assim, o momento da suspensão, bem como a própria suspensão, ficam ao crivo do Senado Federal.

Enquanto a declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal não for suspensa pelo Senado, aquela não constitui precedente obrigatório, possibilitando que, embora sujeitos à revisão por parte do Supremo, os juízes e tribunais possam decidir de maneira diversa da propugnada (ou seja, pela constitucionalidade da norma), e possibilitando, até mesmo, que a Corte Constitucional modifique o seu modo de decidir em outros casos submetidos a seu julgamento. (FERRARI, 2004, p. 204-205).

Suspensa a execução da norma por resolução do Senado Federal, a decisão do STF prolatada em um caso concreto, incidentalmente, surtirá eficácia geral, e a lei inconstitucional perderá sua executoriedade, impossibilitando posições jurisprudenciais diferentes.

Percebe-se que as discussões acerca do papel do Senado são intensas, embora seja um instituto que remonta desde a Constituição de 1934. Permanece na atual Constituição a competência desse órgão para suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.

Contudo, com a crescente tendência de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade, essas discussões veem perdendo expressividade, dando espaço para outra discussão acerca desta cláusula senatorial, qual seja, se a norma veiculada pelo art. 52, X, da Constituição é ou não objeto de mutação constitucional, resultando na mudança do papel do Senado Federal no controle repressivo de Constitucionalidade.


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Notas

[1]A Resolução nº 278 de 2003, do STF, regulamenta o art. 134 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, prevendo o prazo de dez dias para a devolução dos autos pelo Ministro que pedir vista destes, prorrogável automaticamente por mais dez dias se não houver a devolução. Esgotado o prazo já prorrogado, o Presidente do Tribunal ou da Turma requisitará os autos e reabrirá o julgamento do feito na segunda sessão ordinária subsequente, com publicação da pauta. (BRASIL. Resolução nº 278, 2003).

[2] O Senador Amir Lando, ao relatar a matéria, entendeu que a suspensão da eficácia dos artigos pelo Senado Federal, operando erga omnes, traria repercussão profunda na economia do país, que passava por acentuada crise do Tesouro Nacional e estava na busca de recuperar esta economia. Argumentou-se ainda que, embora a decisão do STF tenha ocorrido por maioria absoluta, na forma constitucionalmente disposta no art. 97, foram seis votos pela inconstitucionalidade e cinco pela constitucionalidade dos dispositivos, demonstrando que o entendimento não era pacífico. O Senado acolheu este parecer, deixando de editar a resolução suspensiva. (BULOS, 2012, p. 229). 


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GONÇALVES, Yáskara Luana; SCHULZE, Clenio Jair. O controle difuso de constitucionalidade no STF e o papel do Senado Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3680, 29 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25028. Acesso em: 18 abr. 2024.