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Breves considerações sobre jurisdição e competência

Breves considerações sobre jurisdição e competência

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Sumário: 1. Jurisdição e competência; 2. Competência internacional e competência interna; 3. Critérios legais de determinação da competência; 4. Determinação da competência pela atribuição das causas aos órgãos jurisdicionais; 5. Competência absoluta e competência relativa.


1 - Jurisdição e competência

Na consecução de seus objetivos o Estado moderno desenvolve as atividades legislativa, administrativa e jurisdicional.1

Há na doutrina, porém, sérias divergências acerca da exata configuração dessas atividades estatais, mormente no respeitante à administrativa e à jurisdicional.

Para alguns, entre os quais se destaca CHIOVENDA, a jurisdição caracteriza-se pela sua natureza substitutiva da atividade alheia (das partes) pela atividade estatal, de tal sorte que no processo de conhecimento a atividade jurisdicional consiste justamente na substituição, definitiva e obrigatória, da atividade intelectiva e volitiva das partes pela do juiz, quando este afirma existente ou inexistente uma vontade concreta da lei relativamente àquelas partes; tal substituição também ocorre no processo de execução, na medida em que o Estado torna exeqüível, através de atos executórios, a vontade da lei não atendida pelo executado. E tudo isso porque, sendo vedado ao particular atuar como juiz em causa própria, o Estado atua, através de seus órgãos jurisdicionais, como juiz em causa alheia.

Já à administração faltaria esse caráter substitutivo, porquanto administrar representa, antes e acima de tudo, uma atividade imposta pela lei, direta e imediatamente, aos órgãos públicos. O Estado-juiz age atuando a lei, ao passo que o Estado-administração age em conformidade com ela; no exercício da função jurisdicional o Estado-juiz considera a lei em si mesma, ao passo que o Estado-administração a considera como norma de sua própria conduta.

Coerentemente, CHIOVENDA acaba por definir a jurisdição como sendo a função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, mediante a substituição, pela atividade dos órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, quer para afirmar a existência da vontade da lei, quer para torná-la praticamente efetiva.2

CARNELUTTI parte de sua idéia central de lide, por todos conhecida, vendo na jurisdição um meio de que se vale o Estado para a justa composição daquela, ou seja, a atividade jurisdicional por ele exercida através do processo visa à composição, nos termos da lei, do conflito de interesses submetido à sua apreciação.

Nessa medida, a distinção entre as atividades jurisdicional e administrativa repousa no caráter parcial ou imparcial do órgão que exerce uma e outra: se apenas uma parte, aquela titular do interesse em conflito com o interesse da administração, está diante do órgão estatal (o qual, por sua vez, pertence à administração cujo interesse conflita com o do particular), tudo se resolve no campo do recurso hierárquico - e administrativo, portanto -, visto que uma parte se dirige à outra, embora o faça perante órgão hierarquicamente superior àquele que praticou o ato cujo reexame é pretendido; se, ao reverso, diante do órgão estatal encontram-se duas partes, e ele se apresenta como uma individualidade independente daquela da administração pública - a qual, no entanto, se posiciona diante dele também como parte -, estar-se-á no campo do próprio e verdadeiro juízo, caracterizado pelo fato de que, nele, uma parte (contra a outra) dirige-se ao juiz a fim de que faça atuar, em relação a ela, o direito objetivo.3

LIEBMAN lembra que tanto a administração, quanto a jurisdição, são exercidas através de atos de conteúdo concreto, diferenciando-se, todavia, pela circunstância de que a primeira visa sempre, através de seus atos, à proteção de determinados interesses públicos (tais como a segurança, a saúde e a instrução, atividade essa regulada e disciplinada nela lei; já a função específica da jurisdição é fazer justiça, ou seja, dar atuação à lei.4

Qualquer eventual confusão entre essas atividades estatais desaparece, porém, quando se coloca a questão a nível de poder do Estado, como faz CÂNDIDO DINAMARCO.

Inerente à própria existência do Estado, o poder representa a capacidade que ele tem de impor as suas decisões, sendo exercido em conformidade com os objetivos específicos que pretenda alcançar. Destarte, a jurisdição, a administração e a legislação representam as diversas expressões do mesmo poder, diferenciando-se, pois, não ontologicamente, mas apenas em razão das funções exercidas pelo Estado. Vale dizer, a diferença entre elas reside na variedade de funções "que o Estado tem por suas e que projetam reflexos de suas próprias peculiaridades na forma, características e disciplina positiva do exercício do poder enquanto voltado a cada uma delas."5

Expressão do poder estatal, a jurisdição é, por isso mesmo, una e indivisível. Ganha autonomia, diferencia-se, como visto, apenas enquanto função típica do Estado detentor desse poder.

Examinada sob tal aspecto puramente funcional, a jurisdição tem por escopo jurídico6 a atuação da vontade concreta da lei, através da atividade do juiz no processo, ou, em outras palavras, o Estado busca fazer valer, em concreto, o direito material7, mediante o efetivo exercício de seu poder pelos órgãos judiciais; e essa função estatal (jurisdicional) deve ser desenvolvida, até mesmo por conveniência (melhor e mais ágil distribuição da justiça), por uma pluralidade de órgãos (os integrantes dos diversos escalões do Poder Judiciário), cada qual deles apto a exercê-la nos limites impostos pela lei.

Daí tradicionalmente dizer-se que a competência é a medida de jurisdição de cada órgão judicial, isto é, ela quantifica a jurisdição a ser exercida pelo órgão judicial singularmente considerado; ou, na lição de LIEBMAN, ela determina, para cada órgão singular, em quais casos, e em relação a quais controvérsias, tem ele o poder de emitir provimentos, delimitando em abstrato, ao mesmo tempo, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas.8

O poder jurisdicional é exercido em sua plenitude pelos órgãos dele investido, sendo incorreto afirmar-se, por conseqüência, que um tenha mais ou menos poder que outro, da mesma forma que representa um equívoco falar-se em espécies de jurisdição. Nessa medida, portanto, a competência não representa a quantidade de jurisdição conferida a cada órgão judicial; significa, isto sim, os limites legais impostos ao exercício válido e regular do poder jurisdicional por aqueles, ou, por outras palavras, a competência legitima o exercício do poder, pelo órgão jurisdicional, em um processo concretamente considerado.


2 - Competência internacional e competência interna

Deve o Estado, antes de transferir o poder jurisdicional9 aos órgãos que irão exercê-lo, definí-lo em seus contornos, conteúdo e extensão, em confronto com o de outros Estados que compõem a comunidade internacional.

Busca ele, através dessa definição, salvaguardar a sua soberania e, ainda, evitar a emissão de decisões totalmente esvaziadas de autoridade, enquanto inexeqüíveis em território alheio.

Essa a razão pela qual o Código regula, em seus artigos 88 a 90, a denominada competência internacional - repetindo, aliás, com ligeiras variações, as regras da Lei de Introdução ao Código Civil (art. 12).10

O processamento e julgamento das causas que tenham por objeto as situações arroladas no artigo 88 competem aos órgãos jurisdicionais brasileiros, mas a lei reconhece valor às decisões estrangeiras que as envolvam - sem que se cogite, nesses casos, os efeitos impeditivos da litispendência (art. 90) -, isto é, as sentenças proferidas por juiz ou tribunal estrangeiros produzirão, desde que previamente homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, h), também efeitos no Brasil.

Já as causas indicadas no artigo 89 competem, com exclusividade, às autoridades judiciárias brasileiras, não merecendo o exequatur da aludida Corte superior as decisões estrangeiras a elas relativas, caso se pretenda fazer valê-las em nosso país.

Excluídos os casos taxativamente previstos nos artigos 88 e 89 inexiste jurisdição brasileira (daí a incorreção, a nosso ver, da locução competência internacional), sendo juridicamente inexistentes (e não simplesmente inválidos), portanto, os provimentos envolvendo causas não integrantes daqueles dois róis.

Conclui-se, assim, que a denominada competência interna (arts. 91 e segs.), mais a solução das questões a ela afetas, pressupõem a existência do próprio poder jurisdicional, ou, por outras palavras, a competência dos órgãos judiciários brasileiros é sempre interna, porquanto a internacional diz respeito, na verdade, à existência, conteúdo e extensão do poder estatal.

Ao regular a competência interna a lei a distribui, de forma abstrata, aos múltiplos órgãos jurisdicionais, em atenção ora ao interesse da parte, ora ao interesse público.

Busca ela, por vezes, atender ao interesse ou à comodidade das partes - ou ao menos de uma delas -, daí a existência, em abstrato, de foros concorrentes (v.g., arts. 94, parágrafo 1º e 100, par. ún., do CPC), subsidiários (v.g., arts. 94, parágrafo 2º e 96, par. ún.), "privilegiados" (v.g., art. 100, I e II), especiais (v.g., art. 96). Outras vezes, o fator preponderante para a existência da norma reguladora da competência é o interesse público emergente do processo, motivo pelo qual essa competência é caracterizada como absoluta, imodificável pela só vontade das partes ou em função de determinados fenômenos processuais (v., infra, nº 5).

Em concreto, no entanto, apenas um órgão jurisdicional é competente para determinada causa, pois o exercício efetivo e legítimo do poder jurisdicional afasta, retira a competência de qualquer outro órgão.

Explicitando: antes do ajuizamento da demanda, dois ou mais órgãos jurisdicionais podem ser, em abstrato, competentes para o processamento de uma mesma causa; proposta que seja ela perante um deles - e operada a perpetuatio jurisdictionis (art. 87 - infra, nº 9) -, desde logo fica determinado, em concreto, o único órgão jurisdicional competente para o seu processamento, com a exclusão de qualquer outro. Por outro lado, há situações em que determinados órgãos são desde logo incompetentes, até mesmo em abstrato, como ocorre, verbi gratia, com os órgãos jurisdicionais monocráticos em relação às ações rescisórias e, em regra, também aos recursos, visto que a atribuição da competência aos órgãos colegiados atende, nesses casos, a um critério fundado no puro interesse público (v., infra, nº 4.2).


3 - Critérios legais de determinação da competência

Essa repartição da competência entre os diversos órgãos que exercem a jurisdição deve ser realizada, à evidência, com base em certos critérios legais, quais sejam os critérios determinativos da competência.

Partindo-se da idéia de que a competência legitima o exercício, pelos órgãos judiciários, do poder jurisdicional a eles conferidos, dever-se-á apurar, à luz de cada caso concreto, a legitimidade da atuação de cada um desses órgãos, eis que a sua competência representa requisito de validade do processo.

Considerando que nosso Código de Processo Civil encampou os critérios enunciados por CHIOVENDA (repartição tríplice da competência, quais sejam os critérios objetivo, funcional e territorial), impõe-se o exame, embora ligeiro, de cada um deles.

3.1 A competência será objetivamente determinada (art. 91) ou com base no valor da causa (competência por valor), ou com base na natureza da causa (competência por matéria), ignorando o legislador pátrio o critério objetivo fundado na qualidade da parte, por aceitar a ponderação de CHIOVENDA no sentido de que ele não teria qualquer repercussão na fixação da competência.11 Tal critério representa, no entanto, fator determinante para a apuração quer da chamada competência de jurisdição (infra, nº 4.1), quer da competência de juízo, observadas, para tanto, as normas de organização judiciária local (v.g., a competência das Varas das Fazendas Públicas na Comarca de São Paulo), influindo, ainda, na perpetuatio jurisdictionis (infra, nº 9).

Por outro lado, falar-se em competência material, como comumente o faz a doutrina pátria, equivale a confundir, sob a ótica do esquema chiovendiano, modalidade de competência (a objetiva) com seu critério determinativo (a natureza da relação controvertida posta em juízo).

Ademais, a competência objetiva é absoluta - exceto aquela fundada no valor da causa, sempre prorrogável (e relativa, portanto, segundo nossa lei - CPC, art. 114 - v., infra, nº 8) -, ao passo que na legislação italiana, em que se apoiou CHIOVENDA, seus limites são sempre absolutos para o mais, nem sempre para o menos. Em outras palavras, as peculiaridades do ordenamento processual peninsular determinam duas conseqüências diversas para a mesma modalidade de competência: o órgão judiciário inferior (i.é, com sua competência fixada em menor alçada) nunca é competente para julgar causas que, pelo seu valor, compitam a órgão superior, não sendo verdadeira a recíproca, porém.12

Tal sucede em virtude de haver na Itália três órgãos distintos que exercem a jurisdição em primeiro grau (conciliadores, pretores e tribunais), cada qual tendo a sua competência fixada, entre outros critérios, também pelo valor da causa (CPC italiano, arts. 7 e segs..). Como nossa organização judiciária desconhece tal divisão de tarefas em primeiro grau, o critério de valor não atua na determinação da competência para mais ou menos, sendo sempre relativa a competência com base nele fixada - e prorrogável, portanto.

Verdade que já se sustentou a incidência, na fixação da competência dos juízos integrantes dos denominados foros regionais existentes na Comarca de São Paulo (v., infra, nº 4.4.2), do critério valorativo dúplice apontado por CHIOVENDA, de tal sorte que a competência dos juízos do foro central (rectius: juízos centrais) para as causas de valor igual ou superior a cinqüenta salários mínimos (valor para mais) seria absoluta, enquanto que a competência dos foros regionais (rectius: juízos distritais ou regionais) fixada para causas com valor inferior àquele, teria natureza relativa; em conseqüência, prorrogar-se-ia a competência do juízo central em causas de valor inferior, uma vez não oposta a exceção declinatória de juízo, mas tal fenômeno jamais ocorreria em se tratando de causas de valor superior propostas perante juízos regionais, pois neste caso a incompetência dos últimos seria absoluta.

Esse entendimento não tem, contudo, qualquer fundamento legal, conforme será oportunamente demonstrado (infra, nº 4.4.2).

Também o critério estabelecido pelo artigo 95 do Código de Processo Civil (forum rei sitae) é objetivo em razão da matéria, se bem que a competência tenha, nesse caso, um suporte territorial.13

Tais problemas são gerados pelo próprio Código de Processo Civil ao utilizar o esquema chiovendiano em estrutura judiciária e sistema processual diferentes do italiano (para o qual é ele totalmente adequado), acarretando a confusão entre problemas ligados à competência e os dados necessários para resolvê-los.14

3.2 A competência funcional vem prevista no artigo 93 do Código e é, por força dos motivos que justificam a sua existência, absoluta e improrrogável.

Segundo CHIOVENDA, o critério funcional é extraído da natureza e das exigências especiais das funções exercidas pelo juiz no processo, isto é, tem ele preponderância quando: a) as diversas funções desenvolvidas no mesmo processo ou destinadas à atuação da mesma vontade da lei são atribuídas a juízes ou órgãos jurisdicionais diversos; b) uma causa é destinada ao órgão jurisdicional de determinado território, considerando-se, para tanto, o fato de assim tornar-se mais fácil ou mais eficaz a sua função (v.g., no processo falimentar).15

Resulta, do exposto, que a denominada competência funcional é fundada em critérios heterogêneos, na medida em que para a sua determinação atuam elementos relativos à competência dita objetiva e à territorial. Assim, por exemplo, a sede do juízo de primeiro grau determina a competência de um dado tribunal, enquanto que o objeto da demanda determina a competência originária do tribunal.16

Tentando conciliar tais critérios com nosso sistema processual, FREDERICO MARQUES esclarece que a competência funcional leva em conta ora as fases do processo, ora os graus de jurisdição, ora o objeto do juízo".17 Exemplificando: considerando as fases do processo, funcionalmente competente para prolatar a sentença será o juiz que presidiu a audiência de instrução e julgamento (art. 132); relativamente aos graus de jurisdição, bastaria lembrar a competência recursal dos tribunais; finalmente, compete ao juízo da condenação a execução de seu julgado, nos termos do artigo 575, inciso II.

3.3 Por derradeiro - e sempre tendo em mira o esquema chiovendiano -, o critério territorial leva em conta a distribuição da massa de demandas a órgãos jurisdicionais do mesmo tipo, mas cada qual limitado territorialmente em função da divisão judiciária existente.18

Minuciosamente regulada pelo Código de Processo Civil (arts. 94 e segs.), a competência territorial é exercida nos limites do foro, representando, este, a delimitação territorial para o exercício do poder jurisdicional e correspondendo à comarca da Justiça dos estados.

Vale lembrar, a esta altura, que o vocábulo foro utilizado pelo Código não guarda correspondência com aquele integrado às expressões foro central e foro regional" de que se vale a Lei paulista nº 3.947, de 1983, conforme será detidamente demonstrado adiante (v., infra, nº 4.4.2).

Cuida a doutrina de uma diversidade de foros.

Foro comum, ou geral, é aquele correspondente à regra geral de determinação de competência baseada no critério ora examinado (art. 94), ou seja, nas ações ditas pessoais a lei confere uma relativa vantagem ao réu, prevendo que ele será demandado no local onde se situa o seu domicílio.

Sobre o foro comum prevalecem os foros especiais, justificando-se a sua especialidade ora pela condição pessoal de uma das partes (v.g., art. 100, I e II - o denominado foro privilegiado: na verdade, prerrogativa de foro) -, ora pela intenção do Estado moderno em "repartir entre os litigantes em quinhões aproximadamente iguais os incômodos da lide"19 (forum destinatae solutionis - art. 100, IV, d e o forum delicti commissi - art. 100, V, a ). Ficará a critério do autor escolher qual o foro em que promoverá a demanda, sempre que se depare com foros concorrentes (v.g., art. 100, par. ún.) e, sendo impossível a apuração do foro com base em qualquer dos critérios até aqui expostos, prevalecerá o foro subsidiário (v.g., art. 96, par. ún.).

Apresentado sucintamente o esquema proposto por CHIOVENDA, é conveniente repetir que ele não se mostra adequado à satisfatória solução de toda e qualquer questão envolvendo a competência.

Como visto, ele ignora o critério determinativo da competência pela qualidade da parte (supra, nº 3.1), nem abre espaço para a denominada competência de jurisdição (aquela que considera o conjunto de atividades conferidas, pela lei constitucional, às diversas "Justiças" existentes no Brasil (infra, nº 4.1), até porque o sistema italiano desconhece essa multiplicidade de "justiças".

Há critérios mais simples e adequados ao nosso sistema legal para a apuração da competência concreta de cada um dos órgãos judiciários, daí nossa preferência pelo esquema a seguir apresentado e fundado na atribuição das causas aos diversos órgãos jurisdicionais.20


4 - Determinação da competência pela atribuição das causas aos órgãos jurisdicionais

A Constituição Federal regula a competência das denominadas "Justiças" especiais (do Trabalho, Eleitoral e a Militar da União - arts. 113, 114, 121 e 124), delegando às "Justiças" comuns (Federal e dos Estados) a competência residual - muito embora também à competência da Justiça Federal seja conferida uma certa especialidade (arts. 108 e 109).

4.1 Tomando-se por referencial essa distribuição das causas aos diversos órgãos que integram a estrutura judiciária brasileira, fala-se em competência de jurisdição, significando essa locução o conjunto das atividades jurisdicionais conferidas a determinado organismo judiciário (ou a determinada "Justiça", no sentido ora empregado). Aliás, só nessa medida é admissível e compreensível o emprego da locução em pauta, pois sua interpretação desvinculada do contexto deste trabalho pode gerar uma indevida confusão entre institutos distintos.21

Enquanto certas causas competem exclusivamente a determinadas "Justiças" (v.g., CF, art. 124), algumas poderão competir, em abstrato, a uma ou outra dessas "Justiças", apurando-se concretamente a competência, nesses casos, com base em critérios objetivos ou territoriais (v.g., art. 109, parágrafo 3º); todavia, como o fator preponderante na atribuição das causas às diversas "Justiças" é a natureza daquelas, diz-se que a competência de jurisdição é material22 - pese, embora, a crítica anteriormente formulada a respeito da utilização dessa última palavra (supra, nº 3.1).

4.2 Determinada em concreto a Justiça competente para o processamento da demanda, cumpre verificar, entre os diversos órgãos que a compõem, aquele funcionalmente competente, ou, se preferir, cabe a verificação do grau de jurisdição em que correrá o processo.

Sabe-se que as diversas Justiças são integradas, em regra, por órgãos monocráticos (de primeiro grau) e órgãos colegiados (de segundo grau - tribunais).

Os últimos têm, por sua vez, competência originária (para aquelas causas que desde logo lhe são atribuídas por lei - v. g., C.F., arts. 102, I e 105, I) e competência recursal (poder de reexaminar, mediante recurso interposto pela parte ou interessado, o ato recorrido).

Estabelece-se entre os órgãos jurisdicionais inferiores e superiores, portanto, uma relação de hierarquia para o exercício da função jurisdicional, de tal sorte que os primeiros não podem decidir aquelas causas de competência originária dos segundos, cabendo a estes, ademais, o reexame das decisões daqueles, em grau de recurso.

Esse critério hierárquico é fundado, no mais das vezes, ou na qualidade das partes ou no objeto do processo, valendo lembrar, ainda, que a lei atribui ao Supremo Tribunal Federal, com exclusividade, competência para o processamento e julgamento de determinadas causas especialíssimas (CF, art. 102, I) e, excepcionalmente, confere poder jurisdicional mesmo a órgãos estranhos ao Poder Judiciário, com a exclusão deste (CF, art. 52, I e II).

4.3 O terceiro critério para apurar-se concretamente a competência é o territorial.

A competência de foro acarreta, como já visto (supra, nº 3.3), a distribuição das causas a determinados órgãos territorialmente delimitados (comarcas ou seções judiciárias), servindo como elementos de determinação do foro competente ora o local do domicílio de uma das partes (v.g., CPC, arts. 94, caput, 99, 100, I a III), ora o local do cumprimento da obrigação (v.g., art. 891), ora o local da prática do ato ilícito (art. 100, V, a), entre outros.

Repita-se mais uma vez, nesta oportunidade, que a competência de foro regida pelo Código não se confunde com a dos denominados foro central, foros distritais e regionais existentes no Estado de São Paulo, conforme será demonstrado em seguida.

4.4 Determinado o foro competente, impõe-se a verificação do juízo competente.

Claro que só tem sentido verificar-se essa competência quando no foro houver duas ou mais varas (juízos) com competência plena (i.é, civil e penal) ou concorrente (ou seja, a mesma competência material ou funcional), pois em caso contrário todas as causas competirão ao juízo único da comarca - ressalvadas, evidentemente, aquelas de competência exclusiva de outros órgãos jurisdicionais.

A competência de juízo é determinada, entre outros critérios, ora pela natureza da causa (varas criminais, cíveis, de Acidentes do Trabalho, de Registros Públicos, de Família e Sucessões), ora pela qualidade das partes (varas da Fazenda Estadual ou Municipal). Como também aqui influi, como fator determinante da competência, a natureza da relação controvertida, diz-se que a competência de juízo é material (v., porém, a crítica apresentada no item 3.1., supra).

Ademais, aos diversos juízos com a mesma competência territorial é feita a repartição da massa de demandas quer através da sua livre distribuição (CPC, arts. 251 a 257), quer pela sua atribuição por dependência23 ao órgão já prevento (art. 253), como ocorre, por exemplo, nesta última hipótese, nos casos dos artigos 57, 108, 575 e 800, entre outros, casos em que o critério predominante é o funcional.

4.4.1 Exige particular atenção a competência das denominadas varas distritais instaladas em algumas comarcas do Estado de São Paulo. Quanto aos juízos integrantes dos foros regionais, reportamo-nos ao próximo item.

Como se sabe, a divisão político-administrativa dos Estados-membros (em municípios) não coincide, necessariamente, com a sua divisão judiciária (em comarcas), de tal sorte que uma mesma comarca pode abranger mais de um município - como geralmente ocorre, aliás -, caso em que um deles é a sede da comarca, enquanto que todos os demais a integram.

Considerados diversos fatores, tais como a distância do município sede do juízo em relação aos demais, volume de feitos, densidade populacional, etc., poderão ser instaladas varas nos outros municípios da comarca, denominadas distritais (ou foros distritais), com sua competência regida por critérios estabelecidos pela lei de organização judiciária estadual, sem prejuízo da aplicação, no que couberem, daqueles previstos pela lei processual.

Tomemos como paradigma a Lei paulista nº 3.396, de 16.O6.82, que criou inúmeros foros distritais.

A competência dessas varas é, em regra, plena, vale dizer, perante elas serão processadas causas cíveis e criminais, com as ressalvas que a própria lei estabelece (v.g., arts. 2º, parágrafo 1º e e 4º, par. único). É correto afirmar-se, no entanto, que a grosso modo prevalecerão para essas varas os critérios de fixação da competência territorial do Código, contidos nos seus artigos 94 e seguintes, bem como, sendo o caso, as regras de competência funcional (v.g., art. 575, II, do CPC).

Assim - e exemplificando -, um réu domiciliado em município integrante da comarca, mas não em sua sede, será processado perante a vara distrital local, muito embora se considere, para fins de determinação da competência territorial, que a ação foi proposta no foro de seu domicílio (art. 94).

4.4.2 Na Comarca de São Paulo foram criados os denominados foros central e regionais (Lei nº 3.947/83), que aglutinaram em si, observadas as bases territoriais para tanto estabelecidas por lei, os juízos ou varas distritais até então existentes (art. 2º).

Na dicção do artigo 1º da lei sob exame, a Comarca de São Paulo é integrada pelo foro central e foros regionais, nos termos da legislação em vigor (i.é, fundamentalmente o Código Judiciário do Estado e as Resoluções nº 1/71 e nº 2/76), observada, para os últimos, a mesma competência dos foros distritais (rectius: varas distritais) existentes até então, mais os acréscimos previstos na própria lei sob exame (art. 4º).

Então, a Comarca (ou Foro) da Capital possui, hoje, juízos centrais e juízos regionais (ou, na inadequada terminologia eleita pela aludida lei, foro central e foros regionais, respectivamente), cada qual exercendo sua competência dentro de certos limites territoriais, observados o valor ou a natureza da causa, o local do domicílio do réu ou, ainda, a natureza do procedimento adequado para o processamento da demanda (art. 4º da Lei nº 3.947/83, mais arts. 26 e 54, respectivamente das Resoluções nºs 1 e 2). Em outras palavras, o Foro da Capital foi territorialmente dividido, cada uma das frações territoriais resultantes contendo juízos centrais e juízos regionais, com a sua competência fixada com base nos critérios acima apontados, prevalecendo, em regra, aquele que leva em consideração o local do domicílio do réu.

Nunca é demais repetir-se, nesta oportunidade, que o foro indicado pelo Código de Processo Civil não se confunde com os foros, central ou regionais, criados pela lei estadual tantas vezes lembrada.

Conforme já lembrado neste trabalho (supra, nº 3.3) e alhures24, no sentido que lhe empresta o Código foro significa comarca, ao passo que nos termos da referida lei paulista representa cada uma das divisões territoriais da Comarca da Capital.25

Conseqüentemente, os critérios indicados pelo Código de Processo Civil atuam na fixação da competência territorial dessa Comarca e, uma vez determinada tal competência, a de juízo, isto é, de vara (central ou regional) será apurada com base nos critérios da lei de organização judiciária.

Exemplificando: a ação de usucapião será proposta, segundo o Código, no foro da situação do imóvel (art. 95). Estando o imóvel usucapiendo situado na Comarca de São Paulo, nela será ajuizada aquela ação, pouco importando neste caso, todavia, em que foro regional esteja ele localizado, pois nesse caso a competência de juízo é, com exclusividade, de uma das Varas de Registros Públicos (centrais - art. 4º, I, a, da Lei nº 3.947).

A distinção ora feita entre as diversas acepções do vocábulo foro é indispensável para a solução de diversas questões técnico-processuais, tais como a verificação da ocorrência da prevenção, a possibilidade, ou não, da prorrogação, a natureza relativa da competência fundada no valor da causa (infra, nº 5.2), entre tantas outras.

Enfatizando: os foros regionais resultam da reunião de juízos da mesma comarca, cada qual possuindo sua própria base territorial, na qual é realizada a atividade jurisdicional; os critérios de determinação da competência territorial previstos no Código são utilizados apenas para a fixação da competência da Comarca da Capital , ao passo que os juízos integrantes de seus foros, central e regionais, têm sua competência apurada mediante a utilização de critérios estabelecidos por normas de organização judiciária.

Cumpre, pois, examinar-se tais critérios.

A - Permanece em vigor, no que tange aos foros central e regionais, o critério determinativo de competência fundado no valor da causa, visto que a Lei nº 3.947 não o aboliu; ao contrário, manteve-o integralmente, consoante deflui da redação de seu artigo 4º (A competência de cada foro regional será a mesma dos foros distritais existentes, com os acréscimos seguintes...,etc). Aliás, tivemos a oportunidade de opinar nesse sentido em diversas ocasiões26, sendo também este o entendimento esposado pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.27

Assim, compete às varas integrantes dos foros regionais, em primeiro lugar, o processamento e julgamento das causas de valor igual ou inferior a cinqüenta salários mínimos (Resolução nº 2, art. 54, I e Lei nº 3.947, art. 4º, caput), observados, complementarmente, outros critérios determinativos da competência, tais como o local do domicílio ou residência do réu, da situação do imóvel sobre o qual versa a demanda (Resolução nº 1/71, art. 26, I), local do fato ou da prática do ato ilícito (Resolução nº 2/76, art. 53, II). Já as causas de valor superior serão processadas e julgadas pelos juízos centrais (foro central), abandonados, nesse caso, os critérios acima referidos.

Como a competência fixada com base no valor da causa é relativa (infra, nºs 5 e 5.2.2), opera-se a prorrogação caso o réu não excepcione o juízo incompetente (CPC, art. 114); convém anotar, no entanto, que tal conclusão não é endossada pacificamente em sede jurisprudencial28, conforme será demonstrado adiante (infra, nº 5.3.2).

B - Considerando a natureza da causa (e em nada importando o valor a ela atribuído), compete aos juízos integrantes dos foros regionais processar as demandas relacionadas nos incisos I a IV do artigo 4º da Lei nº 3.947/83, sempre se atendendo, ainda, aos critérios complementares mencionados anteriormente (art. 26, I, da Resolução nº 1/71, c.c. arts. 53, II e 54, da Resolução nº 2/76).

Exemplificando: nos termos do artigo 100, inciso I, do Código de Processo Civil, a ação de separação judicial será processada no foro (comarca) onde a mulher tenha sua residência; caso o foro competente seja o da Capital de São Paulo e o marido nela também tenha domicílio, o juízo de Família e Sucessões competente será (ou deveria ser, nos termos da lei estadual) aquele integrante do foro regional (ou central) do domicílio do réu, restando atendidos, assim, quer os critérios determinativos de competência territorial do diploma processual civil, quer da lei de organização judiciária.

C - A natureza do procedimento é outro critério de determinação da competência dos juízos dos foros regionais.

A eles compete processar e julgar demandas cíveis que tramitem no rito sumaríssimo (exceto as acidentárias e as de interesse das Fazendas Públicas), sempre que qualquer daqueles elementos que atuam como critérios complementares (local do domicílio ou residência do réu, situação do imóvel, local do ato ou do fato) esteja relacionado com a sua base territorial (Lei nº 3.947/83, art. 4º, I, c, mais as normas das resoluções anteriormente aludidas); sendo o réu domiciliado, estando o imóvel localizado, ou tendo ocorrido o fato ou ato em território considerado central pela lei de organização judiciária, o processamento e julgamento da demanda caberão a um dos juízos centrais (foro central).

Independentemente, porém, de tais circunstâncias, determinadas causas, qualquer que seja seu valor, competem exclusivamente aos juízos centrais, entre elas as ações de usucapião, de retificação de área, acidentárias, de registro e cumprimento de testamento ou codicilo, de arrecadação de herança jacente (Lei nº 3.947/83, art. 4º, I, a, b e c; III, a e b) e falimentares (Resolução nº 2/76, art. 54, parágrafo 2º, b) - e nesses casos a competência é absoluta.

D - Uma última ponderação: a competência dos juízos integrantes doa foros regionais é quase sempre relativa, pois assentada, basicamente, no critério territorial (v., infra, nºs 5 e 5.2.2).

Enquanto considerado o foro (comarca) como um todo, a competência desses juízos é, em abstrato, a mesma, sofrendo apenas as limitações territoriais de cada um dos foros integrados.

Assim - e a título de exemplificação -, a competência objetiva da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa é, em abstrato, idêntica à da 3ª Vara Cível, as quais, por seu turno, têm também a mesma competência objetiva (mas não territorial) da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, e assim por diante.

Ajuizada a ação perante juízo regional territorialmente incompetente (v.g., diverso daquele onde se situa o domicílio do réu), a não oposição regular da exceção declinatória acarretará a prorrogação de sua competência, ressalvada a possibilidade do reconhecimento ex officio da incompetência, admitida por nossos tribunais.

É certo que cada juízo integrante de um mesmo foro regional terá, em situações particulares, competência exclusiva para o processamento de determinadas causas (assim, os juízos especializados de Menores (hoje denominados juízos da Criança e Adolescente, pela nova lei menorista, bem como os demais juízos, quando se trate da execução de seus próprios julgados).

Também é de clara evidência que o juízo regional será absolutamente incompetente para o processamento de causas que compitam, com exclusividade, a determinados juízos especializados centrais, tais como os da Fazenda Pública, de Registros Públicos, de Acidentes do Trabalho (v. Lei nº 3.947/83, art. 4º, I, a, c e d; III, a e b). Ademais, a competência desses juízos centrais é mais ampla que a dos regionais, já que a estes é defeso, por exemplo, processar causas falimentares (Resolução nº 2/76 do TJSP, art. 54, V, parágrafo 2º, b, c.c. art. 4º da Lei nº 3.947/83).

Finalizando, resta apenas lembrar que a Resolução nº 2/76 do Tribunal de Justiça de São Paulo prevê, no inciso IV de seu artigo 54, uma regra de competência funcional (compete às Varas Distritais a execução das sentenças proferidas nas causas de sua competência), coerente com os artigos 93, 2ª parte e 575, incisos II a IV, conjugados, do Código de Processo Civil.

4.5 Em uma mesma vara poderão atuar dois juízes, o titular e seu auxiliar, sendo certo, ainda, que os órgãos superiores (tribunais) são sempre fraccionados em outros (turmas, seções, grupos, câmaras), compostos, por sua vez, por juízes, desembargadores ou ministros.

Fala-se, nesses casos, em determinação da competência do juiz, ou competência interna de juízo (no que tange aos órgãos judiciários de primeiro grau) e da competência de turma, seção, grupo ou câmara (no que pertine aos órgãos de segundo grau).

Interessa, neste estudo, somente o exame da competência interna dos órgãos de primeiro grau, pois a dos demais órgãos mencionados é regulada pela Constituição (v.g., arts. 102, I, a e 104, I, b), pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14.O3.79), pelas normas de organização judiciária e pelos respectivos regimentos internos (v. CPC, art. 93).

O principal princípio informativo da competência de juiz é aquele insculpido no artigo 132 do Código, ou seja, o da identidade física, segundo o qual compete ao juiz (titular, auxiliar ou substituto) que der início à audiência, concluir a instrução e sentenciar o feito, exceto se antes do julgamento for promovido, transferido ou aposentado.

Esse princípio, influenciado que é pelos da oralidade e da imediatidade na coleta das provas, tem sua incidência condicionada à efetiva coleta, pelo juiz presidente do processo, de provas orais na audiência, com o encerramento da instrução, já que nenhum outro estaria mais habilitado que ele para sentenciar o feito.29


5 - Competência absoluta e competência relativa

Doutrina e jurisprudência já consagraram as expressões competência absoluta e competência relativa, tanto que delas lançamos mão no título de abertura deste item.

Cremos ser cientificamente mais adequado, no entanto, o exame das questões envolvendo o caráter absoluto ou relativo do instituto em foco sob seu aspecto negativo. Por outras palavras, é mais importante o exame das conseqüências que advêm da incompetência absoluta e relativa do que, propriamente, aquelas resultantes do desdobramento da competência em duas espécies.

Realmente, a higidez do processo depende, nesse particular, apenas da competência (situação positiva) do órgão jurisdicional que o preside, irrelevante a sua qualificação; em nada aproveita a aferição do grau da competência por ele ostentada, interessando, isto sim, o grau de sua eventual incompetência (situação negativa), eis que diferentes as conseqüências derivadas de seu caráter absoluto ou relativo, como diferentes são os meios de argüição e reconhecimento de uma ou outra.

Sendo absolutamente incompetente o órgão jurisdicional, é totalmente ilegítima a sua atuação no processo, padecendo de nulidade insanável, por decorrência, os atos decisórios dele emanados (CPC, art. 485, II); e essa situação de ilegitimidade é, por sua vez, infensa a correção ou convalidação, daí representar direito da parte - e dever do juiz - a argüição e o reconhecimento (inclusive de ofício), a qualquer tempo e grau, da incompetência absoluta (arts. 113 e 301, II e parágrafo 4º). A relatividade da incompetência, ao reverso, acarreta a invalidade relativa dos atos decisórios, devendo ser argüida e declarada na oportunidade e forma previstas em lei (CPC, arts. 112 e 304 e segs.).

Entendida a competência como o limite imposto ao órgão judiciário para o exercício legítimo do poder jurisdicional (supra, nº 4.1), a incompetência significa, contrario sensu, justamente a ausência de legitimidade, pelo aludido órgão, para exercitar aquele poder, ou, na expressão de CELSO NEVES, significa a inexistência de uma relação de adequação legítima entre o órgão judiciário e o processo.30

Por outro lado, a intensidade maior ou menor da incompetência decorre da natureza da norma legal ofendida com o ajuizamento da demanda perante órgão sem legitimidade para processá-la.

De fato, as normas reguladoras da competência encontram sua razão de ser ora no interesse público (v.g., distribuição dos feitos, fundada em critérios objetivos ou funcionais, aos juízos da mesma comarca), ora no interesse da parte (v.g., quando concede vantagem à mulher casada em ações de cunho matrimonial - CPC, art. 100, I), advindo, dessa duplicidade de interesses, conseqüências totalmente diversas, como demonstrado a seguir.

5.1 Prevalecendo para a determinação da competência um critério fundado em norma protetiva de interesse público, a sua inobservância acarretará a absoluta incompetência do órgão jurisdicional perante o qual a demanda foi ajuizada, situação essa imodificável tanto pela vontade do juiz, quanto pela das partes. No entanto, sendo prevalente um critério pautado em norma protetiva do interesse de qualquer das partes, sua vulneração gerará a incompetência relativa do órgão processante, se bem que, nesse caso, tal incompetência poderá ser afastada tanto por ato da parte (eleição de foro, não oposição de exceção declinatória - infra, nºs 4.7 e 4.8), quanto por força da lei (v.g., CPC, art. 105). Melhor explicitando, sendo incompetente o órgão judiciário, falta ao processo um requisito de validade, circunstância que possibilita a argüição e o reconhecimento da nulidade dos atos decisórios do primeiro (CPC, art. 113, parágrafo 2º); tratando-se de incompetência absoluta, tal reconhecimento não será obstado sequer pela superveniência de coisa julgada material (CPC, art. 485, II). Tratando-se, porém, de incompetência relativa, o vício será afastado no curso do processo, quer pela sua proclamação em julgamento de exceção declinatória, com a conseqüentemente remessa dos autos ao órgão competente (v., infra, nº 5.5), quer pela preclusão derivada da não oposição oportuna da exceção ritual adequada, gerando o fenômeno da prorrogação.

Já a natureza particular da incompetência absoluta afasta a possibilidade de prorrogação, podendo ela - objeção processual que é -, ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição e inclusive reconhecida de ofício pelo órgão judiciário (CPC, arts. 113 e 301, II e parágrafo 4º).31

Diante de tais premissas, forçoso é concluir-se que a exceção declinatória tem por objeto apenas a incompetência relativa e, ainda, que o fenômeno processual da prorrogação só a ela diz respeito.

Confrontadas assim a competência absoluta e a competência relativa, ou, melhor dizendo, a incompetência absoluta e a incompetência relativa, cumpre apontar, entre as várias modalidades já estudadas, as que se enquadram em uma e outra categoria.

Examinaremos, então, as hipóteses envolvendo a competência objetiva, funcional e territorial trazidas pelo Código, sem deixar de analisá-las, ainda, à luz dos critérios determinativos da competência pela atribuição das causas aos diversos órgãos judiciários (supra, nº 4). E desde logo alertamos para o fato de que lançaremos mão, nos tópicos seguintes, das expressões competência absoluta e competência relativa (em inequívoca submissão à terminologia já consagrada em sedes doutrinária e jurisprudencial e utilizada inclusive pela lei), muito embora tenha mais interesse, na verdade, o estudo do instituto sob seu aspecto negativo.

5.2 Conforme anteriormente referido, a competência objetiva é determinada com base ou no valor da causa, ou na natureza da causa ou, finalmente, na qualidade da parte (supra, nº 3.1).

5.2.1 Segundo a unanimidade da doutrina - e consoante, aliás, o expresso enunciado do artigo 111 do Código -, a competência objetiva fundada na natureza da relação controvertida submetida a juízo é absoluta32, ou seja, a inobservância de tal critério objetivo, quando da propositura da demanda, acarreta a absoluta incompetência do órgão jurisdicional. Acrescentaríamos ainda - e sempre ressaltando o enfoque negativo a ser dado ao tema - que é igualmente absoluta a invalidade decorrente da ausência da competência calcada na qualidade da parte (supra, nº 3.1), porquanto o critério determinante de sua existência repousa no interesse público (v.g., a observância de prerrogativas de determinadas pessoas ou entes públicos - CF, art. 109, I, entre outros casos).

5.2.2 Já a invalidade derivada da inobservância do critério valorativo (ou seja, aquele centrado no valor da causa) é quase sempre relativa33, mostrando-se absoluta apenas e tão-só no que pertine à competência de juízo dos Juizados de Pequenas Causas (v., supra, nº 3.4.6).

Cabem, neste ponto da exposição, algumas considerações a respeito da competência dos juízos integrantes dos denominados foros central e regionais da Comarca de São Paulo, ante a diversidade de critérios estabelecidos para a sua fixação, entre os quais o de alçada.

Já se acentuou anteriormente (v., supra, nº 4.4.2) que a determinação da competência desses juízos é realizada, no mais das vezes, com base em critérios puramente objetivos, tais como o valor da causa (Resolução nº 2/76, do TJSP, art. 54, I, c.c. art. 4º da Lei Est. nº 3.947/83), a qualidade das partes (v.g., a competência das Varas da Fazenda Pública, arts. 35 e 36 do Código Judiciário do Estado de São Paulo), a natureza da causa (v.g., a competência das Varas de Família e Sucessões, idem, art. 37), a natureza do procedimento (v.g., o processamento, pelos juízos integrantes dos denominados foros regionais da Comarca de São Paulo, de feitos que tramitem no procedimento sumaríssimo - Lei Est. nº 3.947/83, art. 4º, I, c), entre outros.

É certo, ainda, que na determinação da competência desses juízos por vezes atuam critérios funcionais (como de resto, aliás, de qualquer outro juízo), valendo como exemplos os casos dos artigos 108, 575 e 800 do Código de Processo Civil; predomina, todavia, o critério territorial, visto que, no fundo, a competência dos juízos centrais e regionais é, abstratamente considerada, quase sempre coincidente sob o ponto de vista objetivo e funcional (v., supra, nº 4.4.2, esp. item C), diferindo apenas quanto ao âmbito territorial de sua incidência.

Exposta, assim, a multiplicidade de critérios atuantes na determinação da competência de juízo, tudo indica ser correta a conclusão de que a sua inobservância ensejará uma situação de incompetência absoluta ou relativa dependendo, justamente, do critério a ser utilizado, em cada caso, para a aferição da competência.

Prevalecendo, no caso particular, quer o critério funcional, quer o objetivo lastreado na qualidade da parte ou na natureza da causa, certamente será absoluta a incompetência de qualquer outro juízo que não aquele ao qual a lei legitime para o processamento da demanda, ainda que eventualmente uns e outro integrem o mesmo foro (i.é, ainda que tenham a mesma base territorial de competência). Imagine-se, a título de ilustração, o ajuizamento de ação de execução fundada em título judicial perante qualquer outro juízo do mesmo foro que não aquele onde foi obtida, no anterior processo de conhecimento, a sentença condenatória exeqüenda.

Atuando, ao reverso, o critério valorativo, fica patenteada a relatividade da competência, conforme deflui dos artigos 111, 2ª parte e 114, conjugados, do Código de Processo Civil.

Efetivamente, se a competência fixada exclusivamente com base em um fator econômico é sempre prorrogável, não se justifica caracterizá-la como absoluta tão-só por ser de juízo, dado que tal argumento deriva de um falso silogismo, a saber: se a competência de juízo é absoluta e se ela pode ser fixada com base no valor atribuído à causa, conclui-se que a competência de juízo fundada em tal critério valorativo é sempre absoluta.

O erro da conclusão resulta do fato de olvidar-se, na sua elaboração, que os diversos critérios determinativos da competência de juízo encontram inspiração também em fontes diversas, como já dito anteriormente.

Por outro lado, a afirmativa de que a competência fundada no valor da causa pode ser absoluta (para o mais) e relativa (para o menos) é válida apenas à luz do ordenamento jurídico e das normas de organização judiciária italianos - e nos quais, evidentemente, Chiovenda se pautou ao apresentar os seus critérios de determinação da competência.

Realmente - e diferentemente do que ocorre em nosso país -, a justiça italiana opera, em primeiro grau de jurisdição, através de conciliadores, pretores e tribunais, tendo estes dois últimos, por sua vez - e respectivamente -, competência recursal para o reexame de decisões do primeiro e do segundo, vale dizer, as decisões do conciliador podem ser revistas pelo pretor e as deste pelo tribunal - o qual, por sua vez, pode ter suas decisões impugnadas perante as Cortes de Cassação (CPC ital., art. 341 - v., ainda, Regio Decreto nº de 30.O1.1941 - Lei de organização judiciária -, arts. 20 a 51).

O conciliador tem competência para o processamento, entre outras, de causas relativas a bens móveis de pequeno valor (CPC, art. 7); já a competência do pretor, quando fundada no mesmo critério, refere-se a causas de valor superior àquelas destinadas ao conciliador (art. 8), cabendo ao tribunal o processamento de todas as demais que não compitam aos dois anteriores (art. 9 - v., ainda, art. 434).

Claro está, diante disso, que o conciliador é absolutamente incompetente para o processamento daquelas causas que, pelo valor a elas atribuído, sejam da competência exclusiva do pretor, o mesmo sucedendo, no que a este pertine, em relação ao tribunal - daí tal incompetência poder ser declarada, inclusive ex officio, a qualquer tempo, em primeiro grau de jurisdição (art. 38).

Não tem qualquer sentido, todavia, pretender-se que o mesmo ocorra em nosso país, ante a diversidade quer de nossas leis de organização judiciária, quer, principalmente, da estrutura de nosso Poder Judiciário.

Logo, se uma determinada causa devesse ser ajuizada, em razão de seu valor, perante juízo regional - mas o foi perante central -, a incompetência é, às claras, relativa, estando assim sujeita à prorrogação; a recíproca igualmente é verdadeira, mostrando-se equivocado, portanto, o entendimento, por muitos externado, de que o órgão competente para causas de maior valor (competência para mais) seria relativamente incompetente para as de menor, ao passo que aqueles competentes para estas últimas (competência para menos) seriam absolutamente incompetentes para o processamento das primeiras.

5.3 Também inspirada em normas de interesse público, a competência funcional é absoluta.34

A distribuição da massa de demandas em função das fases do processo, dos graus de jurisdição ou do objeto do juízo (segundo os critérios chiovendianos já expostos - supra, nº 3.2) tem dois escopos indiscutíveis: um maior grau de eficiência dos trabalhos judiciários, mediante a correta adequação dos feitos aos órgãos que os presidirão, e, conseqüentemente, a obtenção de provimentos mais seguros.

5.3.1 É funcional, em primeiro lugar, a competência dos tribunais, originária ou recursal, a teor, mesmo, do artigo 111 do Código de Processo Civil, ao dispor que a competência em razão da hierarquia é improrrogável - e absoluta, portanto.

Nada mais havendo a acrescentar-se, nesse particular, ao que foi dito no item 4.2, supra, a ele nos reportamos.

5.3.2 Não apenas a competência em razão dos graus de jurisdição é funcional, como deixa entrever o aludido artigo 111; também o é, em determinadas situações, a competência de juízo (art. 93, 2ª parte - v., supra, nº 4.4), que será, em regra, absoluta (ressalvada a competência de juízo determinada pelo valor atribuído à causa - v., supra, nº 5.2.2).

5.3.3 Finalmente, a competência funcional derivada da vinculação do juiz à causa (competência de juiz - supra, nº 4.5) é absoluta, pois há inequívoco interesse público na obtenção de decisões judiciais proferidas pela autoridade judiciária mais capacitada (entenda-se, melhor instruída), no caso concreto, para tanto.

Existem, no entanto, julgados de nossos tribunais - inclusive do Pretório Excelso - entendendo que o princípio da identidade física não tem caráter absoluto, inexistindo nulidade a decretar-se, portanto, quando juiz diverso do legalmente vinculado proferir a sentença.35

Discordamos desse entendimento, pois não se pode perder de vista que o princípio da instrumentalidade não afasta o prejuízo derivado da inobservância da regra do artigo 132, que é de interesse público - e inafastável, então.36

5.4 A crer-se no Código, a competência territorial é sempre - e exclusivamente - relativa (arts. 111, 2ª parte e 114).

Sucede que nem sempre o território representa o único critério para a sua determinação em concreto, existindo, em certas circunstâncias, situações que desbordam dos puros limites da competência relativa.

Situemos alguns casos, a título de ilustração do problema.

5.4.1 É tranqüilo o entendimento, em sedes doutrinária e jurisprudencial, de que a competência para o processamento e julgamento das denominadas ações reais imobiliárias é absoluta, com a prevalência do forum rei sitae (art. 95). Justifica-se: apesar de o critério determinante da competência ser o territorial, tem importância preponderante também a natureza da causa (e, nessa medida, a competência ora examinada é material - ou objetiva, pelos padrões do Código).37

Não se pode perder de vista, ainda, a regra do artigo 107, aplicável ao forum rei sitae, da qual deriva uma situação interessante, qual seja a existência de dois ou mais foros concorrentes, todos, em tese, absolutamente competentes para o processamento e julgamento da ação real imobiliária; preventa a competência de um deles, todos os demais tornam-se, ipso facto, absolutamente incompetentes.

5.4.2 Ademais, determinadas causas que competiriam, em razão da matéria ou da qualidade da parte, ordinariamente à Justiça Federal, acabam tendo deferido o seu processamento à justiça estadual - e no foro do domicílio da parte, em evidente atenção ao interesse desta.

É o que ocorre, por exemplo, nas ações envolvendo benefícios securitários ou previdenciários (CF, art. 109, par. 3º) e nas execuções fiscais (Lei nº 6.830/80, art. 5º). Existindo juízo federal na seção judiciária do domicílio da parte (autor e executado, respectivamente, nas ações aludidas), daí a competência será da Justiça Federal (CF, art. cit.- v., ainda, a Súmula 40 do extinto TFR), preservado, sempre, o critério territorial.

Dois são os fatores determinativos da competência nesses casos: a qualidade da parte (a participação da União ou de entidade paraestatal federal no feito, na condição de parte ou interveniente), ou a natureza da relação de direito material posta em juízo (direito previdenciário, crédito fiscal). A eles aliam-se o critério territorial (local do domicílio do particular) e a circunstância de existir, ou não, no foro do particular, órgão judiciário da Justiça Federal (competência de jurisdição - supra, nº 4.1).

Estando o particular domiciliado em seção judiciária, a competência para o processamento das demandas em pauta é, exclusivamente (absoluta, então) da Justiça Federal. Inexistindo órgão judiciário federal no foro de seu domicílio, daí, sim, a competência é puramente territorial (e relativa), podendo ser inclusive modificada por vontade do primeiro, ao qual se faculta a renúncia da vantagem do foro.38

5.4.3 As ações acidentárias serão processadas e julgadas pela Justiça estadual (CF., art. 109, parágrafo 3º; Lei nº 6.367/76, art. 19, II, mais Súmulas 233 e 502 do STF).

Prevalece nesse caso o interesse do acidentado, já que a ação poderá ser proposta ou no foro do local da ocorrência do acidente, ou no de seu domicílio, ou mesmo em outro foro qualquer, de sua escolha (v.g., local onde recolhe a contribuição previdenciária), desde que, nesse último caso, inexista prejuízo para a entidade ré - a qual poderá, sendo o caso, opor exceção declinatória de foro.39

5.4.4 Como regra, porém, a União, as suas entidades autárquicas e empresas públicas gozam de privilégio de Justiça e de foro (na verdade, prerrogativa), vale dizer, os feitos dos quais participem serão processados perante a Justiça Federal (CF. art. 109, I), no foro da capital do Estado ou do Território (CPC, art. 99). Tais prerrogativas não alcançam, porém, os Estados-membros e os Municípios, que têm, quando muito, juízos especializados para o processamento das demandas em que sejam partes e tenham sido ajuizadas no foro da Capital.40


NOTAS

1 - À luz do critério orgânico, fundado na clássica divisão dos poderes estatais, essas atividades são consideradas em função dos diferentes órgãos governamentais que as desenvolvem, com independência orgânica e especialização funcional. Formalmente, são elas identificadas com base nos atos típicos praticados pelos mesmos órgãos estatais - Cfr. BISCARETTI DI RUFFIA, "Diritto costituzionale", versão castelhana de Pablo Lucas Verdú (Derecho constitucional), lª ed., Madrid, Editorial Tecnos, 1973, nºs 65, 66 e 68, pp. 213 a 216, 221 e 222 e JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de direito constitucional positivo", 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, pp. 73 e 74. Este autor lembra que o princípio da separação dos poderes, tal como formulado por Montesquieu, hoje mostra-se menos rígido, pois a ampliação das atividades do Estado impos uma colaboração de poderes, concretizada através da independência orgânica e da harmonia entre eles.

2 - "Istituzioni di diritto processuale civile", tradução de J. Guimarães Menegale: Instituições de direito processual civil, São Paulo, Saraiva, 1969, vol. II, nºs 137 a 140, pp. 3 a 14.

3 - "Sistema del diritto processuale civile", Padova, CEDAM, 1938, vol. I, nº 78, pp. 222 a 228.

4 - "Manuale di diritto processuale civile", 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1973, vol. I, nº 1, pp. 3 a 6.

5 - "A instrumentalidade do processo", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, nº 15, p. 160 a 167.

6 - CÂNDIDO DINAMARCO examina a jurisdição sob o ponto de vista de seus escopos sociais, políticos e jurídicos, demonstrando que nenhum deles é suficiente, por si só, para uma exata compreensão do instituto - "A instrumentalidade do processo", parte II, capítulos I a VII. Considerando, todavia, o caráter técnico do tema desenvolvido neste trabalho, limitamo-nos a apontar apenas o escopo jurídico da jurisdição.

7 - Como adverte CÂNDIDO DINAMARCO, o vocábulo lei empregado na conhecida locução de CHIOVENDA acima transcrita tem o significado de direito: "não se refere (a aludida locução) ao campo da lei, em sentido formal, mas de todas as formas de manifestação do direito (a partir da Constituição) e, mais amplamente ainda, tem-se em vista a vontade do próprio direito, considerado em sua estrutura tríplice." - "A instrumentalidade do processo", nº 29, nota nº 1, p. 295.

8 - "Manuale di diritto processuale civile", vol. I, nº 24, p. 44.

9 - Transferência que deve ser entendida, no texto, como investidura.

10 - Daí ARRUDA ALVIM esclarecer que com tal disciplinamento o Estado busca "definir o poder, da jurisdição nacional, e congruentemente a dos estrangeiros, no sentido de saber se uma dada causa está, ou não, submetida à jurisdição nacional; e, em caso positivo, se há jurisdição concorrente das jurisdições estrangeiras, ou se é exclusiva a da jurisdição nacional", in "Competência internacional", Revista de Processo, vol. 7/8, 1977, pp. 15 a 58, esp. pp 24 e 25; v. ainda, a respeito, o também excelente trabalho de DONALDO ARMELIN, "Competência internacional", Revista de Processo, vol. 2, 1976, pp. 131 a 158.

11 - "Istituzioni di diritto processuale civile", vol. II, nº 173, p. 154.

12 - "Istituzioni di diritto processuale civile, vol. II, nº 174, p. 156, b.

13 - v., a respeito, CÂNDIDO DINAMARCO, "Direito processual civil", São Paulo, José Bushatsky Ed., 1975, nº 57, p. 109.

14 - v., a respeito, ADA GRINOVER, ARAÚJO CINTRA e CÂNDIDO DINAMARCO, "Teoria geral do processo", 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1986, nº 126, p. 198.

15 - CHIOVENDA, "Istituzioni di diritto processuale civile", vol. II, nº 173, p. 154 e nº 191, pp. 187 e segs.

16 - Exemplos indicados por CÂNDIDO DINAMARCO, "Direito processual civil", nº 74, p. 127.

17 - "Instituições de direito processual civil", 4ª ed., Rio, Forense, 1971, vol. I, nº 169, pp. 285 e 286.

18 - CHIOVENDA, "Istituzioni di diritto processuale civile", vol. II, nº 173, pp. 154 e 155 e nºs 195 a 203, pp. 196 a 214.

19 - "Istituzioni di diritto processuale civile", 1969, vol. II, nº 198, p. 203.

20 - Esquema proposto por ADA GRINOVER, ARAÚJO CINTRA e CÂNDIDO DINAMARCO, "Teoria geral do processo", nº 128, pp. 198 a 202.

21 - Advertência dos autores indicados na nota anterior - ob. cit., nº 127, p. 199.

22 - Cfr. CÂNDIDO DINAMARCO, "Direito processual civil", nº 80, pp. 132 e 133.

23 - Fala-se em distribuição por dependência, mas tal expressão é equívoca, pois sendo a demanda atribuída a um órgão previamente determinado, perante o qual se processa o feito pendente (e em função do qual se impõe tal atribuição), não ocorrerá distribuição, aleatória que é esta, mas, sim, a atribuição da causa àquele órgão certo e determinado.

24 - Pareceres insertos no repertório "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ANICETO LOPES ALIENDE e ANTONIO CARLOS MARCATO, 1ª ed., 1ª tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais, 199O, ementas nº 108, pp. 154 a 156, nº 205, pp. 146 a 148 e nº 209, pp. 168 e 169, entre outras.

25 - E esse é o entendimento pacificamente adotado pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, à qual compete, com exclusividade, julgar conflitos de competência entre juízes de primeiro grau, mais as exceções de suspeição e impedimento envolvendo aqueles, desde que objeto de argüição autônoma. Anota-se, como exemplos, os vv. acórdãos prolatados nos Conflitos de Competência nº 5.794-O, Rel. Des. DÍNIO GARCIA (julg. 4.9.86), nº 6.004-O, Rel. Des. PRESTES BARRA (julg. 19.6.86) e nº 6.243-O, Rel. Des. PRESTES BARRA (julg. 16.10.86), transcritos, respectivamente, às págs. 148/149, 156/157 e 169/170 do repertório indicado na nota anterior.

26 - Pareceres insertos no repertório "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ANICETO LOPES ALIENDE e ANTONIO CARLOS MARCATO, ementas nº 6, pp. 265/6 e nº 217, pp. 242/3, entre outros.

27 - V., por todos, no repertório já referido, os vv. acórdãos prolatados nos Ag.Instr. nº 6.100-O, Rel. Des. PRESTES BARRA (julg. 21.8.86, pp. 51/2) e nº 7.267-O, Rel. Des. DÍNIO GARCIA (julg. 27.8.87, p. 97), bem como nos Conflitos de Competência nº 8.357-O, Rel. Des. NÓBREGA DE SALLES (julg. 10.3.88, pp. 244/5) e nº 8.872-O, Rel. Des. ONEI RAPHAEL (julg. 13.10.88, pp. 267/8).

28 - Por muitos anos a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo admitiu a possibilidade de o juiz declinar de ofício a sua relativa incompetência, sempre que presentes determinados pressupostos, examinados adiante (nº 4.8.2-B). Apesar de vir paulatinamente abandonando essa orientação, ela ainda é seguida por outros tribunais paulistas, valendo indicar a súmula 28 do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, assim enunciada: "Pode o Juiz declarar de ofício da incompetência relativa, desde que o faça em sua primeira intervenção no processo."

29 - Como o Código se refere apenas à desvinculação do juiz certo em razão de sua promoção, remoção ou aposentadoria, omitindo-se quanto à cessação de sua designação (que não se confunde com qualquer das situações nele expostas), o Tribunal de Justiça de São Paulo regula, através de seu Provimento nº 25/82 (com a redação dada pelo Provimento nº 26/83), as hipóteses de vinculação dos juízes designados para prestarem serviços junto às varas. Eis o teor de seu artigo 1º: "Ao fim do período de cada designação, cessará por completo o exercício do juiz auxiliar, substituto ou designado, na comarca ou vara, em qualquer processo, excetuados os feitos cíveis cuja instrução em audiência tenha presidido e com prova terminada, competindo-lhe proferir decisão, ainda que haja concedido prazo para juntada de memoriais, prolongando-se para esse efeito o exercício da jurisdição."

30 - Apud CÂNDIDO DINAMARCO, "Direito processual civil", nº 85, p. 137.

31 - Mas há, ainda hoje, uma ponderável parcela da doutrinária e jurisprudência admitindo a possibilidade do reconheimento ex officio da incompetência relativa.

32 - V., por todos, CÂNDIDO DINAMARCO, "Direito processual civil", nº 80, pp. 132 e 133.

33 - V., por todos, VICENTE GRECO FILHO, "Direito processual civil brasileiro", São Paulo, Saraiva, 1981, 1º vol., nº 31, pp. 205 a 210 e ARRUDA ALVIM, "Curso de direito processual civil", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1971, vol. I, nº 58, pp. 280 a 282.

34 - É pacífica, na doutrina, a aceitação do caráter absoluto da competência funcional - V., por todos, CÂNDIDO DINAMARCO, "Direito processual civil", nº 83, p. 135.

35 - Confira-se, a respeito, THEOTONIO NEGRÃO, "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", 17ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, nota 4 ao art. 132.

36 - V., a respeito, VICENTE GRECO FILHO, "Direito processual civil brasileiro", 2º vol., nº 9.2, p. 42.

37 - No dizer de CÂNDIDO DINAMARCO, a culpa da má colocação do problema. . .não cabe ao legislador -, mas ao próprio esquema de CHIOVENDA, que...não é satisfatório. - "Direito processual civil", nº 57, p. 107.

38 - Nesse sentido, os acórdãos colacionados por THEOTONIO NEGRÃO, "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", 17ª ed., nota 21 ao art. 125 da Constituição Federal.

39 - V., a respeito, os acórdãos indicados por THEOTONIO NEGRÃO em nota ao art. 19 da Lei de acidente do trabalho em sua obra já citada.

40 - As regras comuns de competência territorial dizem respeito também às Fazendas estaduais e municipais. Sendo a ação proposta na Comarca da Capital do respectivo Estado, daí sim poderá prevalecer a competência de juízo, sempre que existentes os juízos da Fazenda (v.g.,. Cód. Judiciário do Estado de São Paulo, arts. 35 e 36). Essa é a tranqüila orientação da Câmara Especial do TJSP (v., por todos, os acórdãos prolatados no A.I. nº 5.963-0, de Santo André, rel. Des. ANICETO ALIENDE, julg. 22.O5.86 e no Conflito de Competência nº 6.969-0, de São Paulo, rel. Des. ONEI RAPHAEL, julg. 18.O6.87). Confira-se, mais, os pareceres e acórdãos insertos na obra "COMPETÊNCIA - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ementas nº 173 e 175, pp. 192/193 e 35/36, respectivamente.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCATO, Antonio Carlos. Breves considerações sobre jurisdição e competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2923. Acesso em: 19 abr. 2024.