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A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais

A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais

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São trazidas as posições da doutrina e da jurisprudência do STF (antes e depois da Constituição de 88) a respeito da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

Resumo: Este trabalho tem por finalidade analisar a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, fará uma breve explanação sobre a relevância dos direitos fundamentais, demonstrando seu processo evolutivo, suas características, bem como sua abrangência nas Constituições republicanas brasileiras, sobretudo, na de 1988. Em seguida, será analisada a relação entre os direitos fundamentais e os particulares, fazendo-se, portanto, uma explanação sobre a eficácia horizontal e as diversas teorias que abrangem a temática. Por fim, serão abordadas as posições da doutrina brasileira e da jurisprudência do Supremo Tribunal federal a respeito do objeto deste trabalho, qual seja: a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

Palavras-chave: direitos fundamentais, eficácia horizontal, vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

Sumário: INTRODUÇÃO . CAPÍTULO 1 - CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS . 1.1. DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 1.3. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS . 1.3.1. Primeira dimensão dos direitos fundamentais. 1.3.2. Segunda dimensão dos direitos fundamentais . 1.3.3. Terceira dimensão dos direitos fundamentais . 1.3.4. Quarta dimensão dos direitos fundamentais .. 1.3.5. Quinta dimensão dos direitos fundamentais . 1.4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS. 1.4.1. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 .. CAPÍTULO 2 – A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS . 2.1. EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS . 2.2. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS . 2.3. AS TEORIAS SOBRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PARTICULARES . 2.3.1. Teoria da ineficácia horizontal ou da negação da eficácia dos direitos fundamentais e a doutrina da “state action” . 2.3.2. Teoria da eficácia horizontal indireta ou mediata dos direitos fundamentais na esfera privada . 2.3.3. Teoria da eficácia horizontal direta ou imediata dos direitos fundamentais na esfera privada . 2.3.4. Teoria dos deveres de proteção e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais . 2.3.5. Teorias alternativas .. CAPÍTULO 3 – A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 . 3.1. A AUTONOMIA PRIVADA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO PRIVADO . 3.2. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇOES PRIVADAS NO DIREITO BRASILEIRO: A RELAÇÃO ENTRE A AUTONOMIA PRIVADA E AS TEORIAS DA EFICÁCIA HORIZONTAL. 3.2.1. Autonomia privada e a Teoria da eficácia indireta ou mediata. 3.2.2. Autonomia privada e a Teoria da eficácia direta ou imediata . 3.3. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A POSIÇÃO DA DOUTRINA . 3.4. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . 3.4.1. Entendimento do STF antes da Constituição da República de 1988 . 3.4.2. Entendimento do STF depois da Constituição da República de 1988 . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

A eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas – cuja origem e desenvolvimento remontam a jurisprudência alemã - é um tema bastante discutido e divergente tanto na doutrina quanto na jurisprudência, desde os anos cinquenta. (WOLOWSKI, 2010, pp. 08)

Normalmente, quanto se pensa em direitos fundamentais, logo vem à mente a vinculação das normas essenciais nas relações estabelecidas entre Estado e o indivíduo. Trata-se, portanto, da relação do tipo vertical, na qual o cidadão é o único detentor das referidas garantias, em virtude da hierarquização, subordinação e opressão estatal.

Ocorre que, as opressões não são provenientes apenas do Estado, a violência ocorre também entre os cidadãos. Assim, a proteção decorrente dos direitos fundamentais estendeu-se às relações particulares, que, embora haja uma posição de igualdade entre eles, os interesses são antagônicos. Dá-se, dessa maneira a eficácia horizontal daqueles direitos, cujas prerrogativas pertencem a todos.

A partir disto, este trabalho terá como objetivo compreender algumas das principais noções teóricas sobre a relação entre direitos fundamentais e os particulares, fazendo um estudo da evolução dessa norma essencial, além de discorrer sobre a eficácia horizontal e suas teorias; elaborar um breve esboço histórico a respeito da evolução dos direitos fundamentais e, por fim, analisar o entendimento da jurisprudência brasileira.

Para a execução dos objetivos propostos, o método de abordagem utilizado será, via de regra, dedutiva, ou seja, partindo-se de uma generalidade, que seria o entendimento teórico, para uma questão particular, ou seja, compreender o entendimento jurisprudencial, com a finalidade de perceber a eficácia do direito.

A primeira parte deste trabalho versará sobre as noções teóricas dos direitos fundamentais, incluindo a conceituação e as características, além de dar uma ênfase nas dimensões / gerações desses direitos, os quais têm como objetivo proteger os indivíduos. Será, portanto, uma fundamentação teórica.

A segunda parte discorrerá sobre a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais e, a partir de então, analisar as principais teorias doutrinárias sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Fazendo uma breve explanação sobre as teorias da ineficácia horizontal (doutrina da state action), da eficácia horizontal indireta e, por fim, a teoria da eficácia horizontal direta, dentre outras.

Por fim, tentou-se analisar a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais na Constituição da República, fazendo uma breve explanação da posição da doutrina e da jurisprudência brasileiras.

A determinação do presente trabalho está, portanto, na necessidade de expandir o conhecimento acerca da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, pois se deve entender que o poder não está ligado exclusivamente ao Estado; o poder também é exercido nas esferas privadas, mediante a imposição da vontade, acarretando, por conseguinte, danos irreparáveis.


CAPÍTULO 1 - CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O presente trabalho visa compreender algumas das principais noções teóricas sobre a relação entre os direitos fundamentais e os particulares, fazendo um estudo da evolução dessa norma essencial.

Antes de adentrar na análise específica da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e, sobretudo, da vinculação dos particulares a esses direitos, objeto primordial do presente trabalho, faz-se necessário uma breve explanação sobre a evolução dos direitos fundamentais, suas características, bem como sua efetivação nas Constituições brasileira, especialmente, a Constituição de 1988.

Ser vinculante e obrigatório nem sempre foram características reconhecidas dos direitos fundamentais. Pois, em certo momento de sua história, tais direitos somente possuíam valor moral em promessas ou em declarações solenes. (NOVELINO, 2011, pp. 384)

Ocorre que, após esse estágio inicial, cuja carência normativa era fato, reconheceu-se a vinculação e a obrigatoriedade dos referidos direitos, os quais são considerados “normas positivas constitucionais”, conforme ensinamento de Marcelo Novelino. (NOVELINO, 2011, pp. 384)

No direito brasileiro, por exemplo, os direitos fundamentais possuem “força normativa independente do ato de transformação legislativa”, cuja aplicação deve ser imediata, conforme artigo 5º, §1º da CF. (NOVELINO, 2011, pp. 384).

Os direitos fundamentais possuem características típicas, além das já mencionadas, que os fazem ser reconhecidos mais facilmente e os diferenciam dos demais direitos. Os direitos fundamentais são, portanto, universais, inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis.

No que tange à universalidade dos direitos fundamentais, cuja manifestação inicial se deu com a Declaração dos Direitos do Homem em 1789, Paulo Bonavides (2006, 562) explica:

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. (grifo nosso)

A historicidade também é um traço marcante dos referidos direitos, pois, como se verá adiante, eles são produtos de um desenvolvimento histórico.

O caráter de historicidade, ainda, explica que os direitos possam ser proclamados em certa época, desaparecendo em outras, ou que se modifiquem no tempo. Revela-se, desse modo, a índole evolutiva dos direitos fundamentais. Essa evolução é impulsionada pelas lutas em defesa de novas liberdades em face de poderes antigos – já que os direitos fundamentais costumam ir-se afirmando gradualmente – e em face das novas feições assumidas pelo poder. (grifo nosso) (MENDES apud AGUIAR, Celso Azoury Telles de., 2009, pp. 06/07).

Outras importantes características são a irrenunciabilidade e a relatividade. A primeira significa que não se pode renunciar ao direito, embora, em alguns momentos, não se queira exercê-lo. Mas, neste caso, não se perde o direito.

Os direitos fundamentais não podem, portanto, ser objeto de disposição, pois fazem parte de dignidade da pessoa humana, embora possam ser restringidos, em virtude de expressa disposição da lei.

Marcelo Novelino seguindo entendimento de J. J. Canotilho (apud NOVELINO, 2011, pp. 386) assevera:

Não se deve admitir a renúncia ao núcleo substancial de um direito fundamental, ainda que a limitação voluntária seja válida sob certas condições, sendo necessário verificar na análise da validade do ato a finalidade da renúncia, o direito fundamental concreto a ser preservado e a posição jurídica do titular (livre e autodeterminada).

E continua:

A autolimitação voluntária está sujeita, a qualquer tempo, à revogação. O não exercício ou o uso negativo de um direito (não participar de uma manifestação, não se filiar a um partido político, não interpor um recurso...) não significa uma renúncia por parte de seu titular. (grifo nosso)

Quanto à relatividade. Embora os direitos fundamentais estejam, no ordenamento jurídico brasileiro, no nível mais elevado, eles não podem ser considerados absolutos, pois sofrem restrições de outros direitos que também são fundamentais. Conforme, Paulo Bonavides (BONAVIDES, 2006, pp. 561/562), aos referidos direitos somente serão relativizados por meio de lei.

Sua principal característica é a “constitucionalização” e, com isso, haverá um maior grau de importância nos ordenamentos jurídicos. (WOLOWSKI, 2010, pp. 09) São, portanto, normas essências que servem de parâmetro para as demais regras trazidas ao ordenamento jurídico.

1.1. DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Apesar de não haver consenso na doutrina no que diz respeito à diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais - pois para alguns, esses direitos são sinônimos; para outros, há diferenças – é necessário conceituá-los, para, dessa forma, entender suas diferenças.

Primeiramente, deve-se ressaltar a dificuldade de diferenciá-los, pois tanto os direitos humanos, quanto os fundamentais têm como finalidade a proteção da pessoa humana. Percebe-se, portanto, que não tem como distingui-los sob o ponto de vista pessoal.

Nesse sentido, não há como negar que os “direito fundamentais” podem ser considerados também como “direitos humanos”, em virtude de ser o homem o titular da ambos os direitos, mesmo que representado pela coletividade, por exemplo, povos e nações. Assim, para Ingo Sarlet (2007, pp. 35), se esse fosse o único ponto de vista, bastaria chamar de “direitos humanos”.

Porém, a doutrina analisa o ponto de vista espacial, o qual é explicado com maestria por Sarlet (2007, pp. 35/36). Veja:

Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (grifo nosso)

No mesmo sentido está o entendimento de Marcelo Novelino (NOVELINO, 2011, pp. 383), ao afirmar que a positivação dos dois direitos acontece em níveis distintos: enquanto os direitos humanos são consagrados no plano internacional, através de tratados e convenções; os direitos fundamentais são direitos humanos positivados no plano interno, ou seja, nas Constituições dos países.

Assevera Ingo Sarlet (2007, pp. 36) que, partindo de uma análise histórica, os direitos humanos e os fundamentais, presentes no direito positivado, possuem inúmeros “direitos naturais” do homem.

Assim, pode-se concluir que, embora sejam utilizados como sinônimos, esses direitos não se confundem. Pois os direitos humanos são a essência do homem; estão, portanto, diretamente ligado à dignidade humana, e devem ser considerados válidos e, consequentemente, aplicados por todos os Estados soberanos. São, portanto, “invioláveis e intertemporais”. (WOLOWSKI, 2010, pp. 09)

Já os direitos fundamentais, são os direitos humanos positivados na ordem jurídica interna; estabelecidos, dessa forma, de regras e princípios que não se limitam aos direitos humanos.

1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Embora a expressão “direitos fundamentais” tenha surgido na Franca, em 1770, através do movimento que originou a “Declaração do Homem e do Cidadão”, a origem dos direitos fundamentais se confunde com a própria história do ser humano. A luta do homem para conquistar direitos essenciais iniciou há séculos. (NOVELINO, 2011, pp. 383)

A doutrina relata que uma das primeiras conquistas foi na Inglaterra, em 1215, com o rei João Sem Terra. Foi através da Carta Magna[1] que se deu inicio à conquista de diversas garantias, dentre elas as restrições tributárias, o devido processo legal, a proporcionalidade entre o crime e sua pena. (GONÇALVES FILHO, 2008, pp. 02/03)

O “Bill of Rights”, de 1689, é considerado o documento inglês mais importante, pois consolidou a monarquia constitucional ao afirmar a supremacia do Parlamento, além de estabelecer o sistema de divisão dos poderes em que o referido parlamento tinha, dentre outras, a finalidade de proteger os súditos. Além disto, instituiu o Júri e consolidou alguns direitos fundamentais, como o direito de petição e a proibição de penas cruéis. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 564)

Tempos depois, nos Estados Unidos em 1776, a “Declaração dos Direitos do Bom Povo da Virgínia” contribuiu para o desenvolvimento dos direitos fundamentais, preocupando-se com a fundação de um governo democrático, e, sobretudo, com a limitação do poder, pois teve como ideia essencial os direitos naturais e imprescritíveis do homem. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 565)

Acolheu, portanto, o direito jusnaturalista e o princípio da soberania popular ao afirmar que o homem possui direitos inatos e, dessa forma, ele é livre e independente; transformando-o em titular absoluto do poder. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 566)

De inspiração jusnaturalista, a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, desencadeada pela Revolução Francesa de 1789, transformou-se no marco do “constitucionalismo liberal, no instrumento de ascensão política e econômica da burguesia”, em virtude da ênfase dada em alguns princípios, sobretudo, os “da liberdade” e “da igualdade”. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 568)

Embora tenha recebido certa influencia das Declarações inglesas e americanas, sobretudo da Declaração de Direitos da Virgínia, a Declaração francesa é de cunho universal e abstrato, distinguindo-se daquelas por preocupar-se mais com o Homem e seus direitos, do que com os direitos tradicionais dos indivíduos de determinada comunidade, (...). (grifo nosso) (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 569)

Em 10 de dezembro de 1984, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio de uma resolução celebrou a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, que universalizou os direitos fundamentais ao delinear princípios e garantias relacionados à dignidade de pessoa humana. (SILVA JÚNIOR, 2009, pp. 04)

Trata-se, portanto, de uma inspiração às constituições e aos tratados internacionais que visam à proteção dos direitos humanos, pois uniu em um só texto os diversos direitos individuais e coletivos, civis, políticos, econômicos, culturais e sociais, “sem os quais a dignidade da pessoa humana não se realiza nem se desenvolve por completo”. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 573)

1.3. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme visto, os direitos fundamentais não existiram concomitantemente; sua evolução histórica é, portanto, lenta e gradativa. Eles são decorrentes de períodos distintos, construídos conforme a necessidade da vida em sociedade.

O lema “liberdade, igualdade e fraternidade” extraído da Revolução Francesa, no século XVIII, consagrou uma evolução progressiva e sequencial dos direitos fundamentais, conforme explicita Marcelo Novelino. (2011, pp. 387)

Para Ingo Sarlet (2007, pp. 54), os direitos fundamentais - desde as primeiras constituições que os reconheceram - sofrerem diversas transformações na titularidade, no conteúdo, na eficácia e até na efetivação.

A essa sequência histórica denominou-se “gerações” ou “dimensões”. Para parte da doutrina, o termo “geração” é inapropriado, em virtude de dar uma ideia de alternância dos direitos fundamentais, ou seja, uma substituição gradativa das gerações. Por causa disso, o termo “dimensão” seria o mais adequado, pois os direitos fundamentais tiveram o reconhecimento progressivo e, portanto, cumulativo (SARLET, 2007, pp. 54).

Assim, falar sobre uma nova dimensão, não significa exclusão da antecedente; pelo contrário, pois quando surgem novos direitos, estes serão unidos aos que já existem para cumprir seu objetivo primordial, qual seja: a proteção de pessoa humana.

Com efeito, é pacífico na doutrina constitucionalista a existência de três dimensões dos direitos fundamentais; contudo, alguns doutrinadores sugerem a quarta e, ainda, a quinta dimensão, cujo entendimento há divergências doutrinárias.

Ressalte-se, portanto, que as divergências doutrinárias dizem respeito tão somente à terminologia, pois com relação ao conteúdo das dimensões de tais direitos o entendimento é pacífico. (SARLET, 2007, pp. 54).

Controvérsias à parte, o objetivo deste trabalho é fazer uma breve explanação acerca da evolução dos direitos fundamentais; iniciando, dessa forma, com concisos comentários sobre as principais características de cada dimensão e, por fim, a efetivação de tais direitos nas constituições brasileiras, sobretudo na de 1988.

A ideia do jurista tcheco - francês Karel Vasak de fazer uma evolução dos direitos fundamentais, dividindo-os em dimensões, foi apenas para facilitar os estudos acadêmicos, visto que seria difícil “imaginar espaços temporais históricos fechados dos direitos fundamentais”. (WOLOWSKI, 2010, pp. 28)

Desta feita, passa-se a algumas observações sobre cada uma delas.

1.3.1. Primeira dimensão dos direitos fundamentais

Em resposta ao Estado Absoluto e, portanto, à supremacia monárquica, surge a primeira dimensão dos direitos fundamentais, cujo reconhecimento é contemporâneo ao Liberalismo, ao Iluminismo e à Revolução Francesa. (WOLOWSKI, 2010, pp. 18).

Representado pelo ideal de liberdade, as reivindicações da burguesia nas revoluções do século XVIII visavam limitar o poder estatal e, por conseguinte, proporcionar direitos individuais, também chamados de direitos civis e políticos, inspirados no Estado Liberal. (NOVELINO, 2011, pp. 387 e MARANHÃO JÚNIOR, 2012, pp.13)

Assim, a primeira geração dos direitos fundamentais – também chamados de “direitos da liberdade” por Paulo Bonavides (2006, pp. 563) - tinha como finalidade a proteção da liberdade do indivíduo contra a opressão do Estado.

Paulo Bonavides (2006, pp. 563/564) explica com maestria:

Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (grifo nosso)

Percebe-se, dessa maneira, que esses direitos possuem uma elevada carga de subjetividade, pois, além de serem os primeiros a fazer parte do “instrumento normativo constitucional”, quais sejam: os direitos civis e políticos, eles têm como titular o indivíduo. (BONAVIDES, 2006, pp. 563/564)

Ademais, por serem oponíveis ao Estado – oferecendo-lhe resistência, os “direitos da liberdade” são revestidos de um aspecto negativo; traduzindo, sobretudo, um dever de abstenção por parte do Estado, criando uma obrigação de não fazer, ou seja, de não intervir na vida pessoal dos cidadãos.

Como bem afirma Paulo Bonavides (BONAVIDES, 2006, pp. 564):

Entram na categoria do status negativo da classificação de Jellinek e fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos a nítida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos direitos de liberdade, (...). (grifo nosso)

Traduz, dessa forma, uma ideologia de separação entre Estado e a sociedade; sendo, portanto, a defesa do indivíduo diante do Estado, com a finalidade de demarcar a área de atuação / domínio do Poder Público. 

Conforme ensinamento de Dirley da Cunha Junior (2010, pp. 585), os direitos fundamentais da primeira dimensão estão consolidados universalmente, no sentido de que não há Estado soberano que vise à proteção do individuo que não tenha reconheça tais direitos em toda sua extensão.

Contudo, embora tenha conquistado diversos direitos – os de primeira dimensão – o homem não desistiu e foi em busca de novas conquistas indispensáveis à sua satisfação. Eis que surgem os direitos de segunda geração.

1.3.2. Segunda dimensão dos direitos fundamentais

A concepção liberal do Estado foi influenciada pelos ideais da Revolução Francesa (1789) e do individualismo filosófico e político do século XVIII, que sustentava a proteção de alguns direitos individuais e, em contrapartida, o liberalismo econômico.  Assim, o Estado Liberal priorizou a vida política e se tornou indiferente aos aspectos sociais e econômicos. (COSTA JUNIOR, 2010, pp. 586)

O Estado Liberal, como se sabe, caracterizava-se por uma ação exclusivamente política. Alheio e indiferente à vida econômica e social, o Estado, na sua versão mínima, preocupava-se apenas com a vida política, dispensando as seu elemento humano, tão - só, um tratamento de proteção das liberdades individuais. No campo social e econômico, todavia, o Estado era passivo, contemplativo, não se envolvendo, destarte, nas relações travadas por seus integrantes. Esse estado do laissez faire at laissez passer vigorou nos séculos XVIII e XIX. (grifo nosso) (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 585)

Contudo, em virtude dos graves problemas sociais ocasionados pela industrialização (Revolução Industrial, século XIX), além do rápido crescimento demográfico, surgiu, no início do século XX, a segunda geração dos direitos fundamentais, atribuindo ao Estado o dever de realizar ações jurídicas e sociais com a finalidade de reduzir as desigualdades. (WOLOWSKI, 2010, pp. 21)

Assim, o Estado abandonou sua postura abstencionista e passou a intervir em questões que antes eram deixadas à livre iniciativa; assumindo, dessa forma, uma conduta decisiva na produção e distribuição de bens essenciais. Adotou-se, portanto, o ideal de igualdade - característica marcante do Estado Social.

Quem melhor define a segunda dimensão dos direitos fundamentais é Paulo Bonavides (2006, pp.564):

Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São direito sociais, culturais e econômicos vem como os direitos coletivos ou da coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao principio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula. (grifo nosso)

Enquanto os direitos de primeira dimensão - cuja característica primordial era a liberdade e, portanto, exigia uma prestação negativa do Estado - a segunda geração das normas essenciais estabelecia uma prestação estatal positiva, ou seja, uma maior participação do Estado, em virtude da importância da função social, cuja finalidade é o bem estar da população.

Se no individualismo clássico do Estado Liberal, o Estado era inimigo contra o qual se havia de defender os âmbitos da autonomia individual privada, sob a nova filosófica social o Estado for convertido no amigo que está obrigado a satisfazer as necessidades coletivas da comunidade. (LOEWNSTEIN apud CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 588)

Compreende os direitos sociais culturais e econômicos. São direitos de titularidade coletiva.

Porém, Ingo Sarlet (2007, pp. 57) sustenta que a segunda geração não abrange apenas direitos positivos, mas também as chamadas “liberdades sociais”, por exemplo, direito a férias, salário mínimo, repouso semanal remunerado, dentre outros.

1.3.3. Terceira dimensão dos direitos fundamentais

A desigualdade entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, nos dizeres de Paulo Bonavides (2006, pp. 569), fez surgir uma nova geração dos direitos fundamentais, a qual se assenta nos ideais da fraternidade (ou solidariedade), uma das premissas do movimento iluminista que influenciou a Revolução Francesa (1789).

Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. (BONAVIDES, 2006, pp. 569)

A terceira geração dos direitos fundamentais surgiu no âmbito do Direito Internacional, por meio de documentos da Organização das Nações Unidas - ONU e da UNESCO, em uma tentativa de abrandar as desigualdades entre as nações. (WOLOWSKI, 2010, pp. 24)

Envoltos de sentimentos de humanidade e universalidade, os direitos de terceira geração – consolidados no fim do século XX – não se propõem especificamente à proteção dos “interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um Estado” (BONAVIDES, 2006, pp. 569), mas à preservação da própria existência do grupo. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 593)

Essa dimensão se distingue das demais em virtude de sua finalidade, a qual visa à proteção não somente do homem – indivíduo, mas, nos dizeres de Ingo Sarlet (2007, pp. 58), a grupos humanos, como a família, a nação.

A nota distintiva desses direitos da terceira geração reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. (grifo nosso)  (SARLET, 2007, pp. 58)

Acrescenta Marcelo Novelino (2011, pp. 389) ao afirmar que direitos desta geração são “direitos transindividuais[2]”, visto que tem como finalidade a proteção do ser humano.

Percebe-se, portanto, que esse essa geração tem como principal destinatário o ser humano, pois visam tutelar não apenas o homem isoladamente, mas os direitos difusos e coletivos.

Dentre os direitos integrantes desta dimensão, Alexandre de Moraes (2007, pp. 26/27) destaca os relacionados ao meio ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, à autodeterminação dos povos, ao progresso e à paz[3].

Assim, essas novas reivindicações de liberdades fundamentais, são, na verdade, fruto do impacto tecnológico e, sobretudo, do pós-segunda guerra. São, portanto, direitos de índole defensiva, que poderiam ser encaixados na primeira dimensão dos direitos fundamentais, em virtude de evidenciarem o direito à liberdade, adaptados à época contemporânea. (SARLET, 2007, pp. 60)

1.3.4. Quarta dimensão dos direitos fundamentais

Alguns doutrinadores acreditam na existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, embora não tenha havido a consagração desta no ordenamento jurídico brasileiro e no internacional. (COSTA JUNIOR, 2010, pp. 594)

Com maestria, Ingo Sarlet (2007, pp. 60) afirma seu posicionamento:

Assim, impõem-se a examinar, num primeiro momento, o questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência de uma nova dimensão dos direitos fundamentais, ao menos que nos dias atuais, de modo especial diante das incertezas que o futuro reserva. Além do mais, não nos parece impertinente a ideia de que, na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o principio maior da dignidade da pessoa. (grifo nosso)

Por outro lado, Paulo Bonavides (2006, pp. 571) sustenta que essa dimensão é decorrente da globalização econômica e política e das inovações tecnológicas ocorridas no final do século XX.  Dirley da Cunha Junior (2010, pp. 594) acrescenta ao afirmar que tal globalização se refere à universalização dos direitos fundamentais no plano institucional.

Compreendem, portanto, direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, os quais, segundo Paulo Bonavides (apud COSTA JUNIOR, 2010, pp. 594):

Constituem a base de legitimação de uma possível globalização política e deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão da máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

Percebe-se, contudo, que os direitos de uma nova dimensão não encerram as das anteriores. A primeira geração limitou-se a proteger os direitos individuais; a segunda, os direitos sociais; a terceira geração, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à paz. Todas as gerações continuam existentes e, unidas formam a quarta geração, qual seja: o direito à democracia. (BONAVIDES, 2006, pp. 572)

Dirley da Costa Junior (2010, pp. 594) assevera que a democracia direta e globalizada é, dentre os direitos da quarta dimensão, o mais importante, em virtude de ser o cidadão o legitimado a controlar a constitucionalidade de tais direitos.

Assim, a quarta geração, além de absorver a subjetividade da primeira, como também adquiriu a objetividade que é uma característica marcante da segunda e terceira gerações. Por fim, Paulo Bonavides (2006, pp. 572) afirma que a quarta dimensão compreende o “futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos”.

1.3.5. Quinta dimensão dos direitos fundamentais

Alguns doutrinadores, como José Alcebíades de Oliveira Júnior (apud WOLOWSKI, 2010, pp. 27), sustentam uma quinta dimensão dos direitos fundamentais, ligados à realidade virtual.

Para esta dimensão, tais direitos nascem do crescimento da cibernética, acarretando, dessa forma, o “rompimento de fronteiras tradicionais” e, consequentemente, “estabelecendo conflitos entre países de realidades distintas, via internet, por exemplo.” (OLIVEIRO JÚNIOR, apud WOLOWSKI, 2010, pp. 27)

Com efeito, a referida dimensão sofre algumas críticas doutrinárias, pois acreditam serem releituras das dimensões anteriores. (WOLOWSKI, 2010, pp. 28)

1.4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A Constituição se 1824, outorgada por D. Pedro II, foi resultado de um projeto de tendência liberal, que estabeleceu um extenso rol dos direitos fundamentais, para, dessa forma, estar em harmonia com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. (ZACHER, 2010, pp. 18)

Estabelecer um extenso rol de direitos fundamentais foi uma característica que se repetiu em todas as constituições brasileiras.

A Constituição do Império durou até a proclamação da república em 1889, momento em que se estabeleceu uma comissão provisória para elaborar uma nova constituição – a Constituição de 1981.

A nova constituição ampliou dos direitos fundamentais (Titulo IV, seção II: Declaração de Direitos), prevendo os direito e garantias individuais, como assegurar aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade dos direitos referentes à liberdade, à segurança e à propriedade, e mais ainda, o Habeas Corpus. (ZACHER, 2010, pp. 19)

Durante os anos de 1889 a 1930, período da Republica Velha, houve o crescimento industrial em virtude da exportação do café e, consequentemente, revoltas e inúmeros problemas sociais. (ZACHER, 2010, pp. 19)

A Revolta de 1930 fez com que fosse nomeada outra comissão para elaborar uma nova constituição: Constituição de 1934, a qual previu, além dos direitos e garantias individuais, os direitos de nacionalidade e políticos. Algumas garantias estabelecidas nesta constituição: mandado de segurança, inúmeros direitos trabalhistas (salário mínimo, jornada de trabalho, trabalho noturno). (ZACHER, 2010, pp. 19/20)

Em 1937, o então presidente Getulio Vargas outorgou a Constituição de 1937, porém, no que diz respeito aos direitos fundamentais, não houve avanço.

Em 1946, sob o governo de Eurico Gaspar Dutra, a nova constituição deu ênfase às normas constitucionais internacionais, destacando os direitos fundamentais como a forma de aniquilar os regimes ditatoriais. (ZACHER, 2010, pp. 10)

A Constituição de 1946 sofreu por diversas alterações durante o período da ditadura, que durou até 1985, momento em que foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte cuja finalidade foi elaborar uma constituição que propagasse a nova realidade nacional. (ZACHER, 2010, pp. 20/21)

No dia 05 de outubro de 1988, a Constituição da República se comprometeu a respeitar os direitos fundamentais, elevando-os a norma primordial do ordenamento jurídico brasileiro.

1.4.1. Direitos fundamentais na Constituição de 1988

Os direitos fundamentais foram aclamados pelas constituições depois da Segunda Grande Guerra Mundial, tendo em vista a preocupação dos Estados em proteger os direitos do ser humano.

No Brasil, depois de muitos anos de Ditadura, em 1985, iniciou o processo de redemocratização que resultou na Constituição republicana de 1988, a qual, além de instituir a democracia, inseriu em seu Título II os Direitos e Garantias Fundamentais[4].  (ABREU, 1995, pp. 09)

Nesse sentido, bem observa Dirley da Costa Junior (2010, pp. 619):

Distinguindo-se das cartas anteriores, a Constituição em vigor positivou os referidos direitos logo no inicio de suas disposições (titulo II), após o que tratou da organização do Estado (titulo III), dando cristalinas amostras de que se preocupou prevalentemente com o ser humano, enaltecendo-o como o “fim” do Estado, este considerado “instrumento” de realização da felicidade daquele. Em outras palavras, com a novel posição topográfica dos direitos fundamentais, é nítida a opção da Constituição atual pelo Estado como instrumento, e pelo homem como o fim, (...) (grifo nosso)

Os direitos individuais e coletivos estão diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e a direitos relacionados à vida, à liberdade e à igualdade. A nacionalidade “compreende a situação do indivíduo em face do Estado”. (SOUZA, et. al., 2010, pp. 2204)

Os direitos sociais, previstos nos artigos 6º a 11, possibilitam aos indivíduos direitos capazes de garantir a mínima condição de vida digna. Dirley da Cunha Junior (2010, pp. 619) afirma ter sido uma grande inovação da Carta de 88,

(...) evidenciando, de forma irrecusável, sua condição de verdadeiros direitos fundamentais e pondo fim a uma discussão em que, (...), predominava o entendimento de que esses direitos, como se encontravam positivados tão – somente no titulo da ordem econômica e social, não desfrutavam de força vinculativa própria dos direitos fundamentais, sendo-lhes reconhecida natureza meramente programática.

Os direitos políticos, previstos entre os artigos 14 a 16, garantem o exercício da cidadania.

E, por fim, artigo 17 (dos partidos políticos) “garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos, como instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado democrático de Direito”. (SOUZA, et. al., 2010, pp. 2204)

Os direitos fundamentais são princípios que conservam os valores mais essenciais do ordenamento jurídico de um Estado e, por isso, “são inseridos dentro daquilo que o Constitucionalismo denomina de Princípios Constitucionais”. (SOUZA, et. al., 2010, pp. 2204/2205)

Embora a Constituição de 1988 tenha reservado um Título para os direitos fundamentais, não significa que não existam outros direitos e garantias nos demais artigos do texto constitucional. O art. 5º, § 2º da CF expressamente afirma que os direitos e garantias presentes na Constituição não excluem outros, desde que não contrarie o regime e os princípios adotados pelo texto constitucional ou pelos tratados que o Brasil tenha ratificado. (ABREU, 1995, pp. 11)

Ressalta-se ainda que os direitos fundamentais – sejam implícitos ou expressos e, ainda, os previstos em tratados e convenções internacionais – são protegidos pelas cláusulas pétreas (art. 60, § 4 º).

Para além do exposto, espera-se ter logrado êxito na tarefa de demonstrar, ainda que sucintamente, a evolução dos direitos fundamentais, cumpre-nos, neste momento do trabalho, analisar a eficácia de tais direitos nas relações jurídicas dos particulares, o que será objeto de análise no capítulo a seguir.


CAPÍTULO 2 – A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No capítulo anterior, fez-se uma análise sumária acerca da evolução dos direitos fundamentais, bem como sobre a fundamentação objetiva desses direitos. A partir disto, torna-se necessário avançar, no sentido de verificar a influência desses direitos nas relações entre particulares.

Na doutrina liberal, conforme ensinamento de Marcelo Novelino (2011, pp. 391), admite-se apenas a “eficácia vertical”, na qual os direitos fundamentais são uma espécie de limitação ao poder estatal, limitando-se, portanto, às relações – de subordinação e hierarquização - entre o particular e o Estado.

Ademais, os direitos fundamentais - conhecidos como “direito de defesa” [5] - foram criados como, nos dizeres de Dirley da Cunha (2011, pp. 614), “poderes jurídicos outorgados aos indivíduos” para protegê-los contra as agressões estatais.

Ocorre que, no decorrer dos tempos, as relações sociais ficaram mais complicadas em decorrência da desigualdade entre os homens. Constatou-se, portanto, que a violência contra os indivíduos e, sobretudo, a seus direitos fundamentais não seria exclusiva do poder estatal, mas também da própria esfera privada (“o próprio homem contra seus semelhantes”). (CUNHA JUNIOR, 2011, pp. 614)

Assim, começaram as indagações sobre as implicações desses direitos essenciais nas relações entre particulares, bem como as suas formas de incidência.

Para Daniel Sarmento (2006, pp. 185):

Não seria correto simplesmente transplantar o particular para a posição de sujeito passivo do direito fundamental, equiparando o seu regime jurídico ao dos poderes Públicos, pois o indivíduo, diversamente do Estado, é titular de direitos fundamentais, e está investido pela própria Constituição em um poder de autodeterminação dos seus interesses privados. (grifo nosso)

Assim, compreendeu-se a necessidade de distender a eficácia dos direitos fundamentais para as relações jurídicas entre particulares, com a finalidade de resguardar o homem da ação do próprio homem. A essa proteção a doutrina denominou de “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais - também chamada de “eficácia privada” ou ainda “eficácia externa”.

Para Daniel Sarmento (2006, pp. 186):

O ponto nodal da questão consiste na busca de uma fórmula de compatibilização entre, de um lado, uma tutela efetiva dos direitos fundamentais, neste cenário em que as agressões e ameaças a eles vêm de todos os lados e, do outro, a salvaguarda da autonomia privada da pessoa humana. (grifo nosso)

A discussão[6] sobre o assunto desenvolveu-se inicialmente na doutrina e jurisprudência do Direito Constitucional alemão - e logo se estendeu a outros países -, onde se estabeleceu teorias sobre a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, quais sejam: “teorias da eficácia direta ou imediata” e “teoria da eficácia indireta ou mediata”.

Contrariamente, a doutrina norte - americana nega a aplicação daqueles direitos nas relações privadas, adverte Daniel Sarmento (2006, pp. 186/187), uma vez que cabe somente ao Estado a vinculação às normas constitucionais, a não ser que a conduta do particular possa ser aplicada ao poder estatal. Veja:

Sem embargo, nos Estados Unidos a questão se insere dentro de moldura bem distinta. Lá, firmou-se o entendimento de que as normas constitucionais vinculam apenas o Estado, ressalvada apenas a 13ª Emenda que proibiu a escravidão. A discussão está em saber em que casos a conduta de um particular pode ser de alguma forma imputada ao Estado, pois só através desta imputação é possível obrigar este particular a respeitar os direitos fundamentais consagrados pela Constituição. (grifo nosso) (SARMENTO, 2006, pp. 186/187)

Assim, o presente capítulo terá o intuito precípuo a analise da eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais na ordem jurídica nacional; bem como as diversas teorias que dizem respeito à incidência dos direitos fundamentais.

A primeira teoria é a “negação da eficácia dos direitos fundamentais”. Esta teoria, portanto, rejeita a possibilidade de aplicação desses direitos nas relações entre particulares. Ao analisá-la, dar-se-á ênfase na jurisprudência norte – americana.

A segunda é a “teoria da eficácia indireta (ou mediata)”, por sua vez, sustenta que a aplicação dos direitos fundamentais está condicionada a atuação do Poder Legislativo. Enquanto que a “teoria da eficácia direta (ou imediata)” – terceira teoria, portanto – estabelece que a eficácia dos direitos fundamentais independe da atuação do legislador infraconstitucional, sendo, portanto, direita e imediata.

Além destas, há ainda teorias que nem todos os doutrinadores comentam, mas Daniel Sarmento (2006, pp. 216/224) cita-as, e, por isso, serão brevemente analisadas neste trabalho, quais sejam: a “teoria dos deveres de proteção” e as “teorias alternativas”.

2.1. EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Iluminismo e os ideais da Revolução Francesa (1789), quais sejam: “liberdade”, “igualdade” e “fraternidade” fez surgir o Estado Liberal, época em que os direitos fundamentais possuíam um caráter negativo, ou seja, atribuindo uma abstenção de Estado frente ao indivíduo.

A doutrina tradicional – mais especificamente, a doutrina liberal clássica – sustenta que os direitos fundamentais são normas destinadas a proteger o indivíduo contra eventuais opressões causadas pelo poder estatal. Refere-se, portanto, ao abuso de poder.

De tal modo, os direitos fundamentais são compreendidos como limitações à atividade do Estado, resumindo-se, portanto, à relação entre o Estado e o particular, em que apenas este é detentor das referidas garantias. Trata-se, portanto, de “direitos de defesa”. (NOVELINO, 2011, pp. 391)

2.2. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

As diversas expressões utilizadas pela doutrina – “eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas”, “eficácia privada dos direitos fundamentais”, “eficácia externa dos direitos fundamentais” – servem para explicar o real sentido dos direitos fundamentais frente à real necessidade do ser humano em sua relações privadas. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 614)

O assunto - chamado preferencialmente pela doutrina de “eficácia dos direitos fundamentais” – tem sido objeto de discussão doutrinária e, sobretudo, jurisprudencial por muito tempo, mais precisamente desde os anos 50 do século XX - quando iniciou na Alemanha. (STEINMETZ, 2004, pp. 31)

A eficácia horizontal surgiu, no entanto, como uma forma de contrapor a eficácia vertical, cuja característica é, especialmente, a relação entre o indivíduo e o Estado.

No Estado Liberal, os direitos fundamentais destinavam-se especialmente à proteção dos interesses individuais contra as opressões estatais. Não se cogitava, à época, a aplicação destes na esfera privada, visto que se pensava numa igualdade entre os indivíduos.

Enquanto que no Estado Social, as circunstâncias sociais e econômicas tornaram a sociedade mais participativa e atuante, de modo que, tornou-se necessário uma mudança na proteção dos direitos fundamentais, os quais tiveram como objetivo principal a proteção do homem contra seu semelhante.

Nesse sentido, Ingo Sarlet (apud WOLOWSKI, 2010, pp. 38):

Ao contrário do Estado clássico e liberal de Direito, na qual os direitos fundamentais, na condição de direitos de defesa, tinham por escopo proteger o individuo de ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pessoal e no qual, em virtude de uma preconizada separação entre Estado e sociedade, entre o público e o privado, os direitos fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, (...) (grifo nosso)

E continua afirmando:

(...) no Estado social de Direito [...] a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra aos poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçada. (grifo nosso)

Conforme ensinamento de Marcelo Novelino (2011, pp. 391), a eficácia horizontal dos direitos fundamentais se refere à incidência dos referidos direitos no âmbito da esfera privada, na qual os particulares estão numa “relação de coordenação”.

2.3. AS TEORIAS SOBRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PARITULARES

Em virtude da crescente desigualdade entre os homens, a violência em suas relações jurídicas, por consequência, também aumentaram. Daí a preocupação em proteger o homem e, sobretudo, seus direitos fundamentais das agressões do próprio homem. (COSTA JUNIOR, 2010, pp. 614)

 Por essa razão, surgiram teorias para discutir a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas.

2.3.1. Teoria da ineficácia horizontal ou da negação da eficácia dos direitos fundamentais e a doutrina da “state action”

Dentre as teorias que serão analisadas, a que nega a aplicação dos direitos fundamentais e, sobretudo, a produção de seus efeitos é, segundo Marcelo Novelino (2011, pp. 391), a que possui o menor prestígio.

 A “teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais” - como já analisado - teve seu início na Alemanha. Ocorre que, logo depois o seu surgimento, iniciou-se uma corrente em oposição aos seus entendimentos. Trata-se, portanto, da “teoria da ineficácia horizontal” ou “teoria da negação da eficácia dos direitos fundamentais”, que tem como principais doutrinadores Mangoldt (JULIO ESTRADA apud SARMENTO, 2006, pp. 188) e Forsthoff (BILBAO UBILLOS apud SARMENTO, 2006, pp. 188).

Esta concepção sustentou na ideia do liberalismo clássico; assegurando, contudo, que os direitos fundamentais representavam tão somente “direitos de defesa” em face do poder estatal.

Dentre os argumentos invocados por esta corrente, destacam-se a tradição histórica liberal dentro da qual cristalizam-se os direitos fundamentais, o texto constitucional alemão, que prevê expressamente apenas a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais no seu art. 1.3, bem como a vontade histórica do constituinte, pois não se discutiu, durante a  elaboração da Lei Fundamental alemã, a vinculação dos atores privados aos direitos fundamentais, já que as atenções estavam voltadas para a proteção contra o Estado, até pela proximidade da experiência nazista. (grifo nosso) (SARMENTO, 2006, pp. 188)

Ademais, declarava-se que a “teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais” extinguiria a autonomia privada e, sobretudo, a identidade do Direito Privado, o qual seria sugado pelas normas constitucionais. (SARMENTO, 2006, pp. 188)

Ernst Forsthff chegou a afirmar que a teoria da eficácia horizontal operaria a dissolução da Constituição, ao rebaixá-la de norma a mera ordem de valores, e levaria ao abandono dos métodos clássicos de hermenêutica jurídica no Direito Constitucional, dos quais ele era um ardoroso defensor, com efeitos devastadores para a segurança jurídica.  (grifo nosso) (SARMENTO, 2006, pp. 188)

Embora esta doutrina tenha sido praticamente extinta na Alemanha, em virtude das inúmeras decisões do Tribunal Constitucional alemão, nos anos 50, foi no direito norte – americano que ela encontrou seus adeptos. (SARMENTO, 2006, pp. 189)

É praticamente um axioma do Direito Constitucional norte-americano, quase universalmente aceito tanto pela doutrina como pela jurisprudência, a ideia de que os direitos fundamentais, previstos no Bill of Rights da Carta estadunidense, impõem limitações apenas para os Poderes Públicos e não atribuem aos particulares direitos frente a outros particulares com exceção da 13ª Emenda, que proibiu a escravidão. (grifo nosso) (SARMENTO, 2006, pp. 189)

Nos Estado Unidos, esta corrente é amplamente adotada – tanto na doutrina como na jurisprudência – e, com exceção do 13ª Emenda que proibiu a escravidão, os direitos fundamentais servem como limitações ao Estado – e tão somente ao Estado – não vinculando, portanto, os particulares. (NOVELINO, 2011, pp. 391)

O principal argumento é a literalidade do texto constitucional, pois, segundo Marcelo Novelino (2011, pp. 391/392), a maioria das cláusulas da Constituição que se referem aos direitos fundamentais faz referência apenas aos poderes públicos.

Dirley da Cunha (2010, pp. 614) acrescenta que esta teoria foi responsável pela criação da doutrina da “state action”, a qual, segundo o autor, sustenta a “intangibilidade da autonomia privada”.

A doutrina da “state action”, segundo Marcelo Novelino (2011, pp. 392), tem como princípio a ideia de que os direitos fundamentais protegem o individuo da opressão estatal.

Ocorre que, durante a década de 40 a doutrina da “state action” começou, nos dizeres de Dirley da Cunha Junior (2010, pp. 614), a ser mitigada pela jurisprudência da Suprema Corte americana, pois foi adotada “teoria da função pública” (“public function theory”).

A partir da década de 40 do século passado, a Suprema Corte americana, sem renegar a doutrina da state action, começa a esboçar alguns temperamentos a ela. Com efeito, passou a Suprema Corte a adotar a chamada public function theory, segundo a qual quando particulares agirem no exercício de atividades de natureza tipicamente estatal, estarão também sujeitos às limitações constitucionais. (SARMENTO, 2006, pp. 190)

A “teoria da função pública”, por sua vez, sustenta que os direitos fundamentais devem ser vinculados aos particulares, desde que estes ajam no exercício de funções públicas. (CUNHA JUNIOR, 2010, pp. 614)

John Nowak e Ronald Rotunda (apud SARMENTO, 2006, pp. 190) complementam sobre a “teoria da função pública”:

Esta teoria impede, em primeiro lugar, que o Estado se livre da sua vinculação aos direitos constitucionais pela constituição de empresas privadas, ou pela delegação das suas funções típicas para particulares, pois estes, quando assumem funções de caráter essencialmente público, passam a sujeitar-se aos mesmos condicionamentos constitucionais impostos aos Poderes Públicos.

Daniel Sarmento (2006, pp. 190/191) complementa:

Ademais, existem, segundo a Suprema Corte, certas atividades que independentemente da delegação, são de natureza essencialmente estatal, e, portanto, quando os particulares as exercitam, devem submeter-se integralmente aos direitos fundamentais previstos na Constituição.

Finalmente, percebe-se que a doutrina da “state action” está diretamente associada ao “radical individualismo” que, conforme Daniel Sarmento (2006, pp.196/197), caracteriza a Constituição e a cultura jurídica do direito norte-americano. Dessa forma, tal doutrina não proporciona um tratamento adequado aos direitos fundamentais, tendo em vista que as maiores violências não são causadas pelo Estado, mas pelo próprio homem – “grupos, pessoas e organizações privadas”.

2.3.2. Teoria da eficácia horizontal indireta ou mediata dos direitos fundamentais na esfera privada

Em 1956, o doutrinador alemão Günter Dürig publicou a chamada “teoria da eficácia horizontal indireta ou mediata” dos direitos fundamentais na esfera privada, a qual foi adotada no direito germânico e permanece ainda como doutrina dominante e plenamente aceita pela Corte Constitucional Alemã. (SARMENTO, 2006, pp. 198)

Para ele, deve-se inicialmente admitir o “direito geral de liberdade”, o qual autoriza aos integrantes das relações particulares afastarem os enunciados dos direitos fundamentais, para, dessa forma, não afetar a liberdade contratual. (NOVELINO, 2011, pp. 392)

De tal modo, poderia haver a relativização dos direitos fundamentais nas relações privadas; enaltecendo, dessa forma, a autonomia privada e a responsabilidade individual. (NOVELINO, 2011, pp. 392)

Para esta teoria, os direitos fundamentais não são introduzidos no domínio das relações privadas como direitos subjetivos a partir da Constituição, pois a incidência direta desses direitos nas relações jurídicas entre particulares destruiria a autonomia de vontade e, consequentemente, deformaria o direito privado, “ao convertê-lo numa mera concretização do Direito Constitucional”. (SARMENTO, 2006, pp. 198)

Nesse sentido, Ingo Sarlet (2007, pp. 404):

(...) os direitos fundamentais – precipuamente direitos de defesa contra o estado – apenas poderiam ser aplicados no âmbito das relações entre particulares após um processo de transmutação, caracterizado pela aplicação, interpretação e integração das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos fundamentais, falando-se, neste sentido, de uma recepção dos direitos fundamentais pelo direito privado. (grifo nosso)

Para Dürig, faz-se necessário estabelecer uma relação entre o Direito Privado e as normas constitucionais, a qual é representada por “normas gerais” e “conceitos jurídicos” que devem ser acolhidos pelo legislador e interpretados pelo judiciário em consonância com os valores constitucionais e, sobretudo, dos direitos fundamentais. (SARMENTO, 2006, pp. 198)

Marcelo Novelino (2011, pp. 392/393) enfatiza a necessidade de uma mediação legislativa (“efeito irradiador”) para que os direitos fundamentais possam propagar seus efeitos.

Assim sendo, esta corrente sustenta que os direitos fundamentais não são protegidos no âmbito privado pelos mecanismos de proteção constitucionais, mas por meio dos próprios instrumentos do direito privado. Para tanto, é necessário a atuação do legislador privado que irá disciplinar as relações privadas – compatíveis com valores constitucionais – sem, contudo, isentar a autonomia de vontade. (SARMENTO, 2006, pp. 199/200)

No mesmo sentido Dirley da Cunha (2010, pp. 615):

A teoria da eficácia indireta ou mediata defende a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, condicionando essa incidência, contudo, à prévia atuação do legislador infraconstitucional, que teria o dever de conformar as relações privadas à luz das normas constitucionais definidoras de direitos. (grifo nosso)

Ao Judiciário caberia, tão somente, preencher as cláusulas indefinidas criadas pelo legislador, observando e levando em consideração os direitos fundamentais; além de declarar a inconstitucionalidade das normas privadas incompatíveis com os referidos direitos. (SARMENTO, 2006, pp. 200)

Os adeptos desta corrente criticam a “teoria da eficácia horizontal direta ou imediata” dos direitos fundamentais, pois afirmam que esta teoria dar um poder desmedido ao Judiciário; comprometendo, portanto, a liberdade individual nas relações privadas, que, de tal modo, ficaria demasiadamente vulnerável à discricionariedade do julgador. (SARMENTO, 2006, pp. 198/199)

Daniel Sarmento complementa conforme entendimento de François Rigaux (apud SARMENTO, 2006, pp. 199):

Por isso, entendem os partidários desta tese que a Constituição não investe os particulares em direitos subjetivos privados, mas que ela contém normas objetivas, cujo efeito de irradiação leva à impregnação das leis civis por valores constitucionais. (grifo nosso)

Mas também não se igualam à “teoria da ineficácia horizontal”, a qual nega qualquer tipo de incidência dos direitos fundamentais sobre as relações particulares. A diferença entre ambas é que a “teoria de eficácia indireta” reconhece que os referidos direitos “exprimem uma ordem de valores por todos os campos do ordenamento, inclusive sobre o Direito Privado”, cujas normas devem ser interpretadas em conformidade. (STARCK apud SARMENTO, 2006, pp. 199)

Trata-se, portanto, de uma posição intermediária entre a teoria que nega a eficácia dos direitos fundamentais e aquele que afirma que a incidência dos referidos direitos deve ser direta e imediata.

2.3.3. Teoria da eficácia horizontal direta ou imediata dos direitos fundamentais na esfera privada

Defendida pelo alemão Hans Carl Nipperdey, no início da década de 50, esta teoria não teve muita aceitação no direito alemão, embora seja amplamente aceita como doutrina dominante na Espanha, em Portugal, na Itália e na Argentina. (SARMENTO, 2006, pp. 204 e 216)

Para ele, apesar de alguns direitos estarem vinculados apenas ao poder estatal, existem outros direitos fundamentais os quais podem ser invocados pelos particulares, sem a necessária mediação do legislador. (SARMENTO, 2006, pp. 205)

De tal modo, não só o Estado está vinculado aos valores constitucionais, mas também os particulares, pois tais direitos, além de sofrerem a violência por parte do Estado, são oprimidos pelo próprio homem.

A ideia também foi amparada por Walter Leisner e por Reinhold Zippelius. O primeiro sustentou a unidade do ordenamento jurídico, no sentido de “não ser admissível conceber o Direito Privado como um gueto, à margem da Constituição e dos direitos fundamentais”. (SARLET apud SARMENTO, 2006, pp. 205)

Já Reinhold Zippelius (apud SARMENTO, 2006, pp. 205) afirma que:

quando tais direitos não forem suficientemente protegidos pelo legislador na esfera privada, as normas constitucionais que os consagram produzirão “efeito directo de obrigatoriedade nas relações entre cidadãos”.

Para esta teoria, há uma vinculação direta dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares, independentemente da qualquer intermediação legislativa, “ainda que não se negue a existência de certas especificidades nesta aplicação, bem como a necessidade de ponderação dos direitos fundamentais com a autonomia da vontade”. (NOVELINO, 2011, pp. 393)

É importante frisar – e esta corrente doutrinária não nega – que a vinculação de tais direitos nas relações particulares não possuem a mesma forma e intensidade da vinculação com os poderes públicos. Pois, conforme ensinamento de Marcelo Novelino (2011, pp. 393), os poder estatal é responsável em proporcionar o bem comum, enquanto que os particulares usufruem da autonomia privada.

Nesse sentido, Robert Alexy (apud SARMENTO, 2006, pp. 205) assevera:

Cumpre destacar, no entanto, que os adeptos da teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas não negam a existência de especificidades nesta incidência, nem a necessidade de ponderar o direito fundamental em jogo com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso. (grifo nosso)

E continua afirmando que:

Não se trata, portanto, de uma doutrina radical, que possa conduzir a resultados liberticidas, ao contrário do que sustentam seus opositores, pois ela não prega a desconsideração da liberdade individual no tráfico jurídico – privado. (grifo nosso)

Embora seja amplamente aceita, Marcelo Novelino (2011, pp. 393) expõe algumas criticas feitas a esta teoria:

I) a desfiguração e a perda de clareza conceitual do direito privado;  II) a ameaça à sobrevivência da autonomia privada, conceito chave do direito civil e III) a incompatibilidade com os princípios democrático, da separação dos poderes e da segurança jurídica.

Dessa forma, para que seja evitado o “subjetivismo judicial, o casuísmo desmedido e, por consequência, a insegurança jurídica” devem ser decididos critérios específicos de aplicação desses direitos às relações privadas para que a liberdade individual não seja subjugada, assevera Marcelo Novelino (2011, pp. 393).

A doutrina brasileira e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF convergem no sentido de aplicar a “teoria da eficácia horizontal direta ou imediata” dos direitos fundamentais na esfera privada, como será visto no capitulo seguinte.

Essa tendência, nos dizeres de Dirley da Cunha (2010, pp. 615/616), se dá em virtude do artigo 5º, §1º da Constituição da República, que determina sejam aplicadas de maneira imediata as normas de direitos fundamentais.

Do exposto, percebe-se que se os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata e vinculam os particulares em suas relações jurídicas, a consequência disto é que a vinculação seja conforme a vinculação do Poder Público.

2.3.4. Teoria dos deveres de proteção e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais [7]

Defendida por doutrinadores alemães, como Claus-Wilhelm Canaris, Joseph Isensee, Stefan Oeter e Kalus Stern, trata-se de uma variante da “teoria da eficácia indireta”. (SARMENTO, 2006, pp. 216/217)

Para esta teoria, conforme entendimento de Canaris (apud SARMENTO, 2006, pp. 217), o Estado, além de se abster de violar os direitos fundamentais, deve proteger seus titulares das violências causadas por terceiros (também particulares). De tal modo, percebe-se que o Estado possui uma função defensiva e outra protetiva, as quais são chamadas de “proibição de intervenção” e “imperativo de tutela ou imperativo de proteção”.

Para este doutrinador, há, nesta teoria, dois aspectos a serem analisados. O primeiro diz respeito à vinculação direta e imediata do legislador aos direitos fundamentais. O segundo, à “aplicação e desenvolvimento judicial do Direito Privado”. (SARMENTO, 2006, pp. 217)

Para Canaris (apud SARMENTO, 2006, pp. 217/218), tanto a função legislativa quanto a jurisdicional estão vinculadas – de forma positiva ou negativa - aos direitos fundamentais, até mesmo no que se refere às relações privadas.

Julio Strada (apud SARMENTO, 2006, pp. 218) acrescenta:

Para Isensee, por sua vez, a teoria dos deveres de proteção é preferível em relação às teoria da Drittwirkung direta ou indireta, porque direciona os direitos fundamentais apenas para o Estado, evitando os riscos para a autonomia privada. Oeter, na mesma linha também manifesta a sua preferência pela teoria dos deveres de proteção, sob o argumento de que ela evita o ativismo judicial que as outras teorias sobre a eficácia horizontal permitem. Isto porque, para ele, pela teoria dos deveres de proteção, quando o legislador deixasse de cumprir sua obrigação de salvaguarda dos direitos fundamentais nas relações privadas, não seria lícito ao juiz colmatar a lacuna. A questão só poderia resolver-se através do controle da inconstitucionalidade por omissão, que na Alemanha é concentrado no Tribunal Constitucional, e não permite a elaboração de norma pelo Judiciário. (grifo nosso)

Para esta teoria, cabe ao Estado a proteção dos direitos fundamentais nas relações privadas, ou seja, proteger particulares da conduta ameaçadora de outros particulares.

Porém, Daniel Sarmento (2012, pp. 19) critica esta premissa – a de que somente o Estado está vinculado a tais direitos -, pois, para ele, não há uma adequação à realidade, tendo em vista que somente teria sentido obrigar o Estado a evitar uma ameaça causada por particular a direito fundamental se a atitude do particular fosse considerada ilícita; assim, o particular, de qualquer forma, também estaria vinculado e obrigado a respeitar os direitos fundamentais.

2.3.5. Teorias alternativas[8]

Jürgen Schwabe publicou em 1971 na Alemanha, a obra intitulada de “teoria da convergência estatista” (SARLET apud SARMENTO, 2006, pp. 220), a qual rejeita as teorias da eficácia imediata e da eficácia mediata dos direitos fundamentais na esfera interprivada, como afirma Daniel Sarmento (2006, pp. 220)

Conforme entendimento de Schwabe (apud SARMENTO, 2006, pp. 221), esta doutrina responsabiliza o Estado pelos danos causados aos direitos fundamentais dos particulares, ainda que seja nas relações privadas.

Para Schwabe, a atividade dos particulares, mesmo quando desenvolvida no âmbito da sua esfera de autonomia privada juridicamente protegida, é sempre imputável ao Estado, pois decorres de uma prévia autorização explicita ou implícita da ordem jurídica estatal. (SARMENTO, 2006, pp. 221)

Esta teoria não aceita a distinção entre Direito Privado e Direito Publico, “para fins de submissão dos direitos fundamentais”, ressalta Daniel Sarmento (2006, pp. 221) Além do mais, quando há a violação dos direitos fundamentais, o ato de agressão pode ser imputado ao poder estatal, pelo simples fato de não ter proibido o ato lesivo, por meio do legislador, ou porque, simplesmente, não o impediu, através da atividade administrativa ou da prestação jurisdicional.

Outra corrente doutrinária que merece destaque é a proposta por Robert Alexy (apud SARMENTO, 2006, pp. 222), que conciliou três correntes divergentes, as quais são explicadas com maestria por Wilson Steinmetz (2004, pp. 182). Veja:

Alexy propõe um modelo em três níveis: (i) o dos deveres do estado, (ii) o dos direitos ante o Estado e (iii) o das relações jurídicas entre particulares. (i) A teoria da eficácia mediata situa-se no nível dos deveres do Estado. Os direitos fundamentais como princípios objetivos que se projetam sobre todos os âmbitos dos direitos obrigam o Estado a tomá-los em conta na legislação e na jurisdição. (ii) Os direitos ante o Estado (a teoria de Schwabe) situam-se no segundo nível. O particular, em conflito com outro particular, tem o direito fundamental a que o juiz e os tribunais, em suas decisões, tomem em consideração os princípios jusfundamentais (princípios objetivos) que apoiam a sua (do particular) posição ou pretensão. Este direito fundamental é um direito fundamental ante (contra) a jurisdição. Se o juiz ou o tribunal, na decisão proferida, não tomar em consideração esse direito fundamental, estará lesando esse direito fundamental como direito de defesa. (iii) No terceiro nível, situa-se a eficácia de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares (teoria da eficácia imediata). (grifo nosso)

Para Robert Alexy (apud SARMENTO, 2006, pp. 222), as referidas teorias - “teoria da eficácia direta e imediata”, a “teoria da eficácia indireta e mediata” e, por fim, a “doutrina dos deveres de proteção do Estado” - podem chegar a resultados equivalentes, embora tenham diferentes correntes filosóficas.

Isto porque, segundo ele, todas levam em consideração o fato de que na relação entre particulares, diferentemente do que ocorre na relação entre cidadão e Estado, ambas as partes são titulares de direitos fundamentais. Ademais, todas as três construções reconhecem que a gradação da eficácia do direito fundamental na relação interprivada decorre de uma ponderação de interesses. (grifo nosso) (SARMENTO, 2006, pp. 222)

 Afirma ainda, conforme afirmação de Daniel Sarmento (2006, pp. 222), a necessidade de se encontrar uma teoria correta, a qual explique a incidência dos referidos direitos nas relações privadas, satisfatoriamente.

Assim, no decorrer do capítulo, viu-se que, ao longo dos tempos, teorias sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas foram formadas na doutrina de diversos países.

É certo que houve uma tendência de abdicar as concepções mais radicais, quais sejam: as que negam qualquer tipo de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ou aquelas que afirmam que a vinculação dos particulares é equivalente ao do Estado.

De qualquer forma, deve haver uma proteção pelos direitos fundamentais outorgadas aos particulares, em virtude das inúmeras agressões sofridas e, sobretudo, das desigualdades que existem nas relações privadas. Mas, não se devem igualar tais indivíduos ao Estado, pois haveria, neste caso, restrições às liberdades individuais e, principalmente, à autonomia privada.


CAPÍTULO 3 – A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Nos capítulos anteriores faz-se uma abordagem sobre os direitos fundamentais – conceitos, características e evolução – e, no capítulo segundo, acerca das principais teorias cujas abordagens refletem a eficácia desses direitos nas relações entre os particulares.

Buscou-se, portanto, entender a posição do direito brasileiro no que diz respeito à eficácia daqueles direitos fundamentais. Dessa forma, percebeu-se que a Constituição da República brasileira de 1988 adotou a teoria da eficácia horizontal direta ou imediata dos direitos fundamentais, permitindo, portanto, que tais direitos sejam utilizados diretamente pelas relações privadas.

Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro permite que os direitos fundamentais dedicados pela lei suprema possam guiar e proteger todos os cidadãos, e não somente os poderes públicos..

Pois, conforme Daniel Sarmento (2006, pp. 235), a Constituição de 1988:

A Constituição e os direitos fundamentais que ela consagra não se dirigem apenas aos governantes, mas a todos, (...), a Constituição de 1988 não é apenas a Lei Fundamental do Estado Brasileiro. Trata-se, na verdade, da Lei Fundamental do Estado e da sociedade, porque contém os principais valores e diretrizes para a conformação da vida social no país, não se limitando aos papéis mais clássicos das constituições liberais, de organização da estrutura estatal e definição das relações entre governantes e governados.

Partindo disto, deve-se então analisar a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, visto que o Estado e os particulares – em suas próprias relações - não possuem o mesmo grau de subordinação aos direitos fundamentais.

No mesmo sentido, Walter Claudius Rothenburg (1999, item 15) afirma que “o efeito dos direitos fundamentais no âmbito privado é diverso e, sob certo aspecto, menos enérgico do que aquele verificado nas relações com o Poder Público”.

Assim, este capítulo fará uma breve analise sobre as formas e os graus de incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

Primeiramente, será analisada a autonomia privada como princípio fundamental do Direito Privado. Analisando, portanto, sua evolução, seu conceito e suas características; além da relação que este princípio tem com a liberdade contratual.

Depois, será feita uma breve analise sobre o que as teorias da eficácia mediata e da eficácia imediata sustentam sobre a relação entre os direitos fundamentais e o princípio da autonomia privada.

E, por fim, serão analisadas as posições da doutrina brasileira e da jurisprudência do STF no que diz respeito à vinculação dos direitos fundamentais nas relações privadas – principal enfoque do presente trabalho.

3.1. AUTONOMIA PRIVADA: PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO PRIVADO

 Conforme ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves (2008, pp. 20), o direito privado - mais precisamente, o direito contratual – é regido por diversos princípios fundamentais, dentre os quais estão: a “autonomia da vontade”, a “supremacia da ordem pública”, o “consensualismo”, a “relatividade dos efeitos”, a “obrigatoriedade”, a “boa fé”.

Ocorre que, o presente trabalho abordará brevemente apenas o “principio fundamental da autonomia privada”, em virtude da correlação com o tema escolhido.

Embora seja um princípio tradicional desde o direito romano, a autonomia privada teve seu auge após a Revolução Francesa, momento em que o individualismo e a liberdade predominaram. (GONÇALVES, 2008, pp. 20)

Para Wilson Steinmetz (2004, pp. 189/190):

A autonomia privada é princípio fundamental do direito privado, e muito especialmente do direito civil. Na linguagem dos juristas, o sentido e a força dessa fundamentalidade são indicados com diferentes expressões: “princípio constitutivo do direito privado” (WIEACKER, Franz apud STEINMETZ, 2004, pp. 189), “princípio de ordenação sistemática interna” (PINTO, Carlos Alberto da Mota apud STEINMETZ, 2004, pp. 189), “pedra angular do sistema civilístico” (FACHIN, Luiz Edson apud STEINMETZ, 2004, pp. 189) ou “pedra angular do Direito Privado” (GOMES, Orlando apud STEINMETZ, 2004, pp. 190), “dogma nuclear do ordenamento privado” (NALIN, Paulo apud STEINMETZ, 2004, pp. 190). (grifo nosso)

Independentemente da definição, a essência e o significado de tal princípio são os mesmos. É, portanto, um poder conferido pelo ordenamento jurídico às relações privadas para que possam regulamentar seus interesses livremente. (STEINMETZ, 2004, pp. 190)

Trata-se, dessa forma, de um princípio que se baseia na ampla “liberdade contratual”, no poder dos contratantes de estabelecer seus interesses por meio de acordo de vontades. (GONÇALVES, 2008, pp. 20)

Há os que afirmam, como Steinmetz (2004, pp. 190/101), que a “autonomia privada” faz parte da soberania dos particulares diante de suas relações privadas, pois são livres para decidirem e regulamentarem seus próprios interesses. Acrescenta ainda quando afirma que os particulares são os legisladores das próprias relações jurídicas no momento em que criam seus direitos e, consequentemente, suas obrigações. Veja:

Define-se autonomia privada como o poder atribuído pela ordem jurídica aos particulares para que, livres e soberanamente, auto-regulamentem os próprios interesses (direitos, bens, fins, pretensões). A autonomia privada manifesta-se como um poder de autodeterminação e de autovinculação dos particulares. No exercício da autonomia privada, os particulares tornam-se legisladores dos próprios interesses, seja para criar direitos, seja para criar deveres. (grifo nosso) (STEINMETZ, 2004, pp. 190/191)

O “princípio da autonomia privada” se revela com diferentes intensidades; porém, é na seara dos negócios jurídicos que a autonomia privada se apresenta mais intensamente, havendo, dessa maneira, a concretização da “liberdade contratual” ou “liberdade negocial”. Wilson Steinmetz (2004, pp. 191/192) afirma que “o nexo entre autonomia privada e liberdade contratual é tão forte que, não raras vezes, no discurso dos juristas, torna-se uma pela outra”.

No princípio da liberdade contratual compreendem-se: (i) as liberdades positiva e negativa de contratar, isto é, a liberdade de decidir contratar e de decidir não contratar (direito de contratação e direito de não-contratação); (ii) a liberdade de escolher o contratante; (iii) a liberdade de escolher o tipo de contrato, isto é, a liberdade de escolher – segundo um juízo de adequação, funcionalidade ou conveniência e observada a disciplina legal – entre os contratos típicos e a liberdade de concluir contratos atípicos; e (iv) a liberdade de determinar o conteúdo e os efeitos do contrato. (STEINMETZ, 2004, pp. 192)

Ocorre que, embora a “liberdade contratual” seja considerada um princípio fundamental no âmbito do direito privado, não se pode caracterizá-la como princípio absoluto, pois se encontra limitado pelo “principio da supremacia da ordem pública”, em virtude de o interesse da coletividade estar sempre prevalecendo sobre os individuais. (GONÇALVES, 2008, pp. 23)

No inicio do século passado, constatou-se que, em virtude do aumento da industrialização, a liberdade para contratar gerava desequilíbrios e, por conseguinte, a exploração dos mais fracos. Havia, portanto, uma igualdade política, mas não a igualdade econômica. Assim, a intervenção estatal tornou-se imprescindível para restabelecer a igualdade dos contratantes. (GONÇALVES, 2008, pp. 23)

Wilson Steinmetz (2004, pp. 192/193) afirma:

A rigor, mesmo à época do mais forte liberalismo econômico – o liberalismo econômico do oitocentos e de parte do novecentos – o princípio da liberdade contratual não era havido como ilimitado, razão pela qual eram fixadas certas limitações legais no próprio âmbito do direito civil. (grifo nosso)

E continua:

É bem verdade que inicialmente predominava uma visão segundo a qual a liberdade contratual devia informar e estruturar as relações contratuais de modo o mais intenso e extenso possível. Essa visão verbalizava-se lapidarmente na pacta sunt servanda e no contractus est Lex inter partes. Contudo, as transformações econômicas e sociais e os novos paradigmas políticos e ideológicos projetaram-se sobre o desenvolvimento e a conformação jurídicos do princípio da liberdade contratual, não a ponto de dissolver o seu conteúdo essencial mínimo – constituído pelos elementos antes pontuados -, mas a ponto de estabelecer uma gama de restrições, relativizando o “peso” do princípio da liberdade contratual no direito privado. Para usar um conceito caro à dogmática contemporânea do direito civil, houve uma “funcionalização” social do contrato, portanto, uma “funcionalização” da liberdade contratual. (grifo nosso)

Para Wilson Steinmetz (2004, pp. 193), as restrições à “autonomia privada” e, por conseguinte, à “liberdade contratual” manifestam-se de diferentes maneiras, a principal delas são as “normas imperativas”, “cláusulas gerais” e os “contratos de adesão”. Veja:

O progressivo aumento das restrições à autonomia privada e a sua expressão máxima, a liberdade contratual, manifestou-se de diferentes modos, com destaque para as normas imperativas, as cláusulas gerais e os contratos de adesão (“contratos de massa”). No direito privado contratual contemporâneo, o número de normas imperativas é proporcionalmente maior ao que era no direito privado contratual clássico e, em consequência, a quantidade de normas dispositivas (interpretativas e supletivas) é proporcionalmente menor. Também ampliou-se significativamente o elenco das cláusulas gerais. Dele fazem parte, atualmente: “ordem pública”, “bons costumes”, “abuso de poder”, “excesso de poder”, ”boa fé”, “probidade”, “equidade”, “finalidade econômica”, “finalidade social”, e “usus do lugar”.

Carlos Roberto Gonçalves (2008, pp. 22/23) afirma que há três tipos de limitações, quais sejam: a faculdade de contratar e de não contratar a escolha do outro contraente (de contratar com que quiser) e, por fim, o conteúdo do contrato. [9]

Embora existam limitações a estes princípios, pois eles não são absolutos – como tantos outros do ordenamento jurídico –, deve-se entender que a “autonomia privada” e a “liberdade de contratar” continuam sendo princípios fundamentais do direito privado.

Tais princípios são, segundo Wilson Steinmetz (2004, pp. 196), “estruturais e estruturantes”. Para ele, os princípios fundamentais são mais um tipo de limitação à autonomia privada, além de tantas outras limitações que já existem no direito privado.

E, por sofrer algum tipo de limitação, não significa que haverá a extinção de tais princípios, nem mesmo o aniquilamento do Direito Civil, como afirma a teoria da eficácia indireta ou mediata.

3.2. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇOES PRIVADAS NO DIREITO BRASILEIRO: A RELAÇÃO ENTRE A AUTONOMIA PRIVADA E AS TEORIAS DA EFICÁCIA HORIZONTAL

No capítulo segundo, fez-se uma breve explanação acerca das principais teorias da eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares. Analisamos, dessa forma, aceitação das doutrinas no ordenamento jurídico brasileiro.

Neste momento, porém, o objetivo é analisar a relação que a teoria indireta ou mediata e a teoria direta ou imediata fazem entre o principio da autonomia privada e os direitos fundamentais. Dando, portanto, uma maior ênfase à segunda teoria, em virtude de ter sido a teoria adotada pela doutrina brasileira e, sobretudo, pela jurisprudência do STF.

3.2.1.  Autonomia privada e a Teoria da eficácia indireta ou mediata

A teoria da eficácia mediata dos direitos fundamentais tem como alicerce a preservação da “autonomia privada”. De tal modo que, os referidos direitos são aplicados indiretamente nas relações entre indivíduos. (STEINMETZ, 2004, pp. 197)

Dessa forma, os conflitos entre tais direitos e a “autonomia privada” que porventura apareçam, para este teoria, devem ser resolvidos dentro do Direito Privado, jamais pelo Direito Constitucional.

Os doutrinadores que advogam para esta teoria, conforme Wilson Steinmetz (2004, pp. 198), afirmam que a autonomia privada não é apenas um “princípio fundamental do direito privado”, mas uma das manifestações do “princípio da autonomia da pessoa, princípio a um só tempo moral e jurídico”.

Aplicar diretamente os direitos fundamentais seria, para este teoria, a extinção do direito privado, pois comprometeria, demasiadamente, a autonomia privada. Além de, acarretar a insegurança jurídica, na medida em que os problemas privados seriam resolvidos na esfera constitucional. (SARMENTO, 2006, pp. 239)

3.2.2. Autonomia privada e a Teoria da eficácia direta ou imediata

Enquanto a teoria da eficácia indireta ou imediata sustenta a extinção da “autonomia privada” no momento em que há a incidência dos direitos fundamentais no seu âmbito de atuação; a teoria da eficácia direta ou imediata advoga ideia oposta, conforme se verá adiante.

Segundo ensinamentos de Wilson Steinmetz (2004, pp. 199), a Constituição da República Alemã de Weimar de 1919, consagrava expressamente a “liberdade de contratar”: “no tráfico econômico imperará a liberdade de contratação a teor do estabelecido nas leis” (artigo 152.1).

Ocorre que, em algumas constituições contemporâneas - a exemplo das constituições italiana, alemã, portuguesa, espanhola e brasileira - não há disposição expressa ao “princípio da autonomia privada” e / ou à “liberdade de contratação”.

Contudo, ausência de enunciado expresso, segundo Steinmetz (2004, pp. 199), não significa a falta de amparo constitucional da “autonomia privada”.

Nesse sentido, analisando a Constituição da Republica brasileira de 1988, é possível dar à “autonomia privada” a tutela constitucional a partir do “direito de liberdade” (art 5º, caput), do “direito da livre iniciativa” (arts 1º, IV e 170, caput), do “direito ao livre exercício do trabalho” (art 5º, XIII), do “direito de propriedade” (art 5º caput e XXII), do “direito de convenção ou de acordo coletivo” (art 7º, XXVI). Pois, é a partir de tais direitos que se extrai o “poder geral de autodeterminação e autovinculação”, que são norteadores da autonomia privada. (STEINMETZ, 2004, pp. 200)

Assim, para Steinmetz (2004, pp. 200), se os princípios constitucionais citados acima possuem um “poder geral de autodeterminação e autovinculação”, isso significa dizer então que a “autonomia privada” – por ser norteada pela “autodeterminação” e “autovinculação” – também seria uma principio protegido pela própria constituição.

(i) (...) O exercício de livre disposição da propriedade se viabiliza concreta e instrumentalmente pelo contrato. A autonomia privada – aqui, particularizada na liberdade contratual – é principio fundamental do direito contratual. Logo, se a constituição tutela a propriedade (seja como direito fundamental, seja como garantia de instituto), então ela também tutela a autonomia privada. (...) se o exercício do direito de propriedade exige o instituto do contrato, se o instituto do contrato tem por principio fundamental a autonomia privada e se a Constituição protege o direito de propriedade, então a Constituição protege a autonomia privada.

(ii) A Constituição elegeu a livre iniciativa econômica privada como principio fundamental não só da ordem econômica (...) como também da República Federativa do Brasil. Ora, é lógica e faticamente impensável e impraticável a livre iniciativa sem a autonomia privada. Logo, ao eleger a livre iniciativa como principio constitucional, a Constituição também tutelou a autonomia privada. (grifo nosso) (STEINMETZ, 2004, pp. 200)

A “autonomia privada”, analisando sob esse ponto de vista, é objeto de proteção constitucional. De tal modo que, o conflito entre a “autonomia privada” e os direitos fundamentais deve ser resolvido, segundo Steinmetz (2004, pp. 202), como “colisão entre direitos fundamentais em sentido amplo - direitos fundamentais versus bem constitucionalmente protegido”.

Nesse contexto, elimina-se o temor da teoria indireta ou mediata dos direitos fundamentais, pois não haveria a extinção da “autonomia privada”, muito menos a perda de identidade do Direito Civil, uma vez que a “autonomia privada”, como bem um constitucionalmente protegido, jamais poderia ser afastada.

3.3. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A POSIÇÃO DA DOUTRINA

A elaboração doutrinária acerca do tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é bem recente no direito brasileiro, segundo afirma Daniel Sarmento (2006, pp. 246); embora se tenha notícia de que havia alguns estudos precursores.

Assim, torna-se importante uma breve analise acerca do posicionamento de alguns dos principais doutrinadores a respeito do tema.

O doutrinador Ingo Sarlet (apud SARMENTO, 2006, pp. 246) afirma que no ordenamento jurídico brasileiro não há doutrina que consiga afastar o entendimento de que os direitos fundamentais possuem uma eficácia direta nas relações privadas.

No entanto, embora sustente que a eficácia é imediata, entende ser necessário que, diante do caso concreto, a aplicação dos direitos fundamentais deva ser ponderada com o “principio da autonomia privada” do particular. (SARLET apud SARMENTO, 2006, pp. 246)

Em apertada síntese, Wilson Steinmetz (2004, pp. 295) defende a tese da eficácia direta de tais direitos às relações entre particulares. Veja:

Quanto à forma (o modo, o “como”) e ao alcance (a extensão, a medida), a vinculação dos particulares a direitos fundamentais – sobretudo a direitos fundamentais individuais – se materializa como eficácia imediata “matizada” (“modulada” ou “graduada”) por estruturas de ponderação (ordenadas no princípio da proporcionalidade e seus elementos) que, no caso concreto, tomam em consideração os direitos e/ou princípios fundamentais em colisão e as circunstancias relevantes. (grifo nosso)

Enfatiza, ainda, que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais deve ser definida conforme exigências constitucionais e não segundo a conveniência do Direito privado, em virtude do “princípio da supremacia da Constituição” e “da posição preferencial dos direitos fundamentais no sistema constitucional”. (STEINMETZ, 2004, pp. 296)

No mesmo sentido, Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2006, pp. 164/165) afirma que, para a realidade do sistema jurídico brasileiro, a eficácia direta dos direitos fundamentais é a mais adequada e, por isso, tem sido a tese admitida pela doutrina. Mas, para tanto, é necessário a ponderação entre os “princípios constitucionais da livre iniciativa e da autonomia da vontade” e os direitos fundamentais discutidos no caso concreto.

Com maestria, Barroso (2006, pp. 165) acrescenta:

Para esta específica ponderação entre autonomia da vontade versus outro direito fundamental em questão, merecem relevo os seguintes fatores: a) igualdade ou desigualdade material entre as partes (e.g., se uma multinacional renuncia contratualmente a um direito, tal situação é diversa daquela em que o trabalhador humilde faça o mesmo); b) a manifesta injustiça ou falta de razoabilidade do critério (e.g., escola que não admite filhos de pais divorciados); c) preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais; d) risco para a dignidade da pessoa humana (e.g., ninguém pode se sujeitar a sanções corporais). (grifo nosso)

É certo que os particulares possuem uma vinculação direta aos direitos fundamentais. Trata-se, dessa maneira, de posição dominante na doutrina brasileira. Mas não se pode afirmar que os referidos direitos são tão amplamente utilizados na esfera privada como os são na relação Estado – indivíduo.

A relação entre particulares não pode ser totalmente abarcada pelos direitos fundamentais, em virtude da “autonomia privada”. Por conta disto, deve ser feita uma ponderação entre os referido direitos e a “autonomia privada”.

Nesse sentido, Daniel Sarmento (2006, pp. 261) sustenta a importância de o legislador definir parâmetros para serem utilizados nos casos de colisão, diminuindo, assim, a discricionariedade do julgador e garantindo a segurança jurídica. Veja:

O estabelecimento destes standards, especialmente no caso brasileiro, parece-nos de importância ímpar. De fato, se, por um lado, a jurisprudência pátria vem caminhando para o reconhecimento de uma ampla eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada, por outro, ela o tem feito praticamente sem qualquer fundamentação jurídica. As decisões parecem basear-se mais numa intuição de justiça dos juízes do que numa argumentação dogmática sólida. É preciso avançar neste ponto, para construir alicerces mais firmes na nossa matéria, tornando a aplicação dos direitos fundamentais no âmbito privado intersubjetivamente controlável, e, na medida do possível, relativamente independente dos humores e das inclinações espirituais e ideológicas dos magistrados. Afinal, se há muitos juízes bons, justos e equilibrados, há outros tantos que não o são, e os direitos fundamentais não podem ficar à mercê do psiquismo e da formação moral de quem quer que seja. (grifo nosso) (SARMENTO, 2006, pp261)

Assim, considerando as desigualdades social e econômica da população brasileira, torna-se necessário proteger os direitos fundamentais nas relações privadas, em virtude da vulnerabilidade dos mais fracos. Pois, não poderia, diante da realidade brasileira, a autonomia privada ser um “poder ilimitado” do indivíduo, pois, se assim fosse, tornaria a própria relação privada insustentável.

3.4. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O ordenamento jurídico brasileiro, conforme ensina Daniel Sarmento (2012, pp. 19), desde a Constituição da República de 1934, dedica-se a direitos fundamentais os quais estabelecem relações trabalhistas, ou seja, direitos voltados contra particulares.

Ocorre que, o presente trabalho não estudará estes direitos fundamentais, mas a eficácia horizontal dos direitos fundamentais tradicionalmente vinculados ao Estado, quais sejam: as liberdades individuais e os direitos sociais não trabalhistas.

Assim, será feito uma breve exposição de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. E, para facilitar o entendimento, será dividido em julgados anteriores e posteriores a Constituição da República de 1988.

3.4.1. Entendimento do STF antes da Constituição da República de 1988

Antes da Constituição de República de 1988 ser promulgada, a Corte Suprema, segundo Daniel Sarmento (2012, pp. 19), não tinha definido seu entendimento a respeito da  aplicação e vinculação dos direitos fundamentais aos particulares.

Em uma decisão do ano de 1968, é possível perceber o entendimento tradicional do Supremo, no sentido de que os direitos fundamentais limitavam-se à esfera das relações públicas, ou seja, nas atividades estatais.

A referida decisão foi proferida no Recurso Extraordinário nº 63.279, no qual se discutiu ofensas ao princípio da igualdade causadas pelas cláusulas do estatuto de uma sociedade civil.

Veja-se a Emenda do referido recurso:

A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE UMA SOCIEDADE CIVIL, REGULADOS PELOS SEUS ESTATUTOS, NÃO SE SUBMETEM AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, QUE REGE AS RELAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO OU AQUELES EM QUE ESTE INTERFERE. O PRECEITO ESTATUTARIO, SEGUNDO O QUAL OS ASSOCIADOS ELEITOS PARA O CONSELHO DELIBERATIVO DE CLUBE ESPORTIVO DURANTE CINCO BIENIOS CONSECUTIVOS PASSAM A SER MEMBROS EFETIVOS DESSE ÓRGÃO, NÃO FERE O ART. 1394 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO PELA LETRA A, NÃO CONHECIDO. (grifo nosso)

(RE 63279 SP, Relator: Ministro AMARAL SANTOS Publicação: DJ 17-06-1968)

Para o ministro Amaral Santos, o principio da isonomia somente deve ser aplicado nas relações privadas se os referidos estatutos possibilitam de aplicação das normas de direito público, caso contrário, os referidos estatutos poderão livremente estabelecer as relações conforme o interesse dos associados.

O voto do ministro relator – acompanhado pelos demais ministros da Terceira Turma – afirmava:

O princípio da isonomia é de aplicação nas relações de direito público, ou naquelas em que o direito público interfere. Assim, nas relações de direito privado, como são as que se estabelecem entre os sócios de uma associação esportiva e esta mesma associação, a primeira coisa a verificar-se, para se cogitar da aplicabilidade ou não do princípio, é se alguma norma de direito público a impõe. Inexistente esta norma, os estatutos da associação dessa natureza poderão livremente estabelecer aquelas relações conforme for do interesse associativo.

(...)

“A inovação do princípio da igualdade de todos perante a lei não estava autorizada. A questão controvertida é estritamente de direitos privado, relacionada com a organização e vida de uma sociedade civil. Além do mais, não se vê em que o Estatuto da associação, na parte impugnada, posse implicar tratamento desigual para os associados”. (grifo nosso)

(RE 63279 SP, Relator: Ministro AMARAL SANTOS Publicação: DJ 17-06-1968)

Ocorre que, a partir de 1977, a Corte Suprema passou a aceitar a possibilidade de direitos fundamentais vincularem também os particulares. Foi o que aconteceu no julgamento pela Segunda Turma do Recurso Extraordinário nº 85.439, no qual foi analisado o direito à privacidade como direito fundamental nas relações privadas.

Veja a ementa do Acórdão:

PROVA CIVIL. GRAVAÇÃO MAGNETICA, FEITA CLANDESTINAMENTE PELO MARIDO, DE LIGAÇÕES TELEFONICAS DA MULHER. INADMISSIBILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO EM PROCESSO JUDICIAL, POR NÃO SER MEIO LEGAL NEM MORALMENTE LEGITIMO (ART. 332 CPC). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (grifo nosso)

(RE 85439 RJ - SEGUNDA TURMA, Relator: Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE; Julgamento: 11/11/1977; publicação: DJ 02-12-1977; EMENT VOL-01081-02 PP-00643 RTJ VOL-00084-02 PP-00609)

Assim, o ministro relator Xavier de Albuquerque recusou a gravação telefônica feita por um dos cônjuges sem a devida autorização, para servir de meio de prova do adultério em “ação de desquite”. Salientou, portanto, que a referida prova não poderia ser considerada um meio moralmente legítimo, pois afrontou o artigo 153, §§ 9º e 10º, da Constituição da República de 1967 / 1969 (Emenda constitucional de 1969) [10], que garantiam a inviolabilidade das comunicações e do domicílio, respectivamente.

Veja-se:

(...)

Tenho como patente, por outro lado, à luz do que dispõem a respeito do Código Penal e o Código Brasileiro de Telecomunicações, a ilegalidade do meio probatório de que se valeu, até aqui com a aquiescência das instancias ordinárias, o recorrido, meio que também não pode ser considerado moralmente legítimo, por mais progressistas e elásticos que sejam os padrões de moralidade que se possam utilizar.

Conheço do recurso e lhe dou provimento para, reformando o acórdão recorrido e o despacho saneador que ele manteve, indeferir a produção da questionada prova, determinando o desentranhamento das fitas gravadas e de tudo quanto com ele se relacionar. (grifo nosso)

(RE 85439 RJ - SEGUNDA TURMA, Relator: Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE; Julgamento: 11/11/1977; publicação: DJ 02-12-1977; EMENT VOL-01081-02 PP-00643 RTJ VOL-00084-02 PP-00609)

Daniel Sarmento (SARMENTO, 2012, pp. 20/21) cita o julgamento do Recurso Extraordinário nº 100.094, em 1984, feito pela Primeira Turma do STF. Neste julgado, o ministro relator Rafael Mayer analisou mais um caso de gravação telefônica sem a devida autorização, julgando-o inválida. E, expressamente, determinou a vinculação dos direitos fundamentais – mais precisamente, dos direitos da personalidade – às relações entre particulares. Vejam-se o voto do relator:

Em notável estudo, Ada Grinover afirma que ‘a inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se absoluta, sempre que a ilicitude consista na violação de uma norma constitucional em prejuízo das partes ou de terceiros’, sendo ‘irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou particulares, porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade. (...)

Nesta boa doutrina, de todo acolhível, cuido se deva reconhecer que o acórdão recorrido deu aplicação ao § 9º do art. 153 da Constituição, de maneira a contrariar o seu mandamento. (grifo nosso)

(RE 100.094 – Primeira Turma, Relator: Min. RAFAEL MAYER, julgamento: 28.06.1984 apud SAMENTO, 2012, pp. 20/21)

Percebe-se, portanto, que a posição do Supremo Tribunal Federal quanto à vinculação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares mudou ao longo dos anos. E, mesmo antes da Constituição da República de 1988, o posicionamento jurisprudencial da Suprema Corte já estava devidamente estabelecido.

3.4.2. Entendimento do STF depois da Constituição da República de 1988

Mesmo depois da promulgação da Constituição da República de 1988, as discussões quanto à eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas ressurgem na Corte Suprema.

Daniel Sarmento (2012, pp. 21 e 26), numa forma de facilitar o entendimento, divide o posicionamento do STF, depois da Constituição de 1988, em duas fases: a primeira seria o reconhecimento implícito e não problematizado da eficácia horizontal, enquanto que a segunda, o reconhecimento explícito da referida eficácia.

Ocorre que, inicialmente, o tema da vinculação dos direitos fundamentais às relações privadas era apenas presumido pela Suprema Corte; não se fazia, portanto, qualquer discussão teórica acerca da incidência de tais direitos, nem mesmo sobre as características e seus limites. (SARMENTO, 2012, pp. 26) Como ocorreu em alguns dos julgamentos a seguir expostos.

Em 1999, o recurso Extraordinário nº 160.222, cujo relator foi o ministro Sepúlveda Pertence, debatia a submissão das empregadas de uma empresa – fabricante de roupas íntima - à revista intima, com a finalidade de impedir furto de mercadorias. Segue a Ementa do referido recurso:

Recurso extraordinário: legitimação da ofendida - ainda que equivocadamente arrolada como testemunha -, não habilitada anteriormente, o que, porem, não a inibe de interpor o recurso, nos quinze dias seguintes ao termino do prazo do Ministério Público, (STF, Sums. 210 e 448). II. Constrangimento ilegal: submissão das operarias de indústria de vestuário a revista intima, sob ameaça de dispensa; sentença condenatória de primeiro grau fundada na garantia constitucional da intimidade e acórdão absolutório do Tribunal de Justiça, porque o constrangimento questionado a intimidade das trabalhadoras, embora existente, fora admitido por sua adesão ao contrato de trabalho: questão que, malgrado a sua relevância constitucional, já não pode ser solvida neste processo, dada a prescrição superveniente, contada desde a sentença de primeira instância e jamais interrompida, desde então.

(RE 160.222 RJ da Primeira Turma Min. Rel. Sepúlveda Pertence. Brasília – DF. Julgamento: 10/04/1995; DJ 01-09-1995 PP-27402 EMENT VOL-01798-07 PP-01443)

Embora o gerente da empresa tenha sido condenado em Primeira Instância por constrangimento ilegal, foi, após, absolvido pelo Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, cujo acórdão sustentava a validade da revista intima por estar expressamente previsto no contrato de trabalho, celebrado entre a empregadora e as supostas vítimas.

A decisão do STF não apreciou a questão da vinculação da empresa aos direitos constitucionais da privacidade e da dignidade da pessoa humana das empregadas, em virtude da prescrição. No entanto, o relator demonstrou sua posição, no sentido de ser a revista íntima um meio vexatório que não se justificaria sob o argumento de autonomia e respeito contratual.

Poucos anos depois, em 2001, um caso de utilização de prova ilícita por um particular foi o objeto do Recurso Extraordinário nº 251.445 – GO, relatado pelo ministro Celso de Mello.

PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90, ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO. INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º,LVI). GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º,XI). CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DE CIRURGIÃO-DENTISTA. ESPAÇO PRIVADO SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CP, ART. 150, § 4º, III) NECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL PARA EFEITO DE INGRESSO DOS AGENTES PÚBLICOS. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA. (grifo nosso)

(RE 251445 GO, Rel. Min. Celso de Mello; julgamento: 21/06/2000; DJ 03/08/2000 PP-00068)

Neste julgamento, o STF manteve a mesma conduta de se abster da discussão sobre o tema, apesar de considerar que os particulares estão vinculados aos direitos fundamentais.

Neste sentido, sustenta Daniel Sarmento:

(...) é possível concluir que, mesmo sem entrar na discussão das teses jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, a jurisprudência brasileira vem aplicando diretamente os direitos individuais consagrados na Constituição na resolução de litígios privados.

(SARMENTO, apud BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário – RE 201.819 RJ, voto Min. Gilmar Mendes).

E assim continuou agindo até que, em 2005, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 201.819-8, pela Segunda Turma, os ministros iniciaram o debate sobre as diversas teorias e correntes doutrinarias que cercam o tema. (SARMENTO, 2012, pp. 26)

Segue a Ementa do referido recurso:

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.

PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.

I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO - ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não - estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88).

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

(grifo nosso)

(Recurso Extraordinário – RE 201.819 RJ. Segunda Turma. Min. Rel.: Ellen Gracie; julgamento: 10/10/2005; DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577)

O referido tratava de um caso que um associado da União brasileira de Compositores foi punido com a expulsão sem, contudo, ter direito à defesa. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro admitiu em decisão a afronta ao princípio constitucional da ampla defesa. Houve recurso contra a decisão e o STF teve que apreciá-lo.

A ministra relatora Ellen Gracie deu provimento ao recurso, sustentando que as associações privadas possuem a liberdade de estabelecer suas próprias normas, deste que haja o respeito às leis em vigor. Acrescenta, ainda, que ao ingressar na sociedade, presume-se que o indivíduo conheça suas regras. Assim, não poderia invocar o art. 5º, LV da Constituição da República. Seu entendimento foi acompanhado pelo ministro Carlos Velloso.

Após pedir vistas, o ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto afirmando se tratar de um caso típico de aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. E, por conseguinte, a necessidade de se aplicar o direito de ampla defesa.

Apesar de ter ressaltado diversas correntes doutrinarias estrangeiras e brasileiras, o ministro demonstrou sua despreocupação na tese mais adequada a respeito da controvérsia.

No mesmo sentido, o ministro Joaquim Barbosa, que não se comprometeu com as doutrinas sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, embora tenha criticado a tese da “state action” ao afirmar a incompatibilização com o ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, o ministro Celso de Mello – que desempatou o julgamento – sustentou expressamente a teoria da eficácia horizontal direta no ordenamento jurídico brasileiro. Para ele:

(...) a autonomia privada – que encontra claras limitações de ordem jurídica – não pode ser exercida em detrimento aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de se ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se  impõem aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. (grifo nosso)

(Recurso Extraordinário – RE 201.819 RJ. Segunda Turna. Min. Rel.: Ellen Gracie; julgamento: 10/10/2005; DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577)

Por todo o exposto, percebe-se que a jurisprudência brasileira, mais precisamente do Supremo Tribunal Federal, aplica a eficácia horizontal direta ou imediata dos direitos fundamentais na esfera privada, ou seja, utiliza diretamente os direitos individuais consagrados na Constituição da República de 1988 para dirimir os conflitos das relações privadas.

Assim, não há maiores dificuldades em reconhecer que no ordenamento jurídico brasileiro a teoria mais adequada à realidade nacional é a da eficácia horizontal direta e imediata dos direitos fundamentais – conforme doutrina majoritária e jurisprudência dominante no STF.

No Brasil, a desigualdade social e econômica ainda está presente na realidade da população, acarretando, portanto, a disparidade nas relações privadas. Assim, faz-se necessária a vinculação de tais relações aos direitos fundamentais, cujo objetivo é garantir a igualdade dos indivíduos e não a eliminação da autonomia privada, a qual subsiste, mas não como poder absoluto.


CONCLUSÃO

Este trabalho de conclusão foi elaborado a partir da vontade de se entender o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e, sobretudo a vinculação das relações jurídicas privadas a estes direitos.

Embora saibamos que algumas questões relevantes não foram abordadas, a expectativa é a de que o presente trabalho ofereça, como se propôs – e sem ter a pretensão de esgotar o tema -, alguma forma de contribuição aos estudos voltados à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

Para que a finalidade fosse alcançada, fez-se necessário entender o histórico dos direitos fundamentais, sua evolução e suas características, bem como a forma como foram abrangidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, explanou-se, mesmo que brevemente, o grau de efetivação de tais direitos nas diversas Constituições brasileiras.

Em seguida, viu-se que as teorias sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas foram formadas na doutrina de diversos países, principalmente no direito germânico.

É certo, porém, que houve uma tendência de abdicar as concepções mais radicais: as que negam qualquer tipo de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ou aquelas que afirmam que a vinculação dos particulares é equivalente ao do Estado.

Entendeu-se, portanto, que os direitos fundamentais não poderiam ser aplicados na mesma intensidade na relação Estado-individuo e nas relações privadas, pois estas possuem uma autonomia conferida pelo direito privado.

Por conta desta autonomia, percebeu-se a necessidade de haver uma proteção pelos direitos fundamentais outorgadas aos particulares, em virtude das inúmeras agressões sofridas e, sobretudo, das desigualdades que existem nas relações privadas. Mas, não se devem igualar tais indivíduos ao Estado, pois haveria, neste caso, restrições às liberdades individuais e, principalmente, à autonomia privada.

Ressalte-se ainda que, não obstante as discussões doutrinárias em outros ordenamentos jurídicos, o desenvolvimento acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e, sobretudo, da vinculação dos particulares vem se destacando na doutrina e na jurisprudência pátrias, como mecanismo de proteção.

Não há dúvidas, portanto, de que o STF vem aplicando os direitos fundamentais nas relações privadas, conforme os julgados apresentados no presente trabalho, convergindo, portanto, no sentido de aplicar a “teoria da eficácia horizontal direta ou imediata” dos direitos fundamentais na esfera privada. 

Essa tendência, além de ser a mais apropriada à realidade social brasileira, é reflexo do artigo 5º, §1º da Constituição da República de 1988, que determina sejam aplicadas de maneira imediata as normas de direitos fundamentais.

Com efeito, a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais se mostra como uma espécie de limitação à liberdade individual, no sentido de que a atividade privada não pode ser exercida livremente pelo homem, desrespeitando, portanto, direitos inerentes à dignidade da pessoa humana. Razão pela qual deve o ordenamento jurídico utilizar-se de instrumentos – quais sejam: os direitos fundamentais - aptos ao controle dessa atividade.

Ressalte-se, portanto, que esse controle não significa diminuição do Direito Privado, nem mesmo da autonomia privada; mas tão somente uma forma de proporcionar segurança jurídica aos indivíduos.

Com efeito, a proposta deste trabalho foi demonstrar que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais tem como objetivo a proteção do ser humano, pois, se não houvesse nas relações privadas a atuação dos referidos direitos, não haveria, por conseguinte, igualdade entre os indivíduos.


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Notas

[1] Assinada pelo rei da Inglaterra João Sem Terra, em 15/06/1215, a Carta Magna foi um acordo entre o rei e os barões apoiados por burgueses com o objetivo de proteger os privilégios de tais barões e os direitos de homens livres. Trata-se, portanto, de um documento histórico, mas não é considerado, conforme Dirley da Cunha (2012, pp. 561), um documento de natureza constitucional.

[2] Os direitos transindividuais são os de natureza indivisível e abrangem os direitos difusos – cujos titulares são pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato – e os direitos coletivos, que tem como titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contraria por uma relação jurídica base. (Artigo 81, parágrafo único, incisos I e II da lei n. 8.078/1990)

[3] Paulo Bonavides, conforme afirma Marcelo Novelino (NOVELINO, 2011, pp. 389) sustenta que o direito à paz, por ser uma máxima da democracia participativa, é um direito fundamental da quinta dimensão.

[4] O Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais – é dividido em cinco capítulos, quais sejam: Dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5 º), Dos direitos sociais (arts. 6º a 11), Da nacionalidade (art. 12 e 13), Dos direitos políticos (arts. 14 a 16) e, por fim, Dos partidos políticos (art.17).

[5] Jellinek, conforme ensinamento de Marcelo Novelino (2011, pp. 385) dividiu os direitos fundamentais em três grupos, quais sejam: “direitos de defesa”, “direitos a prestações” e “direitos de participação”. Os primeiros - “direitos de defesa” - correspondem a um dever de abstenção do Estado (caráter negativo). São, portanto, direitos os quais limitam a atuação estatal, pois visam preservar as liberdades individuais. Os “direitos a prestações”, que possuem uma característica positiva, visto que impõem um dever de agir ao Estado. Por fim, os “direitos de participação” possuem caráter positivo e negativo, pois objetivam a participação do individuo na “formação da vontade política da comunidade”.

[6] Daniel Sarmento (SARMENTO, 2006, pp. 187) afirma que a referida discussão gira em tono dos direitos fundamentais de primeira geração, visto que direitos sociais não trabalhistas, os direitos políticos e os direitos transindividuais não despertaram a merecida atenção da doutrina e jurisprudência e, portanto, não possuem qualquer eficácia no âmbito das relações privadas.

[7] Por não ter grande relevância no mundo jurídico, a Teoria dos deveres de proteção e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais não terão seus argumentos aprofundados no presente trabalho.

[8] Por não terem grande relevância no mundo jurídico, as teorias alternativas não terão seus argumentos aprofundados no presente trabalho.

[9] A “faculdade de contratar ou de não contratar” é relativa, segundo Gonçalves (2008, pp. 22), tendo em vista a quantidade de contratos que as pessoas devem fazer no dia a dia. Por exemplo: compra de alimentos, transporte, dentre outros.  A “escolha de outro contraente” também sofre limitações, “como nos casos de serviços públicos concedidos sob o regime de monopólio e nos contratos submetidos ao Código do Consumidor”. E, por fim, o “conteúdo do contrato” é limitado pelas cláusulas gerais, as quais se referem à função social do contrato e à boa fé objetiva, além da supremacia da ordem pública. (GONÇALVES, 2008, pp. 22)

[10] Constituição da República de 1967 / 1969 (Emenda constitucional de 1969) - Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:§ 9º É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas. § 10. A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer.


ABSTRACT

This study aims to analyze the binding fundamental rights of individuals in the Brazilian legal system. So, make a brief explanation of the relevance of fundamental rights, demonstrating its evolutionary process, its characteristics and its coverage in the Brazilian republican constitutions, especially in 1988. Then we will analyze the relationship between fundamental rights and individuals, becoming thus an explanation about the effectiveness horizontal and the various theories that cover the topic. Finally, we will discuss the positions of the Brazilian doctrine and jurisprudence of the Federal Supreme Court regarding the subject of this work, namely, the binding fundamental rights of individuals.

Keywords: fundamental rights, effective horizontal binding fundamental rights of individuals.


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ALBUQUERQUE, Nadir Cancio de. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3689, 7 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25115. Acesso em: 25 abr. 2024.