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Estranho veto na Lei de Diretrizes Orçamentárias

Estranho veto na Lei de Diretrizes Orçamentárias

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Se as tabelas SINAPI e SICRO já constam do Decreto em vigor por que razão foi suprimir a sua base legal?

No início de janeiro de 2014 a mídia divulgou o veto aposto pelo Executivo federal aos dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014[1] que definiam as tabelas oficiais da Caixa Econômica Federal e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT – que são utilizadas como parâmetros para adoção de preços nos projetos de construção civil e de rodovias. Os preços para projetos de construção civil são estabelecidos por meio de uma gestão de sistema compartilhado pela CEF e IBGE denominado Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil – SINAPI – ao passo que os preços referenciais para construção de rodovias são extraídos do Sistema de Custos Rodoviários -  SICRO -  que refletem os valores de insumos e serviços utilizados pelo DNIT.

Essas tabelas de preços resultam de pesquisas de mercado levadas a efeito periodicamente e servem para municiar os integrantes da Comissão de Licitação para celebração de contratos administrativos, bem como para auxiliar os órgãos incumbidos do controle e fiscalização de despesas públicas.

Realmente, de nada adiantaria uma parafernália de órgãos e instituições destinados a exercer o controle e fiscalização do dinheiro público empregado, como Tribunal de Contas, Controladoria Geral, Comissão de Orçamento e Finanças, Controle Interno, Controle Social etc., se não existirem preços de referência de obras e serviços públicos para que os controladores e fiscalizadores possam aferir a regularidade das despesas efetuadas.

É público e notório que nos certames licitatórios, nacional e internacional, já se tornou rotineira o conluio entre os participantes para elevar o preço a ser lançado. Sabemos que em parte isso é devido à usual demora do poder público nos pagamentos previstos no contrato administrativo: demora nas mediações; atraso no empenho de verbas etc.

O governo argumentou que o veto aposto tinha por objetivo tornar permanente aquelas tabelas de preços que constam do Decreto que, ao contrário da LDO, não é anual.

Ora, é exatamente o contrário.        

O Decreto que no caso passa a ter caráter autônomo pode ser alterado ou revogado a qualquer tempo, à discrição do Executivo. Não oferece sensação de perenidade e nem segurança jurídica. A LDO é uma lei anual, como diz o governo, só que ela é de renovação compulsória a cada exercício por força de expressa disposição constitucional. E essas tabelas de referência de preços de obras públicas  identificadas pelas siglas SINAPI e SICRO vêm sendo contempladas nas LDOs desde o o ano de 2003 após a divulgação dos resultados da CPI que investigou uma montanha de obras públicas paralisadas nas diversas regiões do País, na década de 90.

Assim fica difícil entender a singela explicação do governo. Se as tabelas SINAPI e SICRO  já constam do Decreto em vigor por que razão foi suprimir a sua base legal? Decreto e Lei são instrumentos normativos distintos. O primeiro é sempre dependente do último à medida que serve para regulamentar os dispositivos legais. A Constituição em vigor não reconhece a figura de Regulamento autônomo.

Não há dúvida de que o veto presidencial em tela  fragiliza os diferentes órgãos de controle e fiscalização no cumprimento de suas atribuições. O controle privado, também, conhecido como controle social, ficará completamente prejudicado se não houver uma tabela de referência de preços.

Só para exemplificar a Lei nº 8.666/93 que rege o certame licitatório prevê a participação popular nos termos adiante resumidos:

a)    observar e acompanhar o certame licitatório desde que não perturbe ou impeça os trabalhos da comissão (art. 4º);

b)   qualquer cidadão poderá requere a Administração os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada (§ 8º, do art. 7º);

c)    qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante no quadro geral em razão da incompatibilidade com o preço de mercado (§ 6º, do art. 15):

d)   qualquer cidadão é parte legítima para impugnar o edital de licitação por irregularidade na aplicação do estatuto licitatório (§ 1º, do art. 41).

A exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Licitação vem encontrando má vontade por parte dos agentes públicos porque ela está conformada com o princípio da transparência que rege a administração pública. As duas leis funcionam como uma camisa de força para os gestores públicos. Daí a tentativa de contornar a aplicação de suas de suas normas, inclusive, por meio de novos instrumentos normativos.

No bastasse  a onipotente Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663/12) que dispensou as licitações na execução de obras urgentes para sediar os jogos neste ano, agora, somos surpreendidos por esse estranho veto presidencial, cujas explicações não são convincentes.


Nota

[1] Essa LDO foi aprovada com sensível atraso, pois uma de suas atribuições é exatamente a de traçar as diretrizes para a elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual.


Autor

  • Kiyoshi Harada

    Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Estranho veto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4000, 14 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29427. Acesso em: 24 abr. 2024.