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O pensamento jurídico, a prisão civil, o Mercosul e o método de pesquisa

O pensamento jurídico, a prisão civil, o Mercosul e o método de pesquisa

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1. O Cenário

O pensamento jurídico contemporâneo questiona com ênfase a validade das instituições prisionais, por vários fundamentos teóricos, em especial frente aos Direitos Fundamentais;[1] inclusive, enquanto espaços físicos onde se confinam seres humanos, senão também e sobretudo enquanto poder do Estado sobre o indivíduo, isto é, no enfoque abstrato da previsão legal.

A par das considerações psicológico-filosóficas de FOUCAULT[2] e seus seguidores, controverte-se, hodiernamente, e de uma angulação pragmática, a própria utilidade da prisão para os fins que, em teoria, se Ihe atribuem: afirma-se, reiteradamente, o cunho ilusório da suposição de uma eficácia coercitiva ou recuperadora da segregação de pessoas, a que se acresce a imprestabilidade, estatisticamente indiciada, da ameaça de privação de liberdade como mecanismo dissuasório de propósitos delinqüênciais.

Em semelhante contexto de idéias, Francisco das Neves BAPTISTA[3] afirma que mais questionáveis ainda se mostram as hipóteses de prisão dita civil e administrativa, vale dizer, a constrição pessoal teoricamente desvestida de significação estritamente punitiva e dogmaticamente reputada estranha aos princípios de regência do direito penal. Que função, indaga, pode ter a privação de liberdade de alguém, para além dos fins teóricos da pena - retribuição, escarmento, emenda?

Como justificar a agressão estatal a um "bem jurídico de relevância extrema", limitável somente, no entender de BRICOLA, "como extrema ratio"[4] - o clássico ius eundi, manendi, veniendi ultro citroque, continente de quase toda, senão toda a liberdade física[5] - sem a rigidez dos requisitos exigidos pelo sistema jurídico-penal?

O ex-ministro, do Superior Tribunal de Justiça, Luiz VICENTE CERNICCHIARO,[6] ao problematizar a prisão civil afirma que a liberdade é o ponto culminante dos valores que o Direito busca preservar. Segundo ele os antecedentes explicam a preocupação, cada vez mais presente:

A História é a história da preservação de significados para o homem. Tempo houve em que o ponto mais alto da cidade era a cúpula da igreja; hoje, os anúncios comerciais ganham as colocações de relevo. Antes, São Francisco se reunia, na gruta, com seus seguidores, em orações, buscando o sentimento da essencialidade. Agora, os meios de comunicação social colocam o mundo em nossa casa, com diretas, ou subliminares sugestões de consumismo. Traduzem, sem dúvida, dois mundos diferentes. Diferentes até na finalidade, ou porque diferentes por causa da finalidade!

Conforme afirma, os institutos jurídicos, mercê das transformações, ganham características; tantas vezes, tornam-se incompatíveis com a nova ordem. O Poder Judiciário é, por isso, convocado para decidir quanto à eficácia de normas que disciplinam relações jurídicas.

O tema não se reduz a mera técnica de interpretação. Vai além. Toca a essência do Direito. Especificamente a finalidade do Direito que, insista-se, não pode ser visto como simples esquema formal de leis.[7] Segundo o ministro o Direito das Obrigações registra casos de inadimplemento de compromissos civis e comerciais quitados com a liberdade.

Conhecido evento descrito por Shakespeare no Mercador de Veneza; o débito fora compensado com parte do corpo do devedor.

Hoje, entretanto, a situação é bem diferente. Como, então, - indaga - conciliar o mandamento de nossa Constituição?[8]

Enfrentando os questionamentos precedentes Álvaro Villaça AZEVEDO escreveu preciosa obra titulada Prisão Civil por Dívida,[9] na qual desenvolve estudo da evolução histórica do conceito de obrigação e enfatiza a propensão do Direito de ir eliminando a prisão por dívida, substituindo-a os sistemas mais adiantados pela execução patrimonial.

O festejado autor consolida situações históricas de execução do devedor, por dívida, mostrando a iniquidade desse procedimento violento e a possibilidade de uma solução objetiva, contra o patrimônio do devedor. Estuda, também, o resquício violento da execução pessoal do devedor de alimentos e do depositário infiel, que tisnam o preceito constitucional de que ninguém pode ser preso por dívida.

A par das considerações já ensambladas, desenvolve posição doutrinária sustentando "inexistência de depositário infiel na alienação fiduciária em garantia",[10] e "erronia de lógica e histórica do legislador"; ademais, "pela eliminação total da prisão civil por dívida",[11] e que "o Texto Maior proclame, simplesmente, que ninguém poderá ser preso por dívida, o que implicará a admissão, tão somente, de execução patrimonial no direito civil brasileiro".[12]

Afirma, na introdução, "objetivo central deste trabalho é o de evidenciar a tendência do Direito de abolir, completamente, a execução pessoal, por dívida".

O presente estudo assume os marcos teóricos resultantes da obra de Álvaro Villaça AZEVEDO, os quais estão contextualizados no Direito Civil e na Constituição Federal; contudo, é de se ressaltar a divergência de tratamento pelos Tribunais Superiores; a exemplo, quando sustenta citado autor "a inexistência de depositário infiel na alienação fiduciária em garantia".[13]

O informativo da home page do Superior Tribunal de Justiça esclarece, sob o título "STJ decide que não cabe prisão civil para inadimplente em contrato com alienação fiduciária", divergência de entendimento a respeito da matéria naquela Corte.

Afirma o informativo que a pessoa que contrair dívida em contrato com cláusula de alienação fiduciária não pode mais sofrer prisão civil, foi o que decidiu, por unanimidade, a Quinta Turma do STJ, ao conceder habeas-corpus a A. B. D.

Em março de 1997, a Segunda Vara Civil do Distrito Federal decidiu que A. B. D. deveria ser preso pelo período de 3 meses por não ter entregue o veículo na Ação de Depósito movida e nem ter pago o valor equivalente em dinheiro. Ao decidir pela concessão do habeas-corpus, o ministro EDSON VIDIGAL, relator do processo no STJ, ressalvou a posição contrária da Quinta Turma, que apenas adotou a decisão da Terceira Seção, composta pela Quinta e Sexta Turmas.

A uniformização feita pela Terceira Seção resolveu a divergência entre as Turmas, mas a Segunda Seção, composta pela Terceira e Quarta Turmas, tem a mesma opinião dos Ministros da Quinta Turma, de que caberia a prisão civil no caso. Com a diferença de decisões entre uma Seção e outra, a Corte Especial, composta de 21 ministros, deverá decidir, definitiva-mente, qual o entendimento a ser adotado pelas Turmas e pelas Seções do STJ.

O entendimento a respeito de não constituir depósito o que sucede na alienação fiduciária, tem não menos de trinta e oito decisões[14] do Supremo Tribunal Federal, nos últimos dois anos, em sentido contrário; que reconheceu, direta ou implicitamente; e afirmou, categoricamente, possibilidade da prisão do fiduciante infiel, segundo ele, ex vi legis equiparado ao depositário, culminando no V. Aresto 2037-6, DJ 29.06.2001, Relator o Ministro MOREIRA ALVES, em afirmar peremptoriamente que o STF, por seu Plenário, no HC 72131, firmou "entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em tratando de alienação fiduciária, bem como que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do artigo 5º, LVCII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infra-constitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel". Tal entendimento voltou a ser reafirmado em 27.05.98, também por decisão do Plenário, quando do julgamento do RE 206.482.

Há intensa controvérsia, que está nos tribunais brasileiros, não somente pelos fundamentos já citados, mas, a cerca não só da validade ética da chamada prisão civil, senão também em tomo da sua subsistência nos sistemas jurídicos atuais, face ao contexto em que se inserem os Tratados, Pactos e Convenções de DIREITOS HUMANOS diante do que dispõe a Constituição Federal,[15] não obstante o entendimento do douto Ministro MOREIRA ALVES e seus confrades.

A Constituição Federal de 1988 estabelece a mais precisa e pormenorizada carta de direitos de nossa história, que inclui uma vasta identificação de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, além de um conjunto preciso de garantias constitucionais.

A Constituição também impõe ao Estado brasileiro reger-se, em suas relações internacionais, pelo princípio da "prevalência dos DIREITOS HUMANOS".[16]

Resultado desta nova diretiva constitucional foi a adesão do Brasil, no início dos anos noventa, aos Pactos Internacionais de Direitos Civil e Políticos, e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, às Convenções Americana de Direitos Humanos e contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que se encontram entre os mais importantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

No contexto de tais questões, o Brasil subscreveu a Convenção de San José de Costa Rica, acolhida conforme o procedimento interno, pelo Decreto nº 678/92.

O texto restringe a prisão civil apenas às hipóteses de não pagamento injustificável da prestação alimentícia.

De outro lado, nosso ordenamento encerra leis que autorizam o constrangimento ao exercício do direito de liberdade, com conseqüência, por exemplo, relativamente às obrigações da alienação fiduciária.

Ainda, ilustrando, também quanto à sonegação fiscal. Não se olvidem os contratos de cédula rural.

Colocam-se, pois, diversas interrogações: estariam tais diplomas de lei afetados por norma posterior? E mais. A Convenção repercutiu na Carta Política de modo a restringir o comando da Constituição? Algumas afirmações do ministro VICENTE CERNICCHIARO,[17] que serão a seu tempo enfrentadas, na verdade ainda soam como questões.

Assim, o Decreto nº 678/92 tem força de lei ordinária?[18] - O tema, no entanto, não pode desprezar a hierarquia das leis - A Convenção Internacional, por encerrar normas jurídicas, também se submete à Constituição? O Tratado ainda que aprovado, segundo as leis do país, não ganha vigência, caso contraste com a Carta Política?

Conclusão decorrente também da análise (sentido material) das leis, aos que sustentam que se assim não for, facilmente os comandos constitucionais seriam contornados pelo Executivo e a manifestação constituinte afetada por delegação representativa do país. Dessa forma, quando a Convenção dispuser contrariamente à legislação, sem dúvida, prevalecerá após devidamente referendada? A matéria não se esgota no âmbito formal do conflito de leis no tempo.

Avulta em importância os precedentes do Supremo Tribunal Federal em relação à interpretação dos comandos insertos no Pacto de San José da Costa Rica - não somente em relação à prisão por dívida, mas em especial em relação a esta -,[19] em cotejo com o disposto na Constituição Federal.

Os recentes julgamentos no STF enfrentando o fundamento da aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos indicam a delimitação do tema que buscará, em especial da análise da prisão do alienante fiduciário, com base na conversibilidade da ação de busca e apreensão do bem alienado em ação de depósito, como prevê o art. 4° do Decreto-lei n° 911, de 1° de outubro de 1969, a discussão que se prenderá, aqui, dominantemente, ao plano do Decreto n.º 678/92 - Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, a Constituição Federal e os Tratados de DIREITOS HUMANOS, sem prejuízo de incursões no terreno da crítica e de comentários de cunho político - inseridos no contexto da globalização e do MERCOSUL -, desbordando nas demais formas de prisão por dívida.[20]

O entendimento reiterado e recente do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário, em especial no HC 17.638-SP, em que Relator o Ministro CASTRO FILHO e RE 263.551-PR, em que Relator o Ministro ALDAIR PASSARINHO JUNIOR, de 13 de fevereiro do corrente ano, concedendo a ordem, não obstante o entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal.

O presente estudo não quer se manifestar como discurso filosófico ou jurídico-científico ou sociológico do direito. O que propomos é um trabalho, sem território de referência próprio, de investigação interpretativa e elucidativa dos Tratados e Pactos de Direitos Humanos em face do artigo quinto, parágrafo segundo da Constituição Federal, fincado na observação colhida dos fatos, indicadores de manifesta tendência de integração regional dos povos; contudo, a aproximação ocorre, no Cone Sul da América Latina.

Como a história demonstra, a integração regional ocorre em face dos interesses na circulação de bens, de capital, de informações, de tecnologia e de trabalho, esquecendo-se, aparentemente, a legislação de integração, das questões atinentes ao primado dos direitos fundamentais do homem, não mantendo como paradigmas os tratados, as convenções e os pactos internacionais de DIREITOS HUMANOS, diplomas fundamentais.

O dissenso teórico concerne à prisão civil como um todo, colocando em questão todos os institutos em que se emprega, a partir de impugnação integral do mecanismo sancionador que está na Constituição Federal, enraizado na superioridade ética do valor liberdade, face aos interesses envolvidos no dever jurídico de cumprimento das obrigações patrimoniais - mesmo as de sentido moral mais amplo -, como a obrigação alimentar.

Ao tratar de tema, a um tempo crucial e instigante, entende-mos necessário precisar linhas e parâmetros de abordagem que estabeleçam com firmeza a base de uma inescapável interpretação e elucidação.

Não se cuida - daí redobrar-se a cautela - de traçados paralelos mas, antes, de idéias e conceitos que, em sua progressão, criaram espaço comum de existência de atuação.

Hoje avulta em importância não somente a interpretação pelos seus valores intrínsecos (marcos teóricos, jurisprudência, doutrina etc.), mas a figura do intérprete.

O Grande Nome que subscreve a interpretação dá peso e substância ao valor da interpretação, e não é difícil concluir que em uma sociedade capitalista tais intérpretes, em regra estão a serviço da classe dominante - no caso os banqueiros -, a peso de ouro, distantes de valores éticos, e viciados pela servidão a seus senhores.[21]

Em entendimento contemporâneo Luiz Edson FACHIN[22] diz que "Método e linguagem em debate. ´O que se diz´ soa tão importante quanto ´como se diz´. O destinatário da palavra não é apenas convidado a correr sobre linhas e de aglutinar dados, mas sim a ler rescrevendo o que vê, implícito e explícito, no verbo e na ação do dizer. Conteúdo e forma se ´casam´ para que dessa convivência diferenciada resultem ´outros filhos e frutos´, laços diferenciados e pessoas que se reconheçam como sujeitos desse processo contínuo de pensar e repensar...

Como na obra de Clémerson Merlin CLÈVE,[23] por interpretação entende-se não a hermenêutica convencional dos juristas em busca de um certo sentido oculto sob os grafismos normativos, mas a procura de uma visão compreensiva do jurídico atual.[24] Por elucidação, chamaremos "o trabalho pelo qual os homens tentam pensar o que fazem e saber o que pensam".[25]

A realidade não se modifica através de conceitos, senão que através dela mesma. Seguindo tal vereda, assumimos como critério para interpretação um enfoque enquanto problema teórico-jurídico; para tanto, conferiremos as análises convencionais tomadas pelo positivismo, tentando desvendar a relação existente entre o direito positivo e o real imaginário.

Partimos da hipótese de que o positivismo não é apenas uma oclusão ideológica e impeditiva do conhecimento da verdade jurídica; pesquisaremos o contexto histórico e político do momento atual, analisando os funda-mentos de sua realidade. O positivismo não é, em nossa hipótese inicial, apenas uma doutrina deturpadora da realidade fenomênica do direito, mas é a face aparente e textual do direito modernamente.[26]

Reside neste ponto a possibilidade, e tentaremos fazê-lo, de resgatar o universo do político para as análises jurídicas. Sem esse resgate não há possibilidade de um discurso capaz de interpretar o discurso capitalista.

Aliás, como afirmado pelo constitucionalista paranaense, serão as relações de poder que obrigarão o direito a assumir sua atual forma: um direito legislado e abstrato. Um direito intimamente vinculado à espessura estatal e política, embora mantendo certa autonomia relativa.[27]

Buscamos inspiração para a interpretação e elucidação nas palavras de Clémerson CLÈVE:

A questão no momento é captar a especifidade do direito contemporâneo, conhecer seu modo atualizado de aparecer, bem como uma funcionalidade. Articulá-lo com as lutas que se travam em sociedade, em todos os níveis, reconhecendo sua ligação, a partir das revoluções liberal-burguesas, com o estado. Isso não significa cair no imobilismo, mas ao contrário, integrar o saber no processo histórico, definindo a teoria como inócua se distanciada da práxis.

Dizer o que é o direito é verificá-lo enquanto localizado espácio-temporalmente. O que significa compreender sua flutuação história e a possibilidade de sofrer transformações. Esse tipo de pensamento não está ausente em BLOCH e MIAILLE, os quais, estudando a constituição do direito contemporâneo, nem por isso deixam de pugnar pela sua mudança, resgatando o sentido revolucionário dos direitos do homem e do jusnaturalismo; mas estes não enquanto discursos explicadores da conformação jurídica, senão como armas de luta em busca de outro padrão de juridicidade.[28]

A opera jurídica, que pretendemos desenvolver, tem como personagens centrais o cidadão/consumidor, o estado e o mercado.

Necessita da demonstração das lutas que são travadas por aqueles no cenário do MERCOSUL, para projetar a interpretação e a elucidação; e se Claude LEFORT[29] confirma os direitos humanos como uma política; instrumento de luta que deve ligar-se a outro mais amplo: a política de invenção democrática, indagaremos onde está situado o Poder Judiciário - e onde deveria situar-se - como controlo dos DIREITOS HUMANOS (em especial Direitos do Consumidor), refletindo a respeito de alguns institutos processuais,[30] vez que no processo devidamente estruturado pelas leis respectivas, chega-se ao fornecimento da justiça necessária à prevenção ou encerramento dos conflitos de interesses.

KELSEN chegou a afirmar o processo como garantia da liberdade do cidadão frente ao estado.[31]

No processo contínuo de refazimento da democracia, no sentido de consolidar a defesa dos direitos adquiridos ao lado da reivindicação incessante de novos direitos.

A sociedade democrática é aquela que não apenas garante os direitos individuais e coletivos historicamente conquistados, mas também os promove. A democracia aqui tomada como referência não é mais a de cunho representativo--parlamentar, cuja valia não se viu, em verdade, superada, mas sim a participativa, abrangente dos contornos daquela outra, mas certamente resultado de uma evolução sumamente enriquecedora.[32]

A democracia nunca foi um regime muito presente na América Latina. Dada a história - e história ainda bem viva - de violência e de autoritarismo no subcontinente, são mais do que preocupantes certos indicadores de que, em vários países, a política democrática sofre ameaças e ainda não vige de todo, quando não é conspurcada por golpes.[33]

Vivemos, em um mundo conturbado, uma época marcada por espantoso avanço tecnológico e globalização da economia e dos mercados, acompanhados de um avanço triunfal da filosofia neoliberal. Tudo se apresentando como irresistível e inexorával, como se o fim da História, trombeteado, entre outros, por FUKUYAMA, respondesse a um fatalismo reservado ao destino na tragédia grega, desprezando, como conseqüência, a suposta cegueira e aparente ignorância dos não iniciados.[34]

Em tal cenário deparamos com o momento das lutas: o direito é um espaço de luta, é também linguagem do poder. O direito enquanto linguagem do poder é também a materialização de uma relação de forças entre classes e frações delas, em maior ou menor grau, conquista.

O resgate da dimensão política do direito facilitará o nascimento de novas perspectivas para a elucidação que se pretende neste.

Nas relações políticas no MERCOSUL - mais que simples pacto econômico, que envolvem um compromisso democrático - é necessário situar o cidadão, em especial o cidadão/consumidor, diante das forças sociais em conflito para podermos obter a significação e o alcance das normas que dispõe a respeito da prisão civil por dívida.

A democracia participativa inserida nos blocos regionais assinala - pela emergência de novos protagonistas (inclusive movimentos sociais e corpos intermediários, às vezes desprovidos de personalidade jurídica), pelas formas de atuação por estes assumidas e pela reação do sistema político oficial a essas novas situações de pressão - uma realidade destacadamente distinta, de percepção ainda inconclusa e desdobramentos em processo de formação.

Se a democracia pressupõe, para que sua prática se efetive, um jogo dialético e infindável de tensões, é evidente que, em cenários como o que neste enfrentamos, o Judiciário receberá - como tem recebido - uma diversificada gama de conflitos que, expressando situações e valores de presença relativamente recente, corresponde à pressão do sistema sobre o aparelho judicial.

A democracia participativa, em estágio de veemente eclosão na vida do país - e dos países que integram o MERCOSUL -, investe seus atores e agentes de legitimidade para pressionar o sistema político e reivindicar direitos no Judiciário. Reivindicação que, assumindo forma própria de inserção no sistema judicial - relações de consumo - demandam reflexões que conduzam à posição sociopolítica do direito processual e do acesso à ordem jurídica justa, edição atualizada e melhorada do acesso à Justiça.[35]

Acreditamos que está em curso uma gigantesca reforma nas relações do cidadão com o governo. Ao lado do estado e do mercado, entidades comunitárias - como as ONGs - vão formar uma nova ordem social.

O foco específico da análise, contudo, não pode resumir-se no cidadão/consumidor no marco da integração regional - MERCOSUL - frente a possibilidade de disparidade de tratamento entre habitantes do bloco regional; por isso busca a discussão da necessidade de um órgão de uniformização da aplicação das normas de DIREITOS HUMANOS (e em especial, Direitos do Consumidor).

Neste cenário de internacionalização o modelo de interpretação da integração das normas decorrentes dos tratados internacionais (leading case: Recurso Extraordinário n.º 80.004), herdado dos valores vigentes no final do regime de exceção passado, está na pauta das discussões.

Crises e transformações emergem das novas demandas calcadas em ideais como a plena cidadania e a universalidade dos direitos humanos, gerando mudanças nos papéis tradicionalmente cometidos aos institutos fundamentais de Direito Constitucional e de Direito Civil, culminando com conseqüências nas normas do Direito da Integração e de Direito Comunitário.

Premissas inaugurais fundam os trabalhos que podem nascer dessas idéias e se abrem como uma iniciativa para coadjuvar os demais afazeres que dão sentido à pesquisa e à docência.

Há flagrante descompasso entre realidade social e aplicação do Direito, envolvendo um conjunto significativo e polêmico de alterações que permitem indagar se derrogado o anterior sistema (dualismo X monismo); a integração no MERCOSUL ocorrendo a passos largos, a necessidade de uniformização da legislação é debatida em dezenas de Seminários, Congressos e outros Eventos similares; contudo, poucas palavras proferidas em relação aos diplomas de Direitos Humanos.

A releitura de estatutos fundamentais do Direito Público e do Direito Privado é útil e necessária para compreender a crise e a superação dos sistemas clássicos (monismo e dualismo) que se projetaram para a supremacia (ou não) dos tratados internacionais que versem matéria a respeito de direitos fundamentais (DIREITOS HUMANOS), nas diversas Constituições do MERCO-SUL; a provável uniformização do Direito do Consumidor no MERCOSUL.

A complexidade desse fenômeno apresenta, neste momento, um interessante banco de prova que se abre em afazeres epistemológicos que acolhem as novas demandas da juridicidade. Através do exame da disciplina jurídica aplicável à seara em questão nasce um caminho que é ao mesmo tempo desafio. O tema objeto da pesquisa - DIREITOS HUMANOS: A impossibilidade da prisão por dívida e o MERCOSUL - diz respeito ao estudo crítico de aspectos relevantes tanto dos fatos quanto da doutrina, da lei e da jurisprudência, enfim, do direito.

Nesse contexto a importância de demarcar que o neoliberalismo quer um Estado que interfira quase nada na economia e, se possível, cobre pouco imposto, com as conseqüências de um estado desses tornar-se dependente dos investimentos privados e começar a fazer o que as empresas quiserem para não perder força econômica; em uma relação desigual, em que o mercado "tem todas as fichas na mão;[36]" e a análise do Poder Judiciário e seus respetivos instrumentos processuais, sem perder a perspectiva da ótica do mercado - enfrentada, em especial, por Boaventura Souza SANTOS[37] - levam ao desenvolvimento da questão, no enfoque da integração planetária, que alguns denominam globalização, fenômeno que sucede em blocos, como a União Européia, o Nafta, o MERCOSUL e outros.

Apresenta questões que são repetitivas, podendo ser aproveitadas experiências de outros blocos para a legislação e a interpretação das normas do MERCOSUL. Além disso, o tratamento que se lhe dispensa a Comunidade Européia, com um sistema de controle do cumprimento das normas de DIREITOS HUMANOS perfeitamente organizado, aderindo os Países à Corte, auxiliam na reflexão, encaminhada para a ótica do Supremo Tribunal Federal - e de outros Tribunais brasileiros -, que apesar de darem as costas aos DIREITOS HUMANOS e ao Direito da Integração, em regra, copiando os modelos da Europa continental, esquecem-se de tais exemplos edificantes.

É certo que o Brasil não aderiu de pronto à Corte Interamericana de Direitos Humanos - São José da Costa Rica,[38] implicando na impossibilidade de se buscar um remédio jurídico em tal jurisdição, questionando-se e concluindo-se a respeito da necessidade (ou não) do Brasil aderir à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Por isso, o que se pretende é aprofundar a análise para dar um passo mais largo em busca do esclarecimento sobre a verdadeira dimensão social e jurídica da mudança de moldura jurídica, social e histórica legada às relações internacionais, constitucional e civilista.

As mudanças ocorridas ao longo da História, em especial do pós-Segunda Guerra Mundial, implicam indagar se não foram suficientes para compor um novo sistema de relações internacionais, se a Constituição Federal de 1988, em seu artigo quinto realizou um rompimento com as noções clássi-cas de adesão aos tratados internacionais quando a matéria verse a respeito de Direitos Humanos?

A supremacia da norma transnacional (norma universal de Direitos Humanos decorrente de tratados internacionais, Direito Comunitário, Direito da Integração etc.) há que ser cotejada em relação à vinculação e obrigatoriedade, com órgão que possa sancionar o descumprimento; um órgão para uniformizar o entendimento a respeito da matéria em relação a Direitos Humanos? E se há necessidade de um órgão para uniformizar o entendimento a respeito da matéria em relação a Direito do Consumidor no MERCOSUL?


2. Os Métodos

"A verdade científica é uma predição, ou melhor, uma pregação. Convocamos os espíritos à convergência, anunciando a nova científica, transmitindo de uma só vez um pensamento e uma experiência, ligando o pensamento à experiência numa verificação: o mundo científico é, pois, nossa verificação. Acima do sujeito, além do objeto imediato, a ciência moderna se funda sobre o projeto. No pensamento científico, a meditação do objeto pelo sujeito toma sempre a forma do projeto."

BACHELARD

Procuramos encontrar novos caminhos para acender mais uma luz no chão; uma pequena chama para iluminar o espaço envolto em dúvidas e perplexidades.

O tempo é agora, síntese do passado que restou e do futuro ainda por se estabelecer. Aparentemente paradoxal, a idéia que se delineia deve ser atemporal e profundamente histórica, simultaneamente.

O espaço é aqui e os Países que integram o MERCOSUL.

Há um vazio na jurisprudência e na doutrina brasileira, que principia no desconhecimento dos Tratados, Pactos e Convenções de Direitos Humanos e culmina com a rejeição de novas idéias. E quando tênues construções metodológicas se avizinham das atividades de estudo, a técnica gessada das fórmulas acabadas não transforma o tema em algo perdido no ar quando ensinar é percorrer a geografia do construir. O estudo requer, em seu mapa cartográfico do saber, o ´construído´ e não a ´indução ao dado´ (como exemplo: a invocação de um precedente jurisdicional anterior à Constituição em vigor - Constituição Cidadã X Constituição de Exceção - desprovido dos fundamentos filosóficos que alicerçaram o Direito Constitucional em vigor). Não se deve, então, conviver com uma atitude de indiferença ou renúncia a uma posição avançada na inovação e mesmo na revisão e superação dos conceitos, contribuindo, abertamente, para fomentar questionamentos e fazer brotar inquietude que estimule o estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seus dilemas.[39]

A moldura hoje imposta no País pela doutrina amplamente majoritária e uma jurisprudência iterativa no sentido oposto ao que caminha-mos, reclamam um aprofundamento dos estudos concernentes à matéria.

Recusar essa direção e contribuir para a sua superação significa reconhecer que consciência social e mudança integram a formação jurídica. Representa, ainda, um compromisso com o chamamento à verdadeira finalidade do ensino e da pesquisa jurídica, um desafio que questiona.

O tema, assim posto, pode ser tido como novo, e seu trata-mento quase não existente. Nos poucos pronunciamentos exarados até o presente momento, a matéria, segundo o que se observa nos estudos atuais, tem recebido tratamento superficial e não sistemático, o que implica, não raro, em dificuldade de compreensão do tema à luz dos problemas que quotidianamente os destinatários dessas normas encontram para reclamar sua efetividade.

Basta verificar, em face da literatura especializada contemporânea, que o tratamento deferido à matéria a ser investigada se cinge às considerações clássicas, não permeando as análises uma necessária preocupação com a realidade social emergente em questões dessa ordem.

Certamente há, por conseguinte, uma lacuna que se projeta tanto no campo teórico, por falta de estudos e mesmo de sistematização, quanto no âmbito da prática cotidiana da vida forense emergente das diversas relações sociais que envolvem a prisão civil por dívida.

Até por tais fundamentos o estudo considera a problemática como problema social e como tendência, a análise crítica de seus reflexos na legislação (direito interno) compõem parcela significativa da matéria a ser analisada.

O escopo é de aprofundar uma revisão crítica - principiada e não terminada -, aferindo o alcance e a extensão do comando do artigo quinto, parágrafo segundo da Constituição Federal, em relação à aplicação no cenário nacional do disposto nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, com relevância e desdobramento na prisão civil por dívida (em especial no caso de alienação fiduciária) e a necessidade de órgãos Judiciários supranacionais.[40]

Ainda, se e tanto, que a conclusão da tese tenha como resultado no mundo dos fatos alentar um processo de integração normativa a partir dos diplomas internacionais de Direitos Humanos, fomentando o repensar a respeito de aderir o Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos,já será cumprida meta de grande envergadura.

Assim, formará como resistência muito viva à transformação e às necessidade que se impõem pelos fatos.

O papel a ser exercido, nesse campo, pelos Operadores do Direito, poderá antecipar, em parte, aquilo que virá, com reiterada invocação dos princípios e comandos dispositivos dos diplomas internacionais. Nada obstante, não é possível aceitar passivamente os resultados dessa aferição critica em relação à interpretação majoritária.

2.1 O Método Científico

"A ciência jamais persegue o objetivo ilusório de tornar finais ou mesmo prováveis suas respostas.

Ela avança, antes, rumo a um objetivo remoto e, não obstante, atingível: o de sempre descobrir problemas novos, mais profundos e mais gerais, e de sujeitar suas respostas, sempre provisórias, a testes sempre renovados e sempre mais rigorosos..."

"Embora não possa alcançar a verdade e nem a probabilidade, o esforço por conhecer e a busca da verdade continuam a ser as razões mais fortes da investigação científica."

POPPER

L. R. HUBBARD durante um estudo intensivo de aprendizagem constatou que tentar ler, passando por cima de uma palavra não compreendida, resulta em "anuviamento" mental e dificuldade para entender as passagens seguintes.

Isto é um fato provado e uma regra fundamental de estudo.

A solução é quando se encontrar nesse estado, voltar ao último ponto que compreendeu facilmente e conseguir a definição da palavra por cima da qual passou.

Obter sempre a definição de qualquer palavra ou frase que não compreendemos inteiramente.

Ademais, à tese importa necessidade do esclarecimento de termos ou conceitos utilizados, dando a definição correta ou o ponto de vista adotado.

Excepcionalmente, quando não encontrada uma terminologia apropriada, deve construir um sistema conceptual próprio e adequado, explicitando a operacionalidade do mesmo, razão pela qual há um glossário nesta.

Os procedimentos metodológicos adotados buscam romper com o imobilismo que permeia o meio jurídico. As regras metodológicas são aqui vistas como convenções, seguindo o magistério de POPPER.

Há muitos anos, por ocasião de uma aula de física, segundo recordo, um professor indagou a respeito da veracidade do movimento de um poste.

Em uníssono a resposta dos alunos afirmou que poste não mantém movimento. Ao que retrucou: caso estivesse na lua o poste teria movimento uniformemente variado - aparentemente; caso estivesse - o poste ou observador - sobre um veículo em movimento... E dizia que tudo aparenta em função do referencial.

A partir de então dediquei atenção ao estudo da questão do método, procurando conhecer critérios lógicos para realização da observação.

Artigo titulado O Método Científico, da lavra de John W. CAMPBELL JÚNIOR,[41] afirma que "o Método Científico é solidamente baseado em regras definidas, mas, não obstante é algo que precisa ser vivido para ser inteiramente compreendido. Assim, o Método Científico, embora baseado em certas regras de pronta enunciação, é bem mais do que essas regras." Segundo o prisma do Método Científico em exposição,

...implica atacar prazerosa e alegremente, com todas as armas disponíveis da lógica, toda fenda logicamente possível em sua própria estrutura lógica e teórica. Requer que um homem irrompa adentro por sua teoria cuidadosamente construída, com a energia, vigor e maldade de seu pior inimigo. Implica que o melhor amigo do cientista revise seu trabalho, começando pela premissa de estar tudo errado e fazendo todo o possível para assim prová-lo.

O triunfo intelectual, o brilho quente da vitória na ciência, vem não de produzir uma nova teoria, mas de produzir uma nova teoria que se erga e seja útil, mesmo quando os mais conhecedores fazem tentativas deliberadas para encontrar uma falha.

O Método Cientifico segue o teste de blindagem naval. A produção duma peça metálica blindada de 16 polegadas é rotineira e não dá satisfação especial. Mas a produção duma placa de 16 polegadas de metal blindado tendo um projétil capaz de perfurar 16 polegadas blindadas, com o nariz enterrado na chapa, arqueando-a, contorcendo-a, sem furá-la e quebrá-la - isso é triunfo e satisfação. Não se faz teste de chapas de 16 polegadas com fogo de metralhadora ou com projéteis de 6 polegadas. O teste é feito com as armas mais pesadas e mortais de que se dispõe; então, e só então, teremos algo para nos orgulharmos. Faz-se assim também com a teoria.[42]

O autor enuncia as regras para argumentação que levam à construção duma teoria e que entende podem ser condensadas em três pontos-chave críticos.

Afirma que o problema de aplicação está na sutileza com a qual as violações a tais regras podem insinuar-se.

As regras críticas são:

1.A argumentação pelo apelo à autoridade não tem valor nenhum.

2.A observação, não o relatório do observador, é o dado importante.

3.Nenhuma teoria, não importa quão bem estabelecida ou antiga, pode sustentar-se diante de um fato contraditório relevante.

A interpretação para aplicação (do que se entende o direito, hoje mais do que antes, com base em jurisprudência) implica que a primeira destas regras é a mais freqüentemente violada, muitas vezes sem intenção e sem ser notada.

Todos sabem que apelar para autoridade não é o modo correto de debater um caso, mesmo que a autoridade esteja com a razão. Entretanto, o apelo à autoridade pode ser tão sutil que é extremamente fácil deixar de notar sua introdução.

A sentença precedente, por exemplo, exemplifica deliberada-mente um tipo de "apelo à autoridade" muito fácil passar despercebido, sendo, na verdade, o mais comum de todos esses apelos. "Todos sabem", "obvia-mente", "naturalmente" e expressões semelhantes são as mais escorregadias a esse respeito. "Todos sabiam" há longuíssimo tempo que o mundo era plano e "obviamente" o Sol girava à volta da Terra, como qualquer tolo podia clara-mente ver. A argila comum e o rubi precioso não têm nada em comum - nada, isto é, exceto os mesmos elementos em proporções um tanto diferentes.

E o autor adverte

Contudo, mesmo o mais sutil apelo à autoridade sob a chancela dum Grande Nome é fonte de imensas porções de dificuldade. Não foi culpa de Aristóteles que, durante quase mil anos, a ciência tivesse paralisado devido ao constante apelo a Aristóteles. Ele não proclamou saber todas as respostas - foram os argumentadores acadêmicos que o fizeram. Mesmo hoje, numa época de alguma compreensão do método científico, surgem debates sobre Grandes Nomes - exceto, certamente, que o Grande Nome se tornou um Grande Nome devido a ter se abstido bem cuidadosamente de usar esse método! A sentença "Einstein diz que nada é mais rápido do que a velocidade da luz; isto é teoricamente impossível" contém duas alegações de apelo à autoridade e soa tão eruditamente cientifica que qualquer um pode ser levado a aceitá-la. Dizer que uma coisa é "teoricamente impossível" é, na verdade, apelo à autoridade das teorias presentes. No entanto, uma teoria não é um fato - é um conjunto inteligente de opiniões e nada mais, conforme qualquer cientista entende. No que concerne ao debate do Grande Nome, isso é fácil de localizar e seu valor entra muito prontamente em foco se colocarmos "João da Silva" em lugar do Grande Nome. Pelo método científico, a sentença acima correta - quanto ao seu valor de argumentação - seria "João da Silva diz que nada é mais rápido do que a velocidade da luz; em sua esclarecida opinião, isto parece impossível."

Daí poder-se afirmar que cientificamente, não há qualquer diferença entre as duas declarações, no que diz respeito ao seu valor demonstrativo.

A declaração de evidência sobre o assunto seria: "Einstein sugeriu, e a experimentação física parece comprovar, que nada é mais rápido do que a velocidade da luz, a teoria física corrente que mais parece ajustar-se aos dados observados indica ser isto impossível."

É, segundo o autor, uma espécie de declaração satisfatória e muito menos dura. Soa fraca, incerta de si ou de qualquer outra coisa.

E é a espécie de alegação - modo de pensar - que vigorou desde a primeira e pequena evidência científica da teoria atômica em 1800 até à fissão atômica em menos de um século e meio. É o cientista - que opera com o princípio de não saber ainda todas as respostas - que está procurando novas e melhores respostas.

Um homem que pensa "Esta é a resposta. Sei que isto é verdade. Aquilo é impossível, porque discorda do que eu sei" não precisa fazer pesquisa. Já sabe as respostas. Não está em perigo de fazer novas e perturbadoras descobertas que podem desordenar sua certeza mental. O cientista, por outro lado, opera com o conhecimento certo de estar incerto, nunca fica desapontado por estarem sendo descobertos novos dados - que está procurando - mostrando que ele estava, na verdade, um pouco enganado.

Ao examinarmos as citações nas teses, dissertações, livros, monografias versando a respeito de temas jurídicos e julgados, a regra é o apelo à autoridade sem qualquer critério de discussão a respeito do valor demonstrativo do que afirma.

Para o jurista - não-cientista - que gosta de trabalhar com Verdades e Certezas e pensa em termos Absolutos, o método de incertezas e probabilidades parece sufocante, de operação insuportável.

É impossível que produza, num único século, luz e força elétrica, rádio, televisão, era atômica, a completa ciência da química orgânica, estendendo-se dos corantes às drogas sintéticas, automóveis, aviões, pratica-mente uma civilização inteiramente nova.

A tal teoria, compreendendo que nenhuma teoria é final, completa ou perfeita, um novo conceito é admitido: uma teoria é boa enquanto é útil. Isto é, naturalmente, uma coisa muito agradável se a teoria também parece ser verdade, mas (embora este pensamento possa ser chocante ao leigo) não é absolutamente necessária.

A pergunta realmente importante não é "É verdade?", mas "Funciona?".

Se funciona, podemos usá-la e pretender ser verdade; se é verdade, é um prêmio extra.

A expressão funciona pode, prima facie, ser desconcertante, em especial àqueles que a partir da idéia dos valores éticos do Direito entendem que não seriam submetidos à idéia de funcionabilidade.

Contudo, a verificação de funcionabilidade busca identificar se o ordenamento jurídico (ou a aplicação de tal ordenamento) funciona para instrumentalização da realização de valores (aliás, o que nos parece ser a única razão de um ordenamento jurídico); o que é a essência do presente trabalho.

Esclarece,

Este raciocínio, parecendo a alguns induzir a erro e ser francamente desonesto, é o único método encontrado até agora que produz resultados. Olhe à sua volta: todo produto que foi tocado por máquinas em sua produção é uma demonstração do fato observado de que - assumindo provisoriamente que uma teoria é verdade, concreta, útil - podem ser obtidos resultados. E que ao manter a disposição de descartar ou modificar essa teoria, ao primeiro sinal de fracasso, é realizado progresso.

Se uma teoria é boa somente quando funciona, então a primeira vez que deixar de funcionar - o primeiro fato encontrado que não se ajustar - precisa ser posta de lado e encontrada uma teoria nova e melhor. Só quem insiste na Verdade de uma teoria hesitaria em desfazer-se daquela que não funcionou. E um cientista nunca insiste que uma teoria é Verdade; apenas que é útil.

A mais cuidadosa verificação deve ter lugar quando surge uma contradição aparente. Primeiro: inspecionar a interpretação da teoria. Os conceitos básicos da teoria podem estar certos e a aplicação desses conceitos, errada. A reinterpretação da teoria pode explicar o fato novo. Segundo, e na realidade simultaneamente, lembrar que a observação, não o relato do observador, é o dado, e repetir as observações. O observador pode ter estado errado. Os homens não podem enxergar além do violeta ou abaixo do vermelho; o quinino faz os ouvidos zumbirem, de modo a ouvir o que não está presente, e nenhum homem pode ouvir sons acima de 20 mil ciclos quando estes existem. Sob luz ultravioleta, o globo ocular humano brilha ligeiramente, de modo a ver um obscurecimento de luz que não está presente, mas devido a não se poder ver a luz ultravioleta em si, um observador não verá a fonte do ultravioleta que está ali. Verificar sempre as observações, pois o observador pode estar errado, porém as observações reais, os fatos, nunca estão errados.

Ironizando os pensadores acadêmicos do Direito, ressalta que "uma fonte de muito mal-entendido é a diferença entre impossibilidade teórica e impossibilidade real". E afirma que isto é melhor ilustrado, talvez, "pela velha história do homem que telefonou a seu advogado, explicou um contratempo legal e escutou: ´Não se preocupe com isso; não podem colocá-lo na prisão por esse motivo!´ O cliente respondeu: ´Estou ligando da cadeia.´"

Uma ligeira mudança nisso pode demonstrar o aspecto contrário.

Transformando em dono de circo a pessoa que telefonou em apuros, desta vez o advogado responde: "Isso é sério. Temo que por isso ponham seu elefante na cadeia.[43]"

Em cada caso, a teoria está em conflito com o fato físico; em cada caso, como invariavelmente deve ser pela própria natureza das coisas, a teoria, não o fato, deixa de ter êxito. No entanto, em essência, tudo isto é discussão do método científico de argumentação, de raciocínio. Há na raiz de tudo isto, a técnica científica, o teste final e campo de prova de todo pensamento científico. De modo ideal,[44] o método científico segue sete etapas:

1 . Fazer uma série de observações minuciosas.

A - Essas observações devem ser repetidas e só são aceitáveis como observações se muitas pessoas, seguindo as técnicas prescritas, podem repetir os resultados.

B - Devem ser experimentadas variações das técnicas prescritas para eliminar a possibilidade dos resultados observados serem devidos a outro fator que não o pretendido. Como exemplo tosco, suponhamos ser reportado que um ímã atrairá objetos. As demonstrações mostram de fato atrair e levantar bolas de ferro. Esta é a Etapa A acima. Variações no experimento mostram que o imã atrai ferro, mas não cobre, prata, etc. O efeito observado - atração - é real. É preciso variar a experiência original para mostrar os limites verdadeiros do efeito.

2. Combinar todos os dados relevantes, de todas as experiências relevantes, para formular uma hipótese.

A - A hipótese precisa explicar todos os dados observados.

B - Precisa não exigir como conseqüência de seu desenvolvimento lógico a existência de fenômenos que não existem, de fato.

C - Deve indicar, porém, a existência de fatos reais até então inobservados.

3. Usando a hipótese, predizer novos fatos.

A - Uma estrutura lógica, suficientemente ampla para explicar todos os fenômenos relevantes observados, irá necessariamente inferir fenômenos adicionais, ainda não observados. Usar este mecanismo para predizer a existência de algo que, sob teorias anteriores, não existiria.

4. Levar a cabo uma experiência e fazer observações a respeito dos prognósticos.

5. Como resultado da experiência, descartar a hipótese, ou avançá-la agora à categoria de "Teoria".

6. Fazer prognósticos adicionais, mais experiências e colecionar mais evidência de observação, até ser encontrado um fato relevante contraditório.

7. Abandonar a antiga teoria, tornar o total dos novos dados observados e formar uma nova hipótese.

8. Ver a Etapa Três.

Este processo parece, à primeira vista, um sistema completamente circular, não indo a lugar nenhum. Não é...

O avião de passageiros que voa por cima de nossas cabeças atesta isso. Notar que a cada volta ao redor desse ciclo a nova hipótese mostra como obter novos dados, nova evidência experimental, novas informações.

O processo não é circular - circular é o apelo à autoridade (quer como citação de doutrina, quer como citação de jurisprudência, na forma quotidiana da atividade forense sem qualquer critério a não ser pretender justificar o que se pretende).

É uma espiral em expansão e cada novo giro à sua volta percorre um campo cada vez mais amplo de compreensão.[45]

No entanto, segundo o autor, a etapa mais importante de todas - a que levou mais tempo para os homens alcançarem desde que a idéia de conhecimento organizado começou - é a Etapa Sete:

"Descartar a antiga teoria... e começar tudo de novo."

É duro para os homens - que são basicamente animais convencionais, apegados a modelos existentes!... abrir mão da familiaridade confortável, da rotina boa e fácil, daquela Teoria do Tempo Antigo, para embarcar num sistema completamente novo, pedindo uma revisão total de seus pensamentos. É tão fácil e confortável acreditar que a teoria antiga é Verdade e não precisar, nem jamais querer mudar, mesmo que não funcione o tempo todo. Como um par de sapatos velhos que é confortável e familiar, até mesmo se os buracos estiverem aparecendo.

O cientista verdadeiro está numa posição um tanto diferente. Começa com qualquer teoria e acha útil somente enquanto funciona. Se não mais produz resultado, deve ser posta de lado e formulada uma nova e melhor teoria.

E essa é uma teoria antiga e confortavelmente familiar na qual poderá instalar-se e apegar-se por toda a vida. Espere mudança; pode estar certo de não ficar desapontado.

Os conceitos de padrões fixos e dados estáveis[46] são enfrentados quando da aplicação do método citado na presente tese.

A crítica primeira às ciências sociais é a maneira que observa o objeto. As relações sociais das quais defluem o direito o mais das vezes são relegadas a segundo plano, cingindo-se o pensador do Direito a reflexões pseudo-eruditas para, muitas vezes, sustentar um sofisma, a fim de gerar o mecanismo lingüístico para obter credibilidade.[47]

KÖCHE adverte que o sistema educacional vigente, no que tange ao espírito de ministrar os conhecimentos, remonta ao século XVII. Nessa época a ciência era encarada como um conjunto de conhecimentos certos e verdadeiros. O conhecimento científico era o constatado e comprovado experimentalmente. O progresso da ciência era visto como o acúmulo progressivo de teorias e leis que iam se superpondo uma às outras. Era um progresso linear, contínuo, sem retorno, fundamentado em verdades cada vez mais estabelecidas, confirmadas definitivamente.

O conhecimento não-científico era aquele sobre o qual não se poderia acumular provas que demonstrassem sua veracidade.

Esse conhecimento, questionável, duvidoso, deveria ser eliminado daquilo que se chamava ciência, pois a ciência não era vista como produto do espírito humano, produto da imaginação criativa dos pesquisadores.

A ciência era produto da constatação de determinadas leis, observadas e extraídas da realidade. A imaginação criativa atrapalhava a correta visão da realidade e, portanto, deveria ser eliminada por quem quisesse ter uma atitude ´científica´. Fazer ciência era assumir uma atitude passiva, de espectador da realidade.

O sistema educacional absorveu essa concepção de ciência e assimilou o seu dogmatismo. Em relação ao conhecimento, as escolas e os professores se especializaram em ser os transmissores das verdades comprovadas na ciência, ou melhor: em ser os pregadores das doutrinas científicas. Os próprios manuais e compêndios utilizados se encarregam, muitas vezes de mostrar e demonstrar as teorias científicas como um conhecimento pronto, acabado, inquestionável.

Sabemos, no entanto, que a ciência evoluiu. Evoluiu não de uma forma linear, mas sim de uma forma revolucionária, quebrando o dogmatismo de suas teorias e modificando drasticamente a noção de ciência e a própria noção de verdade.[48]

Para KÖCHE, dentro das reformas radicais que sofreu a ciência no início do nosso século pode-se destacar: as explicações científicas não são um mero produto das observações empíricas, mas projeções do espírito humano, de sua imaginação criativa; essas projeções são profundamente influenciadas pela cultura e ideologia do pesquisador, não havendo, portanto, uma objetividade pura desvinculada da subjetividade humana. Prossegue, afirma que o progresso científico não se faz pelo acúmulo de teorias estabelecidas, mas pelo derrubamento de teorias rivais que competem entre si, isto é, uma constante revolução na ciência, ocasionada pela polêmica em torno das teorias; a atitude científica não está em tentar comprovar teorias, mas em tentar localizar os erros de suas teorias utilizando procedimentos críticos.

A seguir formula algumas afirmações:

A ciência não parte da observação dos fatos, mas da problematização teórica da realidade;

O método científico não é prescritivo, mas crítico;

Não há uma única forma de desenvolver a ciência, não há um único método de investigação; e

A verdade não é uma equivalência estática, mas uma aproximação produzida por uma busca constante.[49]

A grande dificuldade da evolução científica é que, segundo KUHN,[50] os cientistas normais, os quais denomina "aplicados", se unem em torno do mesmo paradigma e se constituem em comunidades, cuja principal característica é a de utilizarem instrumentos e métodos de análise próprios e adequados ao paradigma teórico escolhido. Tais comunidades podem constituir verdadeiras "escolas" científicas, uma vez que consistem em grupos de cientistas que se reúnem em torno de uma especialidade, partilhando o mesmo paradigma e a mesma literatura de base. Opondo-se entre si, essas "comunidades científicas" determinam regras, normas, que devem ser seguidas por todo aquele que desejar a elas pertencer. Assim, o valor de um trabalho depende de um consenso, da "unidade do grupo".

Definindo dessa maneira o peso da comunidade científica, a racionalidade da ciência pressupõe a aceitação de um "referencial comum", determinado pelo momento histórico. A essa tese POPPER chamou, criticamente, de "relativismo histórico". Na verdade, a ciência pode ser entendida como uma atividade envolvida num contexto histórico-social no qual se insere a comunidade científica.[51]

É, aliás, em nome dessa mesma comunidade que se pode considerar o discurso da ciência como eminentemente argumentativo, uma vez que tem por objetivo convencer, angariar adeptos dentre os seus prováveis leitores, membros da mesma comunidade. Segundo o raciocínio de KUHN, assumindo o discurso da ciência (ou de uma investigação científica particular) como argumentativo, não podemos acreditar num método adequado para se julgar individualmente uma teoria. Segundo ele, é a comunidade científica que propõe os parâmetros, que escolhe e determina se uma teoria ou se uma experiência é válida ou não.

Fora da comunidade não se faz ciência: as novas pesquisas devem se coadunar com os padrões científicos existentes e aceitos pela comunidade.

Tal visão, com a qual concordamos plenamente, mas procura-mos não assumir, vem explicar o caráter convencional do discurso científico, no qual a liberdade e a possibilidade de criatividade do enunciador se acha limitada por certas regras.

Parece, também, explicar a fidelidade a certos métodos considerados de qualidade cientifica, utilizados pelo cientista no momento da investigação.

Em relação à evolução de uma ciência, KUHN é de opinião que os períodos de crise, que precedem as chamadas revoluções científicas, que provocam o aparecimento de novas teorias.

Esses períodos críticos se caracterizam, segundo ele, pela proliferação de versões teóricas ou de paradigmas concorrentes, com o intuito de criar uma alternativa mais adequada. Prossegue, afirma que se resiste à mudança resistindo à crítica de um paradigma tradicional, cuja aplicabilidade nem se questiona. Diz que na maioria das vezes não é o paradigma que está sendo julgado, mas o próprio cientista.

Argumenta, ainda, em favor da lentidão das transformações científicas, lembrando que a descoberta se inicia com a percepção da anoma-lia, isto é, "...com o reconhecimento de que a natureza violou o paradigma - induziu expectativas que governam a ciência normal".[52]

A conclusão na citada obra de CORACINI é que essa visão de uma ciência institucionalizada explica não apenas a lentidão com que progridem os conhecimentos científicos, como também o aspecto convencional dos discursos e, sobretudo, a tarefa do cientista.

2.2 O Método Filosófico

Abrir-se para além desse horizonte é uma opção de sentido que se afasta das concepções didáticas meramente ilustrativas, no qual nos aventuramos; é um caminho de sacrifícios e eleição de finalidade que não convive com a inércia e com a repetição, uma tarefa de risco, pois expõe aquele que pesquisa e é o que assumimos como compromisso desta tese.

Trata-se de "descobrir e interpretar os fatos que estão inseridos em uma determinada realidade",[53] a pesquisa não há de ser neutra, eis que tem um quadro de referência.[54] É implícito que as relações materiais fundam a base do modo de pensar a sociedade, suas leis e regras.

Localiza-se, no enfrentamento da questão proposta, um ponto de partida.

Essa perspectiva, conforme Luiz Edson FACHIN, "funda uma crença quase sempre inabalável na educação jurídica, distante de um adestramento dogmático embaisamado pela exegese estrita do direito instituído, voltada para os fatos sociais, rente à vida e às circunstâncias.[55]"

Esse elo inicial está exposto na aula inaugural que em 1993 foi proferida na Universidade Federal do Maranhão pelo professor Agostinho Ramalho MARQUES NETO, o qual, após reconhecer que o Direito é a "síntese de múltiplas determinações", bem fez ver que "modelos mecanicistas ficam sempre aquém da compreensão desse processo em sua dialética real", para concluir que o "Direito é fruto de conquistas sociais", e por isso nele há algo de emancipatório.

Aliás, nesse passo, como o fez o professor Alberto VENÂNCIO FILHO no Seminário que a UnB dedicou em maio de 1981 à personalidade extraordinária de Francisco Clementino de SAN TIAGO DANTAS, que esse ponto de partida é congruente com as suas idéias, em especial quando afirmou que "nada falseia mais o espírito jurídico, nada o afasta mais perigosamente do seu verdadeiro sentido, do que a convicção, favorecida pelos longos períodos de estabilidade, de que a vida social deve ajustar-se aos conhecimentos jurídicos, em vez de se adequarem estes àquela."

Na mesma esteira, parecendo que suas palavras foram proferidas há poucos dias, disse ainda SAN TIAGO DANTAS que "só se consideraria, pois, em crise, uma Faculdade em que o saber houvesse assumido a forma de um precipitado insolúvel, resistente a todas as reações. Seria ela um museu de princípios e praxes, mas não seria um centro de estudos."

A partir de tais fundamentos acreditando que esse é o desafio que não confunde estudo e pesquisa com confinamento intelectual realizamos o trabalho.

Fernando PESSOA, do alto de sua sensibilidade, captou isso na palavra de Alberto CAIEIRO que em seus "Poemas" disse:

 "Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu... É preciso esquecer a fim de lembrar, é preciso desaprender a fim de aprender de novo."

Pensar longe da mera exegese.

Distante da superficialidade como não fizeram os bacharéis de então que nos primeiros anos do século se dedicaram a um verdadeiro "torneio de mandarins" em torno da redação de uma lei, como o foi com o projeto do Código Civil, pouco importando realmente o conteúdo, dando valor ornamental à inteligência, ao talento como prenda, numa erudição desinteressada e descomprometida.

O que se propõe, dentro da política da Instituição, está demarcado, por si só, na geografia do ensino e da pesquisa, que requer em seu mapa cartográfico do saber o "construído" e não a indução ao "dado".

Não se pode, então, conviver com uma atitude de indiferença ou renúncia a uma posição avançada na inovação e mesmo na revisão e superação dos conceitos, contribuindo, abertamente, para fomentar questiona-mentos e fazer brotar inquietudes que estimulem o estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seus dilemas. Esta busca questiona os meios de efetivação das tutelas - no ordenamento jurídico - dos princípios e normas de Direitos Humanos - em especial liberdade e consumidor (funcionam?).

Aos cientistas da era pós-moderna não podem se eximir dos novos desafios; de perseguirem, com determinação, a única meta viável que resta, qual seja, a de trazer à tona as instabilidades que se escondem até mesmo naquilo que, pela força de uma longa tradição, parece, para cada um de nós, o mais rigoroso de todos os discursos, a saber, o nosso próprio metadiscurso, desestabilizando, dessarte, todo o discurso de metanarração.

Aderimos a Will DURANT, quando discorre a respeito do Método Filosófico, buscando aplicar na elaboração da tese.

A ciência parece avançar sempre, enquanto a filosofia sempre parece perder terreno. Entretanto, é só porque a filosofia aceita a tarefa árdua e perigosa de lidar com problemas ainda não abertos aos métodos científicos, problemas como bem e mal, beleza e feiúra, ordem e liberdade, vida e morte.

Tão logo um campo de investigação produz conhecimento suscetível de formulação exata, recebe o nome de ciência. Toda ciência começa como filosofia e termina como arte; surge em hipótese e flui em direção da realização.

A filosofia é uma interpretação hipotética do desconhecido. . . ou do que é sabido sem exatidão. . . é a trincheira da frente no cerco à verdade.

A ciência é o território capturado; e à sua retaguarda estão as regiões seguras em que o conhecimento e a arte constróem nosso mundo imperfeito e maravilhoso.

A filosofia parece imobilizada, perplexa; porém, apenas por deixar os frutos da vitória às suas filhas, as ciências, passando, ela própria, divinamente descontente, ao incerto e inexplorado.

Vamos ser mais técnicos? Ciência é descrição analítica, filosofia é interpretação sintética.

A ciência deseja esclarecer o todo por partes, o organismo pelos órgãos, o obscuro pelo conhecido. Não indaga os valores e possibilidades ideais das coisas, nem sua significação total e final.

Contenta-se em mostrar sua realidade e operação presentes, estreitando seu olhar resolutamente para a natureza e processo das coisas, como são.

O cientista é tão imparcial quanto a Natureza no poema de Turgenev: está tão interessado na perna duma pulga quanto nas agruras criativas de um gênio.

O filósofo, porém, não se contenta em descrever o fato; deseja averiguar sua relação com a experiência em geral e dali chegar ao seu significado e mérito; combina coisas em síntese interpretativa; tenta reunir, melhor do que anteriormente, aquela grande observação do universo que o cientista inquisitivo desmembrou analiticamente.

A ciência diz-nos como curar e como matar; reduz a taxa de mortalidade a retalho e depois, na guerra, mata por atacado; mas só a sabedoria — desejo coordenado à luz de toda experiência — pode dizer-nos quando curar e quando matar.

Observar processos e construir meios é ciência. Criticar e coordenar fins é filosofia.

E, nestes dias, porque nossos meios e instrumentos multiplicaram-se além de nossa interpretação e síntese de ideais e finalidades, nossa vida está cheia de som e fúria, sem nenhum significado. Pois um fato não é nada, exceto em relação ao desejo; não é completo, exceto em relação a um propósito e a um todo.

A ciência sem a filosofia, fatos sem perspectiva e avaliação, não nos podem salvar da devastação e do desespero.

A ciência dá-nos o conhecimento, porém só a filosofia pode proporcionar-nos sabedoria.[56] -grifo meu –


3. As conclusões

"O Justo e o injusto mudam de qualidade quando mudam de país (...)

"Engraçada essa justiça que um rio limita (...)"

PASCAL, Pensamentos

VICTOR HUGO encabeçando as primeiras edições de Le dernier jour d’un condamné, publicada a princípio sem nome de autor, só figuravam as poucas linhas que seguem:

Existem duas maneiras de constatar a existência deste livro. Ou bem houve, de fato, uma pilha de folhas amareladas e desiguais sobre as quais foram achadas, registradas uma a uma, as últimas reflexões de um pobretão; ou bem houve um homem, um sonhador ocupado em observar em proveito da arte, um filósofo, um poeta, talvez, que fez dessa idéia sua fantasia, que a tomou ou, melhor dizendo, foi tomado por ela, e que só conseguiu livrar-se dela jogando-a num livro.

Das duas explicações, o leitor escolherá a que melhor lhe convier.

Recente edição adverte que como se pode ver, na época em que o livro foi publicado, o autor não julgou necessário expor logo todas as suas idéias. Preferiu esperar que elas fossem entendidas e ver se, de fato, o seriam. E foram. Hoje, o autor pode desmascarar a idéia política, a idéia social, que ele quis divulgar adotando esta inocente e cândida forma literária.

Está portanto declarando, ou melhor, confessando em voz alta que O último dia de um condenado não passa de uma defesa, direta ou indireta, como preferirem, da abolição da pena de morte.

Segundo consta do prefácio da tradução de Annie Paulette Maria CAMBÈ o que ele planejou, o que ele gostaria que passasse à posteridade na sua obra, se por acaso ela o merecer, não é a defesa especial, sempre fácil e sempre transitória, deste ou daquele criminoso em particular, deste ou da-quele réu designado, é sim o discurso de defesa geral e permanente para todos os réus presentes e futuros.

É o grande ponto de Direito da Humanidade, apresentado e defendido em alto e bom som perante a sociedade, que é a grande Corte Suprema; é esta suprema recusa, abhorescere a sanguine, precedendo, para sempre, qualquer processo criminal; é a tenebrosa e fatal questão que palpita na escuridão de todas as causas capitais sob as tríplices espessuras de pathos com as quais é envolta pela retórica sangrenta das gentes do rei; é, em suma, a questão de vida ou morte (no caso da tese: a liberdade) despida, desnuda, livre de manipulações ruidosas do foro, brutalmente exposta e colocada onde ela tem que ser vista, no seu meio verdadeiro, no seu meio horrível; não no tribunal, mas sim no cadafalso, não perante o juiz, mas sim perante o carrasco (no caso acrescentamos: não em estéreis discussões, que se pretendem acadêmicas, quando se busca o conceito – com pseudo-erudição – como se a única razão de ser de uma ciência não fosse a sua aplicabilidade; ou se se pretende o direito como arte, da revelação e cognição dos valores da alma); diante da realidade da cela, cadeia, do ergástulo público; da realidade do injustiçado em seus direitos fundamentais.

O trabalho de pesquisa do pensamento jurídico, como regra e máximo quando se trata de liberdade, deve ser realizado com a crença de BRUNO, a ousadia e o risco intelectual de COPÉRNICO e GALILEU, como dito por NEWTON, ao apresentar suas teorias; alicerçado nos ombros de gigantes, buscando inspiração nas palavras de PASCAL, VICTOR HUGO e NORBERTO BOBBIO, dentre tantos outros; este que entende o principal problema vinculado aos Direitos do Homem (aos direitos fundamentais positivados em cada constituição, dir-se-á); não é tanto o de justificá-los ou declará-los, mas efetivamente protegê-los.

Protegê-los através dos instrumentos adequados em um ordenamento jurídico consentâneo com os valores do seu tempo.

Problema que em um primeiro momento é jurídico, e num sentido mais amplo, político, conforme se verificará neste trabalho.

Por isso, como na obra de VICTOR HUGO, vem este declarar e repetir que está pleiteando em nome de todos os possíveis réus, inocentes e culpados, perante todas as Cortes, todos os pretórios, todos os júris, todas as justiças.

Está endereçado a todos aqueles que estão preocupados com os direitos e as garantias fundamentais do homem.

Ambiciona despertar atenção para os Direitos do Homem no processo de integração regional do MERCOSUL; aquele como diploma que resulta da amarga experiência da Segunda Guerra Mundial, da evolução do pensamento da civilização, enfim, da humanidade; e não um projeto deste ou daquele governo transitório; ainda que sem a arte de VICTOR HUGO pretender ser um instrumento de divulgação dos Direitos do Homem, um incentivo ao seu conhecimento e aplicação integral.

Os que julgam e condenam, por vezes, conforme assevera VICTOR HUGO, dizem a pena (de morte) necessária. Em primeiro lugar, porque é importante eliminar da comunidade social um membro que já a prejudicou e que poderia prejudicá-la outra vez. – Se se tratasse apenas disso, a prisão perpétua seria suficiente. Para que a morte? Retrucam que se pode escapar de uma prisão? Melhorem as rondas! Se não têm confiança na solidez das grades, como ousam manter feras em cativeiros? Indaga!

Mas, objetam eles, - é preciso que a sociedade se vingue, que a sociedade puna. - Nem uma coisa nem outra. A vingança cabe ao indivíduo, a punição a Deus.

A sociedade está entre os dois.

O castigo está acima dela, a vingança abaixo. Nada tão grande nem tão pequeno lhe convém. Não deve ‘punir para vingar-se’; deve corrigir para melhorar.

Transformem assim a fórmula dos criminalistas, nós a entenderemos e a adotaremos.

Como VICTOR HUGO acreditamos que o edifício social do passado apoiava-se sobre três colunas: o padre, o rei, o carrasco.

Já faz tempo que uma voz disse: Os deuses estão indo embora! Depois outra voz levantou-se e gritou: Os reis estão indo embora! Já é hora de uma terceira voz levantar e dizer: O carrasco vai embora. Já dizia em 15 de março de 1832:

Assim, a velha sociedade terá ruído pedra após pedra; assim a providência terá completado o desmoranamento do passado.

Aqueles que sentiram falta dos deuses, pode-se dizer: Deus fica. Aqueles que sentem falta dos reis, pode-se dizer: A Pátria fica. Aqueles que lamentariam o carrasco, não há nada para se dizer.

E a ordem não desaparecerá junto com o carrasco, não pensem isso. A abóbada da sociedade futura não desmoronará por não possuir esta pedra angular hedionda. A civilização não é outra coisa que uma série de transformações sucessivas. O que verão agora? A transformação da penalidade. A doce lei de Cristo penetrará enfim o código e por ele irradiará a luz. O crime será visto como uma doença e esta doença terá seus médicos que substituirão os juízes, seus hospitais[57] que substituirão os cárceres. A liberdade e a saúde serão parecidas. Onde aplicava-se o ferro e o fogo, deitar-se-á o bálsamo e o óleo. Tratar-se-á pela caridade o mal que antes era tratado pela cólera. Será simples e sublime. A cruz substituindo a força. E só.

O Supremo Tribunal Federal prima em não aplicar o Decreto nº 678/92,[58] o que já ocorreu, em especial, quanto a aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal,[59] que determina a suspensão do processo criminal nos casos de réus ausentes, citados por edital.

Invocamos, novamente, o magistério de Membro da Comissão de reforma do Código de Processo Penal, René Ariel DOTTI, afirmando que os redatores do projeto de alteração do art. 366 do CPP aprovaram uma exposição de motivos que esclarece alguns fundamentos do designo de legge que viria a receber, na Câmara dos Deputados, o n.º 4.897, de 1995.

O primeiro deles enfatiza que a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica - é integrante do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. (DOU, de 25.11.1994, Seç. I, p. 17860) [60]

Após quase vinte anos de atraso, por seu Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Convenção dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22.11.1969, entrou em vigor internacionalmente em 18.07.78, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74; considerando que o Governo brasileiro depositou a Carta de Adesão a essa Convenção em 25.09.1992; considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) entrou em vigor para o Brasil em 25.09.1992, de conformidade com o disposto no segundo parágrafo de seu artigo 74; decretou:

Art. 1º - A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22.11.1969, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser cumprida tâo inteiramente como nela contém.

Art. 2º - ...

Brasília, 06 de novembro de 1992; 171º da Independência e 104º da República. ITAMAR FRANCO

Anexo ao Decreto que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) - MRE extraímos o PREÂMBULO que afirma:

Os Estados americanos signatários da presente Convenção,

Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das Instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem,

Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos.

Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional.

Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos; e

Considerando que a Terceira Conferência Interamericana Extraordinária (Buenos Aires, 1967) aprovou a incorporação à própria Carta da Organização de normas mais amplas sobre direitos econômicos, sociais e educacionais e resolveu que uma convenção interamericana sobre direitos humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria..."[61]

Portanto, em vigor para fins e efeitos de Direito interno o Pacto de São José da Costa Rica que implica em profundas e sensíveis alterações no Direito brasi-leiro, do que, aparentemente, não tinha se apercebido a doutrina e os tribunais.[62]

A Convenção Americana de Direitos Humanos proíbe expressamente o prosseguimento do processo-crime em casos de réus ausentes citados por edital desde que entrou em vigor no Brasil no ano de 1992; contudo, o Supremo Tribunal Federal somente passou a conceder a ordem em Habeas Corpus após estar em vigor o artigo 366 do Código de Processo Penal, no ano de 1996.

Durante quatro anos milhares de réus citados por edital e ausentes nos processos foram condenados; muitos deles ainda estão nas barras das prisões, contrariando disposição expressa da legislação em vigor.

Nilmário MIRANDA,[63] em artigo titulado Direitos Humanos, Soberania e Desafios da Nacionalidade para o Terceiro Milênio afirma que o motivador estudo sobre a relação axiológica entre a efetiva proteção aos direitos humanos e o Estatuto Constitucional de 1988 inicia-se precipuamente com a constatação topológica dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil elencados na abertura da Constituição, inseridos, desde logo, em seu artigo inaugural: "I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V - o pluralismo político".

Expressa-se, portanto, inequívoca intenção do legislador constituinte originário em conferir primazia aos direitos e às garantias fundamentais da pessoa humana no ordenamento normativo constitucional, em dissenso com o tradicionalismo das constituições brasileiras pretéritas, também incluída nesse contexto a Carta liberal de 1946, saudada por muitos por seu diferencial democrático.

Todas elas, indistintamente, inauguravam a redação de seus respectivos tex-tos constitucionais contendo normas e disposições pertinentes à organização do Estado brasileiro.[64]

Prossegue o enunciado constitucional, em seu artigo 4º, incluindo expressamente no rol dos princípios regentes das relações internacionais a serem estabelecidas pelo Estado brasileiro: a "prevalência dos direitos humanos" ( inciso II).[65]

Compreende-se nesse enunciado a inamovibilidade valorativa dos direitos humanos como postulado funcional e deliberativo das ações do governo brasileiro. Não por outro motivo, observa-se sua presença entre os princípios fundamentais da vigente carta política.[66]

Significa com isso dizer que o tópico relativo a inafastável permanência dos direitos humanos deverá, desde logo, manter-se por exigência constitucional como conteúdo programático a orientar a agenda diplomática pátria. Acresce-se de forma concomitante a adjuração pela "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" (inciso IX) na formulação da política externa brasileira.[67]

Outrossim, a efetiva inserção internacional do Brasil no contexto da globalização, requer, prioritariamente, o aprimoramento do Estado democrático mediante a interseção normativa entre nosso diploma constitucional e o direito internacional, na permanente manutenção das garantias e dos direitos fundamentais da pessoa humana.

O realce definitivo à integração do ordenamento jurídico brasileiro às normas internacionais observa-se pela redação do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.[68]

Assinala CAPPELLETTI como outra tendência evolutiva de nossa época: ‘l justicia suprancional o transnacional generada a partir del desarollo del constitucionalismo moderno.[69]

Ora, acresce que, com a Constituição de 1988, o novo Estado de Direito Democrático quis assumir, plena e solenemente, as suas responsabilidades internacionais nesta matéria; do mesmo passo, contraiu a responsabilidade de formar todos aqueles que, juristas ou não, têm a ver, pela sua profissão, pública ou privada, com os direitos e as liberdades fundamentais do Homem, e de cuja ação ou omissão pode desde logo brotar, mesmo involuntariamente, uma qualquer ofensa ou violação de um qualquer desses direitos ou dessas liberdades garantidas.

Todavia, por motivos que não cumpre aqui analisar, as Universidades não acompanharam as novas responsabilidades assumidas desde a Constituição Cidadã, pelo poder político atual. Ao invés do que há muitos anos se passa em número elevado de Universidades da América do Norte e da Europa ocidental[70] - e, nos últimos anos, até, em certas Universidades da Europa Ocidental (dentre elas da Polônia) – não foi ainda criada, em muitas das nossas Faculdades, uma cadeira autônoma dedicada à proteção internacional dos Direitos do Homem.

A Declaração Universal – que inúmeros internacionalistas contemporâneos colocam num nível idêntico ao da própria Carta das Nações Unidas -, como aliás as demais declarações que aqui se publicam e até certas disposições de convenções, universais e regionais, são ‘testemunhos’ das chamadas fontes não convencionais dos direitos do homem.

A segunda guerra mundial importou uma mudança fundamental na consideração dos interesses principais e fundamentais do homem.

Toda sua preocupação, até então, havia perseguido o crescimento de seus direitos a partir do Estado que se lhe reconhece-se. Contudo, a conflagração trouxe consigo o desatino generalizado, o homem foi avassalado pela turbulência de prioridades impensadas, mesquinhas, irracionais. Perdeu individualidade, porque a destruição compreendia a todos. Enfim, o direito foi submetido, e um Estado, por si só, não podia reparar todo o dano causado.

O Pacto de Versalles de 1919, que criou a Sociedade das Nações, havia pensado seus interesses a partir da universalidade política. O homem não foi motivo central do acordo, dado que sua participação contava em função de sua qualidade de cidadão de um país determinado, donde resolvia suas conveniências e conflitos singulares.

Em mudança, a Carta que se explicita em 1945, criando a Organização das Nações Unidas (ONU), proclama os direitos do homem, consagrados essencialmente na Declaração Universal de 1948.

O mundo assistiu então a uma mudança de observação.

O primordial era o homem e seus direitos fundamentais, sem importar sua nacionalidade, credo, posição política ou econômica.

Desafortunamente, se entendeu que a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão tinha valor somente político-filosófico e moral, mas não jurídico.

Ela não foi considerada como um documento juridicamente vinculante, porque se encontra órfã de instituições, procedimentos e sanções dirigidos a garantir sua efetiva aplicação.[71]

Não obstante, esta foi a primeira demonstração que desbordou o marco de interesse nacional para elevar suas manifestações ao seio da internacionalidade.

Os direitos humanos, concebidos em função da tutela principal que merecem por sua condição e qualidade, se interpretaram em uma concepção unívoca.

Mas, a proteção processual, isto é, a outra face da declaração, não foi de igual tratamento; a aplicação desaparelhada e condicionada a mútuos reconhecimentos, tais como o princípio de reciprocidade no conceito de conciliação, lavaram a necessidade de acordar convênios de relações mútuas, a pactos internacionais que estabeleceriam uma pauta uniforme de proteção: o Convênio de Roma, cujo marco institucional é o Conselho da Europa; e o Pacto de São José da Costa Rica, são expressões eloqüentes deste desejo de proteger aos direitos humanos dotando-lhes de um corpo legal de apoio que privilegia suas disposições por sobre as leis de direito interno.

Na atualidade a idéia de universalizar a proteção dos direitos humanos, da passo a uma corrente um tanto mais restrita, que não perde sua dimensão internacional: a regionalização das instituições de defesa dos direitos fundamentais.

Por exemplo, a Resolução 2200 C, XXI, de 09.12.1996 ditada pela Assembléia Geral da ONU solicitou à Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, que estudava, entre outras coisas, a questão de estabelecer instituições regionais apropriadas para desempenhar certas funções relativas a observação do pactos.[72]

De igual modo, entre 1976 e 1979 se instigou ‘a los Estados de áreas en las que todavia no existem delegaciones regionales que se ocupen de los derechos humanos, a considerar la adopcion de acuerdos com vistas a la creación en sus respectivas regiones de los mecanismos apropriados para promover y proteger los derechos humanos.[73]"

Desta maneira, conforme afirma OSVALDO A. GOZAÍNI, cujo trabalho embasa o presente, se podem distinguir três tipos de manifestações que internacionalizam a preservação dos direitos fundamentais a partir de uma situação própria, a saber:

O direito das comunidades, por exemplo a Comunidade Européia,[74] dentro da qual o respeito aos direitos básicos constitui uma parte integrante dos princípios legais gerais, cuja observância garante o Tribunal de Justiça; procurando a proteção desses direitos, em consonância com as tradições constitucionais comuns aos Estados membros, de maneira que se garantisse no contexto e nas aspirações da Comunidade.

A dimensão continental, que ocupa no caso a OEA, sobre tudo a partir de 1959 quando se cria a Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos, e em especial desde que firmado o Pacto de São José da Costa Rica. Similar inspiração inspiração conta a Carta de Addis Abeba, que originou a Organização para a Unidade Africana; como a Liga dos Estados Arábes, fundada em 1968.

A dimensão internacional, pensada, V. gr.: na Corte Internacional de Justiça,[75] com sede em Haya, para solucionar as diferenças entre os Estados parte, com tanto que declarem reconhecer como obrigatória ipso facto e sem convênio especial, respeito a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição da Corte em todas as controvérsias de ordem jurídica que versem sobre: a), a interpretação de um Tratado; b), qualquer questão de direito internacional; c), a existência de todo fato que, si foi estabelecido, constituiria violação de uma obrigação internacional; d), a natureza e extensão da reparação que se há de fazer pelo quebramento de uma obrigação internacional (art. 36, inciso 2º, do Estatuto da CIJ).

Com efeito, as fontes do direito internacional dos direitos do homem não se esgotam nos tratados internacionais; constituem ainda suas fontes ‘o costume internacional como prova de uma prática geral aceita como constituindo o direito’ (cf. art. 38º, n.º I, al. b, do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça) e os chamados ‘princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas’ (cf. art. 38º, n.º I, al. c), e mais precisamente o seu parecer relativo às reservas à Convenção sobre a prevenção e a repressão do crime de genocídio (‘Recueil’, T. I. J., 1951, p. 23), trata-se de princípios que ‘obrigam os Estados, mesmo fora de qualquer laço convencional’.

O Estado e o mercado, sozinhos, parecem sem condições de enfrentar a crise econômica, social e ambiental em que estamos mergulhados, e de resolver os desafios colocados pelos novos tempos, pelo MERCOSUL.

A sociedade está sendo chamada cada vez mais para formular alternativas.

A mesma crise que enfraquece o Estado nacional tende a fortalecer as organizações da sociedade civil.

O que significa uma sociedade civil global?

A globalização implica a importância crescente do nível supraterritorial, ou aterritorial, das instâncias globais, e portanto, a possibilidade e necessidade de desenvolvimento de uma sociedade civil global, o que significa uma esfera que seja não-capitalista/não-Estado ou anticompetitiva/anti-hierárquica para os esforços democráticos.

Daí, as discussões sobre a reforma da ONU e de instâncias interestatais; sobre novos padrões, como o direito de comunicar-se; sobre o funcionamento dos movimentos sociais globais; sobre a inter-relação das organizações interestatais, as ONGs e os movimentos sociais globais, que vão além dos direitos eleitorais/territoriais.

A sociedade civil global não é um paraíso de liberdade desterritorializada, solidariedade, preocupação ecológica ou tolerância pluralista. Mas pode ser o espaço para civilizar e superar as estruturas/processos/ideologias capitalistas, estatísticas, tecnocráticas etc.

É antes um habitat que deve ser construído contínua e coletivamente, do que uma estrutura já existente e representada, ainda imperfeitamente, pelos movimen-tos sociais internacionais.

O desenvolvmento de uma sociedade civil global depende e, ao mesmo tempo, estimula a democratização, a desconcentração e a descentralização das organizações interestatais e instituições capitalistas globais. Uma sociedade civil global requer a noção de cidadania planetária, que já não pode ser simplesmente o universalista religioso, o cosmopolita liberal ou o internacionalista socialista.

A transição gradual do capitalismo industrial ao de informação, as múltiplas crises de crescimento e uma propagação da consciência ecológica impõem a necessidade de alternativas em busca de uma política eticamente informada e consciente.

A construção de uma esfera pública transnacional estará balizada por dois importantes princípios: o interesse público internacional e o patrimônio comum da humanidade.

Os direitos humanos e o interesse público internacional erguem limites à afirmação das soberanias, e, segundo Celso LAFER, se expressam "através da instauração do ponto de vista da humanidade como princípio englobante da comunidade mundial".

A noção de patrimônio comum da humanidade também reconhece interesses superiores da comunidade internacional em face do impasse entre interesses públicos e privados internacionais.

Os dois princípios acarretam uma revolução no Direito Internacional Público, tradicionalmente baseado no conceito de soberania, ao transformá-lo em Direito Geral da Humanidade ou, retomando a expressão romana, Direito das Gentes.[76]

A integração, frente a globalização das relações internacionais, pode ser interpretada como um instrumento de proteção ou de defesa ante dita tendência ou como mecanismo para aproveitar a mundialização.

Ela faz que os Estados integrem em blocos e que busquem neles as fórmulas para este fenômeno através do aperfeiçoamento institucional.

A eficácia institucional se converteu no eixo central da projeção do MERCO-SUL, por quanto não cabe aceitar a possibilidade de que se prossiga com êxito a constituição do Mercado Comum do Sul, sem órgãos eficazes, técnicos, capazes de dar respostas adequada e oportuna às multiplas variáveis que vão surgindo, capazes também de interpretar de um modo uniforme ao direito da integração e resolver os conflitos e controvérsias que puderem emergir de sua aplicação, não obstante, do ponto de vista institucional e político, o projeto integracionista do MERCOSUL se aproxima mais do modelo europeu da UE, isto é, tendencialmente comunitário, do que no norte-americano, exclusivamente livre-cambista. A despeito dessa vocação unificacionista no planos político e econômico, o MERCOSUL evitou o "salto supranacional", mantendo, tanto em sua primeira fase de transição como durante o processo em curso de acabamento de sua união aduaneira, um esquema essencialmente intergovernamental de tomada e implementação de decisões.[77]

A edificação do MERCOSUL hã que ser alicerçada à luz dos Tratados, Pactos e Convenções de Direitos Humanos, da adesão irrestrita a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da possibilidade do cidadão postular perante a referida Corte contra as violações de direitos.

O salto para o Tribunal Transacional para julgar matérias decorrentes das relações do MERCOSUL é inexorável e mais seguro que a arbitragem.

O nosso entendimento é que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – este proibindo a prisão por dívida – e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – este proibindo a prisão apenas por não poder alguém cumprir com um obrigação contratual – são, por disposição expressa da Constituição Federal em vigor, normas de Direito internacional às quais deve ocorrer a interpretação sistemática da norma constitucional, atendendo esta aos princípios daqueles. Portanto, revogada a possibilidade de prisão do depositário prevista na Constituição Federal. Ainda, se tanto, que se entenda que há paridade entre a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e as normas internas, estas, no que concernem a prisão do devedor, que porque depositário infiel, quer nos moldes da alienação fiduciária, cédula rural, sonegação fiscal, etc; posto que lex posterior derogat priori.

Se o Supremo Tribunal Federal entende que a Convenção Americana de Direitos Humanos sita em estamento inferior à Constituição Federal, não poderia, como tem feito, afirmar que há a prisão civil por dívida em nosso ordenamento jurídico, pois a matéria, então, é de competência do Superior Tribunal de Justiça.

"Deixarei contudo que o pouco que aprendi seja conhecido, de modo que alguém melhor do que eu possa adivinhar a verdade, provando e refutando meus erros com seu trabalho. Isso me dará prazer,pois terei sido um meio para trazer à luz a verdade."

Albrecht Dürer


Notas

1.."Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)." José Joaquim Gomes CANOTILHO. Direito Constitucional, Coimbra : Almedina, 6ª. ed., 2ª reimpressão, p. 539.

2. V. Vigiar e Punir: História da Violências nas Prisões. Petrópolis : Vozes, 1977, passim e esp. 207 e segs.

3. Trabalho de conclusão de curso apresentado na disciplina Direito Civil na Constituição indicado pelo Prof. Gustavo TEPEDINO. In: Cadernos da Pós-Graduação - Faculdade de Direito - UERJ, Ano 2, setembro/1996 - edição extra, p. 141.

4. Nesse sentido: Evaristo de MORAES FILHO. Caminha pelo Direito Penal. In: Ver. da Fac. de Direito - UERJ, n.º 1, p. 71.

5. Cf. Pontes de MIRANDA. História e Prática do Habeas Corpus. t. I, § 1, 1, p. 3.

6. Prisão Civil. In: Revista Jurídica, Porto Alegre : Editora Síntese, n.º 219, pp. 41 e segs.

7. "Não podemos atinar sobre a possibilidade da prisão por dívida, quando o propósito é indisfarçável: Trata-se de evidente artifício odioso, oriundo da prepotência do poder econômico imperante no capitalismo, como considerou o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Rel. Juiz JOAQUIM CHIAVEGATO, ao relatar a Ap. n.º 538.806-3, com o que estamos de pleno acordo." Sérgio da Silva COUTO. A prisão civil por dívida e a divergência entre o STF e o STJ. Internet.

8. A Constituição de 1988, prevê prisão civil em apenas dois casos: inadimplemento inescusável de prestação alimentícia e depositário infiel (art. 5º, LXVII). A questão, em tal enfoque, é saber se o devedor fiduciante poderia ou não ser considerado depositário infiel.

9. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993.

10. O entendimento do autor citado esta longe de ser isolado, conforme se verá adiante.

11. Ob. cit., p. 155.

12. Ob. cit., extraído da introdução do Autor.

13. Ob. cit., pp. 107 e 108.

14. As trinta e oito decisões são mencionadas no RECR n.º 206.086-SP, Rel. min. ILMAR GALVÃO, disponível na home page do Supremo Tribunal Federal. V. g. RHC n.º 67.397, 12-V-89, Rel. min. SYDNEY SANCHES, RTJ, 129/02. Dando provimento a recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal, a Turma cassou decisão do STJ que, afirmando a diversidade entre a condição jurídica do devedor na alienação fiduciária e a do depositário, concedera habeas-corpus para afastar a prisão civil do paciente decretada em ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito. Precedente citado: HC 72131-RJ (Pleno, 23.11.95; v. Informativo n.º 14). RE 206.086-SP, Rel. min. ILMAR GALVÃO, 12.11.96. Reiterando o entendimento firmado no HC 72.131-RJ (Pleno, 22.11.95; v. Informativo n.º 14), o Tribunal reconheceu a plena legitimidade constitucional da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69, art. 4º). Com base nesse entendimento, o Tribunal deu provimento a recurso extraordinário do Ministério Público Federal para reformar decisão do STJ que, afirmando a diversidade entre a condição jurídica do devedor fiduciante e a do depositário, concedera habeas-corpus para afastar a prisão civil do paciente. Vencidos os ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, CARLOS VELLOSO e MARCO AURÉLIO que, em face do art. 5º, LXVII, da CF ("não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;") e da Convenção de S. José da Costa Rica, mantinham o entendimento da decisão recorrida. RE 206.482-DF, Rel. min. MAURÍCIO CORRÊA, 27.5.98. - grifo meu -

15. Constituição Federal, Art. 5º, § 2º: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

16. Constituição Federal, Art. 4º, II.

17. Ob. cit., passim.

18. Sedutora, embora sem pertinência, na espécie, a conseqüência de elaboração de lei posterior à Convenção, dispondo contrariamente. Se aceito o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que o Decreto n.º 678/92 tem força de lei ordinária indaga-se: pode o STF conhecer de matéria referente a tal decreto?

19. "Dormia em berço esplêndido a discussão a respeito da prisão na alienação fiduciária em garantia até que surgiu no cenário jurídico nova decisão do Supremo Tribunal Federal, por sua Segunda Turma (HC 74.383, MARCO AURÉLIO, DJ 27.6.97), dando pela inviabilidade da privação da liberdade daquele que deixa de pagar o financiamento contratado, com garantia de alienação fiduciária. Não que se esteja voltando à tona o antigo debate sobre a eliminação da expressão ‘‘na forma da lei’’ da Constituição anterior. Isso foi selado de vez pela jurisprudência, tanto do tribunal intérprete da Constituição (HC 72.131, MOREIRA ALVES, Pleno, j. 23.11.95) quanto da corte guardiã do direito federal (RMS 3.623, Sálvio de FIGUEIREDO TEIXEIRA, Corte Especial, DJ 29.10.96). O que se pretende agora é dar novo enfoque à questão, tendo em vista a constitucionalidade material do artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de San José, a que o Brasil aderiu." Gláucio Ferreira Maciel GONÇALVES. Prisão na Alienação Fiduciária. Internet.

20. "O tema aberto, já se viu, não é susceptível de um tratamento aprofundado. Fica-se sempre na superfície do assunto. O tema fechado, pelo contrário, é propício para o mergulho epistemológico, por assim dizer, em razão de sua reduzida dimensão gnosiológica." José Wilson FERREIRA SOBRINHO. Pesquisa em Direito e Redação de Monografia Jurídica, Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris, p. 45. Assim, a opção pelo corte apistemológico, estudo da prisão civil sob o enfoque da Constituição Federal (direito interno) e os Tratados, Pactos e Convenções de DIREITOS HUMANOS, observando a latere as questões já enfrentadas na doutrina (não constituir depósito a alienação fiduciária, natureza jurídica da prisão civil etc.).

21. Nesse sentido a conferência do Professor CALMON DE PASSOS no Congresso Nacional de Direito Processual Civil realizado em Florianópolis - Santa Catarina, em 1997.

22. Elementos

..., p. 1.

23.. O Direito e os Direitos

, São Paulo : Acadêmica, 1988, p. 15.

24. "Por sujeción de la argumentación iusfundamental ´a la ley´ se entenderá aquí la sujeción al texto de las disposiciones iusfudamentales y a la voluntad del legislador constitucional. Expresión de esta sujeción son, sobre todo, las reglas y formas de la interpretación sumántica y de la interpretación genética." Cf. R. ALEXY. Theorie der juristicschen Argumentation, pp. 289 e segs. "En la interpretación genética hay que incluir también la interpretación subjectivo-teleológica que apunta a los fines que el legislador constitucional vinculó com las disposiciones iusfundamentales." Ibídem, pp. 251 e segs.

25. Castroriádis CORNELLUS. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1982.

26. Nesse sentido: O Direito e os Direitos, passim.

27. Ob cit., p. 20.

28. Ob. cit., p. 134.

29. Direitos do Homem e Política. In: A Invenção Democrática, São Paulo : Brasiliense, 1983 p. 37.

30. Direito de petição, mediação e arbitragem endoprocessual, e reenvio processual, a exemplo.

31. La garantie jurisdictionalee de la Constitutión. In: Revue du Droit Public, 1928, p. 204.

32. Nesse sentido: Luiz Fernando Ribeiro de CARVALHO e Luiz Werneck VIANNA. Democracia e Acesso à Justiça, Seminários Friedrich Naumann/IUPERJ, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, v. 5, passim.

33. "Colhe-se assim o significado real desta redução da visibilidade: a lógica que despreza a democracia, despreza na verdade a coligação e a tensão entre forma e vida, entre sistema e vida. Eis o ponto central, o grande tema do relaxamento da questão democrática: a questão democrática é uma questão vital, que considera a relação entre as razões da vida e as razões do sistema. Não é pensável um sistema opere em contraste ou independentemente das razões da vida." Pietro BARCELLONA. O Egoísmo Maduro e a Insensatez do Capital, Trad. Sebastião José Roque. Coleção Elementos de Direito. São Paulo : Editora Ícone, 1995, p. 87.

34. "Há quem, entretanto, suspeite dessa soberba que pretende - montada em interesses que não alcançam o manto da invisibilidade - transvestir de neutralidade uma postura ideológica que se sustenta no suposto fim da História e... das ideologias... A História, ao que tudo indica desavisada, continua a fluir, até com uma turbulência que - àqueles cultores de seu fim - soará absurda e certamente deselegante." Luiz Fernando Ribeiro de CARVALHO e Luiz Werneck VIANNA. Ob. cit., p. 11.

35. "(...) os processualistas de última geração estão hoje envolvidos na crítica sociopolítica do sistema, que transforma o processo, de instrumento meramente ´tecnico em instrumento ético e político de atuação da justiça substancial e garantia da liberdade. Processo esse que passa a ser visto na total aderência à realidade sociopolítica a que se destina, para o integral cumprimento da sua vocação primordial, que é a efetiva atuação dos direitos materiais (...) Kazuo WATANABE escreve em 1988 estudo sobre acesso à Justiça e sociedade moderna (Participação e Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, pp. 128-135), ali demonstrando que hoje a idéia de acesso à Justiça não mais se limita ao mero acesso aos tribunais: não se trata apenas e somente de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, mas de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Dados elementares do direito à ordem jurídica justa são: a) o direito à informação; b) o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; c) o direito ao acesso a uma justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; d) o direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; e) o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma Justiça que tenha tais características." Ada Pellegrini GRINOVER. O Processo em Evolução, Rio de Janeiro : Forense Universitária, p. 10 e 11.

36. Cf. Claus OFFE. Sociólogo alemão. Professor da Universidade Humboldt, em Berlim. Conferências em São Paulo, abril de 1998. "A democracia funciona apenas quando os cidadãos sentem que seu voto é útil, que ele decide os destinos de sua cidade ou país. Quando o governo é muito fraco é normal que as pessoas duvidem da democracia... ...A família, os vizinhos, a comunidade em que cada um vive é a reserva moral da sociedade. É lá que o cidadão vai encontrar a solidariedade sem interesses.... É inegável o resultado positivo da ação comunitária..."

37. Boaventura de Souza SANTOS. O Direito e a Comunidade. In: Direito e Avesso, ano II, n.º 3, (1983), pp.139-163; dentre outras.

38. Durante o mês de outubro de 1998 aprovada a adesão no plenário da Câmara Federal.

39. Nesse sentido: Luiz Edson FACHIN, Elementos..., passim.

40. "...exige-se da tase de doutorado contribuição suficientemente original a respeito do tema pesquisado. Ela deve representar um progresso para a área científica em que se situa. Deve fazer crescer a ciência. Qualquer que sejam as técnicas de pesquisa aplicadas, a tese visa a demonstrar argumentando e trazer uma contribuição nova relativa ao tema abordado." Antônio Joaquim SEVERINO. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo : Cortez, 1996, p. 119. "A tese, como trabalho suplementar, e de certa forma complementar, vai além da pura análise dos dados e redunda inexoravelmente na apresentação de uma nova teoria, desconhecida e inteiramente nova do que produziu até então. Eduardo de Oliveira LEITE. A Monografia Jurídica. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 8. "A Própria compreensão da originalidade da tese é problemática. Não é raro ver examinadores procurando uma originalidade absoluta nas teses que examinam. Isto é uma grosseria epistemológica na medida em que a tão sonhada originalidade absoluta não é possível no conhecimento. Para que se pudesse falar de uma originalidade absoluta, seria necessário admitir uma espécie de ruptura radical entre o saber atual e o saber anterior, de modo que se tivesse o ponto zero do conhecimento." José Wlson FERREIRA SOBRINHO. Ob. cit., p. 19.

41. Físico Nuclear. Autor de A História Atômica. Nota: A formulação desta Metodologia Científica foi, em parte, contribuição dos engenheiros da Ma Bell - laboratórios de pesquisa dos Telefones Bell - a quem são expressados agradecimentos. Apud L. Ronald HUBBARD, DIANÉTICA, Rio de Janeiro : Record / Nova Era, 1996, p. 374.

42. Ob. cit., p. 369.

43. Ob. cit., passim.

44. "É importante lembrar que POPPER defende o método dedutivo para a ciência, segundo o qual o embasamento teórico deveria constituir o ponto de partida do trabalho científico. Assim, a investigação científica seguiria o esquema problema-solução. Para ele, à diferença dos indutivistas, os problemas não adviriam da observação dos fenômenos, mas da (s) própria(s) teoria(s) vigente(s), que já não satisfaz(em) o cientista diante da sua tarefa de fazê-la(s) corresponder aos fatos. Nossas teorias de fabricação humana podem colidir com aqueles fatos reais e assim, em nossa procura da verdade, podemos ter de ajustar ou desistir delas. (POPPER, 1975; p. 302)" Maria José CORACINI, Um Fazer Persuasivo, São Paulo : Pontes/EDUC, 1991, p. 28.

45. "Nosso conhecimento - em particular o conhecimento científico - progride por meio de antecipações justificadas (ou não), ´palpites´, tentativas de soluções, por meio de conjecturas, enfim. Conjecturas que são controladas pelo espírito crítico; isto é, por refutações, que incluem testes rigorosamente críticos. Elas podem vencer esses testes, mas nunca são justificadas de modo positivo: não se pode demonstrar que sejam verdades seguras, ou mesmo ´prováveis´ (no sentido do cálculo probabilístico). O exame crítico das nossas conjecturas tem importância decisiva: põe em evidência nossos erros e nos leva a compreender as dificuldades do problema que pretendemos solucionar. É assim que nos familiarizamos com os problemas e podemos propor soluções mais maduras: por si mesma, a refutação de uma teoria - isto é, de qualquer tentativa séria de solucionar nossos problemas - constitui sempre um passo que nos aproxima da verdade. Desta forma, aprendemos com os erros. À medida que aprendemos com os erros cometidos, nosso conhecimento aumenta - embora possa acontecer que não tenhamos consciência (ou segurança) disso. Como nosso conhecimento cresce, não há razão para desesperar da razão. E como nunca podemos saber com certeza, não podemos também adotar uma atitude autoritária, pretensiosa ou orgulhosa em relação ao que sabemos. Dentre as teorias que sustentamos, algumas são muito resistentes às críticas e, num determinado momento, parecem constituir uma melhor aproximação da verdade: estas podem ser descritas - juntamente com os resultados dos testes a elas aplicados - como a ´ciência´ daquela época. Mas, como nenhuma teoria pode ser justificada de forma positiva, a racionalidade da ciência reside essencialmente no seu caráter crítico e progressivo - no fato de que podemos debater sua pretensão de solucionar problemas melhor do que as explicações competitivas. Em poucas palavras, esta é a tese fundamental desenvolvida neste livro, que é aplicada a muitos temas - de problemas de filosofia e da história das ciências físicas e sociais a problemas históricos e políticos. Karl. R. POPPER. Conjecturas e refutações, 3ª ed., Brasília : UnB, prefácio.

46. Vide Glossário: padrões fixos e dados estáveis.

47. Nesse sentido: Maria José CORACINI. Um Fazer Persuasivo, passim.

48. José Carlos KÖCHE, Fundamentos de Metodologia Científica, São Paulo : Cortez, pp. 12 e 13.

49. Ob. cit., passim.

50. KHUN, T. S. The Structure os Scientific Revolution. USA : Univ. Chicago Press, 1970, pp. 176 e segs.

51. "Sob o enfoque sociológico, a atividade científica começa a revelar alguns aspectos ainda mais surpreendentes. Por detrás da fachada de consenso, da opinião paciente e cautelosamente formada, das conclusões e certezas confiantemente divulgadas - muitas vezes com pompa e estardalhaço - ao público leigo, descobre-se uma luta sem trégua, cheia de intrigas e manobras bem planejadas, entre os partidários de orientações teóricas distintas e incompatíveis entre si. A meta é sempre conquistar a soberania sobre o campo e estabelecer uma nova ordem que se convencionou chamar ´paradigma´, no rastro do trabalho de THOMAS KHUN. De acordo com KHUN, a substituição de um paradigma por outro não significa necessariamente um progresso - de vez que cada paradigma tende a postular novas regras do jogo e também as metas-regras necessárias para avaliar os méritos ou deméritos de conjuntos de regras alternativas. Essa conseqüência da posição assumida pelo autor, um tanto desconcertante, principalmente para o leigo que se entregou de corpo e alma aos encantos da ciência e as suas promessas de melhores dias, encontra oposição ferrenha nas mãos de, entre outros, KARL POPPER, para quem há um critério de falseabilidade que garante que a ciência não caia no mesmo terreno dos belos contos de fada. Mesmo que não cheguem a constituir-se em belos contos de fada, nossas teorias não passam de ´livres criações da mente humana´. Quem assina embaixo é o próprio ALBERT EINSTEIN, ´monstro sagrado´ da ciência moderna, modelo indiscutível da pesquisa científica e, por sinal, ídolo incondicionalmente reverenciado pelo próprio POPPER." Kanavillil RAJAGOPALAN. Um fazer persuasivo, 13-4.

52. Ob. cit., passim.

53. Aidil de Jesus Paes de BARROS e Neide Aparecida de Souza LEHFELD. Projeto de pesquisa: propostas metodológicas, p. 14.

54. "A abordagem sociológica da ciência se coloca visceralmente contra a visão engendrada pelo positivismo lógico, que, a despeito do relativo desprestígio nos dias de hoje, continua ainda a ditar as regras, por exemplo, na forma do cientismo, o nome que se dá à crença, bastante arraigada até mesmo entre alguns dos melhores cientistas contemporâneos, de que as chamadas ciências do homem devam tentar emular as ditas exatas. Enquanto este prega que a cientificidade é fruto da anulação, dentro da atividade de pesquisa, de todos os valores humanos, aquela nos lembra que, por se tratar de uma atividade e não de um simples corpo de conhecimentos, e inútil, para não dizer perverso, encarar a ciência como qualquer coisa que não seja humana por excelência. Dentro de uma abordagem sociológica, a própria matemática - a rainha de todas as ciências -, que LEIBNIZ afirmou ser a linguagem perfeita mediante a qual Deus se comunicaria, passa a ser considerada, antes e sobretudo, uma atividade como qualquer outra. Com efeito, torna-se imprescindível compreender primeiro as especificidades da vida social que os matemáticos levam e, em seguida, abordar seu discurso como um objeto de estudo semiológico da mesma forma que qualquer outro discurso. Pois os enunciados que esses estudiosos produzem também não escapariam, de maneira alguma, à condição de serem atos de fala no sentido de J. L. AUSTIN, e, como tal, sujeitos às mesmas condições de emprego e aceitação que regem todo e qualquer anunciado." Kanavillil RAJAGOPALAN. Ob. cit., p. 13.

55. Cf. aulas nos Cursos de Mestrado e de Doutorado em Direito da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, 1998, 1º semestre.

56. Reimpressão de A história da filosofia, de Will DURANT (New York : Simon and Shuster, 1926). Apud L. Ronald HUBBARD, Dianética, Ob. cit., pp.367-8.

57. Nosso entendimento é que pode ser aplicada a tecnologia de Dianética. Portanto, desnecessário o internamento hospitalar.

58. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica entrou em vigor internacionalmente em 18 de julho de 1978, tendo sido ratificada pelo Brasil em 25 de setemebro de 1992. O Congresso Nacional a aprovou pelo Decreto Legislativo n.º 27, de 26 de maio de 1992. Pelo Decreto do Poder Legislativo n.º 678, de 06 de novembro de 1992 determinou-se o seu cumprimento no País.

59. A respeito veja-se: O Processo Penal à luz do Pacto de São José da Costa Rica, JURUÁ Editora, 1ª ed., 2ª tiragem, pág. 135 e seguintes.

60. ARIEL DOTTI, René. A Ausência do Acusado e a Suspensão do Processo. RT, 730, p. 402.

61. D. O. 09.11.92, Seção I, pp. 15562-3.

62. O governo brasileiro, ao depositar a Carta de Adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em 25 de setembro de 1992 (e convalidado mediante Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992), fez a seguinte declaração interpretativa sobre os artigos 43 e 48, alínea "d": "O Governo do Brasil entende que os artigos 43 e 48, alínea "d", não incluem o direito automático de visitas, inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão de anuência expressa do Estado".

63. Jornalista, pós-graduado em Ciência Política pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais e membro efetivo das Comissões de Constituição e Justiça e Direitos Humanos da Câmara de Deputados. Trabalho encontrado na Internet.

64. José CRETELLA JR. assim discorre: "(...) tendo o País saído de um regime forte, os constituintes, no Estado de direito implantado, ressaltaram que o Brasil fundamentará suas relações internacionais nos princípios da independência nacional, com a prevalência dos Direitos Humanos." Além disso, "(...) o Brasil tomará posição contra os Estados em que os direitos humanos sejam desrespeitados". CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. volume I. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1992. p. 172.

65. Flávia PIOVESAN afirma: "A Carta de 1988 é a primeira Constituição brasileira a elencar o princípio da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental a reger o Estado brasileiro nas relações internacionais". PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo : Max Limonad, 1996, p. 65.

66. Princípios fundamentais são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado, no sentido que a eles empresta Carl SCHIMIDT. Constituem, como afirmam CANOTILHO e VIDAL MOREIRA, ‘síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais, que àquelas podem ser direta ou indiretamente reconduzidas’ . BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro : Renovar, 1993. p. 288.

67. Aduz Antônio Augusto CANÇADO TRINDADE, em clássica obra do Direito Público brasileiro: "No Brasil houve efetivamente uma mudança fundamental - e não há como negá-la - da atitude que prevaleceu durante o regime militar (1964 - 1985) para a que hoje (a partir de 1985) predomina em nosso país, no tocante à proteção internacional dos direitos humanos. Tanto é assim que mesmo os que antes, no ancien régime, se opunham categoricamente à adesão do Brasil aos tratados gerais de proteção dos direitos humanos, imbuídos de um pseudo-"constitucionalismo" estéril que pretendia fazer abstração do regime a que servia, hoje se aliam, convertidos, ao consenso arduamente formado (ainda que tardiamente) em prol da causa da proteção internacional, em nome do mesmo "constitucionalismo". CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos - fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 622-3.

68. "O dispositivo em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enunciar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece". FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo : Saraiva, 1993. p. 623.

69. La Justicia Constitucional como jurisdición para la defensa de la libertad.

p. 83.

70. CF. L’enseignement des droits de l’homme. Travaux du Congrès international sur l’enseignement des droits de l’homme, Vienne, 12-16 Septembre 1978, UNESCO, Paris, 1980, p. 56.

71. CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit., p. 85.

72. VASAK, Karel. Instituciones regionales para la promocion y protección de los derechos humanos, in La Dimension Internacional de los derechos humanos. Vol. III, p. 616.

73. Vejam-se as resoluções da Assembléia Geral da ONU 32/217 (1977); 33/167 (1978) e 34/171 (1979).

74. Um dos resultados mais positivos da União Européia e, certamente, a razão do êxito da integração européia, foi a criação do chamado Direito Comunitário, um novo tipo de Direito comum aos Estados membros. Trata-se de um tertium genus, um terceiro gênero, que se situa entre o Direito Interno e o Direito Internaiconal, com um Tribunal específico para interpretá-lo e aplicá-lo em última instância. Trata-se de um direito novo porque apresenta objeto próprio, institutos próprios, método próprio e princípios próprios. Com objeto próprio, o Direito Comunitário lida com um conjunto de normas supranacionais, que emanam de fontes próprias, as quais não se confundem com aquelas que produzem o Direito Interno ou Internacional, como os parlamentos e governos locais. O Direito Comunitário nasce fundamentalmente dos tratados de integração (como o de Maastrich ou de Assunção, por exemplo), verdadeiras cartas constitucionais (chamadas de tratados-quadro)), nascendo também das resoluções e diretrizes partidas dos órgãos comunitários, que não vinculam apenas os Estados, mas também as pessoas jurídicas públicas e privadas e os particulares, sendo aplicadas, inclusive, pelo sistema judiciário de cada um dos integrantes do bloco regional... ...O Direito Comunitário, enquanto disciplina jurídica nova, possui também um método próprio, empregando instrumentos gnoseológicos e hermenêuticos especiais, sem prescindir daqueles do Direito Interno e Internacional..."Cf. LEWANDORSKI, Enrique Ricardo. Conferência citada.

75. "Diante das dificuldades na interpretação das normas do Direito Comunitário traduzidas para os idiomas dos países que integram a Comunidade Européia, emprega-se a interpretação teleológica ou finalística que leva em consideração os objetivos do Tratado, expresso em princípios, quais sejam: da igualdade (que proíbe qualquer discriminação implícita ou explícita entre os membros ou as pessoas); da liberdade (de circulação de pessoas, de mercadorias, capitais e de prestação de serviços); da solidariedade (entre os Estados-membros); e, por fim, o da unidade (jurídica e econômica). Mas, certamente, os princípios mais importantes desse no Direito são: o da autonomia da ordem jurídica comunitária; o da cooperação entre o Direito Comunitário e o Interno e, finalmente, os mais importantes, os princípios da aplicabilidade direta do Direito Comunitário e o princípio da supremacia deste sobre o Direito Interno que lhe é contrário. Em razão dessas características, o Direito Comunitário é aplicado diretamente pelas autoridades administrativas e judiciárias de cada Estado-membro, funcionando a Corte de Luxemburgo basicamente como uma Corte Constitucional – tendo como paradigma o Tratado de Maastrich -, e como um órgão de unificação jurisprudencial e de harmonização da interpretação das normas supranacionais, sobretudo através do reenvio prejudicial. Cf. LEWANDOSKI, Enrique Ricardo. Conferência citada.

76. Liszt VIEIRA. Cidadania e globalizaçào. 2ª ed., Rio de Janeiro : Record, 1998, pp. 112-113.

77. Paulo Roberto de ALMEIDA. Ob. cit., pp.


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CUNHA, José Sebastião Fagundes. O pensamento jurídico, a prisão civil, o Mercosul e o método de pesquisa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3094. Acesso em: 23 abr. 2024.