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Multiparentalidade: reconhecimento e efeitos jurídicos

Multiparentalidade: reconhecimento e efeitos jurídicos

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A multiparentalidade, que é a possibilidade jurídica de inserção de mais de um pai ou de uma mãe no registro civil da pessoa, já é realidade jurídica legal no Brasil, apesar da lentidão legislativa no âmbito.

1 INTRODUÇÃO

O grande e avassalador crescimento populacional, agregado ao desenvolvimento tecnológico e à globalização, trazem como consequências visíveis o constante surgimento de novas culturas, ou seja, o multiculturalismo mundial. Se fôssemos voltar no tempo, provavelmente, identificaríamos momentos nos quais a voz de comando da autoridade familiar era outorgada ao tio materno (GILISSEN, 1988, p. 39). Por isso entendemos ser impossível que o processo jurídico ande na frente da problemática social, pois os atos jurídicos acontecem em decorrência aos fatos sociais[1]. Para alguns desses atos, é indispensável sua normatização. A multiparentalidade é exemplo lógico de ato social cuja existência há muito vem sendo percebida na sociedade, portanto, tais necessidades sociais não coadunam com o silencio do Estado, pois o mesmo é o disciplinador das normas que regulam os fatos sociais. Nesse caso, a melhor maneira de promover a conformação jurídica de tais estruturas familiares – em meus pais e minhas mães, no mundo real, exsurgem miríades de situações não imaginadas pela racionalidade codificadora da Modernidade (COING, 1982).

Por essas razões abordaremos neste trabalho o surgimento de novos atos e fatos sociais no aspecto da multiparentalidade[2], uma das mais novas questões surgidas no âmbito jurídico, ou seja, a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe com reconhecimento jurídico legal. Isso já é uma realidade, já que recentemente a mesma vem sendo reconhecida juridicamente[3], mesmo que no âmbito geral sua aplicação ainda é polêmica, pois tanto na seara registral, como no campo sucessório e nos alimentos não temos claras definições. As polêmicas acerca deste instituto são relevantes, o que já está definido são algumas decisões jurisprudenciais e várias opiniões lecionadas no campo da doutrina.


2 MULTIPARENTALIDADE: Evolução Histórica     

No Brasil o critério legal adotado para definir a filiação sempre foi o biológico, no qual já se via esboçada, a ideia da prévia relação sexual se definir causa da gravidez. Outros países que também historicamente fundamentaram a filiação legal no sistema codificado, associando-o a origem biológica através do casamento juridicamente fundado, e dele somente eram tidos por filhos legítimos. Portanto, baseia-se na ideia de que mater sempre certa est[1], pois também, pater vero is est, quem nuptiae demonstrat[2], assim fazendo pairar sobre determinado caso a certeza da paternidade biológica (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012).

O começo de mudanças normativas em nosso país deu-se com o advento da Constituição de 1988, através da inserção de princípios norteadores da família como o da igualdade entre os cônjuges e de direitos entre os filhos. Com isto, definitivamente o matrimônio deixou de ser o único critério central para definição legítima da paternidade no Brasil. A igualdade exarada na Constituição determinou a extinção da diferenciação entre filhos, mesmo que a origem biológica fosse diferente.

Além do avanço jurídico trazido pela Constituição de 1988, o avanço científico e tecnológico ajudou muito em conquistas nesse âmbito, com isso exame de DNA[3] milagrosamente tornava-se possível determinar com precisão a origem genético-biológica. Surgiram outros avanços na medicina e na genética, como a reprodução assistida que acirrou debates sobre o fato de que a mãe biológica sempre tinha primazia em razão da prevalência do vínculo genético. Essas questões reforçaram a capitação e aparecimento de novas teses, enriquecendo o que podemos chamar de novos caminhos e critérios para a fixação da filiação. Podendo a mesma ser definida e decidida pela presunção legal, pelo vínculo genético e ainda pela socioafetividade[4], construção jurídica que mostra a evolução.

Assim sendo, hoje podemos com certeza considerar que a paternidade/maternidade venha a ser definida por um dos três aspectos, que são: a presumida, a biológica e a afetiva. Em tempos passados encontrávamos dificuldades e sérios questionamentos sobre esses aspectos, como por exemplo, quando havia dúvidas entre as figuras, qual prevaleceria? Resolver-se-ia então com a prevalência sempre da figura biológica. Hoje podemos comtemplar o surgimento de lides nessa área, no entanto, com os avanços na doutrina e nas interpretações jurisprudenciais a matéria vai pacificando-se e as pessoas buscam seus na realidade parental, não apenas no critério da unicidade pessoal biológica para a fixação metodologia da fixação da paternidade/maternidade.

As resultantes dessa compreensão são avanços jurídicos no direito civil, com especialidade no âmbito do direito de família. Isso é de tamanha importância que nesta última década, a doutrina e a jurisprudência rumam à consolidação no sentido que, havendo conflito entre paternidade/maternidade biológica e socioafetiva, esta última prevalecerá[5]. É nesse sentido a orientação da doutrina e das decisões da Jurisprudência nacional.

2.1 Reconhecimento social e jurídico da multiparentalidade

Pelo fato do Estado ter passado a considerar a família como base da sociedade (art. 226 da Constituição de 1988), tornou-se inegável o seu acentuado reconhecimento social. Daí questões de cunho particular e relevância social como a multiparentalidade ficou a um passo também desse formal reconhecimento. A aceitação social algumas vezes consolida-se lentamente, e outras, de maneira rápida. No caso em pauta, esse reconhecimento social aconteceu de duas maneiras, e em dois períodos distintos. A aceitação puramente social aconteceu ao longo de décadas, e em um processo lento, ao passo que o reconhecimento jurídico e normativo vem acontecendo de maneira acelerada.

Queremos aqui tratar precipuamente do reconhecimento social e jurídico da multiparentalidade, destacando a família como instrumento de proteção e promoção social, em processo sempre evolutivo. Antes podíamos perceber que tais evoluções se manifestavam de forma lenta, pelo fato do conservadorismo oriundo das sociedades primitivas.

O conservadorismo facilitou a pacificação no âmbito do reconhecimento social, sempre com boa margem de aprovação ou reprovação (sem as complicadas polêmicas dos debates sociais). Imaginava-se a possibilidade do legislador prever novos arranjos familiares e, consequentemente a uniformização do sentimento e do pensamento social através da intervenção estatal na vida privada da sociedade.

Um exemplo disto é a igualdade de direitos na filiação, considerada com o advento da CF de 1988, não havendo mais distinção entre filhos, sendo todos iguais, independentemente de sua origem. Como leciona LÔBO (2008), “os limites das relações de parentesco sofreram grandes mudanças no decorrer de sua história, variando conforme a função que a família adotava em cada época, bem como, seus interesses”.

O desenvolvimento social é causador, e ao mesmo tempo a fonte, de alguma disciplina da formação multiparental. Causador pelo fato do desenvolvimento social abrir espaço para a possibilidade de surgimento de novos tipos e modelos de famílias, e disciplinador porque os avanços sociais não suportaram a demora da intervenção Estatal nas evoluções sociais. Por isto houve a consolidação do conceito de socioafetividade por parte primordialmente da doutrina, o que podemos chamar de fator social, e posteriormente da Jurisprudência, o que podemos chamar de ato jurídico[1].

Essa situação tem suprido a omissão legislativa, reconhecendo novos arranjos de famílias e, consequentemente, aumentando a diversidade daqueles previstos no texto Constitucional. Assim vem acontecendo o reconhecimento social da multiparentalidade no Brasil.

A inserção de novos princípios constitucionais[2] que ultimamente vêm regulando o direito de família exigiu uma nova produção interpretativa dentro do Direito Civil, traduzindo sua evolução, pois o casamento já não é mais a única entidade familiar instituída e protegida pelo Estado. Com esta evolução tornou-se ainda mais fluente o reconhecimento de novos fatos familiares[3] e sua aceitabilidade pela sociedade. Mesmo com esse processo do reconhecimento social a multiparentalidade ainda gera grandes discussões em decorrência de efeitos dessa evolução social, pelo fato de algumas vezes, esses novos tipos de famílias não estarem inseridas expressamente no texto constitucional. Por isto os debates entre doutrina e a jurisprudência é de grande importância na atualidade, pois facilita o reconhecimento social e posteriormente o jurídico ao qual o STF chamou de normas de inclusão[4].

2.2 Principiologia informadora da multiparentalidade          

A grande contribuição dos princípios aos novos institutos é, na verdade, a criação de base para a formação de nova roupagem para o direito, especialmente o direito de família no Brasil. Tudo deve considerar a força da contribuição histórica, através da qual os mesmos forneceram e ainda fornecem ganhose apoio fundamentais para a consolidação desse processo histórico cultural. Essa evolução culminou no surgimento e consolidação dos novos tipos de direitos,[1] que culminou em novos tipos de famílias[2] no Brasil.

Conforme Guilherme Calmon “a afirmação deriva do fato de serem os princípios mando de otimização de caráter deontológico, ou seja, constituem a ideia do “dever-ser”, enquanto que os valores situam-se na visão axiológica, ou seja, intrinsecamente daquilo que realmente “é”, fazendo apenas um juízo do bem e do mal[3]”.

Esses novos direitos se consolidaram pela proteção Constitucional, pelo fato do constituinte originário buscar ampliar o reconhecimento normativo para todos os tipos de família existentes, e aqueles que porventura surgissem. Essa maior proteção trouxe à sociedade atual um caráter pluralista, conforme infere-se do artigo 226, §§ 3º, 4º e 8º da Constituição/88. Fica a todos a possibilidade de criar e priorizar a proteção a outros tipos de famílias, decorrência, que tem por base o legislador constituinte.

A paternidade socioafetiva[4] constitui-se em um dos mais elevados fundamentos do direito de família exarado pela Constituição de 1988, pelo fato de abarcar os tipos de famílias existentes naquele momento e de ter dado a possibilidade de proteger outros oriundos da afetividade, por serem inseridos nessa proteção, conforme leciona LOBO, (2013, on line)[5]:

Aduz que a paternidade socioafetiva não constitui espécie supletiva da paternidade biológica, e sim a própria natureza do paradigma atual de paternidade, o qual é incompatível com o predomínio da realidade biológica e faz uma distinção entre paternidade e genética. Entende que embora tenha havido evolução da paternidade socioafetiva na legislação brasileira, são recorrentes os desvios doutrinários e jurisprudenciais baseados na impressão de certeza conferidas por exames genéticos, não havendo isso na paternidade socioafetiva [...].

Isto é marcante pelo fato de representar o rompimento do vínculo simplesmente biológico, valorizando o emocional afeto que, em essência se constituiu no novo pilar da multiparentalidade. Anotamos a seguir os princípios havidos como os mais importantes.

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana          

Quando falamos de principiologia no aspecto da multiparentalidade não podemos deixar de citar em primeiro lugar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ele está ligado direta e intimamente com os sentimentos do indivíduo, ou seja, o sentimento de “ser pai” e de “ser filho” etc., como estão descritos nos artigos art.1º, III e 226, § 7º, ambos da Constituição de 1988. Por isso, todo o Ordenamento Jurídico reflete seus efeitos, sendo ele a base constitucional principal de toda a relação social e humana. Por isto, o Princípio da Dignidade Humana alcançou e se estabeleceu nas relações individuais e sociais de maneira fundamental, não podendo ficar distante do direito de família, de maneira especial das questões privadas que informam e constatam em toda a sociedade atual[1]. Podemos ver essa força no seguinte entendimento jurisprudencial de 2012, em que o tribunal  reconheceu a multiparentalidade em demanda de investigação de paternidade cumulada com anulatória de registro civil, deste teor:

[...] a pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registro afetivo fatalmente prejudicará seu interesse, que diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo absoluto, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos na vida de uma criança, que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não o seu pai biológico, sem se atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação, como muito bem ponderou a representante do Ministério Público em seu laborioso estudo[2].       

É justamente essa a expressão e importância deste Princípio, pois como leciona LÔBO (2007, p.37) “além de alcançar os sentimentos maiores da vida humana, vai muito além, até o núcleo de sua existência, impondo inafastável proteção e respeito, que na verdade exige a exclusão de qualquer atitude que possa despersonificar a pessoa humana[3]”.

2.2.2 Princípio do pluralismo das entidades familiares          

A Constituição de 88 abarcou aquelas famílias que, à margem da sociedade, andavam destituídas de qualquer proteção do Estado. Para por fim a este dilema, o legislador constituinte retirou o selo do preconceito que estava impregnado nos núcleos destes tipos de famílias denominadas famílias espúrias, dando-lhes amparo estatal, conforme escreve Patrícia Matos Amatto Rodrigues:

Finalmente, com a Constituição de 1988, o concubinato fora elevado a qualidade de entidade familiar, sob normatividade do Direto das Famílias, ganhando proteção estatal. Concretamente, o nome do instituto fora modificado, visando retirar o estigma da dupla conotação trazida pela palavra concubinato. União estável foi a nova denominação adotada para indicar as relações afetivas decorrentes da convivência entre homem e mulher, com o intuito de constituir família, despida das formalidades exigidas para o casamento. (MATOS, 2014, on line)[4]

Também chamada de companheirismo, a união estável foi normatizada e reconhecida como entidade familiar merecedora de amparo a partir do parágrafo 3° do artigo 226 da Constituição Cidadã. Sua tutela constitucional decorre do reconhecimento pelo legislador constituinte de uma situação de fato existente entre duas pessoas de sexo diferente e desimpedidas para os votos do matrimônio, que vivem juntas como se casadas fossem, caracterizando, por esta forma, nítida entidade familiar.

Trata-se, em verdade, de um “casamento de fato”, efetivando a ligação entre um homem e uma mulher, fora do casamento, merecedor de especial proteção do Estado, vez que trata de fenômeno social natural, decorrente da própria liberdade de autodeterminação de pessoas que optam por viverem uma união livre. Com isso, a expressão concubinato passou a designar o relacionamento amoroso envolvendo pessoas impedidas de casar. Na união estável, não resta dúvida, tem-se a mesma conduta pública e privada, a mesma comunhão de vida e nas mesmas expectativas do casamento, até mesmo porque tudo o que um casamento pretende, grosso modo, é ser união estável em sentido amplo, diferenciando-se apenas pela exigência de solenidades para sua constituição. (MATOS, 2014, on line)[5]

  Além do princípio da dignidade da pessoa humana, o fundamento original que o constituinte usou, ao conferir esta tutela, foi o princípio do pluralismo das entidades familiares. A razão disto dá-se principalmente pela proliferação de núcleos culturais, movimento ao qual denominamos multiculturalismo, que consiste na grande reorganização e migração que provoca a miscigenação cultural mundial, segundo o que comenta (WERNECK, 2005, p.418) “o multiculturalismo não pode então ser entendido simplesmente como a aceitação de todas as características das diferentes culturas, mas como necessidade de estabelecimento de critérios de avaliação das exigências fundamentais da pessoa humana”. O multiculturalismo tem facilitado para que surjam novos tipos de arranjos de famílias, antes não reconhecidas legitimamente pelo Estado Democrático de Direito. É nesse aspecto que surge a multiparentalidade resultante da paternidade socioafetiva que se origina desse pluralismo sociocultural.

O multiculturalismo apresenta-se como mola propulsora tanto da paternidade socioafetiva, quanto da multiparentalidade, fenômeno resultante da globalização, cabendo, portanto ao Estado apropriar-se do conteúdo dos princípios para a legitimação protetiva desses novos tipos de famílias. No caso, o princípio do pluralismo de entidades familiares serve como fator fundamental para tal reconhecimento e legalização desses fenômenos, em favor da estabilização social e da produção de condições para a paz e o bem comum.

2.2.3 Princípio da Proibição de retrocesso social          

Este princípio é de vital importância no aspecto de reconhecimento dos direitos de família, visto porque não se pode retroceder, ante as necessidades não reconhecidas legalmente, ao patamar anterior ao do reconhecimento. Por isso este princípio exala social importância, dado que a ordem jurídica do Estado procurará compreender e assistir as famílias nas quais surjam novos tipos de ocorrências como a multiparentalidade, visto que constitucionalmente estão amparadas.

O princípio visa dar especial proteção às famílias sob os determinados prismas, tais como o da igualdade entre homens e mulheres na convivência familiar, o do pluralismo das entidades familiares, o dos variados aspectos da proteção estatal, e o do tratamento igualitário entre todos os filhos.

Mesmo que esse direito seja em boa parte subjetivo, é direito assegurado constitucionalmente, não podendo ser restringido pela legislação ordinária, portanto, não inferior ao patamar de proteção antes alcançado pelo Estado pré-constituinte[6].

Já citamos o multiculturalismo como uma das principais causas do surgimento desses novos tipos e arranjos de famílias. Queremos extrair dele aspectos importantes para procurar explicar o fato de o Estado providenciar, para estes tipos emergentes, uma proteção urgente. Não era mais possível atravessar aquele período histórico-cultural em que as guerras, os casamentos por imposição dos pais, a escravidão familiar, o pai com papel de provedor universal e onipotente da família, a ditadura familiar paterna, que eram na verdade aspectos resultantes de um longo período de conservadorismo vivido pelas sociedades tradicionais.

Esse contexto passou a enfrentar outras experiências, com novos tipos de constituições familiares, que na verdade lhe causavam traumas[7] conforme comenta (RANGEL, 2014)[8] “Tendemos a esquecer que a dissolução familiar pode vir a ser um trauma, já que acontece em cada três famílias. No entanto, da perspectiva infantil, a dissolução familiar é um evento negativo de grande magnitude que transforma de forma marcante o pequeno mundo da criança”. Diante disto tornou-se necessário avançar, e o retrocesso era impossível. O legislador originário tinha que abrir caminhos para que o Estado tutelasse o insurgente, aquilo que era de fato conhecido, mas desamparado. A Constituição de 1988 trouxe em seu bojo esta possibilidade no âmbito familiar, e a resultante disso é o que hoje presenciamos, como por exemplo, o reconhecimento e legalização da união estável, inclusive as homoafetivas. Isto foi o que chamamos de passo inaugural para todas essas novas relações jurídicas que estão sendo reconhecidas no direito de família, como por exemplo, a multiparentalidade.

2.2.4 Princípio da Afetividade          

Há muito tempo as sociedades tradicionais reconheciam a afetividade como princípio norteador fundamental para a formação da família, no entanto, sua juridicidade era remota, quase impossível, diante da imposição e resistência do fator consanguíneo e biológico. Mesmo assim a afetividade passou a sobrepujar esses e outros fatores que equivocadamente tornavam inadequada ante a ordem jurídica.

A sobrepujança da afetividade sobre todos os outros quaisquer vínculos, nasceu da própria relação social, pois entendeu-se que a afetividade está intrínseca ao sentimentalismo humano, não podendo ser afastada do sentimento familiar, podendo constituir-se nessa relação pela própria convivência e constituição da família. Isto impôs ao Estado o devido reconhecimento normativo e legitimação da multiparentalidade, cabendo ao mesmo aviar meios legais de resolver e implementar seus efeitos através dos caminhos principiológicos existentes na Carta Maior, inseridos pelo constituinte.

A razão maior do dever estatal é que a afetividade não se trata apenas de um laço que envolve os membros da família, mas sim de um importante princípio extraído das entranhas culturais da humanidade, originalmente forjado na alma humana para distinguir a relação de amor do simples dever de cuidar, que valoriza a eticidade, o companheirismo, as igualdades, os desejos e interesses afetivos como função precípua dentre os seus integrantes. Como explica Flavio Tartuce (2013, p.1062) “o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo afeto não constando a expressão do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana e da solidariedade”.

Já para Gisele Câmara Groeninga:

O papel dado a subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerentes às relações. Cada vez mais se dá importância nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade. (GROENINGA, 2008, p.28)

A verdade é que temos presenciado a valorização deste referido princípio. Com isto remonta bases doutrinárias como é o caso de João Batista Villela que relata:

A paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea. Tanto no registo histórico como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso, para se firmar fundamentalmente como um grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço ao esvaziamento biológico da paternidade. Na adoção, pelo seu caráter afetivo, tem-se a figura da paternidade do futuro, que radica essencialmente a ideia de liberdade. (VILLELA, 1979, P.21)          

Enfim, na própria jurisprudência nacional, a adoção do princípio da afetividade vem se mostrando presente de maneira bastante crescente. Isto inclui as jurisprudências do STJ (por todos: STJ, REsp 1.o88.157/PB, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 23.06.2009 e REsp 234.833/MG, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 4ª Turma, j. 25.09.2007, DJ 22.10.2007, p. 276). Por isso afirmamos que a afetividade é princípio jurídico, gerando consequências concretas para o Direito Privado, ao contrário do que muitos pensavam.

2.2.5  Princípio do melhor interesse do menor          

Para que possamos refletir melhor a respeito deste princípio, precisamos também refletir sobre o longo processo de transformação pelo qual a sociedade vem passando nos últimos séculos. Somente assim encontraremos a criança inserida, em diferentes contextos históricos, principalmente nas relações familiares, constituindoconditiosine qua non[9] para o entendimento da posição que passam a ocupar. Vão de propriedade a protagonistas, sujeitos detentores de direitos nas diversas esferas sociais e jurídicas.

A prevalência dos interesses da criança é vista nitidamente em todo o ordenamento jurídico, não sendo diferente no direito de família. A base desses direitos protetivos tem sua origem jurídica nas Cartas Magnas escritas no Brasil, em sua evolução histórico-cultural nas interpretações e estudos epistemológicos[10] traçados em toda a história da humanidade. Por essas razões, o legislador tem atribuído de modo especial condições que, de maneira justa, efetive a proteção devida para as crianças em sentido amplo.

Vale a pena ressaltar que eivada de inconstitucionalidade qualquer norma ou decisão administrativa que não conheça o melhor interesse da criança e do adolescente, por que essa é a vontade do legislador constituinte e ordinário, ao criar tal proteção. A razão da valorização deste princípio

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se, assim, de reparar um grave equivoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito. (GAMA, 2008, p. 80)          

Percebe-se que a criança sendo parte mais frágil na busca de seus direitos e interesses precisa ser amparada pelo poder estatal, que tem o dever de buscar, independentemente de qualquer outro, o melhor interesse da criança e do adolescente. Este fato leva-nos a refletir acerca da família e seu papel social, em especial na formação e desenvolvimento das crianças e adolescentes, e as consequências de rupturas dos vínculos familiares, sempre à luz do princípio do melhor interesse. Para que fossem entendidos como protagonistas sociais e detentores dos direitos fundamentais, a luz do direito material percorreu-se longo caminho, onde o âmbito sócio-político-financeiro teve grande influência para as transformações. Na atualidade, a normatização e legalização desses novos direitos é reconhecida conforme lecionam Gagliano e o Pamplona Filho:

Isso significa que, em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e dos adolescentes viventes em seu meio. (GAGLIANO; PAMPLONA, 2011, p. 98).          

Podemos aqui citar a multiparentalidade e seus efeitos jurídicos como parte do direito no âmbito sócio-político-financeiro, firmando-se entre as últimas conquistas que estão se consolidando no cenário jurídico nacional.Antes, na impossibilidade da constituição sobre o velho “pátrio poder” havia prejuízos psicológicos e até financeiros. Agia-se, então, em detrimento dá ideia e efeitos derivados do reconhecimento da paternidade socioafetiva. Hoje a multiparentalidade surge para o direito como uma das formas de solucionar esse tipo de problema, vez que, com o devido reconhecimento, nenhum dos pais, seja ele afetivo ou biológico precisa sernecessariamente excluído da relação familiar. Podem ambos, querendo e sendo viável, assumir o papel de pais do mesmo filho, com possibilidade jurídica de terem esse direito legalmente reconhecido perante o Judiciário.

O certo é que

Muito se avançou, no Brasil, a respeito do que a doutrina jurídica especializada denomina “paternidade e filiação socioafetiva”, assim entendida a que se constitui na convivência familiar, independentemente da origem do filho. A denominação agrupa duas realidades observáveis: uma, a integração definitiva da pessoa no grupo social familiar; outra, a relação afetiva tecida no tempo, entre quem assume o papel de pai e quem assume o papel de filho. Cada realidade, por si só, permaneceria no mundo dos fatos, sem qualquer relevância jurídica, mas o fenômeno conjunto provocou a transeficácia para o mundo do Direito, que o atraiu como categoria própria. Essa migração foi possível porque o Direito brasileiro mudou substancialmente, máxime a partir da Constituição de 1988, uma das mais avançadas do mundo em matéria de relações familiares, cujas linhas fundamentais projetaram-se no Código Civil de 2002. (LÔBO, 2006, P.57)

2.2.6 Princípio da realidade socioafetiva          

Este princípio trata exclusivamente da convivência da criança em relação a outros membros da família. Esta realidade pode ser focalizada em dois aspectos: 1) a situação do registro da criança; 2) a condição social da criança inserida em outra família. No aspecto da multiparentalidade podemos destacar que a importância desse princípio dá-se de maneira reiterada, não no modelo “adoção à brasileira”, e sim no âmbito da socioafetividade direta e legal. Para que este princípio tenha eficácia, a situação da convivência socioafetiva da criança precisa ser fundamentada no vínculo de afeto existente em determinada relação familiar. Por isso, aumenta a importância do referido principio no âmbito multiparental.

Analisando o primeiro aspecto, qual seja a importância do registro da criança, concluímos que o mesmo indica a existência dela como sujeito de direito na órbita jurídica e que, sem o registro não há a figura da criança como sujeito ativo de seus direitos, pois somente através do mesmo que se dá início da vida jurídica de uma pessoa na sociedade, e como ela se apresenta e identifica perante a sociedade.

O fato de o vínculo biológico pelo fator da consanguinidade determinar o reconhecimento registral e o estado de filiação exibe a precariedade e a necessidade de uma interpretação hermenêutica mais rigorosa, e a cognitiva mais aprofundada. Nesse caso, a afetividade perde a sua relevância e sobrepujança sobre a consanguinidade. A legalização da multiparentalidade é justamente esse conjunto de definições resultantes tanto da hermenêutica mais atualizada, bem como, de uma avaliação cognitiva mais humanizada, alcançando a realidade jurídica moderna e o desejo do legislador constituinte de conferir à criançadestacado amparo e proteção.

Resta-nos observar a relevância da condição social da criança no seio de outra família, na visão deste princípio, e perceber as razões que levam o Estado a buscar meios eficientes que facilitem os trâmites para a acessibilidade dos direitos. E sobre a ação estatal comenta Isabel Cristina Albinete:

Afirmava, ainda, o constitucionalista da Universidade de São Paulo, Sérgio Rezende de Barros, que a ordem política foi o conteúdo inicial das constituições escritas. Desde o final do século XVIII, foram elaboradas na Europa e na América constituições políticas cujo conteúdo era a organização fundamental do Estado, mediante a separação dos poderes e a declaração dos direitos fundamentais do homem e do cidadão. Percebe-se, então, que a função do Estado era garantir de forma neutra a certeza, a autoridade e o comando do direito – jus certium, l’autorité de loi, the rule of law – o governo da lei sobre todos igualmente, até sobre quem a faz em nome de todos. (CRISTINA, 2013 apud BARROS,2012 p.73-74)

É justamente a análise dessa questão que está acontecendo atualmente nos tribunais nacionais, quando deferem-se pedidos são deferidos, em detrimento de novos direitos nascidos no berço desta nova sociedade. Julgamentos favoráveis são fundamentados no princípio da realidade socioafetiva, tornado possível a multiparentalidade no Brasil seja considerada juridicamente, e de maneira significante esteja cooperando para o reconhecimento e cumprimento dos direitos sócioafetivos, conforme leciona

Toda pessoa, especialmente a pessoa em formação, tem direito à paternidade. Se não a tem, porque ninguém a assumiu voluntariamente, pode investigá-la para que seja reconhecida judicialmente e imputada ao genitor biológico. No plano jurídico, a afetividade é princípio e, como tal, dotado de força normativa, impondo deveres e conseqüências pelo seu descumprimento. Por isso, não se confunde com o afeto como simples fato anímico e psicológico. A decisão judicial no reconhecimento forçado da filiação declara e impõe a paternidade em sua total dimensão socioafetiva, cujos deveres de natureza moral e material devem ser cumpridos. (LÔBO, 2006, P.60)


3. MULTIPARENTALIDADE SEGUNDO A DOUTRINA

Quando nos referimos a multiparentalidade e a doutrina, os Enunciados[11] são referencia nessa questão. Os dezesseis anos de produção de conhecimento do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família também servem como diretriz para a criação da nova doutrina e jurisprudência em Direito de Família.

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, pelo fato do instituto ter um percurso técnico, ético e também histórico, autoriza a publicação de conclusões em forma de Enunciados, cuja redação seja aprovada em Assembleia Geral. Assim justificou afirmou:

[...] “Reunimos as maiores cabeças pensantes do Direito de Família no Brasil, que juntas refletem sobre a doutrina e traduzem em novas propostas para a sociedade. Não um Direito duro, um Direito dogmático. É um Direito que traduz a vida como ela é". (IBDFAM, 2013 on line)[12].

Afirmou ainda que esses Enunciados contemplam temas inovadores e até polêmicos, já que as famílias mudaram e são dinâmicas, mas a lei não acompanhou essas mudanças. Por isto, eles abrem caminho e perspectivas, atribuem e ampliam direitos para algumas configurações familiares, que ainda não estavam protegidas na legislação. logo:

[...] “Os Enunciados são para aqueles aspectos da vida das famílias que não tem uma regra específica. Seja porque são questões novas, seja porque a tramitação legislativa é lenta, dando uma referência e um norte para um novo Direito de Família brasileiro". (IX CONF, Araxá, MG/2013, on line)[13].

É incalculável o valor da doutrina para o direito de família. Foi com base nela que o IX Congresso Brasileiro do IBDFAM publicou os Enunciados 06[14], 07[15] e 09[16], os quais fazem referência direta à multiparentalidade. Não podemos negar, mas sim implementar os avanços trazidos pela Constituição de 1988 aos quais chamamos de “novos caminhos”, e também pelo Código Civil de 2002, que são na verdade desdobramentos dos primeiros passos traçados pela CF de 1988. Apesar desses avanços e outros doutrinários e jurisprudenciais, ainda não foram suficientes para acompanhar a rápida evolução histórico-social da família brasileira, deflagrada de forma acentuada pelo multiculturalismo mundial na sociedade brasileira.

É nesse aspecto que podemos perceber a importância da doutrina para o Direito em geral, e especificamente para o Direito de família. ZAMATTARO afirma “a multiparentalidade deve ser entendida como a possibilidade de uma pessoa possuir mais de um pai e/ou mais de uma mãe, simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a todos eles, inclusive, ao que tange o eventual pedido de alimentos e até mesmo herança de ambos os pais[17]”.

De fato, esse reconhecimento e, principalmente, a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, representa um avanço significativo no Direito de Família. Consagram-se, entre outros, os princípios da dignidade humana e da afetividade, afastando-se a preocupação inicial expressiva com a proteção ao patrimônio, voltando-se à proteção das pessoas e, por consequência, passando a prevalecer, no âmbito jurídico, o trinômio amor, afeto e atenção.

Todavia, não se trata, ainda, de questão inteirmamente pacificada, dividindo-se opiniões entre nossos principais juristas. Para TAVARES (2013, on line) "o vínculo de socioafetividade vai muito além do simples sustento, de morar sob o mesmo teto ou de dar assistência. Se a criança tem um pai biológico que a assiste, também, não cabe ter uma dupla paternidade[18]".

Já TARTUCE (2013, on line), manifestou-se fazendo referencia ao livro “A escolha de Sophia”, onde uma mãe, presa num campo de concentração durante a segunda guerra mundial, é forçada por um soldado nazista a escolher um de seus dois filhos para ser morto, metaforicamente disse: “A jurisprudência escolhia um ou outro. Agora, não. São os dois: o pai biológico e o afetivo[19]”. Logo, o reconhecimento da multiparentalidade produzirá efeitos em todas as esferas, principalmente em questões de herança e de pensão alimentícia.

De qualquer forma, em que pesem as manifestações e decisões proferidas a esse respeito, devemos ter consciência que se trata de um tema ainda delicado merecedor de peculiar atenção. Principalmente, quanto ao seu fundamental objetivo, que em hipótese alguma, pode ser o caráter patrimonial. Para muitos doutrinadores os laços de sangue e os socioafetivos devem seguir juntos sempre que essa união mostrar-se benéfica, favorável e de acordo com os superiores interesses sociais e afetivos da criança e adolescente envolvidos.

Para DIAS[20], a única questão que pode colocar em dúvida a prevalência da filiação socioafetiva em relação à filiação biológica ocorre quando o vínculo registral foi construído porque o pai, por exemplo, foi induzido ao erro, ou seja, registrou o filho acreditando ser seu pai biológico e mais tarde descobriu uma traição, que ele não o era.

DIAS (2013, on line) destaca ainda “que as leis para acompanhar as mudanças culturais da sociedade, produtoras de novas composições familiares, é preciso que sejam mais abertas, especialmente ao tratar de questões como essas que, as leis devem atribuir ao juiz o encargo de decidir em cada um dos casos, pois mesmas situações podem gerar soluções diferentes[21]”.

Diante de tudo isso o que podemos elucidar é que a doutrina de maneira quase uniforme trata com muitas reservas a questão da multiparentalidade em razão de seus complexos efeitos. Entendemos que a mesma não deve ser visualizada por um único prisma, mas por todos os ângulos da hermenêutica e da volição, revestidos do sentimentalismo humano e justo, possam caracterizar qualquer injustiça, podendo em tempo oportuno fazer prevalecer um ou outro dos vínculos, seja ele qual for.

Para PEREIRA (2013, on line)[22], o fato de o STF já ter reconhecido a repercussão geral[23] sobre a questão da afetividade ou paternidade socioafetiva, é mais um motivo pra olharmos com cuidado tanto para o vínculo biológico como também para a afetividade. Assim leciona:

O Direito hoje, especialmente a partir do discurso psicanalítico, já sabe e reconhece que paternidade e maternidade são funções exercidas, ou seja, se o pai ou mãe não ‘adotar’ o seu filho, mesmo biológico, eles jamais serão pais. Segundo o advogado, os laços de sangue não são suficientemente fortes para garantir ou sustentar uma relação de paternidade ou maternidade. “Qualquer julgador que pensar um pouco mais profundamente sobre ‘o que é ser pai, o que é ser mãe’, chegará à conclusão da preponderância da socioafetividade sobre a genética”. (MIGALHAS, 29/01/2013, on line)[24]

Para CASSETTARI (2013, on line)[25], os principais efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva, mormente a multiparentalidade, produzem vários problemas que podem decorrer do seu reconhecimento. Como exemplo indica a maneira de sua formação, se ela é direito só do filho ou dos pais também, se a afetividade deve ser recíproca, qual é a ação judicial que deve ser proposta para discuti-la, se são devidos alimentos nesse modelo, se há direito sucessório, se o parentesco socioafetivo liga o filho a todos os parentes do pai ou da mãe, se há direitos previdenciários, se essa parentalidade gera inelegibilidade eleitoral, se essa filiação pode ser impugnada, dentre outras questões. Depois da análise que fez, afirmou:

Não há dúvida de que o maior efeito dessa forma de parentalidade, e não apenas filiação, é a criação de multiparentalidade, ou seja, a possibilidade de a pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Existem no Brasil algumas decisões concedendo esse modelo plural de parentesco, motivo pelo qual se aborda nesta obra a necessidade de esse tema ser levado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, para gerar os seus regulares efeitos no âmbito do Direito de Família. (CASSETTARI, 2014, p.56)

Da mesma forma também afirma:

Preocupa-se em indicar os problemas relacionados à coexistência da multiparentalidade biológica e afetiva, tais como a forma de administração do poder familiar exercida por três ou mais pessoas, na hora, por exemplo, de pagar alimentos, conceder emancipação, autorizar o casamento, aprovar pacto antenupcial feito por menor, ser usufrutuário dos bens de filhos menores, exercício da tutela, da curatela do ausente, o dever de indenizar, dentre outros. (CASSETTARI, 2014, p.56-57)

Por tudo o que foi analisado em seu livro sobre multiparentalidade, o autor acredita que o parentesco socioafetivo deve gerar todos os mesmos regulares efeitos do biológico, motivo pelo qual o Poder Judiciário deve ser mais criterioso na hora de reconhecê-lo, e alude pensar, quiçá, em admitir sua extinção com o fim do afeto.

Dizer que o reconhecimento judicial da multiparentalidade gera inúmeros efeitos legais é dizer por óbvio, que ela produz todas as implicações jurídicas que decorrem da filiação, quais sejam: cria a relação de parentesco entre o filho e todos os parentes ligados a todos os pais; em relação ao nome, poderá haver o acréscimo do nome da família (direito de personalidade); em relação à obrigação alimentar, admite proceder nos moldes determinados pelo Código Civil de 2002 e Lei de alimentos nº 5.478/68); em relação a guarda e as visitas, quando se tratar de filho menor, deve ser observado o princípio do melhor interesse da criança principalmente no direito sucessório conforme Lecionam SCHIMITT e QUEIROZ:

Conforme explicado anteriormente a filiação atualmente é um dos principais institutos formadores da família e dos laços de afeto, podendo ser provada principalmente pela certidão de termo de nascimento registrada no Registro Civil, portanto sendo autorizado judicialmente que o nome do pai afetivo conste na certidão de nascimento do menor, neste momento também será ele considerado pai, e o menor seu herdeiro legítimo. ( JUSBRASIL, 2013, on line)[26]          

Já VALADARES (2008, p. 148) alerta “até porque descendente biológico, ou não, toda criança precisa ser adotada psiquicamente por seus pais”.

Efeitos jurídicos da multiparentalidade na sucessão

  Sobre os efeitos jurídicos na sucessão HIRONAKA (2003, p.81) aduz que “a herança transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários. Ela se transmite por força da lei formando um condomínio entre todos aqueles que foram contemplados com a atribuição de uma quota parte ideal, observadas as alterações instituída pelo autor da herança por meio de testamento (herdeiro testamentário). No geral, todos os da mesma classe receberão a mesma quota parte ideal determinada por lei (herdeiro legítimo)”. Por isso, entende-se que a ordem de vocação sucessória prevista no artigo 1.829, do Código Civil de 2002, foi estabelecida conforme a classe da relação do parentesco seja ele consanguíneo-biológico ou por afinidade. Na existência de herdeiros necessários e ausência de testamento válido, que deverá ser observada a ordem de sucessão legítima na forma da legislação vigente. Concernente a sucessão legítima e pertinente o que questiona Zeno Veloso:

Haverá alguma pessoa, neste país, jurista ou leigo, que assegure que tal solução é boa e justa? Por que privilegiar a este extremo, vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos vínculos do amor, da afetividade? Por que os membros da família parental, em grau tão longínquo, devem ter preferência sobre a família afetiva (que em tudo é comparável à família conjugal) do hereditando? (VELOSO, 2003, p.293)

Na ideia de Zeno Veloso:

A sucessão independe do vínculo de parentesco e sim do vínculo de amor, pois sua a relevância na atual sociedade deve fazê-la seguir as mesmas normas sucessórias vigentes no Código Civil, onde os descendentes (em eventual concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente) figuram na primeira classe de chamamento, sendo que os mais próximos excluem os mais remotos. Existindo, portanto, filhos do de cujo, estes concorrem entre si em igualdade de condições, recebendo cada qual por cabeça a sua quota do quinhão hereditário”. (VELOSO, 2003, p.240)

Relembramos também que conforme princípio constitucional prevista expressamente no artigo 227, § 6º da CF “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Assim sendo, independentemente da forma de reconhecimento dos filhos, serem esses naturais, afetivos ou multiparentais, possuem os mesmos direitos, inclusive sucessórios. Esse também é o sentido jurídico da regra do art. 1.596 do Código Civil.

Portanto, pelo fato de não haver distinção jurídica sobre a forma de relação pai/filho ser biológica ou afetiva, estando reconhecida a multiparentalidade, no momento da transmissão da herança estaria criada a linha de chamamento sucessório de cada pai ou mãe que o filho tiver. Assim o filho multiparental figura como herdeiro necessário de todos os pais que tiver.

Quanto à sucessão pelos ascendentes, na ausência de descendentes, todos aqueles que figurarem como pais do mesmo filho seriam herdeiros em pé de igualdade, concorrendo com eventual cônjuge sobrevivente assumindo, também, a condição de herdeiros necessários.

Efeitos jurídicos previdenciários da multiparentalidade

Conforme leciona KERTZMAN (2008, p.43), “são três os tipos de regimes previdenciários existentes no Brasil, que são: a) Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que é administrado pelo poder público; b) os Regimes Próprios da Previdência Social (RPPS), e que também é gerenciado pela Administração Pública; c) o Regime de Previdência Complementar, regido pelos institutos privados”. O que parece bem claro é que nenhum desses regimes sofre qualquer alteração em relação direitos previdenciários na multiparentalidade.

Logo, para fins previdenciários, o descendente ou ascendente multiparental seria sempre seus próprio beneficiário, ambos, um do outro, uma vez que o artigo 16, inciso I, da Lei 8.213/91, determina:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou invalido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente. (LEI, 8213, 24/07/1991).

Neste mesmo sentido o artigo 16, em seu inciso II, determina que os pais também são considerados beneficiários. Logo, na multiparentalidade a relação previdenciária, é como em qualquer relação de filiação, os pais, biológicos ou afetivos, e o filho, recebem a condição de dependentes do segurado.

Na sucessão, embora haja discussão na doutrina e até mesmo porque o assunto é novo e complexo, sob o aspecto da amplitude da relação, todos os pais seriam herdeiros do filho, e o filho herdeiro de todos os pais. A mesma compreensão se estabelece em relação aos ascendentes e descendentes, bem como, aos parentes colaterais até o quarto grau. As sucessões dos pais não se comunicam entre si, salvo àqueles que são cônjuges ou companheiros.

Como já referido anteriormente, a multiparentalidade é o reconhecimento de uma relação afetiva interpessoal já existente. Como leciona Póvoas:

Não há como deixar de reconhecer que a multiparentalidade será, em breve, mais comum do que se imagina, na medida em que, em determinados casos, é a única forma de garantir interesses dos atores envolvidos nas questões envolvendo casos de filiação, albergando lhes os princípios constitucionalmente e eles garantidos da dignidade da pessoa humana e da afetividade. (PÓVOAS, 2012, p. 11).

A multiparentalidade, no que diz respeito à sucessão de direitos previdenciários, é uma forma justa de reconhecer a paternidade e a maternidade de um filho que é amado por ambos os pais, sem que para isto necessite a exclusão de um ou de outro. A exclusão pode existir tanto ao se substituir o nome de um pai ou mãe do registro de nascimento, quando este, por motivos legítimos, não aceitar a permanência no registro na forma original, sem considerar a falácia do mundo fático, uma vez que aquele filho tem mais de uma mãe ou de um pai.

 Efeitos jurídicos da multiparentalidade nos alimentos

Pra falarmos de alimentos na multiparentalidade, devemos iniciar trazendo à memória o art. 229 da Constituição de 198: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Da mesma forma, o art. 1.696 do Código Civil assegura que a prestação de alimentos é recíproca entre pais e filhos, de modo que todos os pais poderão prestar alimentos aos filhos, bem como, estes poderão prestar alimentos a todos os pais, caso necessitarem. Por óbvio, com fundamento nessas duas normas, na multiparentalidade não deve ser diferente, considerando sempre o binômio possibilidade e necessidade em respeito ao parágrafo 1º do artigo 1.694 do Código Civil.

Repetimos aqui o que já afirmamos acima, não há que falar-se em outra forma no dever de prestar alimentos, apenas por se tratar da multiparentalidade. Se através da multiparentalidade os filhos conquistam o direito de terem inserido em seus registros os nomes dos dois pais ou das duas mães, logo, por não haver distinção entre filhos, conforme previsto expressamente no artigo 227, § 6º da CF, não há outra forma de aplicação do direito dos alimentos a não ser a legal, vigente em nosso país, conforme leciona Gonçalves:

Destarte, os filhos ilegítimos e adotivos não eram contemplados com os mesmos direitos dos consanguíneos, principalmente no que diz respeito ao regime sucessório, injustiça que foi excluída pelo novo regime constitucional de 1988, o qual igualou os direitos de todos os filhos e proibiu a discriminação contra qualquer das espécies de filiação. (GONÇALVES, on line)[27]

Os fundamentos acima citados deixam claro o cunho tipicamente familiar do instituto da multiparentalidade, que funda-se exclusivamente no vínculo conjugal, nas relações de união estável e no vínculo de parentesco (neste último incluído o jus sanguinis e aquele decorrente da adoção), não tem por que ter sua aplicação no direito alimentar diferenciado da lei de alimentos, vigente no ordenamento jurídico pátrio.

Para Schimitt e Augusto (2013, on line):

Na tripla filiação multiparental o menor necessitado poderá requerer alimentos de qualquer um dos pais, atendendo o princípio do melhor interesse da criança, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Resta claro que a possibilidade de uma tripla filiação teria muito mais condições de contribuir para o adequado desenvolvimento do menor. Nos casos onde os magistrados decidissem por reconhecer a tripla filiação, sempre haverá a prévia relação familiar de fato, restando apenas reconhecer uma regulamentação de direito[28].

Resta ainda a possibilidade de prestação de alimento, que, como explica Monteiro (2008, p.78) “também têm direito a alimentos os pais perante os filhos. Seria realmente coisa escandalosa, diz Laurent, ver um o filho negar alimentos ao pai, dando, por assim dizer, a morte a quem lhe deu a vida”.

Entende-se, então, que a multiparentalidade proporcionará ao filho o dever de ser fornecedor dos cuidados na velhice de seus pais. Poderá o filho ver-se compelido a escolher um deles para melhor atender ou, então, deverá prestar alimentos e cuidados aos dois ou três, caso necessitem? Embora, instigante, a resposta para tal questionamento está surgindo com o passar dos anos, pois, como vem sendo destacado no presente trabalho, o instituto da multiparentalidade é novo e ainda carece de maior reflexão para as respostas, que fluem da convivência do dia a dia.

Todavia arrisca-se, com base jurisprudencial, doutrinária e na analogia, considerar que o filho deverá prestar igual parcela de alimentos e questionar dos pais, que usualmente se estabelece em um limite de 1/3 (um terço) dos vencimentos líquidos. Entretanto nada impede que, de acordo com o binômio necessidade e possibilidade ocorra a fixação de valor acima ou abaixo desse critério usual. Na multiparentalidade o critério poderá ser inicialmente sempre o mesmo, nos moldes da interpretação dos juízos e tribunais.

Portanto, assim como um pai deve prestar alimentos aos filhos, seja um ou dez, na multiparentalidade ocorre da mesma forma, e os filhos deverão fornecer a todos os pais os alimentos devidos, caso necessitem.

Efeitos jurídicos da multiparentalidade no estado da pessoa

Conforme ensina PEREIRA (2004, p. 265) “o estado da pessoa é traçado pelo vínculo distintivo que são atribuídos aos indivíduos”. São tipos detectadas pelo legislador para organizar as relações pessoais, e também no campo das relações sociais, ou seja, tanto no âmbito familiar, bem como no social e político.

Pereira (2004, p.265) informando que “o estado da pessoa pode se distinguir em: estado civil, em que a pessoa pode ser classificada como casada, solteira, divorciada, ou viúva; estado político, que diferencia as pessoas pelo fato de serem nacionais ou estrangeiros; e estado individual, que distingue os sexos feminino e masculino, ou se refere ao fato da pessoa ser maior ou menor de idade”.

Disto o que mais interessa no âmbito da multiparentalidade é o estado individual da pessoa, que está intrinsecamente ligado ao fato dela ser maior ou menor de idade, visto que na multiparentalidade trata-se primordialmente de filhos, sendo os mesmos quase sempre crianças e adolescentes. O fato é que a tutela estatal distingue-se pelo estado individual da pessoa, ou seja, se menor de idade (criança ou adolescente), a proteção do Estado é bem mais abrangente e diferenciada do adulto.

Outro ponto importante a ser destacado é o fato do estado da pessoa possuir características interiores e exteriores. Dentro do aspecto interno pode-se dizer que o estado da pessoa é indivisível, ou seja, as pessoas não podem ter simultaneamente dois estados civis; indisponível, pois o estado civil de cada um não pode ser repassado para ninguém; e imprescritível, visto ser um direito que poderá ser exercido a qualquer tempo. Sobre o assunto expõe Pereira:

O estado é atributo pessoal e por isso é irrenunciável, inalienável, imprescritível, insuscetível de transação e indivisível. A pessoa pode mudar de estado, seja em decorrência de um ato jurídico ou de um fato natural, p. ex., passar de solteiro para casado, em razão da celebração do casamento, ou de casado para divorciado, em razão da ação de divórcio, de casado para o estado de viúvo, em razão da morte do cônjuge, de menor para maior, em razão do decurso do tempo. É imprescritível o estado. Por maior que seja o tempo decorrido de inércia da pessoa, ela não perde o estado que lhe compete, e também não adquire estado que indevidamente se atribua. Não é suscetível de transação. O estado envolve interesse de ordem pública, e, assim, não pode ser objeto de acordo entre pessoas envolvidas. Ex.: ação de investigação de paternidade: não se transige a respeito do direito de filho. (PEREIRA, 2004, p.270)

Logo o estado civil é indivisível não podendo uma pessoa ser simultaneamente, casada e solteira, e regra geral também não pode ter dois pais e duas mães. Veja como é importante a certeza da qualificação individual das pessoas, e todos os fatos constitutivos ou modificativos do estado devem estar inscritos no Registro Civil.

Portanto, pelo fato da ideia de filho estar quase sempre ligada à criança ou adolescente, quando falamos do estado da pessoa na multiparentalidade estamos falando de alguém que não podia ter dois pais ou duas mães, mas agora, extraordinariamente, passa a ter o seu estado alterado pela ação multiparental, passando a exercer os seus direitos a qualquer tempo. É nesse sentido que lecionam Rodrigues e Teixeira:

O registro não pode ser um óbice para a sua efetivação, considerando que sua função é refletir a verdade real; e, se a verdade real concretiza-se no fato de várias pessoas exercerem funções parentais na vida dos filhos, o registro deve refletir esta realidade. (RODRIGUES; TEXEIRA, 2010, p.106).

Como percebe-se, é nesse sentido que ganha relevância o caráter registral da paternidade, para que seja por todos claramente percebida a importância material dela. Fato pode dar-se através dos critérios biológicos e afetivos, mas na realidade sua importância no plano formal dá-se apenas pelo critério registral. É nele que se formalizam os requisitos legais da paternidade. São desses requisitos que resultarão o estado da pessoa natural, que trarão ao mundo fático as consequências jurídicas, morais e patrimoniais, tudo resultantes do novo estado da pessoa, conforme escreveu BUCHMANN (2013, on line):[29]

Toda e qualquer alteração que ocasione modificação no estado da pessoa natural deve ser averbado junto ao Registro Público. No que concerne à filiação, o Código Civil de 2002, logo em seu artigo 10, inciso II, já trás determinação expressa da necessidade de averbação em registro público.

Como a multiparentalidade poderá influenciar pelo fato de não haver norma legal sobre o tema, dizemos que vale a pena refletir de modo mais sucinto sobre o estado da pessoa, pois dele poderão surgir impedimentos jurídicos caso a dupla inserção registral não seja considerada legal. Os avanços são ainda tímidos, mais reais e podem chegar a solucionar problemas parecidos com a multiparentalidade, mesmo que por outras vias legais, conforme ensina PIOLI (2013, on line):[30]

Trata-se apenas de uma possibilidade, entre tantas outras, em que o assunto da multiparentalidade vem à tona. A Lei 11.924/2009 já regulamentou a possibilidade de o enteado ou enteada adotar o patronímico da família do padrasto ou da madrasta, porém a questão da multiparentalidade vai além, e questiona-se se seria possível alguém ter em seu registro civil o nome de duas mães ou de dois pais.

Com relação ao aspecto externo, pode-se dizer que o estado da pessoa é geral, pois deve ser observado por todas as pessoas, ou seja, seu efeito é válido em relação a qualquer um. Diz-se pessoal, pois se refere a um indivíduo determinado, sendo característica exclusiva de uma pessoa, e é de Ordem Pública, ou seja, são condições preventivamente necessárias impostas por lei, para que sejam resguardadas as relações sociais e o interesse público. Importante frisar que o estado da pessoa é provado por meio de certidão emitida pelos registros públicos.

EfeitoS jurídicos da multiparentalidade no nome da pessoa

O nome da pessoa é justamente o depositório onde se materializam direitos e deveres atribuídos e discutidos ao longo dos anos, e podemos dizer que assim ocorre desde os primórdios da sociedade organizada. Por mais que outrora juridicamente não se discutisse os direitos e deveres familiares, hoje alcançamos alguns desses ideais. Portanto, na multiparentalidade os efeitos jurídicos no nome da pessoa não estão somente impregnados da discussão em torno do melhor critério da paternidade da criança, qual será que ganhará ou perderá as prerrogativas de pai, mas sim, de tudo aquilo que mais se coaduna com o melhor interesse da criança. O genitor que tiver seus direitos afetivos violados deve lutar para manter ou incluir seu nome no registro de nascimento de seu filho. Como leciona PÓVOAS (2012, p.78), “não há como negar que fere a dignidade do pai afetivo e viola o principio da afetividade, simplesmente extirpar a relação parental, entre ele e aquele que sempre teve como filho, por não haver entre eles liame biológico”.

Por outro lado, da mesma forma feriria o princípio da dignidade da pessoa humana, e logo a dignidade do pai biológico, se o mesmo fosse excluído do registro de nascimento daquele que carrega a sua herança genética, uma vez que houvesse afeto na relação, bastando a simples disposição deste afeiçoar-se àquele. Nessa direção, PÓVOAS (2012, p.79) ressalta que a um pai biológico não pode ser o direito de tentar, de ter informações sobre seu filho “Mas não se pode negar que ao pai biológico foi sonegada a possibilidade de tentar ter relação afetiva com seu filho, pois se omitiu dele a informação de que havia tido um filho. Essa relação afetiva, não há dúvida, pode ser estabelecida posteriormente”.

De maneira mais contundente Póvoas continua analisando:

Não obstante já ter sido análise de reconhecimento judicial e doutrinária, a possibilidade de reconhecimento jurídico da coexistência entre paternidades biológica e afetiva, restou uma lacuna que ainda não foi preenchida, qual seja a necessidade do reconhecimento registral desta dupla paternidade. (PÓVOAS, 2012, p.88)

Há reais condições de vermos na dupla inserção registral corroboração ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Conforme acentua PÓVOAS,

[...] a alteração do registro, com a inclusão, no caso de multiparentalidade, de todos os pais e mães no registro, só traz benefício aos filhos, auferindo-lhes de forma incontestável e independente de qualquer outra prova (pela presunção que o registro traz em si) todos os direitos decorrentes da relação parental. E que direitos seriam esses? Ora, todos os que um filho tem em relação ao pai e vice-versa: o nome, a guarda, alimentos, parentesco, visitas, sucessórios. (PÓVOAS, 2012, p.91-92)

3.5.1 A dupla inserção registral e seus efeitos jurídicos

Seria profundamente sem fundamento toda a luta travada durante anos em busca da consolidação da multiparentalidade se dessa não se constituíssem os múltiplos efeitos jurídicos na vida dos que a buscam. Póvoas (2012, p.89) sustenta que “o reconhecimento só judicial da multiparentalidade, sem a inclusão de todos os pais no registro de nascimento da criança, cria mais um problema do que uma solução”.

Outros doutrinadores também conseguem enxergar mais problemas que benefícios caso a multiparentalidade seja acolhida apenas no judiciário, em um tribunal, sem os efeitos do reconhecimento legal registral. Sobre isto Rodrigues e Teixeira (2010, p.89) mencionaram preocupação e assim lecionam: “a multiparentalidade inaugura um novo paradigma do Direito Parental, no ordenamento brasileiro. Para que ela se operacionalize, contudo, é necessário que seja exteriorizada através de modificações no registro de nascimento”.

Instituída pela Lei nº 6.015/73, a que dispõe sobre os Registros Públicos (BRASIL, 1973) “que todo pai ou mãe que venha a ser reconhecido, venha a constar no registro de nascimento da pessoa”. Essa mesma lei é responsável pelo registro da filiação e pelos efeitos jurídicos que dela emane.

No entanto, é sabido que não está inserido na Lei nº 6.015/73, a possibilidade da dupla indicação de nomes de pais ou de mães, oriundo a multiparentalidade. Isto ocorre pelo fato da multiparentalidade ser um fenômeno de recente existência na sociedade contemporânea, por ainda não estar sob completa regulação normativa.

Por isto ainda fala-se em determinados fóruns de Direito de Família brasileiros sobre possíveis empecilhos à legalização da multiparentalidade, deixando-se a matéria para o legislador ordinário. Mas não devemos esquecer que o instituto da multiparentalidade parece amparado por princípios constitucionais que são normas superiores as leis infraconstitucionais. Neste sentido posiciona-se Póvoas, (2012, p.90) ao declarar que “a Lei Registral, infraconstitucional, jamais pode ser óbice ao reconhecimento da dupla filiação parental, porque esta é baseada em princípios constitucionais superiores a ela”. No mesmo sentido WELTER assim completa:

[...] quando se cuida de ação de estado, de direito da personalidade, indisponível, imprescritível, intangível, fundamental à existência humana, como é o reconhecimento das paternidades, genética e socioafetiva, não se deve buscar compreender o ser humano com base no direito registral, que prevê a existência de um pai e uma mãe, e sim na realidade da vida de quem tem, por exemplo, quatro pais (dois genéticos e dois afetivos), atendendo sempre aos princípios fundamentais da cidadania, da afetividade, da convivência em família genética e afetiva e da dignidade humana, que estão compreendidos na condição humana tridimensional. (WELTER, 2009, p.101)

No Brasil, a mola propulsora dessa evolução parental consta nos autos da ação de investigação de paternidade nº 0012530-95.2010.8.22.0002, ajuizada na Vara Cível da Comarca de Ariquemes, Rondônia, na qual a magistrada Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz proferiu sentença inédita, reconhecendo a multiparentalidade. Eis na parte dispositiva os termos da precursora decisão:

Diante de todo o exposto e a singularidade da causa, é mister considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que possui dois pais, aliado ao fato que o requerido M. não deseja negar a paternidade afetiva e o requerido E. pretende reconhecer a paternidade biológica, e acolher a proposta ministerial de reconhecimento da dupla paternidade registral da autora. Serve a presente de mandado de averbação ao Cartório de Registro Civil de Pessoais Naturais de Jaru/RO, para acrescentar no assento de nascimento n. 45.767, fl. 184 do Livro A-097, o nome de [...] na condição de genitor, e de seus pais na qualidade de avós paternos, sem prejuízo da paternidade já reconhecida por [...], passando a autora a chamar-se: [...]. (TJRO, 2012, on line).

Pelo que se vê a seara registral confere substância formal à multiparentalidade tornando-se para a criança e adolescente uma oportunidade de inclusão e favorecimento, de não ter que optar por uma ou outra paternidade. Além disto, a sentença prolatada definiu a inserção múltipla dos nomes do pai afetivo e do pai biológico no registro da criança, o direito das visitas livres e o valor da pensão alimentícia. Nesse sentido Rodrigues expõe:

São decisões que apontam para um novo fato que não pode ser desconsiderado pela doutrina mais atenta: não há, a priori, nenhum tipo de prevalência ou hierarquia do parentesco biológico sobre o socioafetivo e vice-versa. O que ocorre é que em muitos casos ambos são fundamentais na vida e na edificação da identidade e da personalidade da pessoa, devendo ser preservados em nome da dignidade da pessoa humana e do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. (RODRIGUES, 2002, p.89)

É justamente essa a percepção que a multiparentalidade proporciona, visto que tem se revelado como a possibilidade da criança manter o convívio com ambos os pais, tanto o biológico quanto o socioafetivo. Ademais, a direção que é assegurada pela Constituição Federal é justamente da prevalência dos interesses das crianças e dos adolescentes. Esse sentimento busca sempre assegurar-lhes, “por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (TARTUCE; SIMÃO 2010, p.45). Essa convivência múltipla, quando é mantida pelo amor e a harmonia, proporciona à criança um crescimento mais saudável, colocando a mesma em um ambiente onde  possa desenvolver sua personalidade nos termos da família eudemonista[31].

Muitos ainda questionam se a dupla inserção registral pode ser de alguma forma prejudicial à criança ou adolescente. Se existe alguma possibilidade da criança sofrer algum dano em detrimento de possuir dois, três ou mais pais em seu registro, quando a grande maioria só tem um. O que podemos perceber durante a elaboração deste trabalho é que, se existe algum dano que resulta da multiparentalidade, mais exatamente, da dupla inserção registral, esse eventual dano não chega nem perto do elevado percentual de benefícios resultantes da mesma. Se um pai amoroso é suficiente para o bom desenvolvimento da personalidade, o crescimento e a evolução social satisfatória de uma pessoa, imaginemos dois pais amorosos. Cabe aqui reafirmar que a construção multiparental é feita sob a égide da afetividade e do amor familiar, conforme SANTOS (2009, p.351) “não importam a multiplicidade e a pluralidade da filiação, o fundamental é que seja merecedora de proteção integral e de absoluta prioridade”.

O nome da pessoa está intrinsecamente ligado a seara registral. Não seria lógico alguém ter de fato dois pais e duas mães e não poder vê-los legalmente inseridos em seu registro de nascimento. A multiparentalidade traz em seu bojo essa realidade, como expõe DIAS (2011, p.51), quando defende que “Nada justifica, portanto, não admitir a presença de mais de um pai ou de mais de uma mãe. Restringir tal possibilidade só vem em prejuízo de quem, de fato, tem mais de um pai e mais de uma mãe”.


A MULTIPARENTALIDADE NA JURISPRUDENCIA

4.1 O posicionamento do STF

A decisão do Supremo Tribunal Federal 12 de Março de 2013, que pela primeira vez reconheceu repercussão geral[32] em tema que discutiu a prevalência, ou não, da paternidade socioafetiva sobre a biológica, também parece ser a primeira voz jurídica a ecoar na sociedade sobre multiparentalidade. Este é o indicativo do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE)[33]

[...] Em primeira instância, a ação foi julgada procedente e este entendimento foi mantido pela segunda instância e pelo STJ. No recurso interposto ao Supremo, os demais herdeiros do pai biológico alegam que a decisão do STJ, ao preferir a realidade biológica, em detrimento da realidade socioafetiva, sem priorizar as relações de família que têm por base o afeto, afronta o artigo [226], caput, da Constituição Federal, segundo o qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. O relator do recurso, ministro Luiz Fux, levou a matéria ao exame do Plenário Virtual por entender que o tema - a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica - é relevante sob os pontos de vista econômico, jurídico e social. Por maioria, os ministros seguiram o relator e reconheceram a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. (BRASIL, STF. 2013, on line)[34].

Na verdade, essas são decisões que apontam para um novo fato que não pode ser desconsiderado pela doutrina e jurisprudência mais atenta, pois não há, a priori, nenhum tipo de prevalência ou hierarquia do parentesco biológico sobre o socioafetivo e vice-versa. O que ocorre é que, dependendo do caso, ambos são fundamentais na vida e na edificação da identidade e da personalidade da pessoa, devendo ser preservados em nome da dignidade da pessoa humana e do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Cavalcante e Klevenhunsen reportaram-se assim sobre este assunto:

A evolução dos valores da civilização ocidental levou a progressiva superação dos fatores de discriminação entre eles. Projetou-se no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços da afetividade, tendo em vista que consagra a família como unidade de relações de afetos, a pós o desaparecimento da família patriarcal que desempenhava funções procracionais, econômicas, religiosas e políticas. (CAVALCANTI; KLEVENHUNSEN, 2008, p.98)

4.2 O posicionamento do STJ

Nesse primeiro caso[35], a relatora no STJ Ministra Nancy Andrighi (STJ 3ª Turma, 2014) apontou em seu voto que “a filiação socioafetiva é uma construção jurisprudencial e doutrinária, ainda recente, não respaldada de modo expresso pela legislação atual”. Percebe-se que o entendimento da Ministra é que tanto a ação de investigação de paternidade quanto de maternidade socioafetiva, deve ser interpretada de modo flexível, aplicando-se analogicamente as regras da filiação biológica.

Nesse aspecto ela afirmou: “essa aplicação, por óbvio, não pode ocorrer de forma literal, pois são hipóteses símeis, não idênticas, que requerem, no mais das vezes, ajustes ampliativos ou restritivos, sem os quais restaria inviável o uso da analogia”. Explicou ainda a ministra Nancy Andrighi (STJ 3ª Turma, 2014): “Parte-se, aqui, da premissa que a verdade sociológica se sobrepõe à verdade biológica, pois o vínculo genético é apenas um dos informadores da filiação, não se podendo toldar o direito ao reconhecimento de determinada relação, por meio de interpretação jurídica pontual que descure do amplo sistema protetivo dos vínculos familiares[36]”.

Ainda segundo a relatora Nancy Andrighi (STJ 3ª Turma, 2014) aduzindo em:

O artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afasta restrições à busca da filiação e assegura ao interessado no reconhecimento de vínculo socioafetivo trânsito livre da pretensão. Afirma o dispositivo legal: O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. (GODINHO, 2013, on line)[37]

Apesar de dar legitimidade ao meio processual buscado, no caso específico a 3ª Turma do STJ não verificou a “posse do estado de filho” pela autora da ação, que pretendia ser reconhecida como filha. A ministra Nancy Andrighi diferenciou a situação do detentor do estado de filho socioafetivo de outras relações, como as de mero auxílio econômico ou mesmo psicológico.

Sobre o caso comentado, Nancy Andrighi esclarece:

A Doutrina aponta três fatores que indicam a posse do estado de filho: sendo o nome, o tratamento e afama. No caso concreto, a autora manteve o nome dado pela mãe biológica; não houve prova definitiva de que recebia tratamento de filha pelo casal; e seria de conhecimento público pela sociedade local que a autora não era adotada pelos supostos pais. A falta de um desses elementos, por si só, não sustenta a conclusão de que não exista a posse do estado de filho, pois a fragilidade ou ausência de comprovação de um pode ser complementada pela robustez dos outros[38].

Contudo, ela concluiu no caso em exame que a inconsistência dos elementos probatórios se estende aos três fatores necessários à comprovação da filiação socioafetiva impedindo, dessa forma, o seu reconhecimento.

No segundo caso[39] a 3ª Turma do STJ decidiu que o registro civil de uma menina deverá permanecer com o nome do pai afetivo, e não do biológico. Os ministros entenderam que, no caso, a filiação socioafetiva predominava sobre o vínculo biológico, pois atendia o melhor interesse do menor.

A ação foi proposta no Rio de Janeiro[40] onde a criança nasceu de relação extraconjugal entre a mãe e o homem que, mais tarde entraria com ação judicial pedindo anulação de registro civil e a declaração de paternidade biológica. A menina foi registrada pelo marido da genitora, que acreditava ser o pai biológico dela. Mesmo após o resultado positivo do exame de DNA em relação ao pai biológico, ele quis manter a relação afetiva de pai que ao longo de anos desenvolveu com a filha.

Em primeira instância o processo foi extinto sem julgamento de mérito, por ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. Mas o juiz deu a ele o direito de visita quinzenal monitorada. No julgamento da apelação, o TJRJ determinou a alteração do registro civil da menor, para inclusão do nome do pai biológico, e excluiu a possibilidade de visitas porque isto não foi objeto do pedido pelas partes.

No recurso ao STJ, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi os ministros reconheceram a ilegitimidade do pai biológico para propor a ação mantendo a paternidade socioafetiva. O Código Civil de 2002 atribui ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher (art. 1.600, CC) e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de filiação (art. 1606, CC).

A relatora destacou que o próprio Código abre a possibilidade de outras pessoas, com interesse jurídico na questão, discutirem a autenticidade do registro de nascimento. Segundo ela, o pai biológico pode contestar a veracidade de registro quando ficar sabendo da existência de filho registrado em nome de outro. "Contudo, a ampliação do leque de legitimidade para pleitear a alteração no registro civil deve ser avaliada à luz da conjunção de circunstâncias", considerou a ministra[41].

Analisando as peculiaridades deste caso, a relatora constatou que o pai afetivo sempre manteve comportamento de pai na vida social e familiar da criança, desde a gestação até os dias atuais, agiu como pai atencioso, cuidadoso e com profundo vínculo afetivo com a menor, que hoje já é adolescente. Ele ainda manteve o desejo de garantir o vínculo paterno-filial, mesmo após saber que não era o pai biológico, sem ter havido enfraquecimento na relação com a menina.

Por outro lado, a relatora observou que o pai biológico, ao saber da paternidade, deixou passar mais de três anos sem manifestar interesse afetivo pela filha, mesmo sabendo que era criada por outra pessoa. A ministra considerou esse tempo mais do que suficiente para consolidar a paternidade socioafetiva da criança. "Esse período de inércia afetiva demonstra evidente menoscabo do genitor em relação à paternidade", concluiu (ANDRIGH, 2013, on line)[42].

Em decisão unânime, a 3ª Turma do STJ deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença de 1º grau que reconheceu a ilegitimidade do pai biológico para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento. No futuro, ao atingir a maioridade civil, a menina poderá pedir a alteração ou retificação de seu registro, se quiser, inclusive para os efeitos de personalidade (arts. 11 a 21, CC).

Nos dois casos decididos pela 3ª Turma do STJ, firmou-se o entendimento que vinha ganhando espaço na Corte em seja e de que a paternidade e a maternidade não podem ser consideradas apenas sob o aspecto estritamente biológico. Lembre-se que o próprio Código Civil de 2002, em seu art. 1.593, determina que o parentesco, pode decorrer de consanguinidade ou de “outra origem”, abrindo espaço à paternidade, maternidade e consequentemente a multiparentalidade.

Atentando-se para o princípio do melhor interesse do menor é perfeitamente viável, que a paternidade seja fixada levando-se em consideração a existência ou não de laços afetivos. No segundo caso analisado pelo STJ, vê-se o pai afetivo  responsável pela educação e criação da criança, e essa relação de afeto não cessou nem mesmo depois de descobrir que ela não é sua filha biológica. Romper o elo afetivo existente entre o pai afetivo e a criança, que  caracteriza e reconhece a figura paterna, seria um atentado ao princípio da primazia do interesse do menor, pois a criança, caso deferido o pedido de alteração registral, passaria subitamente a ter um novo pai, o qual apesar de sê-lo biologicamente, jamais lhe dedicou afeto. Observemos que neste caso era incabível a concessão da multiparentalidade.

Já em outro julgado o STJ analisou recurso em situação ocorrida em Cascavel, no Estado do Paraná. Lá o Juiz da Infância e Juventude reconheceu a paternidade socioafetiva do padrasto de um adolescente de 16 (dezesseis) anos. Ao invés de conceder a adoção unilateral requerida, determinou a inclusão do nome do pai afetivo no assento de nascimento do adolescente, sem prejuízo da paternidade biológica. Após uma criteriosa análise dos fatos, o magistrado constatou que o adolescente tinha nos dois indivíduos a figura paterna e, deferir a adoção com a consequente ruptura dos vínculos com o pai biológico, iria contra o princípio do melhor interesse da criança. Veja em parte o parecer do STJ:

A filiação socioafetiva pode estar acompanhada de outros tipos de filiação. O filho pode ser ao mesmo tempo biológico, registral e socioafetivo. A filiação também pode ser registral e socioafetiva, mas não biológica. É o caso da filiação que se estabelece por adoção, pela chamada adoção à brasileira, bem como pela paternidade assistida heteróloga[43]. O pai aparece no registro e mantém uma relação de afetividade filial com a criança, mas não é o genitor biológico. Outra situação é o da paternidade biológica e socioafetiva, mas não registral. É o caso, por exemplo, do filho que está registrado apenas no nome da mãe e convive com o pai, mas não consta no registro de nascimento o nome do genitor. Ainda é possível apenas a filiação socioafetiva, que neste caso não coincide nem com a filiação biológica, nem com a filiação registral, mas é meramente socioafetiva, como é o caso dos denominados filhos de criação[44].

É igualmente importante o reconhecimento, adotado na primeira decisão citada do STJ, de que a ação de investigação é meio legal para obter também o reconhecimento do vínculo de multiparentalidade socioafetiva. Embora nada exista na lei que diretamente embase este entendimento, tão somente na doutrina e na jurisprudência, pode-se ainda por analogia a possibilidade da medida, quando comprovado o estado de filho socioafetivo.

Doutrinariamente já se reconhece sem dificuldades que as famílias são formadas essencialmente por laços afetivos. No sentido jurisprudencial temos um caminho longo a ser trilhado, visto algumas ambiguidades existentes em decisões tomadas por juízes e tribunais nacionais, bem como, o silêncio de outros em alguns Estados[45]. Por outro lado existem alguns juízes e tribunais que têm decidido pelo reconhecimento da multiparentalidade, não obstante o vínculo genético, ou seja, mandam inserir no registro da criança ou adolescente o pai biológico, sem suplantar ou excluir o pai socioafetivo. Mas ainda o que mais percebemos na jurisprudência, a inserção do nome da criança ou adolescente na ceara registral em detrimento do vínculo socioafetivo, quase sempre preservando o nome do pai biológico. Sobre esse aspecto observa com acuidade TARTUCE (2013, on line)[46] “A jurisprudência escolhia um ou outro. Agora, não, são os dois: o pai biológico e o afetivo”.

As reiteradas decisões do STJ sobre o assunto vêm em boa hora, confirmando que a jurisprudência nacional caminha na direção apontada pela doutrina, rumo, ao reconhecimento jurídico da mutliparentalidade. Mesmo que a mesma não tenha sido aceita em alguns casos, e prioridade tem-se decidido em favor da afetividade[47], isto não constitui fator decisivo para afastar a multiparentalidade em decisões futuras, quando o assunto estiver mais debatido.

4.3 JurisprudÊncia sobre multiparentalidade no Estado de Rondônia

No Estado de Rondônia, a seguinte sentença foi proferida pela magistrada Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, na ação de investigação de paternidade nº 0012530-95.2010.8.22.0002, ajuizada na Vara Cível da Comarca de Ariquemes, Rondônia.

Trata-se de caso onde uma menina de 11 (onze) anos havia sido registrada e criada pelo padrasto; porém, passados alguns anos, ela e seu pai biológico desenvolveram laços e vínculos afetivos, conforme restou demonstrado pelas provas e estudos psicossociais realizados.

A juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, buscando atender o melhor interesse da menina cuja paternidade era discutida, posicionou-se pela manutenção da paternidade já estabelecida, concomitante com a inclusão da recém-descoberta. Considerou na sentença que:

A pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registro afetivo fatalmente prejudicará seu interesse, que diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos na vida de uma criança, que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não o seu pai biológico, sem se atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação, como muito bem ponderou a representante do Ministério Público em seu laborioso estudo (JURISTAS, 2012, on line)[48].

Cabe ressaltar que a supracitada sentença fixou para o pai biológico o direito a visitas livres, bem como, determinou o valor referente à pensão alimentícia e o rateio de eventuais despesas médicas e escolares que a menina venha a gerar. Talvez seja possível afirmar tratar-se da primeira sentença que reconheceu e declarou a dupla paternidade propriamente dita, fazendo constar no assento registral os nomes do pai biológico e do afetivo da criança, sem prejuízo da manutenção do registro materno.

4.4 JurisprudÊncia sobre multiparentalidade no Estado de São Paulo

Do que pesquisamos, recentemente, houve uma decisão interessante proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 0006422-26.2011.8.26.0286; 1ª C.D. Priv.; Relator Des. Alcides Leopoldo e Silva Junior, DJSP 11/102012). A situação envolveu um adolescente registrado em nome de seu pai biológico e de sua mãe biológica, sendo que houve a inclusão da madrasta como mãe socioafetiva. Veja o que comenta sobre o assunto Flávio Tartuce:

A Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, deu provimento à Apelação nº 0006422-26.2011.8.26.0286, declarando a maternidade socioafetiva de uma mulher (madrasta) em relação a um garoto, sem prejuízo e concomitantemente com o registro da maternidade biológica.

No caso, a mãe biológica, vítima de um acidente vascular cerebral, faleceu três dias após o parto. Meses depois, o pai biológico conheceu a autora da ação declaratória de maternidade socioafetiva, que passou a criar a criança como se filho dela fosse[49].

Flávio Tartuce prossegue observando que:

O artigo 1593 do Código Civil estipula que a filiação não decorre unicamente do parentesco consanguíneo, que a formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade, haja vista o reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º, CF), e a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227, § 6º, CF). (TARTUCE, 2013, p.132)

É por tudo isso que o próprio STJ já reconheceu a adoção de um adolescente por duas mulheres, diante da existência de “fortes vínculos afetivos” (REsp 889852/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 10/08/2010). O relator da Apelação, Desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior, deu provimento ao recurso e declarou reconhecida a maternidade socioafetiva da recorrente. Essa é a mesma linha que integra o entendimento de outros tribunais em relação a multiparentalidade o que exemplificamente veremos.

Para PEREIRA (2013, p.on line)[50] “o Direito hoje, especialmente a partir do discurso psicanalítico, já sabe e reconhece que paternidade e maternidade são funções exercidas. Ou seja, se o pai ou mãe não ‘adotar’ o seu filho, mesmo biológico, eles jamais serão pais”. Em outras palavras, quem exerce juízo de valor sobre as questões familiares tem que sopesar não só a importância jurídica do vínculo biológico, mas sim, o fato do exercício da paternidade/maternidade, que se dá pela afetividade. E é justamente isto que está fundamentando a doutrina e a jurisprudência nacional.

4.5 Jurisprudência sobre multiparentalidade no Estado de Pernambuco

O Juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de Recife reconheceu a necessidade da multiparentalidade ao conceder a adoção unilateral da madrasta, autorizando que uma criança de quatro anos fosse registrada no nome dos pais biológicos e no da companheira do pai, que criava o infante praticamente desde o seu nascimento, em virtude da carência material da mãe biológica[51]. A ideia inicial, como mencionado, era a de que a mãe socioafetiva adotasse o enteado, mas, em nome do princípio do melhor interesse da criança, o magistrado terminou por determinar que menino tivesse duas mães e um pai, por não enxergar razões para que o vínculo com a mãe biológica fosse destruído.

O caso chegou à justiça pela Defensoria Pública do Estado. A mãe biológica não tinha condições de sustentar o filho, que era criado também pelo pai com sua companheira. A madrasta tinha intenção de adotar a criança, mas a mãe não queria que seu filho deixasse de ter o seu nome no registro de nascimento. O juiz decidiu então por autorizar que o nome da mãe afetiva fosse também inserido no registro de nascimento da criança, sem suplantar o nome da mãe biológica. Esse acontecimento tornou-se decisão jurisprudencial pioneira no Brasil, onde uma criança passa a ter um pai e duas mães, com os nomes inseridos no registro de nascimento da mesma.

O mesmo juiz de Recife, também em outra decisão inédita, em outubro de 2012 permitiu que duas mulheres adotassem uma criança de doze anos e incluíssem o nome do irmão de uma delas como pai da criança. O argumento das requerentes foi de que gostariam que a criança tivesse um pai. Segundo Maria Berenice Dias “já houve outros casos de filiação tripla no Brasil, mas isto foi concedido depois que um dos pais biológicos já havia morrido, ou em processo de investigação de paternidade[52]”. Contudo sem afeto a medida seria prejudicial e ilegal.

As decisões jurisprudenciais no Brasil são dotadas de maior segurança jurídica, visto que, segundo leciona BRAZ (2012, p.140) “a filiação poliafetiva já existe na humanidade há muitos anos. Outras pessoas já tiveram dois pais e duas mães. A justiça só reconheceu para efeitos previdenciários, para planos de saúde e outros efeitos da vida”.

Na verdade as recentes decisões de juízes e tribunais brasileiros fazem parte de uma nova corrente no Direito de Família, que defende terem os laços afetivos prevalência sobre os das relações sanguíneas. Em casos de multiparentalidade, é bom ressaltar, são simultâneos.

4.6 JurisprudÊncia sobre multiparentalidade no Estado de Santa Catarina

Outro exemplo de multiparentalidade ocorreu no Estado de Santa Catarina, quando um juiz ordenou ser dever de um padrasto pagar alimentos a uma enteada[53]. O padrasto teria vivido em união estável com a mãe biológica dela, e depois separaram-se. A justiça, reconhecendo a existência de paternidade socioafetiva entre a enteada e o padrasto, ordenou que o mesmo continuasse a sustenta-la. O alimentante recorreu, mas a decisão foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Visto, podemos concluir que a referida decisão judicial fundamentou-se nessa ‘nova visão do direito de família’, colocando o vínculo afetivo em prevalência e capaz de presumir a existência de uma paternidade socioafetiva construída pela convivência. Leva-se algum tempo para compreendermos uma decisão nesses termos, visto considerarmos a existência de regras bastante objetivas dispostas pelo legislador nos artigos 1964 e seguintes do Código Civil Brasileiro, no que tange à obrigação alimentar.

Apesar desta decisão favorável à paternidade socioafetiva, não se veja a rigor a presença da multiparentalidade. Mas certamente, se a filha socioafetiva tivesse feito na inicial o pedido de dupla inserção registral com relação ao pai sócioafetivo, por certo o juiz ou o tribunal lhe concederiam. Essa afirmativa parte da premissa de que, se houver caracterização da concomitante paternidade socioafetiva, cabe o reconhecimento da multiparentalidade. Esta visão cabe não somente na esteira da discussão jurídica, existindo aprovação popular, conforme observa-se desta transcrição:

O debate que ora se propõe repousa na legitima e honesta dialética doutrinária, no saudável debate necessário à evolução das ciências sociais, compreendendo-se a amplitude dos institutos jurídicos e suas conseqüências no teatro da vida real. Também já salientei que a Doutrina familiarista evoluiu enormemente na ultima década, reformulando conceitos e trazendo a lume parâmetros interpretativos, institutos e princípios fincados na nova ordem constitucional vigente após 1988.   A constitucionalização do ordenamento jurídico não poderia excluir, logicamente, o direito de família, ramo imprescindível à manutenção dos vínculos sociais, garantindo-se a introdução de valores como liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e afetividade. (JURISWAY, 2013, on line):[54].

Lênio Streck, citando Daniel Sarmento, critica excessos, mas pondera que, com base nos princípios, pode-se ir mais além:

Daniel Sarmento também pondera sobre a necessidade de cuidado redobrado da inconsequente aplicação dos princípios: “E a outra face da moeda (do uso desmesurado dos princípios) é o lado do decisionismo do “oba-oba”. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem justiça – ou o que entendem por justiça – passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente seus julgamentos. Esta “euforia” com os princípios abriu um espaço maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloqüentes e com sua retórica inflamada, mas um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-se em verdadeiras “varinhas de condão”: com ele, o julgador consegue fazer quase tudo o que quiser.” (STRECK, 2012, p.47)

Neste caso as críticas a esses tipos de decisões são ainda consideráveis. Em certos casos as inovações são aplaudidas e noutros elas servem de material jurídico um tanto apologético para muitos que as usam para produzir ou defender novas teses.

4.7 JurisprudÊncia sobre multiparentalidade no Estado do Paraná

No Paraná, houve caso em que um padrasto entrou com um pedido de adoção do adolescente A. M. F., com o qual conviveu desde os três anos de idade, aproximadamente, mantendo boa relação paterno-filial, visto haver a aquiescência do pai registral por meio de declaração aceitando a adoção pelo pai socioafetivo. Na oitiva do adolescente, já com 15 (quinze) anos completos, percebeu-se a afetividade do adotando com ambos os pais, o registral e o socioafetivo, fato que deixou claro o interesse e possibilidade da manutenção da paternidade biológica, que seria acrescida da socioafetiva.

O juiz Sérgio Luiz Kreuz, da Vara da Infância e Juventude de Cascavel/PR, reconheceu a paternidade socioafetiva do padrasto do adolescente[55]. Ao invés de conceder a adoção unilateral inicialmente requerida, optou-se pela multiparentalidade, determinando a inclusão do nome do pai afetivo no assento de nascimento do adolescente, sem prejuízo da paternidade biológica. Após uma criteriosa análise dos fatos, o magistrado constatou que o adolescente tinha nos dois indivíduos a figura paterna, e que deferir a adoção ao padastro, com a consequente ruptura dos vínculos com o pai biológico, iria contra o princípio do melhor interesse da criança.

Assim, em atendimento a tal princípio, o juiz ficou convencido de que a melhor solução para o caso seria levar para o mundo jurídico a multiparentalidade, que já se apresentava no mundo fático. Mãe e pais exerciam genuinamente de forma efetiva e afetiva os seus papéis parentais, possuindo peso e importância relevantes na vida do adolescente. Então, por que excluir ou por que ter de escolher entre um e outro, se em ambos criou-se o liame afetuoso? Por que não dizer sim à possibilidade dessas paternidades coexistirem harmonicamente?

Depois da decisão judicial o adolescente passou a ter uma mãe e dois pais, registrais, dos quais poderá ser dependente em planos de saúde, planos previdenciários, pedir alimentos, assim como ser herdeiro de ambos e vice versa. Tal decisão leva-nos à compreensão de que a filiação socioafetiva possui a mesma solidez e leva aos mesmos efeitos jurídicos que a filiação natural.

4.8 Jurisprudência de multiparentalidade no Estado do Rio De Janeiro

A Justiça do Rio de Janeiro reconheceu o direito de três irmãos terem duas mães, a biológica e a socioafetiva, em seus registros de nascimento[56]. A decisão foi da juíza titular da 15ª Vara de Família da Capital do Rio de Janeiro, Maria Aglae Vilardo[57]. O fato deu-se após o falecimento da mãe biológica, quando os irmãos ficaram sob os cuidados da madrasta. Já adultos, eles ingressaram no Judiciário pedindo para constar nos seus registros de nascimento o nome da mulher que os criou como mãe sem que o nome da mãe biológica fosse retirado.  Segundo a juíza, este é um exemplo clássico de família por laços afetivos, pois os vínculos da madrasta com os três autores, e vice versa, são fortes o suficiente para caracterizar a maternidade.

De acordo com a juíza Maria Aglae Vilardo o processo constituiu um desafio, apresentado pela dinâmica social com fatos relevantes, já que foi requerido o reconhecimento da existência de duas mães; uma biológica e outra afetiva, sem que seja um casal, e mantendo o nome do pai biológico. A magistrada justificou nestes termos:

O que temos é uma tradição de séculos, onde somente constavam pai e mãe no registro civil, que deixa de ser seguida porque a própria sociedade criou novas formas de relacionamento sem deixar de preservar o respeito por quem participou desta construção. É uma formação familiar diferente e que o Estado de Direito, caracterizado exatamente por respeitar as diferenças sem qualquer forma de discriminação, deve reconhecer. (IBDFAM, 2014, on line)[58]

Na sentença, a juíza observou que:

O argumento de que o documento contendo duas mães e um pai poderia gerar constrangimento não procede. Essa realidade partiu da vontade natural destas pessoas, razão porque também não gera insegurança social, simplesmente acrescenta um nome aos documentos, sendo certo que existem documentos sem nome algum na filiação, com apenas um dos nomes e, recentemente, com nome de duas mulheres ou de dois homens[59].

A magistrada analisou o caso com base nos princípios éticos do respeito à autonomia, da não maleficência e da beneficência e da Justiça. Princípios desenvolvidos pela filosofia para a ética biomédica[60]. Segundo a magistrada esses princípios “se aplicam perfeitamente à análise porque um julgamento desta ordem não pode ter suporte exclusivamente jurídico por se tratar de uma discussão com forte conteúdo moral, portanto tratado pela ética”. [61]

A decisão determinou que fosse acrescentado o nome da madrasta como mãe, mantendo o nome da mãe biológica e acrescidos os nomes dos avós maternos por parte da madrasta. A alteração do registro civil e os demais documentos públicos deverão conter o nome do pai e das duas mães.

4.9 Jurisprudência de multiparentalidade no Estado do Rio Grande do Sul          

O pensamento jurisprudencial do tribunal e juízes do Rio Grande do Sul tem-se revestido de profunda cautela jurídica. Nesses termos o Ministro Luiz Felipe Salomão assegura que “a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto”. [62]

Essa afirmação é resultante do julgamento realizado pelo TJRS quando analisou o recurso que tratou da história de uma mulher registrada pelos pais adotantes como se fossem seus genitores, depois de ter sido entregue pela mãe biológica ainda bebê. Posteriormente, a mãe biológica passou a conviver com ela como se fosse sua madrinha de batismo. O pai biológico possivelmente nem sabia da existência da filha.

Na adolescência ela soube que sua madrinha era na verdade sua mãe biológica. Porém, somente após a morte de seus pais registrais, e contando com 47 (quarenta e sete) anos, soube a identidade do pai biológico e propôs a ação de investigação de paternidade e maternidade, cumulada com anulação de registro.

O TJRS julgou improcedente o pedido da autora pois entendeu que a existência do vínculo socioafetivo entre a autora e seus pais registrais afastava a possibilidade do reconhecimento da paternidade biológica. Tempos depois o STJ reformou o entendimento do tribunal gaúcho. A Quarta Turma do STJ deu provimento ao recurso da autora.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia rejeitado a possibilidade de usar esse meio processual para o reconhecimento da relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, seria uma “heresia” usar tal instrumento que é destinado a “promover o reconhecimento forçado da relação biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de uma pessoa” [63]para esse fim.

Mas para o STJ “independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram; a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afastou os direitos da mesma, resultantes da filiação biológica, pois não pode haver equiparação entre adoção regular e a chamada adoção à brasileira[64]”.

A razão precípua de termos adotado a exposição jurisprudencial da multiparentalidade por Estados é justamente perceber que ainda há desigualdades nas decisões de juízes e tribunais. Diante do que já se percebe na jurisprudência nacional, resta-nos:

Encontrar as trilhas que poderão conduzir ao porvir, que exige ultrapassar a compreensão exegética do texto constitucional e nele identificar que cada uma das formas ali contidas é apenas mais uma forma, dentre outras, conhecidas ou não, de conformação de uma entidade familiar o que pode ser realizado mediante a ressignificação prospectiva da ideia de família, realidade a ser pensada a partir da existência de cada pessoa que busca se encontrar no outro o que permitirá construir, diuturnamente, cada singularidade. (FACHIN, 2009, p. 248)

No caso recente do menino Bernardo Uglione Boldrine, de Três Passos (RS), cidade ao noroeste gaúcho, cuja morte criminosa repercutiu nacionalmente, onde a necessidade de ter um pai era tão urgente que o adolescente “chegou a procurar o Ministério Público por conta própria pedindo para não morar mais com o pai e com a madrasta. E indicou duas famílias com as quais gostaria de morar. Relatou deu detalhes de sua rotina, marcada pela indiferença e pelo desamor no lar em que vivia[65]”.

Sobre o fato sustenta DAUD (2014, on line)[66] que “ o criar está no campo material, o cuidar está no campo afetivo”. Era justamente de um lar de amor e carinho que Bernardo precisava, não simplesmente de um nome em seu registro civil para que pudesse dizer que tinha um pai. Esse é um exemplo real e legal onde caberia a multiparentalidade, pois além de dar um pai de verdade, que cuidasse dele, não excluiria a paternidade biológica, acrescentando-lhe de fato um pai socioafetivo e gerando ao mesmo tempo, aos dois, a justa responsabilidade nos alimentos, no campo sucessório e outras.


CONCLUSÃO

È  inegável que o instituto familiar tem se apresentado como a mais antiga instituição social-histórica, vindo, todavia, a sofrer com o decorrer dos tempos modificações decorrentes dos variados comportamentos humanos bem como, com a perda pela desmistificação religiosa que não mais se compatibiliza com a atual sociedade. De outra forma, com a diminuição interventiva da família patriarcal, com base no matrimônio cujos interesses patrimoniais se sobrepujavam, substituídos pela família eudemonista, que possui como finalidade o pleno desenvolvimento da felicidade e da personalidade de seus membros. Este modelo de família fundamentou-se nos mais diversos princípios constitucionais, mas determinantemente no princípio da dignidade da pessoa humana, exarado em todo o nosso ordenamento jurídico, e no princípio da afetividade, o qual atribui ao afeto os vínculos parentais e normativos iniciais da multiparentalidade, e o tornou predominantemente no deslinde de muitas questões já julgadas pelos tribunais nacionais, em especial na seara familiar.

Infira-se, ademais, que é factível conceber que a aceitação pelo Direito do fenômeno da multiparentalidade promoverá a imposição e o delineamento tão importante de deveres como os de sustento e de cuidado, a cogestão no exercício das autoridades parentais (GIORGIS, 2009, p. 71).

Talvez, esse seja o momento de aprender com os guaiaquis[67], ou talvez seja tempo de compreender com os wik monkans[68], o que a vida quer nos dizer, deixando pra traz a mazelas que não nos permitiram fazer com que a justiça reinasse a ponto de evitarmos as guerras, o derramamento de sangue e outros tipos de entraves que impossibilitaram uma sociedade mais justa e como decorrência, famílias mais ajustadas.


Notas

1] Para Durkheim, fato social consiste em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, e dotados de um poder coercitivo em virtude do qual se lhe impõem. Só há fatos sociais onde houver organização definida. Há, por exemplo, certas correntes de opinião que nos levam, com intensidades desiguais segundo o tempo e os países, ao casamento, ao suicídio ou a uma natalidade mais ou menos forte; estes são, evidentemente, fatos sociais. Também se define o fato social como uma norma coletiva com independência e poder de coerção sobre o indivíduo. (WIKIPÉDIA, Acesso em 12 maio 2014)

[2] A Lei 11.924/2009 regulamentou a possibilidade de o enteado ou enteada adotar o patronímico da família do padrasto ou da madrasta, porém a questão da multiparentalidade vai além, e questiona-se se seria possível alguém ter em seu registro civil o nome de duas mães ou de dois pais.

[3] No Brasil, Estados como Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia e Minas Gerais já possuem jurisprudência favorável à multiparentalidade.

[4] Mãe é sempre certa.

[5] Pai é aquele que indica as núpcias (no âmbito do registro civil).

[6] DNA é a sigla para Ácido Desoxirribonucleico, que é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e de alguns vírus. O seu principal papel é armazenar as informações necessárias para a construção das proteínas e RNA.

[7] socioafetividade é o estabelecimento de uma relação de parentesco que se inicia a partir de um convívio social e que, dentro desta convivência, surge o afeto em sua esfera positiva.

[8] Nesse aspecto: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 195; QUEIRÓZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial: Doutrina e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.151.

[9] Ato jurídico é uma manifestação da vontade humana que produz efeitos jurídicos, causando o nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas e de seus direitos. Assim, são fatos jurídicos que consistem em manifestações da vontade humana. O conceito tem sua origem na doutrina alemã pandectista de finais do século XVIII, tendo tido seu desenvolvimento completo em meados do século XIX com as contribuições da Escola Histórica do Direito e da Jurisprudência dos conceitos que muito influenciaram o Direito no resto do mundo, especialmente nos países de tradição continental. (WIKIPÉDIA, 2014)

[10] Os Novos Princípios Jurídico-Constitucionais, segundo José Afonso da Silva, são os princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Emanam de normas constitucionais, o que gera alguns desdobramentos como: o princípio da supremacia da Constituição Federal, o princípio da legalidade, o princípio da isonomia, entre outros. (WIKIPÉDIA, 2014. Acesso em 12 maio 2014)

[11] Acontecimento com aspectos inovadores que surgem no seio da família, podendo ser no âmbito social, cultural, religioso e financeiro. Os mesmos trazem como resultantes alterações no comportamento da massa por eles atingida. (Wikipédia, 2014)

[12] São normas com teor de permissibilidade, pois permitem incluir outros tipos a serem tutelados pelo poder estatal que posteriormente os reconhece através das normas infra legais, doutrina e jurisprudência. (JUS BRASIL, 2014)

[13] Materialização das exigências da sociedade em face das condições da vida e das prioridades determinadas socialmente. (INFOBRASIL)

[14] Família reconstruída, combinada ou recombinada; família monoparental; Família unitária; família homo afetiva. (INFOBRASIL, 2014)

[15] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais do Direito de Família, São Paulo: Atlas 2008, p.63.

[16] Paternidade sócio-afetiva é um conceito jurídico que visa ao estabelecimento da relação de parternidade com base em outros fatos além da relação genética, tais como a convicência e a afetividade existente entre o pai e filho, em homenagem ao Princípio do melhor interesse do menor. (WIKIPÉDIA, 2014)

[17] LOBO, Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e a verdade real. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/723/903>. Acesso em 12 maio 2014.

[18] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2000, p.60.

[9] Ariquemes/RO. Vara Cível da Comarca de Ariquemes/RO. Ação de investigação de Paternidade nº 0012530-95.2010.8.22.0002, 13 de maio de 2014. Direito de família.

[3] LÔBO, Paulo. Direito Civil: São Paulo: Saraiva, 2007, p.37.

[4] MATOS, Patrícia Amatto Rodrigues. A nova concepção de família no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em:

< http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6792>. Acesso em 12 maio 2014.

[5] MATOS, Patrícia Amatto Rodrigues. A nova concepção de família no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6792>. Acesso em: 12 maio 2014.

[6] STREC, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica em crise. 2.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.97.

[7] TWEEDIE, Paula. Traumas infantis. Disponível em:<www.maesobras.com.br/2011/06/06/psiquiatra-luiza-rangel-professora-emlondres-comenta-traumas-infantis/>. Acesso em 13 maio 2014.

[8] Luiza Rangel é psiquiatra, professora em Londres.

[9] Sem o qual não pode ser

[10] Epistemologia é o estudo crítico das ciências, com o objetivo de determinar a sua origem lógica e o seu valor. É a teoria do conhecimento e da sua validade. A epistemologia, ou filosofia da ciência, é a disciplina que examina os problemas relativos ao significado da ciência, à sua estrutura e ao seu papel. Num sentido mais atual e restritivo, é a doutrina dos fundamentos e métodos do conhecimento científico. Consiste no estudo filosófico de uma ciência particular, a análise do "espírito científico" e sinónimo de "teoria do conhecimento. (INFOPÉDIA)

[11] Os Enunciados não são leis apenas recomendam as orientações procidementais. Mesmo que o magistrado não seja obrigado a observar os Enunciados, mas existindo lacunas o magistrado poderar apropriar-se dos Enunciados para fundamentar sua decisão. (FONAJE, Mariana Pimentel)

[12] IBDFAM, Araxá/MG. Enuncunciados do ibdfam são aprovados. Disponível em:

< http://www.ibdfam.org.br/noticias/5194/Enunciados+do+IBDFAM+s%C3%A3o+aprovados>. Acesso em 11 maio 2014.

[13] IBDFAM, Araxá/MG. Enuncunciados do ibdfam são aprovados. Disponível em:

< http://www.ibdfam.org.br/noticias/5194/Enunciados+do+IBDFAM+s%C3%A3o+aprovados>. Acesso em 11 maio 2014.

[14] Do reconhecimento jurídico da filiação sócioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental.

[15] A posse de estado de filho pode constituir a paternidade e maternidade.

[16] A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.

[17] O reconhecimento da multiparentalidade no direito brasileiro. São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI185307,210480+reconhecimento+da+multiparentalidade+no+Direito+brasileiro>. Acesso em: 21 abril 2014.

[18] IBDFAM, Araxá/MG. Enuncunciados do ibdfam são aprovados. Disponível em:

< http://www.ibdfam.org.br/noticias/5194/Enunciados+do+IBDFAM+s%C3%A3o+aprovados>. Acesso em 11 maio 2014.

[19] IBDFAM, Araxá/MG. Enuncunciados do ibdfam são aprovados. Disponível em:

< http://www.ibdfam.org.br/noticias/5194/Enunciados+do+IBDFAM+s%C3%A3o+aprovados>. Acesso em 11 maio 2014.

[20] DIAS, Maria Berenice, Manual de sucessões. Revistas dos tribunais: São Paulo, 2011.

[21] IBDFAM, Araxá/MG. Enuncunciados do ibdfam são aprovados. Disponível em:

< http://www.ibdfam.org.br/noticias/5194/Enunciados+do+IBDFAM+s%C3%A3o+aprovados>. Acesso em: 11 maio 2014.

[22] IBDFAM, Araxá/MG. Enuncunciados do ibdfam são aprovados. Disponível em:

< http://www.ibdfam.org.br/noticias/5194/Enunciados+do+IBDFAM+s%C3%A3o+aprovados>. Acesso em: 11 maio 2014.

[23] Para o STF Repercussão Geral é a questão que se reproduz em múltiplos recursos pelo país. Isso resultou em um Instituto Processual que se reserva ao STF o julgamento o julgamento exclusivo de temas, trazidos em recursos extraordinários, que apresentam questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassam os interesses subjetivos da causa. (PORTAL DO STF, on line)

[24] MIGALHAS, 2013. Paternidade socio afetiva e biológica: nas mãos do supremo. São Paulo, 2013. Disponível Em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI171567,51045Paternidade+afetiva+x+paternidade+biologica+decisao+nas+maos+do>. Acesso em: 21 abril 2014.

[25] [25] MIGALHAS, 2013. Paternidade socio afetiva e biológica: nas mãos do supremo. São Paulo, 2013. Disponível Em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI171567,51045Paternidade+afetiva+x+paternidade+biologica+decisao+nas+maos+do>. Acesso em: 21 abril 2014.

[26] JUS, com. A tripla filiação e o direito civil: alimentos, a guarda e sucessão. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26265/a-tripla-filiacao-e-o-direito-civil-alimentos-guarda-e-sucessao#ixzz30Uh3UmtG>. Acesso em: 13 maio 2014.

[27] GONÇALVES, Carlos Alberto. Pai é quem ama: o reconhecimento jurídico do parentesco por filiação socioafetiva e seus reflexos no direito. Disponível em:

<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11643&revista_caderno=14> Acesso em: 12 maio 2014.

[28] SCHIMITT, Marisa; AUGUSTO, Yuri. Atripla filiação e o direito civil: Alimento, a guarda e sucessão. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26265/a-tripla-filiacao-e-o-direito-civil-alimentos-guarda-e-sucessao>. 10 Dez. 2013.

[29] BUCHMANN, Adriana. A paternidade socioafetiva e a possibilidade da multiparentalida sob a ótica do ordenamento jurídico pátrio. Florianópolis: 05.07.2013. Disponível em:

<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/104341/MONOGRAFIA_Adriana_Buchmann%202.pdf?sequence=1>.Acesso em: 07.05.2014.

[30] PIOLI, Roberta Raphaelli. É possível ter dois pais ou duas mães no registro civil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jan-18/roberta-pioli-possivel-dois-paisou-duas-maes-registro-civil> Acesso Em: 10 maio de 2014

[31] Do grego “eudaimonia” que significa família estruturada em vínculos afetivos (WIKIPÉDIA, 2014)

[32] A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso, lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria. (DICIONÁRIO ON LINE, 2014)

[33] BRASÍL, STF - ARE: 692186 DF, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 12/03/2013. Data de Publicação: DJe-051 DIVULG 15/03/2013 PUBLIC 18/03/2013.

[34] JUS BRAISL. Prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica é tema com repercussão geral. Disponível em :<http://abdir.jusbrasil.com.br/noticias/100297020/prevalencia-de-paternidade-socioafetiva-sobre-biologica-e-tema-com-repercussao-geral>. Acesso em 08 Maio 2014.

[35] O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia rejeitado a possibilidade de usar esse meio processual para buscar o reconhecimento de relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, “seria uma ‘heresia’ usar tal instrumento, destinado a ‘promover o reconhecimento forçado da relação biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de uma pessoa’ para esse fim”. Disponível em: <http://www.adrianogodinho.com.br/2011/11/parentalidade-socioafetiva-e.html>. Acesso em: 10 maio 2014.

[36] GODINHO, Adriano. Parentalidade socioafetiva. 2013. Disponível em:

<http://www.adrianogodinho.com.br/2011/11/parentalidade-socioafetiva-e.html>. Acesso em: 10 maio 2014.

[37] GODINHO, Adriano. Parentalidade socioafetiva. 2013. Disponível em: <http://www.adrianogodinho.com.br/2011/11/parentalidade-socioafetiva-e.html>. Acesso em: 10 maio 2014.

[38] BRASIL, STJ. – 2ª Turma. Ministra Nancy Andrighi no processo nº Processo nº 2008/0189743-0 TJ/RJ. Recurso Especial interposto por W. R. J, com fundamento nos arts. 105, III, “a” da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/RJ. Disponível em:<www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=20&idmodelo=29618>. Acesso em: 10 maio 2014.

[39] BRASIL, STJ. Direito Civil – Família – Relações de parentesco//investigação de Paternidade. Relatora Sra Min Nancy Andrighi. Presidente da Seção Exmo. Sr. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Sub Procurador da Rep. Sr. Dr. João Pedro de Sabóia de Mello Filho. A turma por uninimidade deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Min.Rel.Disponível em:

<www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=20&idmodelo=29618>. Acesso em: 10 maio 2014.

[40] BRASIL, STJ 3ª Turma. Processo nº 2008/0189743-0 TJ/RJ. Recurso Especial interposto por W. R. J, com fundamento nos arts. 105, III, “a” da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/RJ. Disponível em:

<www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=20&idmodelo=29618>. Acesso em: 10 maio 2014.

[41] Disponível em: <www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=20&idmodelo=29618>. Acesso em: 10 maio 2014.

[42] Disponívelem: <www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=20&idmodelo=29618>. Acesso em: 10 maio 2014.

[43] Palavra adjetiva (hétero+logo) Que consiste em elementos diferentes, ou em elementos iguais em proporções diferentes, que não corresponde. No caso em tela refere-se a criança ou adolescente assistido por pais diferentes ou por mais de um pai. (JUSBRASIL).

[44] PARANÁ, Cascavél. Vara da Infância e da Juventude. Autos 0038958-54.2012.8.16.0021. Foi deste processo que o STJ ao analisa-lo

[45] Em alguns Estados brasileiros o Poder Judiciário não possuem nenhuma jurisprudência sobre multiparentalidade. É o caso do Pará, Acre, Amazonas, Amapá e alguns Estados do nordeste como a Bahia, Rio Grande do Norte, Paraíba e outros.

[46] ZAMATARO, Yves. O reconhecimento da multiparentalidade do direito brasileiro. Migalhas, 30 de Agosto de 2013. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI185307,21048O+reconhecimento+da+multiparentalidade+no+Direito+brasileiro>. Acesso em: 11 maio 2014.

[47] O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia rejeitado a possibilidade de usar esse meio processual para buscar o reconhecimento de relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, “seria uma ‘heresia’ usar tal instrumento, destinado a ‘promover o reconhecimento forçado da relação biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de uma pessoa’ para esse fim”. Disponível em: <http://www.adrianogodinho.com.br/2011/11/parentalidade-socioafetiva-e.html>. Acesso em: 10 maio 2014.

[48] RONDÔNIA. Vara Cível da Comarca de Ariquemes. Ação de investigação de Paternidade nº

00125305.2010.8.22.0002. Direito de Família. Disponível em:

<http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/multiparentalidade-a-possibilidade-de-coexistencia-da-filiacao-socioafetiva-e-filiacao-biologica/1597/>. Acesso em: 10 maio de 2014.

[49] TARTÚCE, Flávio – acórdão do tjsp reconhece a multiparentalidade, em 17 de agosto de 2012 Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2012/08/17/acordao-do-tjsp-reconhece-a -multiparentalidade: Acesso em: 08 de Maio de 2014.

[50] IDBFAM, IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Famílias pluralidade e felicidade. Araxá, MG. Data, 20 a 22 de Novembro de 2013. Disponível em:

< www.ibdfam.org.br/congresso/ >. Acesso em: 10 Maio 2014.

[51]PERNAMBUCO, Recife, Élio Braz. 2ª vara da Infância e Juventude de Recife. Juiz de recife registra criança em nome de pai, mãe e madrasta. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/juiz-de-recife-registra-crianca-em-nome-de-pai-mae-e-madrasta>. Acesso em: 10/05/2014.

[52] VEJA, Abril. Juiz de recife registra criança em nome de pai, mãe e madastra. São Paulo, 25 de Fevereiro de 2013. Disponível em:<veja.abril.com.br/notícia/brasil/juiz-de-recife-registra-criança>. Acesso em: 10 Maio 2014.

[53] UNIVERSO JURÍDICO. Redirecionamento da obrigação alimentar em face de padrasto. Direito de Família.Disponívelem:<uj.novaprolink.com.br/doutrina/8995/redirecionamento_da_obrigacao_alimentar_em_face_do_padrasto__a_jabuticabana_no_direito_de_familia>. Acesso em: 10 Maio 2014.

[54] JURISWAY. O redirecionamento da obrigação de alimentar em face de padrasto; a jabuticaba no Direito de Família. Santa Catarina, 06 fevereiro de 2013. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=10008>1. Acesso em: 09 maio 2014.

[55] ESTADO DO PARANÁ, Cascavél. Vara da Infância e da Juventude. Ação de Adoção nº 0038958-54.2012.8.16.0021. Disponível em: <201302281223770.multiparentalidade_sentpr-.pdf>. Acesso em 10 maio 2014.

[56] Rio de Janeiro, RJ. 15ª Vara da Família. TJRJ reconhece multiparentalidade. Disponível em:

<https://www.ibdfam.org.br/noticias/5243/TJRJ+reconhece+multiparentalidade>.Acesso em: 10 Maio de 2014.

[57] Membra do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

[58] IBDFAN, 2014. “TRRJ RECONHECE MULTIPAQRENTALIDADE”. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/notícias/5243/tjrj+reconhece+multiparentalidade>. Acesso em: 10 maio 2014.

[59] IBDFAN, 2014. TJRJ reconhece multipaqrentalidade. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/notícias/5243/tjrj+reconhece+multiparentalidade>. Acesso em: 10 maio 2014.

[60] O termo "Bioética" foi utilizado pela primeira vez pelo pastor protestante alemão Paul Max Fritz Jahr (1895-1953) em [1927] em um artigo de editorial da revista Kosmos intitulado Bio-Ethik. Do alemão, Bioética é uma revisão do relacionamento ético dos humanos em relação aos animais e plantas. Na década de [1970] o termo é relacionado com o objetivo de deslocar a discussão acerca dos novos problemas impostos pelo desenvolvimento tecnológico, de um viés mais tecnicista para um caminho mais pautado pelo humanismo, superando a dicotomia entre os fatos explicáveis pela ciência e os valores pertencentes à ética. A biossegurança, a biotecnologia e a intervenção genéticas em seres humanos além das velhas controvérsias morais como aborto e eutanásia, requisitavam novas abordagens e respostas ousadas da parte de uma ciência transdisciplinar e dinâmica por definição. Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas bios (vida) + ethos (relativo à ética). (WIKIPÉDIA, 2014)

[61] IBDFAN, 2014. TJRJ reconhece multipaqrentalidade. Disponível em:

<https://www.ibdfam.org.br/notícias/5243/tjrj+reconhece+multiparentalidade>. Acesso em: 10 maio 2014.

[62] CASSETTARI, Christiano. Vejam excelente artigo do meu amigo desembargador do TJPE Jones Figueredo Alves. Disponível em: < profcassettari.wordpress.com/category/socioafetividade-e-multiparentalidade/>. Acesso em 23 maio 2014.

[63] GODINHO, Adriano. Parentalidade socioafetiva e a Jurispruedência do STJ. Disponível em: < www.adriano godinho.com.br/2011/11/parentalidade-socioafetiva-e.html?m=1>. Acesso em: 15 maio 2014.

[64] CASSETTARI, Christiano. Vejam excelente artigo do meu amigo desembargador do TJPE Jones Figueredo Alves. Disponível em: < profcassettari.wordpress.com/category/socioafetividade-e-multiparentalidade/>. Acesso em 23 maio 2014.

[65] CASSETTARI, Christiano. Vejam excelente artigo do meu amigo desembargador do TJPE Jones Figueredo Alves. Disponível em: < profcassettari.wordpress.com/category/socioafetividade-e-multiparentalidade/>. Acesso em 23 maio 2014.

[66] CASSETTARI, Christiano. Vejam excelente artigo do meu amigo desembargador do TJPE Jones Figueredo Alves. Disponível em: < profcassettari.wordpress.com/category/socioafetividade-e-multiparentalidade/>. Acesso em 23 maio 2014.

[67] Indígenas estabelecidos no Paraguai, tribo que imputa a paternidade a todos os maridos de uma mulher ao atribuir a cada um deles, consoante sua importância, poderes distintos. (PARSEVAL, 1986, p. 35)

[68] Tribo alocada no nordeste australiano, que usa o significado de cada um dos diversos signos lá utilizados para significar as noções de pai biológico e socioafetivo. (PARSEVAL, 1986, p. 36)


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SANTOS, José Neves dos. Multiparentalidade: reconhecimento e efeitos jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4093, 15 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29422. Acesso em: 25 abr. 2024.