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O direito de greve e o lock-out

O direito de greve e o lock-out

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Resumo de apresentação

Nesta modesta dissertação, iremos discorrer sobre a constituição da greve e do lock out, seus objetivos, suas origens e fundamentações legais e filosóficas, sobre a sua influência no mundo social e sobre quem poderá ou não efetivar tais transformações nas relações de trabalho. Traremos a lume também os posicionamentos jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal Regional do Estado do Rio de Janeiro, de forma a aparar todas as eventuais arestas da discussão doutrinária a respeito.


Capítulo Um: A greve e sua natureza jurídica

Conceitos.

Fundamentos.

Natureza jurídica.

Vedações legais.

Finalidade precípua.

 Conceitos.

A greve é, sem sombra de dúvida, uma das maneiras mais eficazes de busca dos interesses da classe trabalhadora no sistema laboral mundial. É a forma de obtenção quase imbatível de aceite total ou parcial do empregador aos reclames quase sempre justificados da classe trabalhadora, através da paralisação coletiva da força de trabalho, de modo a pressionar a classe patronal a posicionar-se numa mesa de negociações, situação inaceitável em dias arcaicos.

Fundamentos.

A greve é um meio usado para se chegar a um fim: o debate das questões pendentes na relação patrões - empregados. Exige, por lógica, um mínimo de organização, agrupamento organizado e liderança eficaz. É considerada uma arma essencial na luta de classe[1]. A greve é uma demonstração de força e união da classe trabalhadora, "de natureza violenta", mas controlada, "compreendida e consentida", no dizer de SEGADAS VIANA[2]. Justifica-se pela necessidade social de se balancear a questão da hipossuficiência tanto financeira quanto política dos trabalhadores em face do poderio do patronato, que em determinadas ocasiões, será tão poderoso que não haveria, de outra forma, meio de se alcançar o direito.

Tal instituto baseia-se, portanto, nos ditames de segurança social, de modo a frear as disparidades entre o patronato e o empregado. Não obsta, de forma alguma, ainda, que tal exercício de direito não sofra suscitação de legitimidade perante o Poder Judiciário por iniciativa do empregador. Se não se pode proteger demais o empregador, o mesmo deve ser verificado em razão aos empregados. A questão essencial, núcleo do pensamento que devemos ter no estudo do instituto da greve, não é proteger uma parte em detrimento dos direitos legítimos da outra, mas sim, diminuir a hipossuficiência de modo a garantir o melhor alcance da justiça.

Natureza jurídica.

A natureza jurídica da greve é um direito potestativo coletivo em alguns países e ato ilícito delituoso em outros (de posicionamento político mais centralizador e protecionista como a República Popular da China e a antiga e sepultada União Soviética). É por assim dizer um instituto com natureza jurídica mista no âmbito global. Não deixa de ser, obviamente, um ato jurídico. No âmbito nacional, é direito potestativo amparado pela Lei, dentro de determinadas situações, como enuncia o TST: "A greve, como ato jurídico, deve sujeitar-se à regulamentação legal, sendo portanto abusivo o movimento deflagrado sem a observância dos requisitos contidos na Lei 7783/89"[3].

É direito potestativo pois o objeto do direito de greve é a sua realização. Coletivo, pois, é no grupo que o exercício do direito de greve alcançará seu objetivo final, não tendo força nem amparo jurídico se for realizada por um único indivíduo - desvirtuar-se-á, neste caso, de sua natureza jurídica, cabendo inclusive justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Entendeu o TST no sentido de que "a greve é um direito consagrado no texto constitucional, sendo facultado (o grifo é nosso) aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de desempenhá-lo. A simples adesão ao movimento paredista não constitui falta grave, porquanto somente atos de violência desencadeados por força desta paralisação conduzem ao reconhecimento da justa causa"[4].

"A greve não carece de qualquer provimento judicial para legitimá-la. Ao contrário, para o movimento ser reconhecido como abusivo é que necessita de expressa declaração do Juízo(...)"[5]. Ora, este entendimento é por demais claro. A greve tem presunção juris tantum de legitimidade. Sempre que se discutir na esfera judicial sobre a legitimidade da greve, jamais será para provar que ela é legitima. Mas sim o revés.

Vedações legais.

Além de mista, a greve é um instituto de natureza jurídica híbrida no Brasil, uma vez que o direito de greve é concedido a determinadas classes de trabalhadores, mas não a todas: os magistrados e os funcionários públicos, por exemplo, estão proibidos de exercer o direito de greve, pois a eles não é concedido[6], apesar da previsão constitucional.

Cogita-se a possibilidade de legalização do movimento grevista do funcionário publico, na hipótese dele ser celetista. Neste ponto discordamos, pelo seguinte: tendo em vista que o conceito de funcionário público dado pela CRFB é gênero, do qual o empregado público celetista é espécie, concluímos, daí, ser incabível tal entendimento, pois desvirtuaria o conceito constitucional, indo aonde a Lei não pode ir. Consideramos portanto, os empregados públicos celetistas também, a exemplo dos estatutários, impossibilitados de aderir a um movimento grevista, pois a eles todos - os estatutários e os celetistas - é vedado o direito de greve por falta de regulamentação do artigo constitucional.

Finalidade precípua.

A greve é uma arma, não um fim. Seu objetivo é a obtenção da concessão dos direitos sociais dos trabalhadores, como acréscimo salarial (a mais perseguida no Brasil), melhores condições físicas de trabalho, respeito às garantias constitucionais, a busca de melhorias no processo de produção, participação dos empregados nas políticas elaboradas pelos empregadores e organizações de serviços sociais, participação na elaboração de políticas e técnicas de prevenção de acidentes de trabalho, entre outras. O TST já pacificou que o grande elemento da legitimidade da greve é a fumaça de direito do trabalhador, evidenciado muitas vezes no inadimplemento de cláusula contratual de trabalho pelo patronato: "Entendimento pacificado no âmbito desta Colenda Seção, no sentido de que na hipótese de mora salarial, pela gravidade de que se reveste como infração contratual e pelas conseqüências em relação ao empregado, que tende a adaptar-se à regularidade da contraprestação mensal, adquire relevância tal que pode conduzir a um exame menos rigoroso quanto à ratificação, pelos empregados, dos requisitos formais para a eclosão da greve"[7]. E ainda: "Encontra-se amplamente comprovado nos autos o atraso na quitação do pagamento dos salários e outras verbas, devendo, portanto, aplicar-se o entendimento mantido por esta Seção Normativa, que, em mais de uma oportunidade, julgou no sentido da mora salarial conduzir a um exame menos rígido dos requisitos formais para a deflagração da parede, ante a gravidade de que se reveste a infração contratual perpetrada e as suas conseqüências"[8]. "A mora salarial, ainda que parcial, pela gravidade de que se reveste como infração contratual e pelas conseqüências em relação ao empregado, que tende a adaptar-se à regularidade da contraprestação mensal, adquire relevância tal que pode conduzir a um exame menos rigoroso quanto à ratificação, pelos empregados, dos requisitos formais para a eclosão da greve"[9]. Portanto, verifica-se que, ressaltando a legalidade da pretensão, o atraso no pagamento do salário e mesmo a sua devida correção em face da corrosão inflacionária, são os maiores, porem, não únicos, objetivos legais da greve.


Capítulo Dois: O lock out e sua natureza jurídica

2.1.Conceito.

2.2.Formas de atuação velada.

2.3.Objetivos.

2.4.O lock out defensivo.

2.5. Considerações conclusivas.

Conceito

O lock out é o fechamento da empresa num conflito patrão - empregado por iniciativa daquele. É um fechamento patronal, na tradução aproximada do termo inglês. Muito embora seja considerada a greve um direito do trabalhador, evoluiu o pensamento moderno no sentido de tornar o lock out do empregador uma agressão à sociedade e, portanto, ilegítimo o seu exercício. Sofreu, portanto, um retrocesso em comparação ao direito de greve. "O simples fato de garantir o abastecimento, mas sem atender aos pressupostos legais para a deflagração de greve não torna o movimento legal. Quando se trata de autônomo rodoviário, caracteriza-se como no caso LOCK OUT´"[10]. O TST, como evidenciado, tratou de não dar legitimidade à manobra dos rodoviários.

O lock out é uma manifestação de força do empregador no sentido de levar a classe de empregados a aceitar determinada condição ou determinação de sua parte. Esta manifestação se dá pelo fechamento temporário de um ou mais postos de trabalho. Não tendo o trabalhador poderio suficiente para confrontar tal medida, consequentemente, haverá um desequilíbrio injustificado nas relações, o que enseja um repúdio social ao instituto do lock out.

 Formas de atuação velada.

São algumas das formas de fechamento patronal, paralelas e/ ou concorrentes ao lock out:

- ataques frontais dos patrões, através de coação e emprego de força. É o cúmulo medieval de se aplicar o empregador coação física aos seus empregados, de forma a impedir a busca dos direitos trabalhistas ou impor determinadas condições de negociação;

- espionagem sindical, insidiando determinados encarregados de confiança da classe patronal no núcleo ativista dos trabalhadores de forma a poderem os primeiros elaborar contra-planos mais eficazes;

- sindicatos patronais, alargando ainda mais o abismo entre a capacidade negociativa entre as partes;

- uso da lei e de engrenagens jurídicas para faze-la cumprir;

- listas negras, configurando uma coação moral aos trabalhadores, receosos frente a possibilidade de uma eventual demissão em represália;

- propaganda anti - sindical, incutindo na mente dos trabalhadores menos educados a idéia de que os sindicatos nada fazem e nada garantem e que "o melhor é o empregador se acomodar";

- uso de "missionários" em prol da volta ao trabalho.

 Objetivos.

O objetivo do lock out é a imposição de novas condições de trabalho ou impedimento de mudanças existentes. Muito embora a Constituição de 1988 não tenha regulamentado sobre o lock out, nem positiva nem negativamente, a CLT o trata como atuação sujeita a punições no artigo 722.

 O lock out defensivo.

Com a promulgação do ordenamento jurídico laboral, a CLT getulista de 1943, surgiram as organizações patronais e tomou força o instituto do lock out. Muito embora, é verdade, encare nosso Direito o lock out como um delito, vem tomando fôlego na doutrina - com muito louvor, podemos corroborar - uma posição moderna no sentido de aceitar o instituto, desde que seja ele de natureza defensiva e não agressora. Natureza defensiva no sentido de atender a proteção dos estabelecimento produtivo e a incolumidade física e mesmo econômica de empregado e empregadores em situações de gravidade política - econômica relacionadas a produção[11]. Temos por exemplos recentes os fechamentos de postos de gasolina decorrentes da imposição da diminuição dos lucros e das farmácias, ameaçadas pelo tabelamento dos preços dos remédios.

Acompanhamos tal posicionamento no sentido de que temos sempre de considerar que as empresas não são forçosamente as vilãs na estrutura social, sendo elas sempre a grande máquina de fomento ao desenvolvimento social, a maior produtora de riquezas, de postos de trabalho e de iniciativa privada, elemento que, sozinho, garante o sustento e a viabilidade de muitos municípios brasileiros, sem cujas contribuições tributarias, estes municípios afundariam. Se ficarmos sempre combatendo as empresas, sem avaliarmos corretamente pela balança de Palas, correremos o risco de destruirmos o sistema de produção de riqueza, afetando assim as relações trabalhistas, e isto para pior. Não há por que combatermos o lock out defensivo quando, ainda, tal manobra trouxer benefícios aos empregados, como a manutenção quantitativa dos postos de trabalho dentro da empresa em face de uma imposição governamental que pudesse forçar indiretamente o fechamento dos postos de trabalho, pelo aumento nos custos de produção.

O lock out defensivo não foi vedado pelo texto legal da Lei 7783 nem no texto constitucional vigente, e, dado o principio da reserva legal e da isonomia, uma vez que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de coação legal, e ainda baseada nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além dos princípios básicos de construção de uma sociedade justa e solidaria, toma ainda mais força a legitimidade do lock out defensivo.

Considerações conclusivas.

O lock out defensivo e a greve, em conjunto, fazem corpo a uma maior capacidade de barganha, que, num verdadeiro regime democrático de direito, é a constituinte das verdadeiras conquistas sociais, ao invés da pura e simples imposição legal.


Capítulo Três : A posição da OIT

A OIT.

Posição da OIT quanto ao direito de greve

A OIT.

A OIT - Organização Internacional do Trabalho - é órgão internacional de defesa dos direitos sociais e trabalhistas, surgido do Tratado de Verseilles, após a Reunião de Paris de 1945 e da Declaração da Filadélfia de 1944, que formaram os preceitos basilares da constituição jurídica da OIT. Constitui-se a OIT num órgão internacional, numa pessoa jurídica de direito internacional, vinculada a ONU como organismo especializado para acionar no campo social as atitudes que considera válidas na defesa dos direitos sociais e trabalhistas.

 Posição da OIT quanto ao direito de greve.

Tendo por princípio norteador a justiça social, posiciona-se a OIT quanto ao direito de greve no sentido de apoiá-la tacitamente (já que, embora não manifeste seu apoio de maneira expressa, apóia a liberdade sindical como forma de defesa dos direitos sociais e trabalhistas) em âmbito global, através de sua Convenção Número 87, que considera o direito de greve um corolário da liberdade sindical, amparada por eles[12].


Capítulo Quatro : O papel do sindicalismo

Conceito e objetivos do sindicato.

Representação.

Atuação extra judicial.

Atuação judicial relativa à greve.

Conceito e objetivos do sindicato.

Os sindicatos de classe são associações profissionais de 1º grau destinados a atender os interesses de classe profissional, em uma única região territorial[13], de livre ingresso e livre formação, objetivando defender os interesses de classes, melhorar as condições de trabalho e qualidade de emprego, asseguradas em nível constitucional. "A estipulação, em convenção coletiva, de contribuição a ser descontada dos salários de trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados, indistintamente, contraria o princípio constitucional da livre associação e sindicalização (Precedente Normativo nº 119 do TST)"[14].

Os diretores dos sindicatos, assim como os seus conselheiros fiscais e representantes de federações e confederações, delegados ou seções instituídas estão amparados pela estabilidade no emprego, o que garante uma segurança maior e uma presunção de igualdade de situação numa mesa de negociações. Diminui-se, portanto, com tal imposição legal, a hipossuficiência entre as partes debatedoras, possibilitando uma maior abrangência do Direito, livre de eventuais coações.

Representação.

Deverá o sindicato se fazer representar por um Juiz Classista em cada Junta da Justiça do Trabalho, na busca do ideal de igualdade frente aos empregadores.

Atuação extrajudicial.

No entender de BARBAGELATA[15], "é claro que o núcleo da atividade dos sindicatos é a defesa dos interesses profissionais e é também normal que a legislação lhe faça uma menção expressa que aliás nada tem de constrangedor".

O sindicato se faz presente nas atuações de greve, sempre que observamos a luta contra o autoritarismo, que não pode significar o extermínio de decisões por via de autoridade. A solidariedade humana criada pela convivência está implícita na medida em que ela externa uma consciência das massas em relação a determinadas regras de conduta que devem ser reconhecidas e sancionadas de uma forma permanente.

A criação dos sindicatos e seu fortalecimento nasceu para assegurar aos trabalhadores de maneira organizada a possibilidade de lutar por seus interesses de categoria, objetivando um bem estar físico e material cada vez maior, através de pressão sobre os empregadores e o governo[16].

Atuação judicial relativa à greve.

"Conquanto haja ainda esparsas manifestações favoráveis a que a ofensa generalizada a direitos individuais possa vir a constituir objeto e reivindicação em sede coletiva e motivar a paralisação do trabalho, a jurisprudência pacífica da Eg. SDC orienta-se no sentido de considerar ilegítimo o sindicato condutor do movimento paredista para a propositura a ação que objetive a qualificação jurídica do movimento. E consagra entendimento segundo o qual, independentemente da motivação respectiva, os movimentos paredistas devem ater-se às formalidades estabelecidas na Lei nº 7783/89, sob pena de serem juridicamente qualificados como abusivos"[17].

Desta forma, é posição já pacifica no Superior Tribunal que muito embora tenha o sindicato uma função importantíssima no tratado das negociações pré judiciais, não tem legitimidade para figurar como polo ativo na ação que ora possa vir a pleitear em que se discuta a greve abusiva ou legal: "A Lei nº 7783/89, em seu art. 14, parágrafo único, inciso I, prevê, expressamente, que não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que tenha por objetivo exigir o cumprimento da cláusula ou condição de acordo, convenção ou sentença normativa em vigor. Sendo assim, quando observadas as demais formalidades que a lei prescreve para a regularidade da paralisação, inexiste margem para que se a qualifique como abusiva, mormente quando o próprio empregador não apresenta justificativas relevantes para tal. A jurisprudência do Eg. TST, firmada no sentido de que a via própria para alcançar a observância de norma coletiva é a ação de cumprimento, construiu-se a partir de situações concretas nas quais o próprio Sindicato profissional conduzia a categoria à paralisação e ajuizava a ação coletiva, ao invés de propor a ação de cumprimento cabível, para, a pretexto de obter a qualificação jurídica do movimento, acelerar a entrega da prestação jurisdicional. E, a par disso, tal entendimento não conduz à declaração de abusividade da greve, mas tão-somente à impossibilidade de os Tribunais Trabalhistas proferirem decisão de natureza condenatória, conforme requereria a matéria objeto da reivindicação, porquanto a competência para tal detém-na o juízo de primeiro grau, observado o disposto no art. 872, parágrafo único, da CLT"[18]. "Conquanto a jurisprudência pacífica do Egrégio TST orienta-se no sentido de não reconhecer ao sindicato que deflagra e conduz movimento paredista legitimidade para postular em juízo sua qualificação jurídica, do que resulta a extinção do feito[19], tal conseqüência atinge apenas as pretensões apresentadas como causa ensejadora da paralisação, mormente se a parte adversa ou o Ministério Público do Trabalho apresentam argumentos conducentes à declaração de abusividade da greve - que nessas circunstâncias, não pode restar sem exame, sob pena de negativa de prestação jurisdicional"[20].


Capítulo Cinco: História da greve no Brasil

5.1 Sementes da greve no mundo arcaico.

5.2. Nascedouro da greve no Brasil.

5.3. A greve hoje.

Sementes da greve no mundo arcaico.

A semente do direito de greve remonta de séculos atrás. Na Civilização Antiga Egípcia, já se lutava por direitos, muito embora não se podia falar em greve, já que os escravos não eram empregados, mas sim ferramentas de trabalho. A Idade Média, com seu regime feudal, também não admitia o instituto da greve pois os trabalhadores camponeses e os vassalos não eram muito mais livres do que os escravos de outrora. Fazer greve é uma opção e nenhum destes poderia concretiza-la sem represália física e até mesmo a morte, seja por imposição de fome pelo senhor, seja por açoites físicos. Importantes foram estas menores insurreições entretanto no semear do sentimento grevista.

Somente no século XIX que observamos o nascer da greve, no decorrer conjunto das Revoluções Industrial e Francesa, que foram os embasamentos material e filosófico da greve. "A noção de conflito coletivo de trabalho implica a exigência de duas condições cumulativas: a presença de um grupo de assalariados e a existência de um interesse coletivo a defender"[21]. Aos buscarmos nos antecedentes históricos da greve, encontramos a Revolução Francesa que propiciou o nascimento filosófico e a Revolução Industrial que deu o alicerce material.

Nascedouro da greve no Brasil.

No Brasil, vimos nascer os movimentos operários desde 1888, quando fundou-se a Imperial Sociedade de Artistas, Mecânicos e Liberais, no Recife. Daí, criou-se o Partido Operário em 1892 que já reivindicava sufrágio livre e universal, salário mínimo, jornada de 8 horas e a proibição do trabalho para menores de 12 anos. Pregava ainda a insurreição operária, desejando que estes se apropriassem dos meios de produções como forma de igualdade e justiça sociais, batendo diretamente contra as oligarquias e o coronelismo imperante.

A medida em que o ideal de igualdade socialista foi marchando pelo mundo, foram crescendo os movimentos operários. A greve se apresentou em São Paulo, em Santos e no Rio de Janeiro como instrumento de luta de classes contra a exploração e contra a injustiça social. O projeto de Lei de Adolfo Gordo inclusive assentou a greve como caso de policia e ameaça à ordem vigente (!). Os primeiros movimentos de contra - ataque legislativo foram no sentido de coibir os movimentos grevistas, para não desarticular a sistemática política vigente, além do modo de produção e do Estado burguês. Foi uma reação paradoxal, já que o Estado pregava as liberdades do cidadão, mas ao mesmo tempo as repugnava, quando tais mudanças conseqüentes de tais liberdades pudessem afetar suas bases burguesas agro-pecuaristas e industriais. PLATÃO discutia se o Estado é instrumento dos governantes ou dos governados...

A Encíclica Rerum Novarum posicionou-se contra os ideais marxistas, já que via importante a manutenção da propriedade particular, mas aceitou o sindicalismo como forma de defesa da opressão do patronato. Curiosamente, a Igreja se posicionou contra o direito de greve nos dizeres do Papa Leão XIII, que afirmava serem os grevistas elementos perniciosos que poderiam corromper os bons trabalhadores e ameaçar os patrões na perda de sua propriedade privada. O Governo de então conhecia a força do operariado e buscou sectar as lideranças de modo a enfraquecer o movimento grevista.

A única arma do trabalhador que sempre fez efeito considerável foi a greve. O sindicato era visto como organização da luta operária e base de um futuro sistema socialista. Com a Primeira Guerra Mundial, cresceu a indústria mundial, e a economia brasileira acompanhou este crescimento, mas a custo de incremento do número de operários, diminuição salarial, aumento de preços e especulação. Greves maiores surgiram para combater estes problemas, e em 1917 em São Paulo eclodiu uma das maiores greves da História do Brasil. O movimento fluiu em São Paulo e eclodiu em Porto Alegre. Foi formada a Liga de Defesa Popular, que prelecionou:

- diminuição dos preços os gêneros de 1ª necessidade;

- providências para evitar o açambarcamento do açúcar;

- estabelecimento de um matadouro municipal que fornecesse carne para a população a preço razoável;

- mercados livres nos bairros operários;

- obrigatoriedade de venda do pão a peso e fixação semanal do preço do quilo;

- aumento salarial na base de 25%;

- jornada geral de 8 horas;

- jornada para as mulheres e crianças de 6 horas.

A greve atingiu todo o Estado do Rio Grande do Sul e ganhou adesão de todas as classes de trabalhadores. A cidade ficou intransitável. Em 1917 o Governo regulamentou o trabalho do menor e da mulher vedando o trabalho destes no período noturno.

Outras greves no mesmo ano ocorreram, de forma a considerar:

1 - no Rio de Janeiro, cerca de 50000 operários entraram em greve, passeatas e em choque com a força policial. O movimento foi esvaziado pela policia;

2 - no Recife, entrou em greve o Sindicato dos Ofícios Vários.

Muito claras foram as influências da Revolução Russa sobre o movimento anarquista nacional, que insidiaram-se no movimento operário para ganhar notoriedade. Muitos movimentos passaram a ter natureza de enfrentamento ao sistema, e inclusive em Magé cogitou-se a proclamação de uma república operária, atitude evidentemente fracassada, mas que serviu para dar força ao movimento operário.

A Guerra terminara, mas os custos para o operariado foram altos. A policia amedrontava os trabalhadores. O Governo precavia-se contra eles.

O Tratado de Verseilles deu fôlego ao movimento operário através da Sociedade das Nações e da OIT, que pregavam que o trabalho não é mercadoria e buscavam a valorização humana da pessoa do trabalhador.

O governo getulista de 1930 criou o Ministério do Trabalho e assinou a Lei da Sindicalização, que visava controlar o operário e suas ideologias, uma vez que vinculava o sindicato a aprovação do MTb. Bloqueou a luta de classes, mas em 1932 houveram mais de 200 greves no Brasil.

Os sindicatos eram assistencialistas. Em 1940, foi instituído o salário mínimo e em 1942 o imposto sindical. Não obstante a natureza liberal da Constituição de 1946, não houve mudança das atitudes do governo em face do movimento operário.

O discurso de Getulio Vargas era de que o trabalhador deveria "ajudar o governo a evitar a exploração do trabalho e lutar contra" o que chamava "os elementos negativos da sociedade e contra os que não colaboram, os que prejudicam, fraudam, sabotam, exploram o povo e seus advogados, ostensivos e disfarçados"[22].

O governo ditatorial militar que se instalou após 1964 declarou ilegal qualquer manifestação grevista. O governo voltou a controlar a classe trabalhadora, colocando-se ao lado do patronato. Mais de 2000 líderes grevistas foram presos, segundo a edição 3 da revista ESCRITA/ENSAIO de São Paulo. Apesar das pressões, a classe operária crescia e se articulava e o número de organizações sindicais crescia no mesmo compasso. Contra a política opressora e intervencionista do Estado, a melhor arma sempre foi a greve[23].

Com as greves em constante proliferação, o Estado viu-se forçado a tomar uma atitude. O posicionamento estatal sempre se vê imbuído das seguintes fases: proibição (diante de algo novo que pode se tornar um instrumento do caos social), tolerância (apesar das pressões em contrário do empresariado, embora já tenha se recuperado do choque inicial o Estado já vê com melhores olhos o movimento grevista) e reconhecimento (não por causa de uma liberalidade do Estado, mas sim porque a greve é um fator de influência na atividade econômica laboral, não devendo ser suprimida). A não intervenção do Estado deu-se por 3 aspectos básicos:

- econômico: a intervenção do Estado poderia causar um desbalanço na economia nacional e um prejuízo às contas do País, já que é contrária ao ideal do liberalismo econômico vigente então;

- social: uma vez que o objetivo do Estado é a obtenção do bem comum, não se poderia conceber uma repressão a um movimento de massa;

- político: por ser classicamente um opositor do direito de greve, o Estado antigo não podia se ver de uma hora para outra transformado em defensor daquele, já que a elite política da época representava interesses que seriam duramente atingidos pelo reconhecimento do Estado ao direito de greve.

A inflação, o desemprego e o conflito armado obrigaram tanto o Estado quanto o trabalhador a buscarem novas fórmulas de política econômica e qualidade de vida.

A greve hoje.

Nos dias correntes, o movimento sindical está enfraquecido, e a greve dá lugar às negociações. As paralisações não encerraram, mas estão sob nova roupagem, com novas táticas. Deixou-se de lado um posicionamento selvagem do operariado para se dar uma maior atenção às questões institucionais, mantendo diálogos com a classe governante do pais.

Todavia, mesmo em estágio evoluído, o movimento operário não conseguiu ainda melhorar a contento a qualidade de vida e as condições de trabalho do brasileiro comum. Na verdade, a situação do trabalhador brasileiro no final do século XX é desesperadora, e a atuação dos sindicatos no sentido de fortalecer a paridade negocial está muito enfraquecida. A justiça social ainda deve surgir da integração entre as políticas econômica e social. Apenas pequenos passos foram dados nessa direção...


Capitulo Seis: A greve nas Constituições Brasileiras

Faremos um quadro comparativo no qual mostraremos de forma sucinta como entendia o Estado e sua Carta Constitucional o trabalho e o movimento grevista. Analisando a situação da época, vemos como tais institutos eram influenciados pela classe dominante:

Constituição do Estado Brasileiro e leis esparsas

Trabalho

Greve

1824

Previa a segurança e saúde dos trabalhadores; abolia as corporações de oficio. Direitos trabalhistas: aviso prévio, indenização na rescisão injusta, salário de 3 meses nos acidentes sem culpa.

Não se manifestou.

1891

Direitos de sindicalização a todas as classes. Sindicato único. O Código Civil de 1916 chama o trabalho de locação de serviços. Em 1919 o Tratado de Verseilles institui a OIT. Competência privativa do Congresso Nacional em legislar sobre matéria de trabalho. Em 1928, é criado o Conselho Nacional do Trabalho, órgão julgador dos dissídios desta matéria.

Em 1930, é criado o Ministério do Trabalho.

O Código Penal vigente considerava delito punível de 1 a 3 meses de reclusão.

1934

Reconhece o sindicato e a associação profissional; pluralidade e autonomia sindical

Não se manifestou

1937

Unidade sindical

A greve é ilícita e nociva a Nação - criminalizada novamente

1946

intervenção estatal no sindicato

volta a ser permitida, assim como o lock out; atividades fundamentais não podem entrar em greve

1967

Diminuiu a margem de atuação do sindicatos

Proibição da greve, que era atentatória a segurança nacional

1988

Lei de greve - Lei 7783 de 1989

a greve volta a ser permitida como instrumento de defesa do trabalhador, exceto para os servidores civis e militares e magistrados, por falta de lei regulamentadora


             Capítulo Sete: Limitações ao direito de greve

Relatividade e limitações do direito de greve.

Responsabilidade da entidade sindical.

Suspensão dos direitos trabalhistas.

A greve abusiva.

Greve nos serviços essenciais.

Relatividade e limitações do direito de greve.

Muito embora o direito de greve seja um direito garantido na Constituição e, portanto, inviolável, não é, como nenhum direito é, absoluto. O direito de um indivíduo ou de uma instituição termina quando se insere no de outra. "A greve é direito assegurado em sede constitucional (arts. 9º e 37, inciso VII, da Carta Magna). Inobstante não é direito absoluto, posto que o Estado de Direito é incompatível com a existência de direitos absolutos. É medida extrema e como tal sofre limitações legais, as quais não observadas dão azo à declaração de abusividade do direito de greve (...)"[24] pelo órgão do Poder Judiciário.

O abuso de direito na greve é o ultrapassar de limites normais de civilidade, de respeito ao patrimônio particular alheio e dos bons costumes tais como:

- ocupação ameaçadora de estabelecimentos;

- sabotagem nas instalações e serviços da empresa;

- boicote aos serviços da empresa e associados;

- agressão física a membros do patronato e colegas dissidentes;

- violência contra o patrimônio;

- faltas graves e delitos trabalhistas.

O ato individual do trabalhador, durante a greve ou em razão dela, configura-se em certos casos ato abusivo, sempre que for dotado de violência contra pessoa ou coisa alheia, ou ainda descumprir o estabelecido na Lei de Greve vigente.

O trabalhador que porventura não queira exercer seu direito potestativo de greve (já que ela é exercida pelo indivíduo, não pelo sindicato) não pode ter impedido seu acesso ao trabalho, com ameaça ou agressão.

            Responsabilidade da entidade sindical.

As entidades sindicais deverão, por seus atos, responder pelos abusos e violências ilícitas no âmbito civil, não excluindo a responsabilidade penal. Quanto ao aspecto penal, todavia, responde não o sindicato, pois não tem ele imputabilidade, consciência da ilicitude e nem vontade. Além do que, "as normas penais previstas em tal casos seriam inadequadas e atingiriam pessoas inocentes"[25]. "Em nosso direito penal, somente as pessoas físicas podem delinqüir, já que somente elas possuem condições, personalidade e vontade para tanto. Na verdade, a pessoa jurídica pode servir de meio para que as pessoas físicas que a compõem venham a delinqüir"[26]. São responsabilizados, logo, os responsáveis pelo delito, notadamente, os dirigentes sindicais e os agentes que cometeram o ilícito.

            Suspensão dos direitos trabalhistas.

O exercício, mesmo que legítimo, do direito de greve pelo indivíduo suspende o seu contrato de trabalho, em todos os seus efeitos. "A participação do empregado em movimento grevista importa na suspensão do contrato de trabalho e, nesta circunstância, autoriza o empregador a não efetuar o pagamento dos salários nos dias de paralisação. A lógica é uma só: sem prestação de serviço inexiste cogitar-se de pagamento do respectivo salário. Este é o ônus que deve suportar o empregado na oportunidade em que decide aderir ao movimento grevista. De outro lado, impõe-se observar que o fato de o empregador deixar de pagar o salário pelos dias de paralisação não implica a possibilidade de o empregado rescindir o seu contrato de trabalho por justa causa, nos termos preconizados pelo artigo 483, "d", da CLT, em face de a lei considerar suspenso o contrato de trabalho no respectivo período do exercício de greve, ainda quando considerado não abusivo o movimento"[27]. Entretanto, um direito permanece garantido, mesmo quando observada a incidência da participação do empregado na greve: "Se, não obstante a vedação legal, o empregador rescinde o contrato de trabalho de empregado em greve, não tem este assegurada a sua reintegração, mas tão-somente o pagamento dos salários e vantagens referentes aos dias de paralisação, a contar da data da dispensa"[28]. "A greve, ainda que não abusiva, suspende o contrato de trabalho. Ressalvada a hipótese de expressa disposição em acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho, o empregador não é obrigado ao pagamento dos dias não trabalhados nem à contagem destes no período aquisitivo das férias"[29]. "A locução, contida no artigo 7º da Lei nº 7783/89, de que as relações obrigacionais durante o período de greve devem ser regidas por acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho deve ser interpretada no espírito em que editada a Lei de Greve, ou seja, as partes devem convencionar sobre os dias de paralisação, mormente porque nesses dias os contratos de trabalho encontram-se suspensos. Nesse passo, cabe aos dirigentes do sindicato e da empresa sentarem à mesa de discussão para ajustar uma forma de compensação quanto aos dias de paralisação; caso contrário, caberá à Justiça do Trabalho, no julgamento do dissídio coletivo, julgar o impasse coletivo, não olvidando que, na hipótese de greve, ainda que declarada não abusiva, os contratos de trabalho ficaram suspensos. O Judiciário Trabalhista, quando do exame do processo coletivo, normalmente arbitra uma forma de compensação de horas, estabelecendo uma hora a mais na jornada semanal, até que se complete a efetiva compensação dos dias parados, de sorte a dar cumprimento ao artigo 7º da mencionada Lei de Greve"[30].

            A greve abusiva.

Discute-se a declaração de abusividade e ilegalidade de greve. Entendemos que os Tribunais, ao declarar a abusividade de greve, nada mais fazem do que rever o estado de ilegalidade das mesmas, já que caberia a um juizado cível a competência para fazer as avaliações dos danos causados, se houverem, e aos penais, a sua responsabilização.

"Desatendidos os requisitos da Lei nº 7783/89, notadamente os arts. 3º e 11, tem-se como abusivo o movimento grevista. Indispensável, ainda, que tenha havido o exaurimento das tratativas negociais precedentes à deflagração do movimento paredista, sob pena de restar desvirtuado o seu escopo, com o deslocamento da referida greve para a esfera da intolerância, manifestada unicamente como forma de pressionar o patronato a atender incondicionalmente as reivindicações propostas, em clara substituição da ação legal própria e cabível. Agrava-se a situação quando a greve eclode na pendência de dissídio coletivo de natureza econômica envolvendo as mesmas partes, devidamente instaurado, em cujo bojo se discutem idênticas reivindicações objetivadas pela paralisação coletiva."[31].

"É abusiva a greve não precedida de etapa negocial pela qual se objetive o cumprimento do acordo coletivo"[32]. "Greve abusiva não gera efeitos nem assegura direito ao pagamento dos dias de paralisação ou à estabilidade provisória"[33].

Tem o principio, bem como a decretação de ilegalidade de greve, da decretação de abusividade, romper as defesas do trabalhador no sentido de ter garantida a sua livre manifestação, sem observar-se que tal decretação pelos Tribunais Regionais do Trabalho nada mais é do que um meio de se permitir uma punição aos grevistas ou abrir caminho para sua repressão. LEDUR conclui que a declaração de abusividade de greve não encontra amparo legal, seja na Constituição Federal seja na legislação ordinária 7783/89[34]. O ilustre doutrinador, data maxima venia, tem um grau mediano de razão. Ora, se não podemos deixar de contrabalançar os direitos do trabalhador e do patronato, de modo a não afetarmos a estrutura funcional do sistema produtivo vigente, não podemos, como já afirmado, tomar partido de um dos pratos da balança. Se considerarmos que sempre o grevista estará com a razão, SEMPRE, e que sempre o empregador estará cercado de vilania, além de cairmos num factóide absurdo, estaremos fugindo do principio de justiça que deve nortear cada setor das decisões judiciais. Presunção de legitimidade somente incide no Poder Público. Não no particular. Deveremos então buscar as provas materiais que norteiem a correta avaliação da greve abusiva.

Uma limitação de razoável aceitação, expelidos os objetivos políticos, é de natureza ideológica: haverá desvio de finalidade e consequentemente ilegitimidade da greve sempre que for esta direcionada a fins que não sejam de natureza trabalhista. "A greve política não é um meio de ação direta da classe trabalhadora em benefício de seus interesses profissionais, e, portanto, não está compreendida dentro do conceito de greve trabalhista. Entende-se por greve política, em sentido amplo, a dirigida contra os poderes públicos para conseguir determinadas reivindicações não suscetíveis de negociação coletiva"[35].

            Greve nos serviços essenciais.

"Impõe-se a manutenção do reconhecimento da abusividade da greve quando verificado que esta foi realmente deflagrada sem a observância do atendimento mínimo à população, providência imposta pelo artigo 11 da Lei nº 7783/89"[36]. "Nos termos do artigo 11 da Lei nº 7783/89 incumbe aos Sindicatos, empregadores e trabalhadores, a garantia, durante a greve, da continuidade de prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. No entanto, não é crível que o empregador tivesse ao seu alcance instrumento de pressão tão eficiente a obter sucesso onde o judiciário, mediante comando judicial com cominação de multa pecuniária, não conseguiu atingir, demovendo intuito dos trabalhadores de paralisar os trabalhos no dia predeterminado. Ora, se o empregador conseguisse garantir, durante o movimento paredista, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e, portanto, a não suspensão total do trabalho naquela região, não teria postulado a intervenção judicial. Parece justo interpretar o artigo 11 da Lei de Greve como determinação às partes envolvidas no Dissídio de Greve a cumprirem obrigação de forma voluntária, e não sendo possível atribuir indenização àquela que se recusou a obedecer ao comando legal"[37].


Capítulo Oito: O lock out no Brasil

O lock out proibido.

O lock out permissível, hoje.

O lock out proibido.

A lei da greve proíbe o lock out quando reza: "fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o entendimento de reivindicações dos respectivos empregados", muito embora na prática não sofra punição a empresa que deste recurso se fizer. A medida em que as Constituições foram evoluindo, o instituto da greve veio sendo considerado direito, ao contrario do lock out, que sempre permaneceu ato delituoso. Certas leis o definiram como crime! Observamos entretanto que o simples fechamento da instalação não é lock out. Deve estar imbuído do espirito de embate a semelhança da greve.

Correntes doutrinárias entendem o lock out como direito do empregador, pelo principio de isonomia em face dos trabalhadores que têm legitimado o direito de greve. Não entendemos desta maneira, já que não há isonomia entre empregador e empregado, sendo aquele muito mais forte na mesa de negociação. Outras correntes entendem o lock out como atitude anti-social e nociva a qualquer desenvolvimento do Pais[38].

O lock out não é manifestação idêntica a greve pois, na medida em que a greve mostra uma liberalidade de trabalhar ou não, o lock out. veda esta permissibilidade aos trabalhadores, sendo uma manifestação do poder econômico.

Trata-se em verdade não de um direito mas uma manifestação de força com objetivos de demonstração de poder econômico, seja para ofensa, seja para defesa.

Nos dias correntes, além da punição ao empregador que do lock out se fizer proveito, ainda cabe a ele prestar uma indenização pecuniária aos empregados por força de lei.

O lock out permissível, hoje.

Vem se estendendo, entretanto, uma posição doutrinária em aceitar o lock out de maneira defensiva, que vise proteger os interesses sociais e a garantia do direitos trabalhistas em face das agressões políticas e econômicas. Já discorremos sobre tais pensamentos no capítulo dois (p. 11-12).


Conclusões

O Estado, o Sindicato, o indivíduo e a Empresa, na relação de trabalho, devem constituir o fundamento no qual se construirá uma sociedade justa, correta e sem disparates sociais, não se tratando apenas e tão somente da reposição salarial, como hoje em dia infelizmente se pensa. Deve a classe operária evidentemente lutar também pelo seu salário, mas ainda pelas melhores condições de vida e de realização do trabalho, pelo respeito a pessoa humana, que é como deve ser visto o trabalhador, e não apenas uma peça na máquina de produção, e eliminação dos riscos de acidentes de trabalho. Deve-se ainda pensar quanto ao disposto número um da OIT: trabalho não é mercadoria. Isto infelizmente ainda não enraizou-se no pensamento do patronato. Cabe somente ao trabalhador incutir tal ideologia na mente do patronato e da sociedade.


NOTAS

1. REGINI, Marino. Dicionário de Política, pp. 560-562

2. in Instituições, p. 1077.

3. Brasil. Tribunal Superior do Trabalho, RODC 471783 / 1998 - DJ 12-11-1999 p. 5 - Relator Juiz Lucas Kontoyanis

4. Brasil. Tribunal Superior do Trabalho, RR 546287/99, Redator designado: Ministro Ronaldo José Lopes Leal

5. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 516130/ 1998 - DJ 05-11-1999, p. 9, Relator Juiz convocado Lucas Kontoyanis

6. O direito de greve ao funcionário publico é concedido pela Constituição Federal do Brasil, mas tal direito não se encontra ate hoje regulamentado, não devendo portanto ser considerado como norma eficaz.

7. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 378880/97.0, DJ 26-6-98, Relator Ministro Moacyr Roberto Tesch Auersvald

8. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 531484 / 1999 DJ 25-02-2000 p. 7 - Relator Juiz Lucas Kontoyanis

9. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 552332 / 1999, DJ 24-09-1999, p 10, Relator Ministro José Alberto Rossi

10. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 27434 / 1991, DJ 22 05 1992, p. 7269, Relator Ministro Marcelo Pimentel

11. SOUZA PINTO, ob cit, p. 38-39

12. Tal Convenção da OIT, entretanto, ainda encontra-se não ratificada pelo Congresso Nacional Brasileiro, órgão competente para legislar sobre a matéria.

13. Definida doutrinariamente como o Município.

14. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, ROAA 598585 / 99, DJ 17-03-2000, p. 15, Relator Ministro Gelson de Azevedo

15. Em "O direito do trabalho na América Latina". RJ, Ed. Forense, 1985, p. 205 e ss.

16. REBOREDO, Maria Lúcia Freire. Greve,... p. 63

17. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 604276 / 99, DJ 24-03-2000, p. 8, Relator Ministro Armando de Brito

18. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 604269 / 99, DJ 10-03-2000, p. 3. Relator Ministro Armando de Brito

19. O processo deverá ser extinto, SEM julgamento de mérito.

20. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 557525 / 99, DJ 25-02-2000, p.14. Redator designado Ministro Armando de Brito

21. SINAY, Helene. La greve, Paris, 1966

22. VARGAS, Getulio. Ensaios de opinião. RJ, Inubia, no. 1, 1975

23. MARTINS, Milton. p. 83-105

24. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RODC 566906/ 99 DJ 17-12-1999, p. 34, Relator Ministro José Alberto Rossi

25. JÚNIOR, Romeu de Almeida Salles. Curso de Direito Penal, 7ª ed., Ed. Saraiva, p.29

26. idem. P. 29

27. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, ERR 383124/ 97, DJ 08-10-1999, p.52, Relator Ministro Leonardo Silva

28. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, RR 303402/ 96, DJ 06-08-1999, p. 360, Relator Ministro Valdir Righetto

29. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, ROAD 488299/ 98, DJ 25-06-1999, p. 17, Relator Ministro Valdir Righetto

30. BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, EDERR 383124/ 97, DJ 17-12-1999, p. 65, Relator Ministro Leonardo Silva

31. TST RODC 492272/ 98, DJ 25-06-1999, p. 19, Relator Ministro Valdir Righetto

32. TST RODC 531681/ 99, DJ 03-09-1999, p. 261, Relator Juiz convocado Darcy Marlos Mahle.

33. TST RODC 552330/ 99, DJ 24-09-1999, p. 10, Relator Juiz convocado Darcy Carlos Mahle

34. LEDUR, José Felipe. Abusividade de greve. Impossibilidade de sua declaração pelos Tribunais, em Perspectiva do Direito do Trabalho, PoA, 1993, p. 178.

35. TST RODC 454136/98 DJ 06-08-1999, p 16, Relator Ministro Valdir Righetto

36. TST RODC 566906/ 99 DJ 17-12-1999, p. 34, Relator Ministro José Alberto Rossi

37. TST ROACP 553172/ 99, DJ 17-09-1999, p. 27, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula

38. SOUZA PINTO, ob cit, p. 38


BIBLIOGRAFIA

GARCIA, Paulo. Direito de greve. Ed. Trabalhistas, São Paulo, 1981.

JÚNIOR, Romeu de Almeida Salles. Curso completo de Direito Penal. Ed. Saraiva, 7ª Ed., São Paulo, 1997.

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ROMITA, Arion Sayão. Greve. Revista Acadêmica Nacional de Direito do Trabalho, p. 34.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1999.

SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. Ed. LTr, São Paulo, 1991.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Alexandre Alencar. O direito de greve e o lock-out. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2599. Acesso em: 25 abr. 2024.