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Interesses públicos x Interesses privados

Interesses públicos x Interesses privados

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Trata-se de um estudo sobre a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Realiza-se um apanhado doutrinário e demonstra-se como deve ser entendido modernamente o conteúdo do princípio em foco.

1 - INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como base o questionamento do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Indaga-se principalmente sobre o conteúdo deste princípio, seu alcance e seu embasamento legal. O princípio em análise é considerado o princípio base do direito administrativo, sendo, portanto de suma importância entender o seu real significado no nosso ordenamento atual.

Assim sendo, inicia-se no primeiro capítulo com uma breve análise histórica acerca do tema, procurando realizar uma busca no tempo sobre a evolução deste valor, uma vez que no passado não se podia dizer da existência propriamente dita de um princípio específico desta natureza. Cumpre ressaltar desde já que, é no Antigo regime que este valor encontra sua maior forma de expressão, uma vez que o império estatal era deveras existente.

No segundo capítulo, coube a nós descrever os princípios básicos envolvidos no tema, quais sejam Direitos fundamentais, a noção de interesse público, o conceito de princípios, bem como a diferenciação entre princípios e regras proposto por Alexy.

No terceiro capítulo, desenvolve-se um questionamento dos possíveis vícios ou erros que a aplicação pura e simples deste princípio pode acarretar para a solução de casos concretos. Fala-se aqui da importância da utilização de outros princípios constitucionais como o da ponderação e razoabilidade para guiar o aplicador do Direito no momento da escolha de qual interesse deve prevalecer.

Por fim, no quarto capítulo, será demonstrada a opinião de diversos doutrinadores a respeito do tema bem como será explicitada a opinião da autora deste estudo.


2 - Problema da pesquisa

Dificuldade em estabelece o atual conteúdo do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular e qual desses valores deve prevalecer caso ocorra uma colisão entre Direitos individuais fundamentais e a atuação administrativa.


3 - Objetivo da Pesquisa

O presente estudo tem como foco principal analisar criticamente o princípio base da administração pública, qual seja a Supremacia do Interesse Público, e procurar revelar o conteúdo do mesmo sob a ótica da doutrina contemporânea juntamente com o auxilio do Princípio da Proporcionalidade.


4- Metodologia da Pesquisa

Para realização deste estudo, utilizou-se do método analítico-descritivo, sendo a análise bibliográfica a principal fonte para o embasamento cientifico do tema.


5- Referencial Teórico

Celso Antonio Bandeira de Mello definiu o regime administrativo como sendo o “ponto nuclear de convergência e articulação de todos os princípios e normas de direito administrativo, assumindo roupagem de um efetivo regime jurídico-administrativo cujas "pedras de toque" consistem na (1) supremacia do interesse público sobre o privado e na (2) indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração.

Segundo o abalizado doutrinador, ambos os princípios constituem-se em força-matriz do sistema jurídico-administrativo, sendo efetivas premissas sobre as quais se assenta a edificação do direito administrativo, sendo que a supremacia do interesse público – objeto precípuo de nossa atenção – tem como conseqüência não só uma posição privilegiada como preeminente de parte dos órgãos componentes da Administração Pública. Entretanto adverte o autor que, isso não equivale a uma liberdade irrestrita e absoluta ao administrador público, ou seja, uma espécie de aval para que o administrador conduza os negócios públicos ao sabor de suas vontades e interesses particulares.

Em igual sentido Humberto Ávila diz que “não se está a negar a importância jurídica do interesse público. Há referências positivas em relação a ele. O que deve ficar claro, porém, é que, mesmo nos casos em que ele legitima uma atuação estatal restritiva específica,deve haver uma ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação para atribuir máxima realização aos direitos envolvidos o critério decisivo para a atuação administrativa.”

Assim sendo, não se olvida que o interesse público possa restringir o particular, entretanto admite-se limites para esta restrição , ou seja, deverá ser ponderado os valores em jogo para que não ocorram interferências abusivas por parte do poder público.


6-ANÁLISE HISTÓRICA

Ao longo do tempo, desde a pólis grega, o homem junta esforços no sentido de criar um método eficiente de se cuidar da coisa pública. A evolução da Democracia contribuiu de forma decisiva para que os interesses em jogo no momento da governança pudessem ganhar expressão e serem percebido pelos atores do jogo político.

Ao longo do século, a humanidade, presenciou ao que podemos aqui sintetizar como idas e vindas do processo de luta entre a prevalência do público e o privado. Entretanto foi no século XIX, com o advento das revoluções burguesas que se ficou evidente o caráter conflituoso entre o que era até então inquestionavelmente do Estado ao que pertencia essencialmente àqueles que incrementavam o comércio, e que contribuíram para a sustentação da estrutura estatal.

Foi durante o Estado Absolutista que encontramos a origem deste valor. Neste momento específico, a relação travada entre o Estado e as pessoas era marcada essencialmente pelo autoritarismo e subordinação entre o administrado e administrador. Assim sendo a dogmática administrativa estruturou-se em um princípio de preservação da autoridade e não, como se tem difundido, como garantia do cidadão. Desta forma, sabemos que o atual Estado, estruturou-se em realidade distinta. Assim sendo, hoje, o Estado, que é fruto de diversos embates ideológicos (comunismo versus capitalismo), não necessita da utilização deste embasamento para justificar-se em busca de uma suposta estabilidade, que somente seria conseguida através da segurança jurídica trazida por esse entendimento. Essa linha de pensamento ,reafirmamos, encontra-se claramente superada diante da atual exegesse Estatal.

Outro momento histórico muito importante para que possamos perceber a dificuldade travada entre o publico e o privado, foi durante a transição do Estado Liberal clássico para o Estado Social. Neste momento especifico, tínhamos o liberalismo idealizado por Adam Smith, e sua máxima do laissez-faire. Assim ao Estado era vedado intervir na economia e política principalmente, era o deixar acontecer. Entregava-se ao particular liberdade para atuar nos negócios públicos e privados ao seu bel prazer, sendo o Estado mínimo, não interventor, como se operasse uma reação radical ao ancien regime. Assim sendo, é a fusão do liberalismo econômico com liberalismo político do final do século XIX e século XX Entretanto bons frutos não colheram também esta forma de governança. Se antes o controle estatal sufocava, agora o excesso de liberdade conduzia a realidades extremamente desiguais desembocando em situações de crise econômicas tal como a emblemática crise da bolsa de Nova York em 1929. Sendo necessária uma nova elaboração política da forma de condução dos negócios Estatais.

O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural do Estado liberal. O Estado social busca superar a contradição entre a igualdade política e a desigualdade social. A liberdade política como liberdade restrita era inoperante. O velho liberalismo não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente das pessoas à margem da vida, desapossadas de quase todos os bens. Fazendo uma comparação entre as duas formas de ideologia Estatal, aquela ela marcada pela mínima intervenção e nesta o Estado chama pra si o máximo de atividades possíveis no intuito de regular a atuação do particular para evitar a criação de contextos de extrema desigualdade social.

Cumpre aqui salientar, que este trabalho, não se propõe a realizar nenhum julgamento de valor sobre qual forma de estado é mais bem sucedida que a outra. Aqui se busca somente enfatizar esse movimento de idas e vindas Estatais que são congruentes com a situação de conflito entre a prevalência do público sobre o particular e vice versa.

Assim, esclarecidos, podemos prosseguir nesse embate histórico que é percebido até os dias atuais.

Podemos dizer pragmaticamente que não logrou êxito a forma do Estado Social, pois este engessava em demasia a atuação particular colocando-o na mesma situação de subordinação que antes se havia superado. Portanto era necessário encontrar-se um novo modelo que aproveitasse a qualidade dos dois sistemas. Era como se o público e o privado não pudessem se desconectar, não havendo entre eles uma relação de prevalência e sim de complementação. Nesse contexto surgiu a ideia de Estado Regulador, ou seja, o Estado moderno atuaria somente em algumas áreas imprescindíveis a estrutura Estatal, tais como Segurança Pública , Saúde, Meio Ambiente, etc. Nas demais áreas, haveria a presença dos particulares, entretanto a atuação destes não seria desregrada tão pouca tolida pelo ente público, o que ocorreria seria a criação de entes reguladores, compostos por membros da sociedade civil bem como da administração pública, para que esses conjuntamente exercessem o papel de fiscalizar e frear os abusos que por ventura pudessem surgir.

Por fim de tudo o que aqui se expos, quer-se ressaltar sobretudo esse movimento que nas lições maestrais de Luiz Roberto Barroso , nomeou de pendular aqui transcrito por sintetizar bem tudo que se aduziu: “ Ao longo do século XX, o Estado percorreu uma trajetória pendular. Começou liberal,com funções mínimas,em uma era de afirmação dos direitos políticos e individuais. Tornou-se social após o primeiro quarto,assumindo encargos na superação das desigualdades e na promoção dos direitos sociais. Na virada do século,estava neoliberal,concentrando-se na atividade de regulação,abdicando da intervenção econômica direta,em um movimento de desjudicização de determinadas conquistas sociais. E assim chegou ao novo século e ao novo milênio.”


7-ALICERCES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

7.1. Conceito de Direitos fundamentais:

Propõe Alexandre de Morais, como "adequado conceito de direitos humanos fundamentais, o conjunto de direitos e garantias do ser humano, com o objetivo de respeito a sua dignidade e o estabelecimento das condições mínimas de vida, através da proteção contra o abuso do poder estatal". Não obstante o conceito utilizado pelo ilustre autor , temos que apontar que a intenção do autor foi conferir máxima abrangência aos Direitos fundamentais, uma vez que muito embora sejam comumente utilizados como sinônimos essa não é o melhor entendimento, sendo que: O primeiro termo, "direito fundamental", é aplicado para aqueles direitos do ser humano descritos em uma constituição, o segundo, "direito humano", guarda relação com o direito internacional, é reconhecido de forma universal, por todos os povos, não guardando relação alguma com um caráter nacional (constitucional interno), ou seja, independe de uma vinculação com determinada ordem constitucional.

7.2- A noção de interesse público:

Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 13ª edição, 2001, p. 26/27), definiu o regime administrativo como sendo o “ponto nuclear de convergência e articulação de todos os princípios e normas de direito administrativo, assumindo roupagem de um efetivo regime jurídico-administrativo cujas "pedras de toque" consistem na (1) supremacia do interesse público sobre o privado e na (2) indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração.

Segundo o abalizado doutrinador, ambos os princípios constituem-se em força-matriz do sistema jurídico-administrativo, sendo efetivas premissas sobre as quais se assenta a edificação do direito administrativo, sendo que a supremacia do interesse público – objeto precípuo de nossa atenção – tem como conseqüência não só uma posição privilegiada como preeminente de parte dos órgãos componentes da Administração Pública. Entretanto adverte o autor que, isso não equivale a uma liberdade irrestrita e absoluta ao administrador público, ou seja, uma espécie de aval para que o administrador conduza os negócios públicos ao sabor de suas vontades e interesses particulares.

Desta forma é de fundamental importância que aprofundemos o conceito de interesse público de forma que esta é a melhor forma de avançar na tarefa de delimitar o que o princípio da “supremacia do interesse público” visa proteger. Para realizar esta tarefa recorremos mais uma vez a definição proposta por Celso Antonio Bandeira de Mello que entendeu como sendo o “interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelos simples fato de o serem”. Assim sendo, elemento essencial do interesse público é a inserção do indivíduo em uma coletividade. Não é possível, portanto, dissociar desta forma o particular do público como antes já havia formulado. Os dois são faces da mesma moeda. O interesse público, portanto, nada mais é do que uma dimensão, uma determinada expressão dos direitos individuais, vista sob um prisma coletivo. Sendo indiscutível a transposição da mentalidade romanística, que os viam de maneira antagônica.

Dando prosseguimento ao estudo do interesse público, à que ser mencionado que existe uma classificação que divide o interesse público em primário e secundário. Interesse primário equivaleria aos interesses que a administração cuida de proteger e efetuar durante o real e genuíno exercício do seu oficio, o que pra nós poderíamos entender como as necessidades coletivas propriamente ditas. Em contrapartida, haveria o interesse secundário, que seria os meios utilizados para a consecução dos interesses primários, desta forma seriam decorrentes do próprio exercício de gestão, ou seja, seriam os interesses particulares do próprio Estado que objetivam, por sua vez, fins não tão nobres, mas, isto sim, a própria sobrevivência ou higidez dos cofres públicos.

Neste mister é importante uma reflexão . Qual interesse deve prevalecer durante o exercício administrativo, o interesse primário ou secundário? Não obstante posições divergentes pensamos que, embora não seja uma tarefa de fácil consecução, deve prevalecer sempre, em caso de conflito, o interesse primário, ou seja, o Estado só poderá promover a defesa dos seus interesses particulares ("interesse secundário") quando estes não conflitarem com o interesse público propriamente dito ("interesse primário").

Concluindo, como ficou demonstrado, o interesse público, longe de ser uma categoria oposta ao interesse privado, acaba convivendo com o interesse individual propriamente considerado, não estando divorciado de seus interesses.

7.3- A abrangência do termo Princípio:

Diante da impossibilidade dos legisladores durante o seu oficio conseguirem abarcar todas as situações do cotidiano que possam por ventura desaguar em uma contenda judicial, surge à importância dos princípios. Neste aspecto, são os princípios que resolvem determinados casos em que existem lacunas normativas que necessariamente devem ser preenchidas pelo intérprete e pelo julgador, especialmente em relação a este último, a quem a lei não permite denegar jurisdição.

No nosso ordenamento pátrio, após a promulgação da carta de 1988, é que podemos afirmar a sedimentação dos princípios jurídicos com fontes reveladoras do Direto. Sendo relevantes, sobretudo para a constituição de um ordenamento jurídico harmônico, justamente porque os princípios são diretrizes com alto grau de abstração que subsidiam não só a hermenêutica jurídica como também possuem marcante ingerência sobre a própria ordem normativa.

7.4- A Distinção entre princípios e regras:

Robert Alexy em seu estudo sobre a distinção entre princípios e regras, presente em sua obra intitulada “Tres escritos sobre los derechos fundamentales y La teoria de los principios” visa explicitar, de uma maneira objetiva, a definição de princípios e de regras .

O Ilustre Jurista Alemão, para fazer a distinção entre princípios e regras, parte do pressuposto de que tal distinção é qualitativa e não gradativa, pois para Alexy (2003, p. 95 e 96) :

princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Como consequência, os princípios são mandamentos de otimização, que se caracterizam pelo fato de que a medida ordenada deve se cumprir, não dependendo apenas das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (...) Por outro lado, as regras são normas que sempre podem ser cumpridas ou não cumpridas. Se uma regra possui validade, então se está ordenado a fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Deste modo, as regras contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível. Elas são, portanto, mandamentos definitivos. Isto significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não somente uma distinção de grau. Toda norma é uma regra ou um princípio (tradução nossa).

Assim, os princípios são uma espécie de norma jurídica por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas. Normativas, porque a aplicação de um princípio depende de outros princípios e regras que a ele se contrapõem, e fáticas porque o conteúdo dos princípios, como normas de conduta, só pode ser determinado diante dos fatos. Já regras são normas que podem ou não ser realizadas. Quando uma regra vale, então é determinado fazer exatamente o que ela exige, nada mais e nada menos.

Nas palavras de Humberto Ávila (2004, p.30), a distinção entre princípios e regras, para Robert Alexy, deve resumir-se, especialmente, a dois fatores: I) diferença quanto à colisão, na medida em que os princípios colidentes somente tem sua realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; e II) diferença quanto à obrigação que instituem, haja vista que as regras instituem obrigações absolutas, não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em função de outros princípios colidentes.

Insta salientar que, a realização completa de um determinado princípio pode ser, e frequentemente é, obstada pela realização de outro princípio. Essa ideia é traduzida pela metáfora da colisão entre princípios, que deve ser resolvida por meio de um sopesamento entre os mesmos, para que se possa chegar a um resultado ótimo, que depende sempre das variáveis do caso concreto.

Diante disso, afirma-se que os princípios expressam deveres e direitos prima facie, que poderão revelar-se menos amplos após o sopesamento com princípios colidentes. Já as regras, diferentemente dos princípios, expressam deveres e direitos definitivos, isto é, se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos.


8- O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO APLICADO.

8.1: Considerações iniciais:

Mais importante do que definir o Princípio da Supremacia do Interesse Público é investigar o modo como este é aplicado dentro do nosso ordenamento. Se por um lado a utilização do mesmo irrefletidamente pode causar uma situação de despotismo ou tirania jurídica autorizada, por outro lado, não se olvida que na conformação das fontes de Direito é importante a utilização harmônica do todo jurídico, e é nesse intere que o princípio da ponderação e razoabilidade surge como verdadeiros vetores interpretativos que auxiliam a dosagem da utilização do princípio em análise.

8.2: Princípio da Proporcionalidade e Razoabilidade:

Não há na Constituição Brasileira uma previsão expressa ao princípio da proporcionalidade. Trata-se de um princípio implícito. Este princípio tem suas origens no Direito Português, e foi através do Direito Austríaco com o seu modelo de controle concentrado de constitucionalidade que este princípio foi recepcionado.

Segundo Canotilho (CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998.), pode-se afirmar que este principio nasceu da seara do direito administrativo, para regular o poder de policia e foi desenvolvido através de uma evolução do principio da legalidade. Trazia em sua essência a necessidade de um dispositivo capaz de controlar os Poderes no exercício de suas funções, evitando os atos administrativos arbitrários.

No dizer de Humberto Bergmann Ávila (AVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, n. 215, p. 151-179, jan/mar 1999) “pode-se definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados.”

No que se refere ao conteúdo do princípio da proporcionalidade, pode-se dizer que ele desdobra-se em três sub-princípios, quais sejam: adequação , necessidade, proporcionalidade. Assim e seguindo a lição de Humberto Ávila (INCLUIR CITAÇÃO-LIVRO RAFA) “A proporcionalidade, determina que um meio deva ser adequado,necessário -isto é,dentre todos os meios adequados aquele menos restritivo-e mantenha relação de proporcionalidade relativamente ao fim instituído pela norma. O postulado da proporcionalidade em sentido estrito (elemento da ponderação) exige que o meio e o fim devam estar em uma relação de proporção (não podem ficar em relação de desproporção). Essa é a condição negativa. Os interesses que estão (estaticamente) em posição de contraposição, devem ser de tal forma ponderados, que a coordenação entre os bens jurídicos constitucionalmente protegidos possa atribuir máxima realização a cada um deles”

Seguindo esta linha de pensamento, não tão distante da proporcionalidade encontramos o Princípio da Razoabilidade. Por este princípio devemos entender que ao estabelecer suas diretrizes, a lei deve seguir padrões razoáveis, para a sua aplicação. Deve o operador do direito guiar-se pelo bom senso, pela razão no momento de aplicação das leis. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito.

O professor Celso Antonio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.), no que tange ao princípio da razoabilidade no campo do direito administrativo, pondera que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência devida.

Desta forma, são o princípio da proporcionalidade e razoabilidade importantes instrumentos para frear os abusos do Poder Público, sendo que sua inobservância é passível de impugnação pelo poder judiciário, sempre que perquirido, por inconstitucionalidade, ainda que em colisão com outros princípios este princípio é o que deverá prevalecer, pois por todas as razões acima aventadas, entendemos que,diante de conflitos entre direitos fundamentais e interesses públicos de estatura constitucional, pode-se falar,na linha de Alexy,numa “precedência prima facie” dos primeiros.


9- INTERESSE PÚBLICO VERSUS INTERESSE PRIVADO.

O princípio da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais. Este é o atual entendimento da melhor doutrina e jurisprudência pátria, a qual nos filiamos.

Em igual sentido Humberto Ávila (INCLUIR CITAÇÃO) “ Não se está a negar a importância jurídica do interesse público. Há referencias positivas em relação a ele. O que deve ficar claro,porém, é que, mesmo nos casos em que ele legitima uma atuação estatal restritiva específica,deve haver uma ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação para atribuir máxima realização aos direitos envolvidos o critério decisivo para a atuação administrativa.”

Em igual sentido e com uma visão mais filosófica Daniel Sarmento (INCLUIR CITAÇÃO) afirma que: “Negar a supremacia do interesse público sobre o particular e afirmar a superioridade prima facie dos direitos fundamentais sobre os interesses da coletividade pode parecer para alguns uma postura anti-cívica. (...) Mas esta visão não se justifica. O bom civismo,cujo cultivo interessa ao Estado Democrático de Direito, não é o do nacionalismo à outrance - que tanto mal, já fez à humanidade-, nem o que prega a entrega incondicional do indivíduo às causas da coletividade. O civismo que interessa é o do “patriotismo constitucional”, que pressupõe a consolidação de uma cultura de direitos humanos (...) Só que isto requer um Estado que respeite profundamente os interesses legítimos dos seus cidadão).

Podemos perceber que não é fácil identificar o Interesse Publico em caso de situação de colisão com outros por assim dizer, “interesses públicos”. Bem registra Marçal Justem Filho que o interesse público tem dimensão essencialmente “ética”, atenta à pluralidade social e especialmente sensível ao princípio da dignidade da pessoa humana. Deve se destacar, nessa análise, a “personalização” do fenômeno jurídico em detrimento da sua “patrimonialização” - tudo com os olhos postos na “satisfação dos valores fundamentais”. Em igual sentido conceitua: “ o conceito de interesse público não se constrói a partir da identidade do seu titular,sob pena de inversão lógica e axiológica insuperável e frustração da sua função. Definir o interesse como público porque titularizado pelo Estado significa uma certa escala de valores. Deixa de indagar-se acerca do conteúdo do interesse para dar destaque à titularidade estatal. Isso corresponde à concepção de que o Estado é mais importante do que a comunidade e que detém interesses peculiares ( Conceito de interesse público e a personalização do direito administrativo, Revista Trimestral de Direito Público, N.26,P.117).

Por fim, não significa que o interesse publico é o “interesse do Estado”, e tanto quanto possível, deveria ser buscada a preponderância dos benefícios em prol do poder público; quanto mais direitos, vantagens,titularidades,tanto mais estaria sendo prestigiado esse ente objeto de culto. Contudo, é urgente que esta visão, condescendente com o totalitarismo, mereça ser rejeitada, ou nos termos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “a Administração Pública não é titular do interesse publico, mas apenas o seu guardião; ela tem que zelar pela sua proteção” (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988).


CONCLUSÃO

Neste estudo, procuramos estabelecer, a maneira mais adequada de se entender o sentido e alcance do Princípio da soberania do interesse público. Princípio este, que é o alicerce do Direito Administrativo. Para tanto, tivemos que iniciar uma busca histórica a fim de encontrar dados sobre o surgimento e evolução deste valor. Ficou demonstrado que a superioridade do interesse público tem base autoritária, correlata ao antigo regime, onde se concentrava no monarca todos os poderes para dirigir o Estado. E por ser esse símbolo de poder incontroverso, poderíamos afirmar na época que contra o Estado/monarca não existiam direitos. A sociedade passou por inúmeros processo de mudanças, que nos dizeres de Luiz Roberto Barroso, foram classificados como “movimentos pendulares”, e à medida que o Estado experimentava formas mais totalitária mais este principio ganhava força. Ocorre que diante dos acontecimentos da pós-modernidade, é veemente, que se reelabore o verdadeiro conteúdo do princípio em comento, sendo necessária a sua conjugação com outros valores e princípios, tal como os Direitos Humanos e Fundamentais. Será que em caso de conflito entre um Direito humano e a Supremacia do interesse público, este princípio tem a força de restringir tais direitos inerentes ao homem? E com relação aos Direitos Fundamentais, tal restrição é legítima, por se operar a favor da vontade de um Estado? Como resolver estes conflitos de Interesses? Buscamos a brilhante lição de Alexy, para entender o real alcance dos princípios nos ordenamentos. O eminente jurista alemão, classificou os princípios como normas de otimização, fazendo uma clara distinção entre Princípios e regras. E, como a máxima vênia, é isso que o Princípio da supremacia é, uma norma de otimização , não um valor absoluto. E para tanto em caso de conflito com outro valores insculpidos no nosso ordenamento deve estar autorizada a aplicação da ponderação como instrumento hábil, capaz de auferir no caso concreto o real valor a ser dito como supremo, não basta a argüição preguiçosa de que o interesse público esta acima de qualquer outro valor. Essa premissa é arbitrária. Enfrentamos a questão em de maneiro multifacetária, não renegamos que o Estado necessita de poder para fazer valer sua soberania, não temos o intento de fomentar a anarquia, isso não seria o espírito do Estado Democrático de Direito, no entanto, buscamos em lições de grandes autores, alicerce cientifico para o que aqui se propõe, que é a aplicação regrada do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular.


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