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Alguns comentários sobre o novo paradigma processual instituído pelas Leis n°s 9.099/95 e 10.259/01

Alguns comentários sobre o novo paradigma processual instituído pelas Leis n°s 9.099/95 e 10.259/01

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Há muito o direito tem se baseado em um modelo processual bastante profícuo no que se refere às formas e práticas dos atos processuais. Podemos dizer que as lacunas existentes nas leis adjetivas são desprezíveis em frente ao número, quase incontável, de soluções possíveis para cada caso concreto. O legislador previu hipóteses sempre aplicáveis, ou, pelo menos, adaptáveis nos casos de omissão no texto da lei. O que o legislador não havia previsto é que o complexo sistema processual instituído, ao invés de garantir a efetiva aplicação do direito substantivo, ou seja, a eficácia da prestação jurisdicional, obteve efeito inverso: tornou o processo mais demorado e oneroso. A título de exemplificação podemos citar o número infindável de recursos do processo civil: apelação; agravo, que pode ser retido ou de instrumento; embargos infringentes; embargos de declaração; recurso ordinário; recurso especial; recurso extraordinário; embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário; além de outros recursos que os regimentos internos de cada tribunal podem dispor visando a uniformizar a jurisprudência. Criou-se, no Brasil, uma verdadeira presunção de que o provimento judicial está sempre errado e necessita ser constantemente ratificado. E nem se fez menção aos incidentes processuais, processos de liquidação de sentença e, ainda, o processo de execução. Isso tudo faz com que o cidadão comum, aquele que não tem condições de constituir um procurador particular e acaba dividindo um único defensor público com milhares de pessoas na mesma situação, tenha uma real aversão ao litígio judicial. Pois tem consciência de que o processo tem data para começar, porque é o cidadão a que escolhe ao procurar o Judiciário, mas não tem data, nem ao menos previsão, para terminar. Claramente o que se objetivou com o antigo modelo foi um processo seguro, com uma margem mínima de erro da decisão judicial. No entanto, a burocracia procedimental distanciou o povo do fórum e não impediu que erros, para não falar em injustiças, fossem cometidos. A verdade formal ganhou importância maior do que a material. Em suma: o Poder constitucionalmente responsável por dirimir os conflitos existentes na sociedade teve que arcar com a conseqüência lógica de sua ineficiência: o descrédito de seu cliente natural, a sociedade.

Diante do quadro exposto, havia duas possibilidades de ação: 1) acabar com o judiciário porque não cumpre eficientemente seu dever, restituindo às pessoas o poder de solucionarem suas controvérsias sem a mínima interferência estatal; ou 2) adaptar aos tempos atuais a maneira como a prestação jurisdicional se desenvolve.

A ciência processual não nasceu madura e imodificável. Ela, como qualquer outro ramo de estudo, deve visar ao aperfeiçoamento da prática da teoria que prega. O direito, em especial o processual, não é algo construído definitivamente. É, na verdade, um construindo que se aprimora à medida que a sociedade evolui e depende do trabalho árduo, erros e acertos, idas e vindas, experiência dos mais vividos e vigor dos mais jovens.

Partindo então da premissa de que não optamos pela primeira possibilidade, a de acabar com o Judiciário ou enfraquecê-lo, como algumas correntes políticas tentam veementemente, resta-nos o trabalho de adaptação dos institutos jurídicos e a eles. É nesse contexto que surge, em 1995, a Lei nº 9.099, e agora a Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001. Percebeu-se que o antigo modelo não era mais suficiente, precisávamos de uma outra opção que fizesse com que o processo atendesse as necessidades de quem dele precisa.

Sobremodo oportuno salientar que não se está querendo negar a importância do antigo modelo processual. Ora, foi através dele que se estabeleceram preceitos como o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, válidos em qualquer sistema, seja ele formal ou informal. Em verdade, busca-se aprimorar os institutos jurídicos a fim de possibilitar a real aplicação do direito. Ademais, no novo modelo proposto, encontramos praticamente os mesmos princípios norteadores. Muda-se a forma, mas não a substância.

O novo paradigma processual busca a plena efetividade da prestação jurisdicional. Para o que é necessário preencher os requisitos da eficácia da medida no mundo material dada em tempo hábil da forma mais equânime que o direito permitir. E, quando falamos em direito, tomamos emprestado o conceito nada restritivo de Miguel Reale, que aduz ser o direito um complexo formado pelo trinômio fato, valor e norma (1).

Feitas essas considerações, salutar é tecer alguns comentários sobre alguns princípios instituídos por esse novo sistema incluído no ordenamento jurídico brasileiro através das leis supramencionadas. Os princípios são a bússola que nos guia em meio à variedade de caminhos oferecidos pela lei, constitui-se no fundamento de validade para a prática de determinado ato. No dizer do mestre Celso Antônio Bandeira de Melo princípio é definido como "mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico" e continua dizendo que "é o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (2)". Eis então alguns princípios dos juizados:


Oralidade

Como os Juizados Especiais foram criados para resolver questões cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, é indispensável que seus procedimentos não dependam estritamente de atos escritos, que demandam mais tempo, maior estrutura – de equipamentos e pessoal – e depõem contra toda a novel sistemática. Três são os princípios que decorrem da oralidade: identidade física do juiz, imediatidade e concentração da causa.

Pelo primeiro, identidade física do órgão julgador, preconiza-se que o mesmo juiz que instruiu o processo prolate decisão final (art. 132, CPC; art. 28, Lei nº 9.099/95). O argumento que fundamenta tal assertiva é muito simples: o juiz que instruiu o processo teve contato direto com as partes e provas, podendo, inclusive, determinar algumas de ofício. Destarte, para ele as partes não são apenas nomes nas capas dos processos e as provas não são apenas laudos de peritos ou depoimentos transcritos que não tem como informar sobre tom de voz ou expressão facial dos depoentes, portanto impessoais. Enfim, uma folha de papel não pode expressar os sentimentos colhidos durante a instrução processual.

O ideal seria que o juiz da instrução processual sempre pudesse prolatar a sentença em audiência. Mas, o acúmulo de processos esperando julgamentos, o grande número de audiências a serem realizadas diariamente e a carência de magistrados são alguns fatores que contribuem para a relativização do princípio da identidade física do juiz.

O segundo princípio que decorre da oralidade é o da imediatidade (arts. 336, 410, 446, II, CPC; art. 33, da Lei nº 9.099/95), pelo que o juiz deve ter contato direto com as partes e com as provas coligidas aos autos a fim de não precisar, via de regra, de intermediários para formar seu convencimento e prolatar a decisão mais justa para cada caso.

O terceiro princípio é o da concentração dos atos processuais (arts. 278, 455 e 456, CPC; arts. 16 e 27, Lei nº 9.099/95). Esse princípio homenageia a celeridade do processo, porquanto não deve haver um lapso temporal muito grande entre a prática de um ato processual e um outro.


Simplicidade

Um dos objetivos da instalação dos Juizados Especiais é trazer as pessoas mais simples ao fórum. É fato que existe um certo receio de "ir à justiça" por parte dessas pessoas, pois, sem condições de contratar um advogado, não podem arcar com custas processuais, não possuem um vocabulário rebuscado e nem vestimentas "adequadas" para participar de uma audiência onde de um lado estará o réu devidamente representado por seu advogado de terno e gravata, do outro, estará um juiz vestindo uma roupa estranha para o autor, chamada toga, e por último o autor, que mal fez o antigo primário na escola rural e calça uma "sandália de dedo" por não ter um sapato. Parece, e pode até ser, extremismo a cena proposta, mas não deixa de retratar uma realidade. O procedimento há de ser simples porque simples também serão as pessoas que precisarão dele.

A instituição dos Juizados contempla – não exclusivamente é claro – esse tipo de pessoa. O Poder Judiciário convoca a população para resolver seus conflitos sob o manto da intervenção estatal, apesar de não ser necessária – no caso de conciliação. Podemos citar como exemplo das leis os artigos 9°, 14, 36, 38, parágrafo único, 52, entre outros da Lei n°9.099/95 e 8°, 10, 13, entre outros da Lei n° 10.259/01.

A conciliação, sobre o que trataremos adiante, também é uma forma de simplificação do processo.


Informalidade

Neste ponto, impende fazer uma reflexão mais pormenorizada do que vem a significar a informalidade dos procedimentos. Resulta na desvinculação ao formalismo exacerbado que permeia nosso Código de Processo Civil. Ora, despiciendo seria tentar criar um procedimento mais simples se o mesmo guardasse em sua essência o liame formal anterior. Tal atitude deporia contra toda a sistemática do novo paradigma de justiça.

Durante muito tempo se deu ao formalismo uma importância que no imo do processo não tem. Sempre sob o argumento de que ele é garante da segurança jurídica. Na verdade, essa premissa é válida em sua exegese, pois visa a assegurar que todos os participantes de um processo, litigioso ou não, tenham conhecimento das exatas regras do jogo em que estão inseridas, como diria Bobbio. Todavia a experiência nos ensinou que tal zelo pela burocracia processual não garantiu a plena efetividade da prestação jurisdicional. Muito pelo contrário, resultou na demora e emperramento dos processos.

A nova sistemática processual não veio acabar com as formas, e sim colocá-las em posição hierárquica inferior a que ocupam no CPC. As leis dos juizados trazem normas formais e com elas limitações processuais formais, como por exemplo, a dispensa de relatório nas sentenças, ao passo que resguarda a imprescindibilidade de fundamentação (3).

O que se deve entender é que o processo não é o fundamento de sua própria existência. O processo existe porque existe um pretenso direito subjetivo a ser exercido. Em conseqüência, deve-se tomar como juízo de aplicabilidade das normas formais nos juizados, pelo menos, os princípios do art. 2°, da Lei n° 9.099/95, e não apenas as normas procedimentais.


Economia processual

A economia processual é um dos princípios informadores da teoria geral do processo. Através dele se procura obter o máximo resultado com o mínimo de dispêndio econômico e temporal. Segundo Mirabete o princípio da economia processual "preconiza a escolha entre duas alternativas, a menos onerosa às partes. Não significa isto que se suprima atos previstos no rito processual estabelecido na lei, mas possibilidade de se escolher a forma que causa menos encargos (4)".

Daí se extrai que atos desnecessários que colimam fim diverso ao da celeridade devem ser vergastados. Ora, a maior parte da clientela dos juizados não tem condições de arcar com os ônus de um processo ordinário. Por isso é que se vale da economia que um processo mais célere pode fornecer.


Celeridade

Já comentamos aqui sobre o grande número de recursos e incidentes que o processo civil ordinário ou o processo criminal comum tem. É habitual ver uma sentença civil gerar seus efeitos para os herdeiros do autor do processo inicial. A demora na prestação jurisdicional transformou-se em regra, quando deveria ser exceção. Institucionalizou-se o retardamento do fim do processo. Mesmo o grande número de recursos acaba por ter efeitos meramente protelatórios. Usa-se o que deveria ser corolário da garantia do direito a uma decisão justa, confirmada por um grupo de juízes reunidos em colegiado, como forma de retardar o fim do litígio.

No mundo hodierno, vive-se fazendo coisas pra ontem. Ninguém dispõe do tempo que o antigo paradigma processual impunha. O tempo é produto em escassez. Se fosse um animal, diríamos que está em extinção. Diariamente somos surpreendidos por novas descobertas no campo da ciência, máxime, biológica. Nesse contexto, é imprescindível procurar por um procedimento que dê uma resposta mais rápida ao cidadão/jurisdicionado. Já se disse que a justiça feita a destempo é injustiça disfarçada. Quer nos processos civis, quer nos criminais a sociedade exige que o Judiciário se posicione o mais rápido possível sobre as questões postas para a apreciação deste Poder.

Todos os outros princípios das leis dos juizados convergem para que o processo se torne mais célere. É o objetivo precípuo de tantas inovações. Em decorrência disso, é que se dá importância menor ao formalismo e maior à oralidade, economia e simplicidade dos atos processuais.


Conciliação

Outro aspecto importante dos juizados é a busca da conciliação. Talvez possamos até elevar o instituto da conciliação ao nível de princípio. Em toda a sistemática das leis dos juizados é possível notar o incentivo à conciliação de livre vontade das partes sem haver prejuízo da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5°, XXXV, CF/88). Ao Judiciário não cabe prolongar litígios e sim resolvê-los. Na verdade, dá-se a oportunidade para que as próprias partes sejam "juízes" de suas causas sob a supervisão do Estado, mas sem a intervenção, ou com intervenção mínima, deste.

Interessante ressaltar que o novo paradigma processual guarda alguma semelhança com as mais remotas formas de compor uma lide no direito romano. Nessa época, os cidadãos em conflito compareciam perante o pretor e lhe relatavam o motivo da discussão. Após, escolhia-se um árbitro encarregado de decidir a causa (5) (muito parecido com o procedimento da Lei 9.099/95). Tal fato ratifica a afirmação de que a história é cíclica. E isso nos dá a oportunidade de não cometermos os mesmos erros que outros já cometeram por não terem os exemplos remotos que hoje dispomos.

O papel fundamental do Judiciário é o de promover a pacificação social. A expectativa de que essa pacificação possa ser gerada no meio da própria sociedade acarreta um desenvolvimento jurídico-cultural sem precedentes no Brasil. O que teria como conseqüência lógica uma participação maior na gerência dos negócios estatais de quem tem a prerrogativa constitucional de ter o poder emanado de si próprio: o povo.

Ademais, a conciliação consegue reunir todos os princípios do artigo 2°, da Lei 9.099/95. Ela é oral, mais simples, não depende de formalidades, seu custo é bem menor e, com certeza, é muito mais célere.


Outros Princípios

Os princípios a que se fez referência anteriormente não esgotam o tema no que tange às linhas mestras de orientação interpretativa desse novo modelo processual. Como já se afirmou dantes, a ciência jurídica, como todas as demais, é um construindo, ou seja, ela se vale do que já está feito para seu aprimoramento. Destarte, princípios do processo civil, penal e, mormente, constitucional são também fundamentais para aplicação nos juizados. Não é o objetivo dessas poucas palavras negar todo o sistema processual antigo. Como até se poderia concluir da leitura do segundo parágrafo deste texto. O que se quer é apresentar uma nova maneira mais eficaz de dar a cada um o que é seu.

Dentre vários princípios processuais anteriores a 1995 que podemos citar, estão o contraditório, ampla defesa, publicidade, devido processo legal, individualização da pena, inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, juiz natural (6), isonomia entre as partes, duplo grau de jurisdição, inércia e imparcialidade do órgão julgador, motivação das decisões judiciais... Portanto, o novo paradigma processual não nega o antigo modelo. Muito pelo contrário, aprimora-o e acrescenta dispositivos que visam a tornar os procedimentos mais simples e facilitar a efetiva prestação jurisdicional.


Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001 (7)

Esse novo modelo de procedimento já está sendo aplicado desde 1995 nas Justiças Estaduais, mas até pouco tempo atrás não tinha chegado ao âmbito da Justiça Federal. Há muito se cobrava do legislador a edição de uma norma que tornasse o rito processual mais simples e célere também para as causas de interesse da União. A Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001, vem facilitar o acesso do cidadão ao Judiciário na sua esfera federal. É imprescindível que o poder público crie maneiras de atender o cidadão/administrado da forma menos dispendiosa para este.

Ademais, a maioria das causas que tramitam na Justiça Federal são motivadas pela desídia da Administração Pública. A título de exemplo podemos citar as ações pleiteando o reajuste de 28,86% e 11,92%, a atualização do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, Mandados de Segurança pugnando a anulação de atos administrativos manifestamente ilegais, entre outros. Além disso, vê-se uma excessiva desigualdade processual, como prazos em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, sem contar com o reexame necessário, algo completamente desconexo com a celeridade.

Com relação ao reexame necessário, é interessante dizer que é um instituto, no mínimo, antiquado. Parece-nos que, no Brasil, existe uma presunção de que a sentença de primeiro grau está sempre errada e precisa ser confirmada pelo tribunal ad quem. Cada uma das pessoas jurídicas de direito público citadas no inciso I, do artigo 109 da Constituição Federal tem procuradorias jurídicas encarregadas de recorrer se um provimento jurisdicional não contiver razões convincentemente fundamentadas. Não é necessário que se recorra de ofício. Fazer isso é trazer para o Poder Judiciário um ônus que, definitivamente, não é seu.

Nesse ponto específico, a Lei n° 10.259/01, em seu singelo, porém formidável artigo 13, traz uma inovação bastante positiva: Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário (grifei e negritei). Visto isso, tornar-se-ia debalde qualquer comentário além do texto legal.

Malgrado o avanço citado acima, o legislador reservou um novo sistema de recursos contrário ao fim colimado pelos juizados. Veja-se a variedade de recursos possíveis em consonância com o que preceitua o artigo 14, da referida lei: 1 – recurso para a turma recursal; 2 – recurso no caso de divergência entre turmas da mesma região sobre questões de direito material; 3 – recurso no caso de divergência entre turmas de diferentes regiões ou proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ; 4 – recurso quando a orientação acolhida pela turma de uniformização de questões de direito material contrariar súmula ou jurisprudência do STJ; e 5 – recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal.

Outros aspectos positivos da Lei dos juizados federais são: a possibilidade de o juiz deferir medida cautelar de ofício para evitar dano de difícil reparação (art. 4°); os representantes, judiciais ou não, das pessoas jurídicas de direito público federal ficam autorizados pela própria lei a conciliarem, transigirem ou desistirem (art. 10 e 11, parágrafos únicos); o comando para a entidade ré fornecer todos os documentos que possibilitem o esclarecimento da causa (art. 11); os honorários de técnicos periciais serão antecipados pelo próprio tribunal tornando o processo mais célere (art. 12, § 1°); implantação do ofício requisitório (art. 16); o pagamento em pecúnia deverá ocorrer no prazo de 60 (sessenta) dias contados da entrega do ofício (art. 17); quantias no valor de até 60 (sessenta) salários mínimos deverão ser pagas independentemente de precatório (art. 17, § 1°); o seqüestro de numerário no caso de desobediência à requisição judicial (art. 17, § 2°);

Pelo menos mais um ponto específico na lei ora trazida à baila mereceria reparo. O artigo 3°, § 1°, III, diz que os juizados não são competentes para a anulação ou cancelamento de ato administrativo, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal. Ora, o conceito de ato administrativo é um dos mais amplos do direito pátrio (8). Tudo, absolutamente tudo, o que a Administração Pública faz é ato administrativo. Se a administração pública pode anular ou revogar seus atos, por que não poderia transigir sobre direitos decorrentes dos mesmos? Este dispositivo merecerá reparo urgente.

A grande modificação no campo do direito penal foi a reconceituação do termo infração de menor potencial ofensivo, que agora são aquelas para as quais a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa (art. 2°, parágrafo único). Este assunto tem causado discussão na doutrina e em julgados, já que para a Lei n° 9.099/95, o limite imposto é o de um ano (art. 61). A controvérsia acalora-se mais ainda com o disposto no artigo 20, da Lei 10.259/01, que veda a aplicação desta lei no juízo estadual. Este artigo serve de argumento para os que defendem que a lei posterior não revogou o artigo 61 da lei anterior. Para os outros, preciosa e suficiente é a lição do douto penalista Luiz Flávio Gomes, que leciona: "Crimes exatamente idênticos (desobediência, assédio sexual, porte de drogas para uso, porte ilegal de arma de uso permitido, etc.) não podem ter tratamento diferenciado só porque a vítima de um deles é funcionário público federal enquanto a outra é estadual, porque o crime ocorreu em terra ou dentro de um avião, etc (9)". Corroborando a tese esposada pelo citado professor o enunciado n° 46 dos coordenadores de juizados especiais afirma que a competência dos juizados estaduais foi alargada. Em nosso Estado, já podemos verificar a existência de conflitos de competência negativo no âmbito da justiça estadual. Mas ainda esperamos a manifestação do Tribunal de Justiça.

Dessarte, extrai-se dos exemplos mencionados que a Lei n° 10.259/01 se configura em um grande avanço. Todavia, para a efetivação dos princípios inerentes aos juizados é mister fazer reparos. Alguns deles podemos estabelecer de plano, outros só a prática no manuseio do texto legal nos dirá.


Últimas Palavras

Isto posto, podemos dizer que há um novo paradigma processual no direito brasileiro, cujo fim imediato é o de aproximar as pessoas da justiça e tornar o processo judicial menos oneroso para as partes. Como vimos, o direito tem procurado evoluir no decorrer dos tempos na mesma medida da sociedade. A Ciência Jurídica corre atrás dos novos fatos para adequá-los à norma através de um estudo valorativo de aplicabilidade do direito em um dado momento histórico.

Com isso, queremos aduzir que as antigas formas processuais serviam para a sociedade antiga. A nova sociedade cobra a instituição de um novo modelo procedimental que se adapte ao mundo globalizado. Na era das correspondências via e-mail e telefonia celular, não pode o Judiciário estar conformado com o statu quo ante. A justiça não é mais feita como antigamente, porque não é mais feita para antigamente. Provavelmente, em um futuro até próximo, o modelo instituído pelos juizados não será mais suficiente e a Ciência do Direito terá que se adaptar outra vez. A isso chamamos de evolução natural da sociedade, sem a qual nunca sairíamos do lugar onde estamos. Por isso, afirmamos que os juizados não representam modelo de justiça para o futuro e sim para o presente. A experiência nos dirá se, no tempo vindouro, outro modelo deverá ser encontrado.

As Leis n°s 9.099/95 e 10.259/01, apesar de suas falhas, são passos importantes para alcançarmos o fim a que o direito se destina: a paz em sociedade.

Que Deus nos ajude a torná-la real!


NOTAS:

1. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24ª ed. São Paulo:Saraiva, 1988.

2. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso se direito administrativo. 11ª ed. rev. atual. São Paulo:Malheiros, 1999. pp. 629-630.

3. Garantia constitucional do cidadão e dever constitucional do órgão julgador (Art. 93, IX).

4. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10ª ed. rev. e atual. São Paulo:Atlas, 2000.

5. CINTRA, A. C. de A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria Geral do Processo. 16ª ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros, 2000.

6. Apesar de haver juízes leigos e conciliadores na sistemática dos juizados, sempre há a participação de um juiz togado, seja homologando um acordo ou uma sentença arbitral, seja prolatando uma sentença, seja participando do julgamento de recursos.

7. As reflexões sobre aspectos da Lei n° 10.259/01 são fruto de discussões realizadas no treinamento para servidores, estagiários e conciliadores da Justiça Federal, Seção Acre, ocorrido nos dias 19 a 21 de março de 2002.

8. Ato Administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, cujo fim imediato é adquirir, resguardar, modificar, transferir, extinguir e declarar direitos ou obrigações para si ou aos seus administrados.

9. GOMES, Luiz Flávio. Lei dos juizados criminais federais e seus reflexos no âmbito da competência dos juizados estaduais. Revista Jurídica. ed. São Paulo: Nota Dez. V. 291, p. 72, 2002.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Maydano Fernandes de. Alguns comentários sobre o novo paradigma processual instituído pelas Leis n°s 9.099/95 e 10.259/01. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3072. Acesso em: 25 abr. 2024.