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O instrumentalismo e o neoinstrumentalismo do direito processual

O instrumentalismo e o neoinstrumentalismo do direito processual

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A teoria neoinstitucionalista, apesar do seu argumento sedutor, peca pela utopia dos seus fundamentos e falta de soluções concretas para o problema da morosidade processual. De que adianta a participação efetiva das partes para prestação judicial se isso importa na eternização do processo?

O objetivo do presente trabalho é discorrer sobre duas das mais importantes teorias sobre o Direito Processual: o Instrumentalismo e o Neoinstitucionalismo, trazendo considerações sobre como um quer superar o outro.

Entretanto, antes de ingressarmos no objetivo do presente trabalho, necessário se faz analisar a evolução científica do Direito Processual. A evolução do Direito Processual pode ser separada em três fases: a imanentista, a científica e a instrumentalista.

A fase imantista é anterior à autonomia do Direito Processual. Nessa fase de desenvolvimento, o Direito Processual estava atrelado ao direito material. Nesse momento, o direito material era essencial, sendo o Direito Processual mero conjunto de formalidades para aplicação do primeiro.

Essa fase tem como grandes estudiosos os praxistas, ou procedimentalistas, pessoas que concentravam seus estudos na análise das formas processuais e que viam no processo mera sequência de atos e formalidades. Muitos deles eram mais estudiosos do Direito Civil e estudavam o Direito Processual apenas por considerá-lo mero apêndice do Direito Civil.

Entretanto, após a publicação do livro do jurista alemão Oskar von Bülow chamado Die Lehre von den Processeireden und die Processvoraussetzungen (A Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais)[1], em 1868, inicia-se a fase científica, em razão da consagrada autonomia dada ao Direito Processual, decorrente do desenvolvimento do estudo do processo como relação jurídica. Foi nessa fase que se construiu os principais conceitos do processo até hoje: ação, coisa julgada, processo.

Foi na fase científica que surgiram talvez os maiores nomes do Direito Processual: Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei, Liebman, Adolf Wach, Buzaid, Lopes da Costa e Moacyr Amaral dos Santos, reafirmando a autonomia do Direito Processual.

Numa etapa posterior, estando consagrada a autonomia do Direito Processual, bem como assentados os seus conceitos principais, foi que surgiu a fase instrumentalista do Direito Processual que perdura até o presente momento. Seu grande expoente foi Cândido Dinamarco, com a publicação de sua obra A instrumentalidade do processo, na década de 1980.

Essa fase é marcada pelo objetivo de melhorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais segura e mais célere, no intuito de tornar a tutela jurisdicional o mais próximo possível da verdadeira justiça.

É nessa fase que o processo deixa de ser visto como mero instrumento do direito material e passa a ser encarado como instrumento de suma importância ao Estado para fins sociais, jurídicos e políticos. É também nessa fase que se passa a encarar o cidadão como verdadeiro receptor da tutela jurisdicional, no intuito de buscar uma prestação de justiça efetiva e adequada para o seu objetivo.

A teoria de Dinamarco se baseia em três pilares principais: a) valorização da categoria de jurisdição, com o deslocamento do principal tema processual de ação para jurisdição; b) aceitação do perfil teleológico do processo, reconhecendo a sua importância social, política e jurídica; c) entendimento de que o processo não pode ser considerado um fim em si mesmo, bem assim que os operadores do direito devem buscar efetivar os objetivos mencionados nas três alíneas.

Essa teoria tem como pressuposto a abertura das entranhas processuais à ordem político-constitucional e jurídico-material, de forma que possamos ter um processo mais humano, com o juiz atuando de acordo com a sua sensibilidade para a justiça.

Necessário destacar que a tese instrumentalista foi muito bem aceita no momento em que foi divulgada, muito em decorrência do momento de redemocratização em que vivíamos.

Nesse sentido são as palavras dos Professores Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa:

“Todavia, a releitura da obra fundamental de Dinamarco, feita quase 25 anos após a primeira edição, nos dá a impressão de que esse movimento poderia ter atingido proporções mais transformadoras do que as que efetivamente teve, pois a instrumentalidade entrou para o imaginário coletivo de forma menos radical do que as teses de Dinamarco possibilitariam, tendo sido limitada à noção amplamente aceita de que “o processo não é um fim em si mesmo.”

Desse modo, apesar do pouco debate que nós temos acerca do que pode ser melhorado na teoria da instrumentalidade, constitui-se como pensamento assente o entendimento de que houve uma redução do verdadeiro objetivo de Dinamarco, ao afirmar-se que tal teoria está resumida apenas ao princípio da instrumentalidade das formas, ou seja, apenas no sentido de que a interpretação das normas processuais deve ser feita de acordo com o sentido finalístico dos seus objetivos, em detrimento da leitura fria da lei.

É por esse motivo que muitos doutrinadores entendem que a teoria de Dinamarco perdeu força, deixando de ser uma teoria sobre a problemática processual e passando a se transformar em “topos argumentativo na dogmática contemporânea”[2].

Algumas razões são lançadas para essa inconsistência da teoria. Critica-se que a teoria de Dinamarco não teve o resultado pretendido em função da ausência de ruptura com os conceitos tradicionais do Direito Processual (ação e jurisdição), bem como a ideia de que o processo é voltado para a realização da vontade concreta da lei.

Entretanto, algumas das críticas mais incisivas sobre a instrumentalidade vem da teoria criada por Rosemiro Pereira Leal, da Escola Mineira, que é chamada de neoinstitucionalismo.

Trata-se de uma teoria que critica o modo atual de pensar o mundo e defende que o processo é “uma instituição constitucionalizada”, asseguradora de um “espaço jurídico procedimental de reconstrução da legalidade posta em balizamentos constitucionais democráticos que propicia ao povo a fiscalização incessante e irrestrita dos processos de criação e aplicação da normatividade” [3].

Nesse sentido, o Professor Rosemiro faz crítica à instrumentalidade, questionando se a efetividade e celeridade podem ser aplicadas indistintamente, independentemente das demais garantias fundamentais decorrentes do princípio do devido processo legal (art. 5, LIV, CF).

Desse modo, afirma o jurista mineiro que não é qualquer procedimento que pode ser considerado processo, mas somente aquele procedimento que permita aos cidadãos a fiscalização ampla e irrestrita da lei, decorrente de uma interação do jurisdicionado nos atos anteriores a todos os provimentos judiciais até a sentença sob pena de afronta à Constituição.

Nota-se, assim, que toda a tese do neoinstitucionalismo decorre da crítica às soluções encontradas para o combate da morosidade do Poder Judiciário, em que se decidiu conceder poderes aos juízes como se infalíveis fossem, bem como não permitem a participação efetiva das partes para a construção adequada da tutela jurisdicional, violando, por isso, ao princípio do devido processo legal.

A teoria neoinstitucionalista, apesar do seu argumento sedutor, peca pela utopia dos seus fundamentos e falta de soluções concretas para o problema da morosidade processual. De que adianta a participação efetiva das partes para prestação judicial se isso importa na eternização do processo?

Esse é o grande desafio dos processualistas: conciliar a efetiva aplicação do princípio do devido processo legal com o também importante princípio da celeridade processual.


BIBLIOGRAFIA:

 - Texto de autoria de Magno Federici e isabella Saldanha de Souza, citando o Professor Rosemiro Leal Pereira, disponível em : http://ead05.virtual.pucminas.br/conteudo/csa/s2c0009a/03_orient_conteudo_1/centro_recursos/documentos/Neo_Efetividade_Virtual.pdf, acessado em 15/12/2012;

 - Texto de autoria de Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa, disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/460/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_3.pdf, acessado em 16/12/2012;

- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006;

 - CHIOVENDA, Guiseppe. Princippe de Diritto Processuale Civile.  Jovene Editore:1906;

 - MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª ed.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

[1] CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. Lumen Juris (2006)

[2] Texto de autoria de Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa, disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/460/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_3.pdf, acessado em 16/12/2012.

[3] Texto de autoria de Magno Federici e isabella Saldanha de Souza, citando o Professor Rosemiro Leal Pereira, disponível em : http://ead05.virtual.pucminas.br/conteudo/csa/s2c0009a/03_orient_conteudo_1/centro_recursos/documentos/Neo_Efetividade_Virtual.pdf, acessado em 15/12/2012.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, Carla Cristina Rocha. O instrumentalismo e o neoinstrumentalismo do direito processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3768, 25 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25612. Acesso em: 16 abr. 2024.