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Dano coletivo nas relações de trabalho

o dumping social e seus reflexos

Dano coletivo nas relações de trabalho: o dumping social e seus reflexos

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Este texto analisa a aplicação do Dumping Social na Justiça do Trabalho, bem como qual seria a competência para requerer e aplicar a condenação de tal instituto e a multa pecuniária acarretada pelo seu reconhecimento.

Resumo: As relações de trabalho evoluem com a mesma velocidade que a sociedade evolui, muito embora o Direito não acompanhe as evoluções com a mesma rapidez. Neste sentido, tendo em vista a grande quantidade de lacunas que o processo do trabalho detém e considerando ainda a própria previsão celetista de uso das normas de direito comum e de direito processual comum como fonte subsidiária naquilo em que não for incompatível, este trabalho se propõe a estudar a aplicação subsidiária da multa prevista no artigo 404, § único do Código Civil nas situações de Dumping Social. Este ocorre quando o empregador não respeita deliberada e reiteradamente as leis e normas do direito do trabalho, auferindo com este ato, melhor posição econômica que seus concorrentes que observam tais preceitos. Utilizando pesquisa doutrinária e jurisprudencial, o presente trabalho irá traçar uma evolução do conceito de dano até chegarmos ao conceito de Dumping, bem como analisar a competência para requerer tal condenação, inclusive se a melhor forma processual é via processo individual, ou ação coletiva proposta pelo Ministério Público do Trabalho. Discorreremos se cabe ou não a um autor de demanda trabalhista requerer este tipo de condenação, bem como para onde deve ser destinado o fruto desta condenação, utilizando para isto, posicionamentos doutrinários tradicionais e posicionamentos modernos oriundos de doutrinadores que vivenciam o Direito do Trabalho que ocorre diariamente nas salas de audiência, e por vezes, muito diferente daquele direito ideal que aprendemos, ou quer era para ocorrer.

Palavras-chave: Dano Social. Dumping Social. Competência. Direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos.


1 INTRODUÇÃO

Normalmente, o Direito vem apenas normatizar uma situação de fato que a própria sociedade já instituiu como certa ou necessária. Quando usamos a expressão Direito, não estamos neste momento nos referindo a algum ramo específico, mas sim a todo ordenamento, afinal, o Direito precisa ser interpretado em conjunto, em sintonia ente seus diversos ramos, e não competindo internamente sobre qual é mais eficiente que o outro. E assim deve ser com o Direito do Trabalho.

As pessoas passam pelo menos um terço de sua vida adulta trabalhando. E nessa relação de entrega de força de trabalho por dinheiro, podem acontecer fatos que exponham as partes a situações que lhe cause alguma lesão, seja financeira, material, física, psicológica ou moral. Nestes casos, onde há o ferimento de algum direito ou de algum bem da vida, é que o Estado vem impor reparação pelo lesante, como bem assegura a redação do artigo 186 do Código Civil[2].  Mas não apenas atos ilícitos são repudiados pelo ordenamento civil, mas também todos aqueles que, independentemente da culpa do agente ativo, causarem dano a alguém. Este é o cerne do instituto da Responsabilidade Civil, ou seja, o dever do agente de reparar o dano oriundo de suas ações ou omissões.

Nas relações de trabalho, a fixação de indenizações em valores ínfimos acaba estimulando o empregador a não se regularizar, a continuar oprimindo direitos, a permitir com que os acidentes aconteçam, e de maneira geral, desrespeitando a saúde, a privacidade e a moral de seus empregados, o que pode acarretar série de doenças físicas e psicológicas aos trabalhadores, cujo custo final será, com certeza, de toda a sociedade, trazendo à tona a figura do Dano Social.

Este trabalho buscará traçar noções sobre as diferentes formas deste dano se manifestar, principalmente na figura do Dumping Social, onde o dano ocorre pelo fato de empregadores desrespeitarem de maneira contumaz e volitiva os direitos de inúmeros trabalhadores, e, além disso, a própria economia a qual pertencem juntamente com outros empregadores que respeitam os direitos sociais. Enfrentaremos algumas posturas que o Estado pode adotar frente a estas situações, desde a inércia, apenas assistindo estes fatos se repetirem, ou tomando atitudes mais ousadas, criticadas por muitos, utilizadas por poucos, mas com olhar audacioso e solidário. Utilizando as idéias apresentadas por Souto Maior, Mendes e Severo, apontamos que está evidenciando-se uma crise nas nossas instituições, fruto da divergência de vontade popular e a atuação do legislador, do desrespeito desenfreado dos direitos sociais e da mesma vontade que exige que o Juiz assuma uma postura diferente daquela que lhe foi definida classicamente, de apenas julgar procedente ou não um litígio que já aconteceu, indo além do ideal burguês de apenas aplicar a lei sem questioná-la, sem ultrapassar os limites de um processo ficando atrelado à vontade das partes.

Veremos que o Dano Social vai além do patrimônio das partes, e que a atitude perante este fato deve ser também, abrangente. Nas palavras de Lenio Streck, o “direito deve ser transformador da realidade” (apud SOUTO MAIOR, MENDES e SEVERO, 2012, p.88).


2 O DANO INDENIZÁVEL

2.1 Conceituando o dano

Conforme Carlos Alberto Bittar Filho (2002, texto digital), não há que falar-se em responsabilidade civil sem dano, bem como sem a ação lesiva e o nexo causal. Dano é a lesão a bens juridicamente tutelados, não apenas materiais como também intangíveis: liberdade, saúde, honra etc. Mas nem todo o dano é atingido pela responsabilidade civil, devendo este ser sempre contrário ao ordenamento jurídico, ou seja, injusto[3] (grifo nosso).

Quanto à separação do dano moral do dano estritamente patrimonial, assevera o citado autor:

A separação pela patrimonialidade, ou não, do reflexo produzido na esfera atingida põe em evidência, de imediato, a bipartição do contexto valorativo que interessa ao Direito: o da pecuniaridade e o da moralidade. Inserem-se, no primeiro, os valores dotados de expressão pecuniária, ou aferição econômica e, no segundo, os que se exaurem na esfera mais íntima da personalidade, ou seja, na linha dos componentes sentimentais, valorativos, no âmbito da intelectualidade e no da vontade (aptidão de entender e atitude de querer), com as diversas manifestações possíveis. Por outras palavras, em um contexto, figuram bens ou direitos revestidos de caráter econômico; em outro, atributos de cunho moral ou espiritual, que individualizam o ser na sociedade, vale dizer, que definem o ser como entidade dotada de essencialidade e de individualidade próprias. O dano moral, portanto, é o resultado de golpe desfechado contra a esfera psíquica ou a moral, em se tratando de pessoa física. A agressão fere a pessoa no mundo interior do psiquismo, traduzindo-se por reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, bem como trazendo à tona o fato de que o homem é dividido em corpo e espírito.

Hoje, já consolidado no ordenamento jurídico de todos os povos que se dizem cultos, o reconhecimento do dano moral enfrentou grandes resistências doutrinárias e jurisprudenciais, e agora, não é muito diferente quando estudamos uma nova modalidade de dano moral, que não se refere apenas a pessoa física do indivíduo, mas aquele dano que atinge toda uma coletividade. Fruto das transformações sociais que enfrentamos nos últimos anos e decorrência natural da evolução das tecnologias, dos meios de produção e das relações interpessoais entre grupos, o Direito tem olhado atentamente para outro reflexo do dano moral: aquele que sobrepõe o coletivo sobre o individual.

De acordo com Mirna Cianci (2009, p. 34), a ideia do dano coletivo foi abstratamente tratada com a Lei de Ação Civil Pública (ACP, Lei 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei 8.078/90), quando se começou a discutir a possibilidade de ocorrência de um dano causado a toda uma parcela da sociedade, sem um titular individualizado, agredindo de maneira injustificável o patrimônio de certa comunidade. Para a caracterização do dano, tem que ser demonstrada uma ofensa à coletividade – neste caso, do ponto de vista moral, atingidos valores essenciais deste grupo. Também Teori Albino Zavaschi (2011, p. 27) aponta a preocupação ambiental e com as relações de consumo como a origem do pensamento com o dano coletivo, e com a idéia de direitos transindividuais, sendo estes direitos que estão em domínio jurídico de uma coletividade, e não apenas de uma pessoa ou pessoas determinadas.

Segundo Luiz Claudio da Silva (2009, p. 228), o dano para ser indenizável requer legitimidade, eis que a reparação só pode ser pleiteada pelo titular do direito violado. Quando o dano é coletivo, não há apenas uma pessoa ou um titular atingido, podendo ser uma categoria inteira ou uma coletividade indefinida, pessoas unidas por fatores comuns, valores comuns, os quais se amplificam em relação aos valores individuais. Ou ainda: “Tratam-se, destarte, de valores do corpo, valores esses que não se confundem com os de cada pessoa, de cada célula, de cada elemento da coletividade. Tais valores, como se vê, têm um caráter nitidamente indivisível” (BITTAR FILHO, 2002, texto digital). Nao se tem como decompor o interesse de cada indivíduo, pois cada lesão compõe a lesão de todos, e a satisfação de um é necessariamente a satisfação de todos. Ou todos perdem, ou todos vencem. Nas palavras deste autor:

O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).

E nessa relação estabelecida, onde há sujeito ativo (a coletividade lesada), sujeito passivo (o causador do dano) e a reparação pretendida/devida, incide a responsabilidade civil. Ainda conforme Bittar Filho (2002, texto digital), o instrumento processual cabível para defender os interesses coletivos em caso de dano é a Ação Civil Pública, prevista na Lei 7.347/85. A citada lei também já passou por várias alterações, e uma delas, em 1994[4], deu ao caput do art. 1º a redação que inclui o dano moral entre os objetos da ação civil pública.

Se a condenação for pecuniária, deve esta ter o mesmo princípio da condenação individual, ou seja, de compensar o lesado (coletividade) pelo dano sofrido, bem como de servir de punição para o autor deste dano, assumindo seu caráter pedagógico para que a ação/omissão não mais se repita:

Em havendo condenação em dinheiro, deve aplicar-se, indubitavelmente, a técnica do valor de desestímulo, a fim de que se evitem novas violações aos valores coletivos, a exemplo do que se dá em tema de dano moral individual; em outras palavras, o montante da condenação deve ter dupla função: compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor; para tanto, há que se obedecer, na fixação do quantum debeatur, a determinados critérios de razoabilidade elencados pela doutrina (para o dano moral individual, mas perfeitamente aplicáveis ao coletivo), como, v.g., a gravidade da lesão, a situação econômica do agente e as circunstâncias do fato (2002, texto digital).

Bezerra Leite (2004, p. 145), diz ainda que os critérios de arbitramento do valor indenizatório devem levar em consideração o lucro obtido com a prática do dano. Neste sentindo, por exemplo, nos chama à atenção o projeto de lei 5.554/2013, que impõe à empresa que desenvolve atividade de acentuado risco a responsabilidade objetiva de reparar os danos causados em decorrência da atividade profissional desenvolvida, pelos danos irreversíveis à saúde, a moral e à dignidade do trabalhador, independente culpa ou dolo[5].

De maneira diversa, Zavascki (2011, ps. 40 e 41) ensina que a atual redação da Lei da Ação Civil Pública, quando regulou a responsabilização por danos morais ‘a qualquer outro interesse difuso ou coletivo’(grifo do autor), criou uma corrente que sustenta, equivocadamente, em seu entender, a possibilidade de ocorrer dano de natureza transindividual. Para o ministro, o dano moral para existir precisa atingir necessariamente uma pessoa, ou seja, envolver dor, sentimento, a vida privada de alguém individualizado, sua alma, seus valores, não sendo então compatível com a indeterminabilidade de sujeitos ou com a indivisibilidade da ofensa e da reparação. Se fosse analisada a questão pelo viés da natureza reparatória e punitivo-pedagógica, a possibilidade de configuração do dano moral coletivo seria inegável, citando por exemplos, o dano moral que um dano ecológico pode acarretar, bem como a destruição de um patrimônio cultural. Mas, relativamente à qualificação jurídica e à identificação do titular do direito à respectiva indenização, bem como a destinação do produto da condenação, não faz com que o dano assuma uma natureza transindividual, sendo convertido de subjetivo individual e divisível em indivisível e transindividual.

Mas reconhece o autor a possibilidade de demanda coletiva, na forma de substituição processual, quando se tratar de lesão decorrente da mesma situação de fato e que atinja um número expressivo de pessoas. Seria o caso dos direitos individuas individuais homogêneos (que explicaremos adiante), que permite a sua tutela coletiva. Ou seja, instituições e entidades foram legitimadas para, em nome próprio, defender direitos individuais de outrem, como é o caso dos sindicatos quando representam a sua categoria. Porém, como não é possível identificar ou quantificar de forma determinante os titulares desses direitos (que em sua essência, são individuais), o produto dessa condenação por dano moral seria revertido para o fundo criado pela Lei da Ação Civil Pública. Conclui que não se pode dar interpretação literal ao redigido no art. 1º da citada lei no tocante aos danos morais, pois, estaria criado, em suas palavras, um exótico dano moral supraindividual (ZAVASCKI, 2011.).

Já na esfera laboral, Bezerra Leite (2004) utiliza os ensinamentos de Manoel Jorge e Silva Neto, de que há indubitavelmente um patrimônio moral que pertence a toda sociedade, mesmo que os atingidos não possam se apresentar como beneficiários do valor devido pela indenização de dano moral, e que então, toda indenização que envolva direitos coletivos deve ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme a Lei 7.998/90[6].

Tendo em vista o reconhecimento dos direitos sociais como fundamentais para a construção de uma sociedade democrática, ainda que regida pelo sistema capitalista, é imprescindível entender que certos danos extrapolam a esfera de alguém individualizado. Neste contexto a noção de dano social se apresenta, pois são lesões à sociedade, que a atingem de forma tanto material quanto moral, e da mesma forma ensejam a aplicação da responsabilidade em seu caráter reparatório e pedagógico. Desta forma, há sim a possibilidade de aplicação de dano moral de forma metaindividual, sendo o Dano Social gênero da qual surgem duas espécies: o dano moral coletivo, com sua natureza extrapatrimonial, e o Dumping Social, que tem natureza material, sendo ambos de origem ilícita (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012).

O termo dumping é originado das lições de comércio e economia, e ocorre quando uma empresa adota práticas comerciais sabendo que estas causam grave prejuízo aos seus concorrentes, e assim segue agindo de maneira proposital a obter lucro. Ocorre, normalmente, quando uma empresa ou até mesmo um país utiliza-se de medidas protetivas que favorecem o seu mercado interno em desfavor considerável de outros, ou quando desrespeita leis e aufere vantagens financeiras com essas adoção, vantagens essas, que no outro extremo, acarretam grave prejuízo aos seus concorrentes, que respeitam as normas impostas.

Deve existir uma consciente vontade de não respeitar as normas impostas, ou de utilizá-las de modo abusivo, e nos ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento (2011, texto digital), deve revitalizar a economia do praticante de tal ação. Essa é uma prática prejudicial e condenável, pois além de propiciar o desenvolvimento desleal do comércio, agride a dignidade da pessoa humana na medida em que os trabalhadores acabam submetidos a condições de trabalho degradantes.

2.2 Da subsidiariedade do art. 404, parágrafo único do Código Civil na Justiça do Trabalho

Ocorre que se está verificando casos escancarados da prática de Dumping Social através da análise das lides trabalhistas, e para estes casos, os juízes estão aplicando uma multa suplementar aos réus baseados no que preceitua o art. 404, parágrafo único do Código Civil (CC) [7], como forma de combater e repudiar esta prática danosa.

É notório que a CLT, que em 2013 completou seus 70 anos de promulgação, trouxe dinamicidade processualística e rompeu com formalismo civil existente na década de 1940, “embora editada em um período de negação da democracia, já albergava o paradigma da solidariedade” (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012). Com a evolução natural da sociedade, o Direito evolui também, e atualmente, as normas processuais trabalhistas, como foram criadas, são poucas e não contemplam todas as possibilidades visualizadas em um processo nos dias atuais, sendo por vezes, lacunosas. Para estas situações de lacunas, a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [8] previu em seu texto original a aplicação da legislação comum de forma subsidiária, desde que não seja contrária à lei processual trabalhista. Ou seja, o juiz do trabalho somente se valerá das normas comuns quando estas, sendo compatíveis com o espírito da justiça do trabalho, puderem melhorar a efetiva prestação jurisdicional.

Da mesma maneira, o art. 8º, §único da CLT também diz que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, desde que mantenha sua compatibilidade com este. Esclarece Sergio Pinto Martins (2009, p. 119) que por direito comum leia-se Direito Civil, não sendo “necessário que a norma pertença ao campo do Direito do Trabalho para ser aplicada na Justiça Laboral, podendo pertencer ao Direito Civil e ter incidência na relação de emprego ou na relação processual”.

Assim, temos dois artigos da CLT que prevêem a utilização da legislação comum quando da omissão material ou processual da legislação trabalhista. É o caso, em tela, de aplicarmos à Justiça do Trabalho, a multa complementar de que trata o citado artigo, quando o juiz constatar que apenas os juros da mora não serão suficientes para cobrir o prejuízo do credor.

Percebe-se que a redação do art. 8º da CLT, no momento que abre as normas trabalhistas para receber conceitos cíveis que a elas são compatíveis, torna aplicável o artigo citado acima, não sendo uma aventura jurídica a aplicação ex oficio por parte do magistrado, não apenas como forma de cobrir o dano já causado, mas também, conforme destaca Maria Claudia Gomes Chaves (2010, texto digital), para desestimular novas práticas prejudiciais. É importante lembrar que a condenação trabalhista visa a obrigatoriedade de pagamentos que já deveriam ter ocorrido há tempos atrás, ou seja, que já era para ter sido creditado ao empregado quando da efetiva prestação do trabalho.

Assim, o empregador já está com o débito, e o mesmo será pago com juros de 1% ao mês, não capitalizados e com correção monetária que não cobre na verdade nem o seu prejuízo, quem dirá a sentença ter algum efeito pedagógico ou ressarcitório para a sociedade. Desta maneira, conclui a autora acima citada que a multa suplementar poderia ser arbitrada tanto em benefício do empregado, tendo assim um caráter individual, pois visaria compensá-lo pela ineficiência dos juros moratórios trabalhistas, bem como revertida para um fundo público social, destinado a promover os direitos da classe trabalhadora, quando aplicada em sentença que reconhece a prática de dano social pelo empregador contumaz em desrespeitar direitos trabalhistas.

Wagner Giglio (2007, p. 158) explica que “toda sanção condenatória ex officio é conseqüência do verdadeiro comtempt of court que toda litigância de má-fé encerra (matéria de ordem pública)”. E que a multa aplicada pelo juiz não visa ressarcir prejuízo sofrido pela parte lesada diretamente no processo, e sim resguardar o respeito ao Poder Judiciário e punir a conduta reprovada do lesante.

Não é este o entendimento de Zavascki (2011, ps. 40 e 41), o qual leciona que a natureza de uma indenização por dano moral é a de reparar o dano sofrido, e rege-se pelas normas da reparação civil, apesar de ter uma secundária função de punir e ensinar ao lesante. O poder de impor sanções é monopólio do Estado, e não poderia a indenização por dano moral ser confundidas com sanções pecuniárias (multas), pois teriam de estar sujeitas aos princípios da tipicidade e da legalidade estrita. Não se poderia confundir indenização com penalidades:

São imposições juridicamente inconfundíveis, que até podem ser cumuladas, desde que se tenha em conta que a indenização supõe dano e que a aplicação de penas supõe prévia lei que estabeleça seu conteúdo e as hipóteses típicas de sua incidência. Assim, havendo dano, cabe a reparação, segundo as normas que regem o sistema da responsabilidade civil; todavia, por mais graves que sejam o ilícito e a lesão, significará pura arbitrariedade, à luz do nosso sistema normativo, impor ao responsável pelo ato qualquer penalidade não prevista em lei, arbítrio que não se atenua, mas, ao contrário, se mostra ainda mais evidente quando a pena imposta venha disfarçada sob o rótulo de indenização por dano moral. [...] Não há previsão normativa tipificando conduta ou fixando pena por dano moral. O que existe, inclusive na Constituição, é o reconhecimento do direito à indenização do dano moral, matéria que, como se percebe, pertence, e assim deve ser tratada, ao exclusivo domínio da responsabilidade civil.

E expressamente discorda de Giglio, dizendo que a condenação por dano moral não pode ser uma sanção pecuniária, e que não há espaço em nosso ordenamento para as chamadas indenizações punitivas (punitive damages) originadas do direito anglo-saxão. Porém, a matéria vai ao encontro da tese da indenização suplementar, pois, as Punitive Damages visam fixar um montante que não busca imediatamente apenas a compensação do dano, mas principalmente a repressão à conduta do ofensor, para que esta não se repita, cumprindo sua finalidade punitiva. (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012).

Outro aspecto a ser considerado é o fato da equiparação a aplicação da multa, em seu aspecto punitivo, às multas de direito penal. Neste sentido, Souto Maior, Mendes e Severo (2012) esclarecem que a função punitiva da condenação ao pagamento da multa visa coibir a repetição de práticas lesivas à sociedade, não sendo importante medir sua ilicitude, mas os efeitos sociais do dano causado, e que a matéria é civil, afinal, encontra sua autorização no art. 404, parágrafo único do Código Civil.

2.3 O Enunciado nº4 da ANAMATRA e o convite a repensar a jurisprudência trabalhista

Trazendo para dentro da Justiça do Trabalho a legislação civil no tocante a reparação por perdas e danos a aplicação do artigo 404, § único do CC, vemos que esta indenização tem motivado intensas divergências na doutrina trabalhista, não firmando ainda entendimento na jurisprudência. Mas conseguimos verificar que aqueles que são favoráveis a aplicação da multa do art. 404, § único do CC nas ações trabalhistas, defendem uma sinergia entre os ramos do direito no sentido de proteger o empregador, visto ser este o espírito da legislação trabalhista.

Não à toa que o Enunciado nº 4 da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pelo TST em 23.11.2007 e da qual participaram operadores de todas as áreas do direito do trabalho, reconhece a existência do Dumping Social, o caracteriza, demonstra a necessidade de intervenção do poder Judiciário e lhe concede amparo legal através do artigo 404, §único do Código Civil:

DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois como tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652,d, e 832, § 1º, da CLT (grifo nosso).

É nas ações que reconhecem a existência de dano coletivo que podemos encontrar os melhores argumentos jurisprudenciais e doutrinários para a aplicação da multa do art. 404, § único do Código Civil ao processo trabalhista, bem como que, a aprovação do Enunciado acima, representaria a opinião dos magistrados (pelo menos, quase a maioria) de 1º grau da Justiça do Trabalho, no sentido de que a redação civil permite a aplicação desta multa de forma ex oficio, ou seja, sem o necessário pedido da parte empregada. Ou seja, como afirma Valdete Souto Severo ([2012], texto digital), uma vez verificada a insuficiência da reparação por meio de condenação por perdas e danos acrescida dos juros e mora, e não havendo pena convencional a ser aplicada, pode o juiz conceder indenização suplementar independentemente do pedido da parte. Reforça a magistrada que o pedido da parte é dispensável quando se trata de dano social, pois a indenização não tem por fundamento ressarcir a lesão individual da parte, mas sim compensar e inibir lesões que afetam a harmonia social. Lembra ainda, bem como foi mencionado pelo Enunciado nº 4 da ANAMATRA, que a própria previsão da CLT, em seu art. 652, letra ‘d’, autoriza o magistrado, dizendo que é sua função impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência, não limitando esta ação ao pedido da parte.

No entendimento de Jorge Luis Souto Maior (2009), a responsabilidade, na perspectiva do direito social é completamente diversa da responsabilidade na esfera civil, pois a sua aplicabilidade não decorreria exclusivamente do dano em si, mas sim do fato de expor alguém ao risco de sofrer um dano, impondo um modo de agir perante o outro, promovendo um valor humanístico para as condições de trabalho.

Não podemos esquecer que a ANAMATRA, criada em 1976 é uma entidade corporativa, representativa dos magistrados trabalhistas. Seus enunciados são orientações, não possuindo a entidade prerrogativa de legislar. O Enunciado nº 4, que trata do Dumping Social, serve mais como um norte, um indicador de como pensam a maioria dos Juízes de primeiro grau do Brasil. Vale dizer ainda, que esses mesmos juízes que aprovaram o Enunciado nº 4 durante aquela jornada de debates estão todos os dias presenciando o cenário de desrespeito aos direitos trabalhistas, olhando na face de milhares de empregados subtraídos em sua dignidade, tendo que recorrer à Justiça para pedir que lhe seja pago o que lhe é devido por força de contrato, e normalmente apenas por aquilo que trabalharam, sem muitas vezes ousar adentrar na esfera da reparação moral, quanto mais social.

2.4 Indenizações suplementares ex oficio nas condenações trabalhistas pela prática de Dumping Social

Trazido para o mundo das relações trabalhistas e do Direito do Trabalho, o conceito de Dumping Social está sendo utilizado pela doutrina e pela jurisprudência como forma de repúdio às reiteradas práticas adotadas por várias empresas em deliberadamente não respeitar as leis trabalhistas, ignorar as sentenças judiciais e continuar minimizando a relação de trabalho, e com essas atitudes, aumentar os seus lucros obtidos. “Não é, em absoluto, equivocado identificar por meio da mesma configuração a adoção de práticas ilegais para obtenção de vantagens econômicas no mercado interno” (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012). Explicam ainda os autores que não precisa haver dolo de querer prejudicar o concorrente, como no dumping clássico, para a caracterização do dumping social, bastando que haja a prática de agressões contumazes e deliberadas aos direitos trabalhistas (2012).

Para punir tal ação, com base no art. 404, § único do código civil, é arbitrada uma multa, que não necessariamente foi pedida pela parte autora, contra a empresa empregadora, no momento da sentença trabalhista. De fato, ocorre a transgressão não apenas dos direitos individuais decorrentes do contrato de trabalho, mas também daqueles considerados metaindividuais, que pertencem a toda sociedade, pois desrespeitam a ordem jurídica trabalhista, afronta os princípios da livre concorrência e a busca do pleno emprego, em detrimento daqueles que respeitam as leis. Assim, o Dumping Social seria como um desdobramento do dano coletivo, sendo a violação de direitos de grupos sociais determinados (ligados entre si por uma situação jurídica base) ou, até mesmo devido ao grau e a extensão dos direitos violados, da própria sociedade como um organismo.

Assim, pelo lado do empregador, este se sobressai, e pelo lado do direito do trabalho, todos os outros perdem, pois os empregados são muitas vezes explorados em seus direitos e nas suas condições dignas de trabalho, sendo que isto se reflete em seu meio familiar, em seu meio social, em sua saúde e em diversos outros setores, acabando por infringir um mal à própria sociedade, e esta pode e deve ser indenizada, com os fundamentos dos art. 186, 187, 404, §único e 927 do CC e art. 627, d e art. 821,§ único da CLT.

O fundamente, portanto, reside na idéia de que ao desrespeitar o mínimo de direitos trabalhistas que a Constituição garante ao trabalhador brasileiro, a empresa não apenas atinge a esfera patrimonial e pessoal de determinado trabalhador, mas também compromete a própria ordem social. Atua em condições de desigualdade com as demais empresas do mesmo ramo, já que explora mo de obra sem arcar com o ônus daí decorrente, praticando concorrência desleal. (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012, p.58)

E é esta atitude que os juízes de primeiro grau, timidamente podemos dizer quando pesquisamos a jurisprudência, estão tentando coibir. Quando dizemos timidamente, estamos reconhecendo que não é tarefa fácil sair da sua zona de conforto e imparcialidade e aplicar uma multa ex oficio, importada para dentro do ordenamento trabalhista e sabendo que a maioria dessas condenações serão reformadas pelos tribunais, e encarar a árdua tarefa que é modificar jurisprudência e ampliar teses inovadoras e por vezes, radicais. São em maior quantidade ainda os acórdãos modificando a sentença que condenou ao dano social, principalmente com o argumento de ausência de pedido da parte, ou seja, agarram-se a uma atribuição passiva do Juiz e ignoram o fato de que o dano não foi sofrido apenas pela parte figurante daquele processo, e mantém ainda hoje uma visão míope do conteúdo do Princípio Dispositivo, que deve ser considerado conjuntamente com outros princípios presentes em nosso ordenamento, como a Dignidade da pessoa humana  e o da efetividade da tutela jurisdicional. Assim, o processo deve ser iniciado e limitado pelas partes, mas impulsionado pelo juiz que deve agir em busca da solução definitiva do litígio e da paz social, conforme o posicionamento dos autores e juízes acima citados (2012).

Essa preocupação não é novidade, pois Mauro Capelletti (apud SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012, ps.47 e 48) em 1977 (logo após a promulgação do Código de Processo Civil), já se referia aos danos que atingem uma categoria inteira de indivíduos, e que a decisão proferida pelo juiz tem legitimidade para produzir efeitos a todos que foram atingidos pelas conseqüências do dano, mesmo que não presentes na causa. Em seus argumentos, Souto Maior, Mendes e Severo (2012) afirmam que não é nenhum exagero dizer que a empresa que transgride direitos trabalhistas perde sua legitimidade frente ao mercado, uma vez que afronta o preceito constitucional da função social da propriedade, que significa trazer para o direito privado o condicionamento do poder à uma finalidade, algo tido antes com exclusivamente de direito público: não é apenas não prejudicar ninguém com a sua propriedade, mas acima disso, exercer esse direito em benefício de alguém, ou do coletivo, com o bem comum se sobrepondo ao bem individual, com o solidário se sobrepondo ao individual.

Os direitos sociais (direito do trabalho e direitos a seguridade social, com inserção nas Constituições) constituem a fórmula criada para desenvolver o que se convencionou chamar de capitalismo socialmente responsável. Um modo, portanto, de manter vigente o sistema, diante de suas crises cíclicas, e de sua clara tendência autofágica. Sob o ângulo exclusivo do positivismo jurídico pátrio, é possível constatar que os Direitos Sociais, por via reflexa, atingem outras esferas da vida em sociedade: o meio-ambiente; a infância; a educação; a habitação; a alimentação; a saúde; a assistência aos necessitados; o lazer (art. 6º, da constituição Brasileira), como forma de fazer valer o direito à vida na sua concepção mais ampla. Neste sentido, até mesmo valores que são normalmente indicados como direitos liberais por excelência (a liberdade, a igualdade e a propriedade) são atingidos pela formação de um Direito Social e o seu conseqüente Estado Social (2012, ps. 16, 17 e 34).

Mostram os autores que deve-se pautar por um sentido ético para esse capitalismo socialmente correto, pois, o desrespeito às normas de caráter social, além de trazer vantagens econômicas para o agressor, conduz todos ao risco de instabilidade social, e é nesse ponto que a teoria do dumping social toma forma, na noção de que o responsável por um dano que extrapola a figura de um indivíduo e atinge toda uma sociedade de forma negativa, deve ser coibido a não repetir tal conduta (2012). Os valores do trabalho são interesses sociais na ordem constitucional vigente, pois não interessam apenas a pessoa do trabalhador, mas são importantes para toda sociedade que pretende ser desenvolvida, saudável e justa. O juiz tem a missão constitucional de coibir condutas que neguem a própria Carta, e neste contexto está também a atribuição de identificar macro lesões e aplicar a quem as causa um tratamento rigoroso e diferenciado para que não volte a fazê-lo.

O Direito do Trabalho deve ser visto como a essência dos Direitos Sociais, cuja função é a de regular o modelo capitalista de produção dentro do pressuposto da necessária concretização de uma justiça social como elemento essencial da convivência pacifica entre os homens. Pode parecer exagerada ou romântica esta afirmação, mas  uma leitura histórica mais atenta, como não tem como ser mais elastecida no presente texto, vai revelar que a humanização do capital foi, exatamente, o teor do compromisso assumido diante da manutenção do modelo de produção capitalista. (SOUTO MAIOR, 2009, P. 198)

A redação do art. 170 da Constituição Federal (CF) é clara ao afirmar que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, tem a finalidade de assegurar a todos uma existência digna de acordo com os ditames da justiça social e ainda, entre outros, observados os princípios da função social da propriedade (e aqui podemos incluir a empresa empregadora), livre concorrência, redução das desigualdades sociais e a busca do pleno emprego. Ainda utilizando os pensamentos de Souto Maior, “a relação humana mais evidente em um mundo capitalista é a relação de trabalho” (2009, p. 207).

Assim, conforme Pamilla Pessoa (2013, texto digital), em 2012 foi notória a notícia da condenação da rede de lojas Magazine Luiza por dano moral coletivo em decorrência da prática de Dumping, pois, a empresa já tinha recebido 87 autuações por desrespeitar direitos trabalhistas, submeter os empregados a jornadas excessivas de trabalho, firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e não cumpri-los, e assim se mantendo por anos. Mesmo não havendo uma punição jurídica específica para o tema, isso causou preocupação no judiciário que, de oficio, condenou a empresa a pagar R$ 1,5 milhão de reais a título de indenização. A condenação por dumping social foi requerida pelo Ministério Público do Trabalho, em forma de Ação Civil Pública, baseada em Termos de Ajustamento de Condutas firmados pela empresa entre os anos de 1999 e 2003, nos quais se comprometia a não submeter os empregados a longas jornadas de trabalho[9]: a condenação foi aplicada em 2012 por danos causados há quase uma década. Essa realidade demonstra-se totalmente oposta aos princípios que norteiam todo o ordenamento trabalhista.

O Direito do Trabalho existe, exatamente, para inibir a exacerbação das formas de exploração do capital sobre o trabalho humano, e o que se verifica é, exatamente, a intensificação da exploração, embora com as roupagens retóricas da “colaboração” ou da “parceria social”. Para o DT, a forma de exploração pouco importa, pois é exatamente diante da busca desmesurada da exploração do capital dobre o trabalho humano que o DT encontra a razão de sua existência, como instrumento neutralizador dos efeitos destruidores dessa quebra do pacto de solidariedade. [...] Certamente, o aplicador do direito poderá ter problemas para reinventar, constantemente, as fórmulas jurídicas para manutenção da proteção trabalhista nos modos de produção que mudam a cada instante, mas este, por isto mesmo, é um desafio permanentemente imposto aos homens do direito, já que a humanidade creditou ao direito social a tarefa de frear as ganâncias capitalistas. Foi por esta razão, ademais, que os direitos sociais foram fixados a partir de noções principiológicas e é esta compreensão de poder e de responsabilidade que se exige dos homens do direito. (SOUTO MAIOR, 2009, p. 208).

Podemos, ainda, acrescentar ao rol de artigos de leis que autorizam uma ação do judiciário como forma de frear e coibir o desrespeito às leis trabalhistas, a lei 8.884/1994, mas esta foi praticamente toda revogada pela lei 12.529/2011, que regula a estrutura do sistema de concorrências no Brasil e dispõe sobre a prevenção às infrações contra a ordem econômica, mas a essência de conteúdo é praticamente igual. A anterior redação do art. 20 da Lei 8.884/94 é a mesma do art. 36 da lei atual:

Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa[10]

Além de o § 3o  acrescentar as seguintes condutas ao rol de infração à ordem econômica:  inciso IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; inciso XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo[11].

Segundo Souto Maior, Mendes e Severo (2012), se percebe ao estudar o fenômeno do Dumping Social, que esta lógica de precarização é muito mais marcante em empresas pertencentes a conglomerados do que em empresas pequenas. Nas primeiras, as relações de trabalho já são marcadas por um grau maior de impessoalidade do que nas segundas. Assim, não apenas os empregados e seus familiares são vítimas desse sistema de desrespeitos às leis trabalhistas, mas também as micros, pequenas e médias empresas que têm suas despesas em valor elevado devido ao custo dos encargos trabalhistas, invertendo “o objetivo do Estado Social e Democrático, fazendo do lucro não um meio para a vida digna, mas um fim em si mesmo” (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012, p. 22). Acabam também esses pequenos empreendimentos invertendo e distorcendo a realidade, imputando a culpa de seus altos custos ao trabalhadores “cheios de direitos”, ao invés de perceber essa concorrência desleal que se instaura no mercado, concorrência esta que se pretende coibir com a aplicação da teoria do Dumping Social nas relações de trabalho. O projeto capitalista se mostra na sua face mais escura, não se valendo nem de seus ideais liberais, e esta prática se traduz como dumping social, pois prejudica toda a sociedade.

A mais forte característica do dano social é a sua amplitude de alcance. Souto Maior, Mendes e Severo (2012) nos mostram, por exemplo, que ao submeter trabalhadores a jornadas de trabalho superiores ao permitido por lei, ou por não tomar as precauções devidas em matéria de saúde, higiene e meio ambiente do trabalho, não é só a pessoa do trabalhador que pode adoecer e sua família que perde alguém que traz subsistência; os danos vão muito além. Ao não possuir condições de trabalhar, o empregador precisa se socorrer da Previdência Social, repassando aos cofres públicos o ônus da atitude lesiva de seu empregador, que não custeia o sistema previdenciário sozinho, ao contrário, é custeado por toda a sociedade, inclusive pelas empresas que cumprem seus deveres legais.

Um dos argumentos que encontramos nas sentenças que condenam pela prática de Dumping Social é a manutenção da ordem econômica, que confere existência digna e justiça social, insculpidos nos art. 170 da CF. Assim, o Direito Social não é apenas uma norma perdida na CF, mas uma regra que impõe valores ao sistema jurídico, como a solidariedade, a justiça social e a dignidade da pessoa humana (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012).

E ainda, todo o custo de movimento da máquina judiciária é majorado, pois a Justiça do trabalho acaba tendo “clientes” que figuram diariamente nas salas de audiência respondendo pelos mesmos fatos, pelas mesmas omissões, e mesmo com enxurradas de sentenças desfavoráveis, não vêem nisso um motivo para mudarem suas atitudes. Ao contrário, pagar a condenação de um processo do trabalho não é nada mais do que pagar o que já era para ter sido pago quando da realização do trabalho, só que com multa e juros de fazer rir, se não fosse o desrespeito escondido por trás desta situação. Ou seja, beira a impunidade. O que é mais barato: pagar o que é devido a todos, ou pagar o que é devido para alguns? Concordamos com os autores, que dizem que estamos diante de uma fraude ao projeto constitucional (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012, ps. 25 a 30), se continuarmos sendo coniventes com essa situação, e que a reversibilidade desta precarização é totalmente possível, pois esta é a proposta de inclusão social da nossa Carta. Ou continuaremos permitindo ser um bom negócio não observar os direitos trabalhistas, pois não há nenhuma coerção efetiva por parte do Estado, afinal, mandar pagar o que já era devido não é coerção, mas sim uma simples dilação de prazo de pagamento.

É preciso reconhecer que alguns atos são socialmente nocivos e que os mesmos devem ser repreendidos pelo Estado-Juiz, e uma dessas formas de repreensão por parte do Judiciário é a condenação por dumping social. Assim, fica claro o caráter pedagógico da condenação pela prática de dumping, pois visaria evitar sua repetição futura, e, a prevenção de ilícitos também é uma das obrigações do Estado. O administrador público tem o dever de prevenir, e o juiz, comumente chamado de Estado-juiz, também é um administrador público, não podendo ficar inerte a fatos ilícitos (2012, p. 44). É de suma importância o papel do Estado na concretização dos direitos essenciais para que o projeto constitucional se torne realidade, pois, ao vedar a autotutela privada, o Estado automaticamente se responsabilizou pela concretização dos direitos fundamentais.

Como veremos a seguir, quando do estudo de algumas decisões sobre a manutenção ou indeferimentos da condenação pela prática de dumping, um dos argumentos contra sua aplicabilidade em processos individuais é a ausência de pedido para esta condenação pela parte autora, mas justamente neste ponto os autores rebatem que é dever do Estado prevenir, independente de haver pedido específico.


3 DIREITOS COLETIVOS E DIREITOS INDIVIDUAIS

3.1 Conceituação e forma de tutela

            Alerta Zavascki (2011, ps. 32 e 33) que muitos equívocos são cometidos na prática forense frutos da confusão que tanto doutrina quanto jurisprudência cometem em relação ao direito coletivo e defesa coletiva de direitos.

A partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, que introduziu mecanismo especial para a defesa coletiva dos chamados Direitos individuais homogêneos, passou-se, não raro, a considerar tal categoria de direitos, para todos os efeitos, como espécie dos direitos coletivos e difusos, lançando-os todos eles em vala comum, como se lhes fossem comum e idênticos os instrumentos processuais e as fontes normativas de legitimação para a sua defesa em juízo.

            Dessa maneira, nos parece importante abrir espaço para estudar as diferentes formas de manifestações e defesa de direitos, embora estas estejam com definição no art. 81 da lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. O ilustre ministro, em sua obra citada (2011, p. 34), esclarece que Direitos Coletivos são direitos subjetivos transindividuais, ou seja, não possuem um titular individualmente determinado, sendo uma designação genérica para dois tipos de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo stricto sensu. Não pertence a uma pessoa em particular e nem ao poder público, mas sim a uma classe, à própria sociedade em seu sentido amplo ou a uma cadeia abstrata de pessoas, que possuem vínculos fáticos através de uma situação, e cuja possível lesão atinja todos os titulares.

            Já a diferença entre direitos difusos e os direitos coletivos strictu senso parece residir numa maior subjetividade entre ambos, pois, enquanto os direitos difusos podem pertencer a toda uma população, o segundo precisa de uma relação jurídica base, ou seja, há uma relativa indivisibilidade, pois pertence apenas àquele grupo que possui uma ligação fática entre si, como é o caso de integrantes, por exemplo, de entidades de classe.

De outra maneira, direitos individuais homogêneos, ainda segundo o mesmo autor (2011), são aqueles pertencentes a um grupo de pessoas, mas cujo direito material em questão pode ser individualizado, determinado, ou seja, ter uma titularidade individual. O termo homogêneo apenas determina que há uma relação de semelhança, de afinidade, o que permite a defesa coletiva desse direito pertencente também a várias pessoas. Bezerra Leite (2004), explica que a diferença entre direito homogêneos e os individuais subjetivos repousa exatamente na existência deste fato de origem comum, que atinge vários indivíduos deixando-os na mesma situação e expostos ao mesmo dano, propiciando, assim, a aglutinação em uma única demanda de pretensões diversas, mas com uma causa idêntica.

Assim, a sua instrumentalização via processo coletivo é uma estratégia para permitir uma maior efetivação jurisdicional, um mais fácil acesso à justiça e uma economia processual, pois em apenas um processo discute-se o direito de um grupo de pessoas que tem o mesmo bem lesado/direito ferido, ao invés de vários processos debatendo a mesma materialidade. “Quando se fala, pois, em ‘defesa coletiva’ ou em ‘tutela coletiva’ de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa” (ZAVASCKI, 2011, ps. 34, 35 e 146). A classificação é meramente processual, e não material. Aqui, o coletivo diz respeito apenas a um dos modos como esse direito pode ser tutelado, ou seja, de forma coletiva, além de várias ações individuais, da mesma maneira como preceitua o art. 46, II e IV do Código de Processo Civil (CPC). Na sua essência, o direito em questão não deixa de ser genuinamente direito individual subjetivo.

 Carlos Henrique Bezerra Leite (2004) classifica tanto os direitos difusos, os coletivos (strictu sensu) e os individuais homogêneos como espécies do gênero Interesses ou Direitos mentaindividuais, e concorda com Zavascki de que os direitos individuais homogêneos apenas possuem esta classificação para fins processuais. E ainda classifica este último em disponíveis e indisponíveis, lembrando que a definição, mesmo sendo dada por uma lei que trata das relações de consumo, deve ser estendida e aplicada a todas as relações de fato ou de direito onde há a necessidade de aplicação deste conceito, inclusive para o direito material e processual do trabalho, diante da omissão quanto à definição de que sejam direitos metaindividuais e necessitando da aplicação do princípio da completude. Realmente, seria uma aberração jurídica tal conceito ter uma aplicação num ramo do direito, e outra totalmente diversa em outro ramo: o direito precisa emanar uma sinergia entre todos os seus ramos para que ocorra a sua efetividade.

Porém, reconhece Zavascki (2011) que existe a possibilidade de certas lesões a direitos individuais homogêneos ter tal grau de profundidade que acabaria comprometendo também interesses sociais, e teriam a força de transcender a esfera dos interesses meramente individuais e representar interesses de uma comunidade. Mas, mesmo isto acontecendo, os limites de distinção devem ser mantidos, eis que interesses sociais são qualificáveis como direitos transindividuais, e os individuais homogêneos, não. E essa realidade deve ser levada em consideração quando se quer definir o modelo processual destinado a sua defesa.

Defende o mesmo autor que é equivocado o entendimento de que a Ação Civil Pública, que é uma ação criada para defender direitos e interesses transindividuais, seja utilizada para a defesa de direitos individuais, pois seria impensável que a solução deste tipo de ação aproveitasse a alguns e não a outros membros de uma mesma coletividade. Existiriam até algumas aplicações subsidiárias admitidas por leis, mas que, claramente, o instrumento adequado para a defesa de direitos coletivos seria a Ação Civil Pública, e que para a defesa coletiva de direitos individuais (grifo nosso) seriam as ações civis coletivas – decorrentes de substituição processual (2011). E lembra que os direitos homogêneos possuem feição de direitos disponíveis. Conforme citamos acima, Bezerra Leite os classifica como disponíveis e indisponíveis.

Ainda, relevante mencionar, que a ação coletiva visando a defesa de direitos homogêneos possui dois momentos cognitivos, sendo que no primeiro, o representante requer direito alheio em seu nome, e na segunda etapa, sendo vitoriosa a primeira, procede-se o seu cumprimento com o titular pedindo em nome próprio o cumprimento da mesma em seu favor (ZAVASCKI, 2011). Frente a complexidade do tema, e nosso exíguo espaço, recomendamos a leitura da citada obra de Bezerra Leite[12], pois mostra a Ação Civil Pública nos níveis cíveis e trabalhistas, e neste último, para as ações que visem direitos transindividuais na sua forma de gênero e para a espécie individuais homogêneos. Desta forma, a CLT somente será utilizada naquilo em que não for incompatível com o sistema metaindividual de acesso à justiça, mas também possuindo uma eficácia mais restritas do que as sentenças proferidas nas ações individuais e na Ação Civil Pública que trata de direitos difusos e coletivos strictu sensu (2004).

Existe precedente junto do STF de que as ações coletivas de iniciativa dos sindicatos possuem tratamento diferenciado, com base no art. 8º, III da CF. A legitimidade outorgada aos sindicatos deve ser vista como ampla, abrangendo além do conhecimento, a liquidação e a execução dos créditos trabalhistas, não precisando de qualquer autorização dos substituídos[13], inclusive no tocante a sua legitimação para ser o autor da Ação Civil Pública, conforme nos explica Bezerra Leite (2004). Porém, o hoje também ministro do STF Teori Zavascki (2011), não concorda com este posicionamento, pois seriam muitas as dificuldades com uma execução global em nome do sindicato. Mesmo admitida, sendo o direito pertencente a um empregado, é indispensável a análise de sua situação jurídica particular, bem como para salvaguardar o direito de quem paga de identificar o credor a quem está pagando. Além, ainda, de evitar que existam beneficiários iguais em ações coletivas e individuais e que, um processo que seria rapidamente terminado se fosse uma ação individual (a execução), se alongue em decorrência da análise de múltiplas situações individuais, que seriam independentes uma das outras (aspecto heterogêneo da ação coletiva), ganhando, aqui na fase de execução, a mesma agilidade e efetividade pretendida quando da propositura da ação coletiva para defesa do direito individual homogêneo.

Em 1985 foi instituído através da Lei 7.347, o procedimento especial apto a promover a tutela dos direitos e interesses transindividuais, seja de forma preventiva, reparatória ou cautelar (hoje com redação determinada pela Lei 12.529/2011). Embora, segundo Zavascki (2011), a denominação em si de uma ação não seja essencial para identificar a natureza procedimental, é inegável que ela desempenha um importante papel didático, e isso não deve ser desprezado. Desta forma, quando falarmos de processo coletivo, seria de suma importância ter em mente que quando usado o termo Ação civil pública, estar-se-ia falando de um procedimento destinado a implementar judicialmente a tutela de direitos transindividuais, e não individuais, mesmo que estes últimos carreguem o título de homogêneos (grifo nosso), sendo que para a defesa desses direitos, e também para efeito didático, o correto é atribuir outro nome, qual seja, Ação Coletiva e Ação civil coletiva, nos moldes do art. 91 do CDC. Nem doutrina e nem jurisprudência seguem esta nomenclatura, atribuindo, de um modo geral, o nome Ação Civil Pública a praticamente todas as ações que se relacionem com o processo coletivo.

Relativamente à competência para propor a defesa desses interesses e direitos (transindividuais), diz o autor que a legitimação do MP deve ser irrestrita, mais ampla possível e compatível com a natureza e magnitude da lesão ou ameaça, e reforça sua posição de que a tutela aplicável ao MP é apenas para os direitos sem titulares determinados e materialmente indivisíveis, não se incluindo aqui, desta forma os direitos subjetivos individuais, quais sejam, os individuais homogêneos, sendo a única exceção a possibilidade de uma previsão em lei (ZAVSACKI, 2011). É o que ocorre com o CDC, por exemplo, que determina que é atribuição do MP tutelar os direitos dos consumidores e das vítimas da relação de consumo (art. 82 da Lei 8.078/90), bem como a própria Lei Orgânica Nacional do MP (lei 8.625/93) que atribui à instituição a promoção da Ação Civil Pública “para a proteção, prevenção e reparo dos danos causados (...) a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”.

Mas reafirma que, “a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos somente é legítima quando isso representar também a tutela de relevante interesse social” (2011). Já Bezerra Leite (2004) considera um avanço legislativo no processo do trabalho o reconhecimento do Ministério Público do Trabalho para promover a Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, através do art. 83, III da citada Lei Orgânica do Ministério Público da União, além da própria Lei da Ação Civil Pública em seu art. 1º, inciso IV, que ampliava o alcance daquela lei a todos as ações de responsabilidade que envolvesse interesses difusos ou coletivos, inclusive os de natureza trabalhista, por força do seu art. 21 que inclui os direitos individuais e aplicação dos dispositivos do CDC.

Neste ponto, ZAVASCKI (2011) propõe uma reflexão sobre a legitimação atribuída ao MP através de uma lei ordinária (CDC), frente à delimitação constitucional de sua competência para tutelar apenas direitos individuais indisponíveis através do art. 127 da CF. Indica que é legitimação para ser substituto processual e que, o que deve ser considerado não é a satisfação do direito de cada beneficiado, mas sim a ação lesiva em sua dimensão integral e a condenação do lesante, mesmo porque a futura execução deverá, daí sim, ser de iniciativa individual de cada lesado.

Aqui, parece crucial o raciocínio proposto por Souto Maior, Mendes e Severo (2012), de que o direito deve ser examinado enquanto sistema global, sustentado na integridade e na coerência que emanam da força normativa da Constituição, e que tanto a CLT, quando o CC ou o CDC (que é mais um diploma criado para corrigir e coibir distorções próprias do sistema capitalista), apontam no mesmo sentido: “o de que o processo deve necessariamente construir instrumento adequado para a realização do projeto constitucional de construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária”.

3.2 Condenação pela prática de Dumping Social nas ações individuais e coletivas

Quando leciona sobre a consagração constitucional dos interesses sociais e sobre as atribuições do MP de defendê-los outorgadas pelo art. 127 da CF, Zavascki (2011) propõe uma reflexão sobre o alcance e a forma de identificar a natureza desta categoria jurídica. Explica que é unânime na doutrina o entendimento de que não há como determinar o alcance dessa expressão interesses sociais (grifo nosso), pois sua formulação é a base de um conceito jurídico muito aberto, e utilizando-se a técnica legislativa de cláusulas abertas, incumbiria ao juiz da causa determinar o seu sentido frente ao caso concreto, pois estariam apresentados elementos que forneceriam ao intérprete condições para definir ali sua presença ou não. Lembra que um dos principais limites para a sua identificação é a contraposição a interesses particulares, pois o primeiro sempre terá uma abrangência maior que o individual. Assim, é um conceito jurídico indeterminado, ou incerto, carecedor de um preenchimento valorativo, e deve assim permanecer, para que se adapte às mudanças de valorações inerentes à vida em sociedade, que são relativas e condicionadas ao tempo e ao espaço. É aquilo que é julgado oportuno para o progresso material e moral de uma sociedade, que ajuda a preservar as condições de vida em um meio social, mantém a organização estatal e democrática.

Desta forma, o raciocínio final é que, sendo interesses juridicamente tutelados, devem ser tratados como direitos, e sendo direitos que não pertencem exclusivamente a um só patrimônio jurídico, deve ser incluído na categoria de direitos transindividuais (coletivos lato sensu). Mas, quanto ao Dano Moral, orienta que devem ser interpretados com visão processual quando a questão é a via judicial através da Ação Civil Pública, e não visão de direito material, pois reafirma o caráter personalíssimo da lesão moral, incompatível com os direitos difusos e coletivos, que é para o que se destina a Ação Civil Pública (2011).

Lembramos da reflexão anteriormente proposta pelo ministro do STF, quando explica a justificativa para que o MP possa defender direitos individuais homogêneos (competência inclusa pelo CDC), de que devemos analisar a dimensão global da lesão ocorrida, primando pela condenação do lesante, eis que sua ação ou omissão é coletiva e impessoal, e atinge os interesses sociais como um todo. Mas reitera que essa legitimação se opera pela via da substituição processual pautada pela impessoalidade e coletividade dos direitos subjetivos lesados e em busca de uma sentença genérica, e que somente nesta dimensão é que a defesa de direitos individuais homogêneos divisíveis e disponíveis pode ser promovida pelo MP sem ofensa à CF, pois tutelaria “bens e valores jurídicos de interesse social” (ZAVASCKI, 2011, ps. 210 e 214).

Bezerra Leite (2004) explica que a jurisdição trabalhista metaindividual é operacionalizada pela aplicação simultânea das normas da CF (art. 129, III e a abertura do inciso IX, art. 8º, III e art. 114), da Lei Orgânica do Ministério Público da União, da Lei da Ação Civil Pública e pelo CDC, título III, restando à própria CLT e ao CPC o papel de diplomas subsidiários, pois o objetivo visado é outro, o de responsabilizar o réu pelos danos morais ou patrimoniais causados a quaisquer direitos ou interesses metaindividuais, propondo uma inversão da regra clássica do art. 769 da CLT, que fala sobre a aplicação subsidiária do direito processual comum aos casos omissos do direito processual do trabalho.

 Consolidando este entendimento, Souto Maior, Mendes e Severo (2012, p. 12) defendem que a indenização por dano moral coletivo tanto pode ser pedida em ação individual e deferida pelo juiz, quanto ser objeto de ação proposta pelo MP, via Ação Coletiva:

Essa função não é exclusiva do juiz. O fato de o MPT ter legitimidade para propor ação coletiva pretendendo o pagamento de indenizações que coíbam a reiteração de práticas de dumping social não retira do Juiz a mesma função. Trata-se de uma ação conjunta em prol da concretização de um projeto constitucional de sociedade inclusiva e comprometida com o bem de todos.

Entendemos que deva se tratar de Ação Civil Pública, afinal, é o MP o titular deste tipo de ação. Acrescentam ainda os autores, que essa legitimidade coletiva que foi concedida ao Ministério Público do Trabalho, bem como aos sindicatos, não tem sido geralmente satisfatória, nem mesmo a fiscalização por parte do Ministério do Trabalho, demonstrando-se, mais um motivo para reconhecer a procedência da condenação pela prática de dano social independente de pedido da parte.

Porém, podemos citar neste momento, exemplo de jurisprudência favorável ao uso da Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho onde foi solicitada a condenação da empresa ré pela prática de Dumping Social. É o mesmo caso citado anteriormente da condenação da rede de Lojas Magazine Luiza[14]. Após a notória condenação ao pagamento da multa complementar no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), por óbvio que a empresa ré recorreu da decisão, alegando nulidade da sentença por falta de previsão legal e a não comprovação da prática de dumping social. O desembargador-relator do caso rechaça as duas teses da empresa. Lembramos que foram juntados à ação 87 Termos de Ajustamento de Conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho apenas na região de jurisdição da 1ª Vara do Trabalho de Franca/SP, e que se trata de uma rede de abrangência nacional. Afirma que se trata de exercício abusivo do direito, já que extrapola os limites econômicos e sociais, rendendo ensejo a indenização postulada, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Já o art. 404, parágrafo único do Código Civil traz amparo para a imposição de indenização suplementar ao agressor contumaz, além dos arts. 652, "d", e 832, § 1º, da CLT. Para o argumento de que não houve a prática de Dumping, explica o relator:

Com efeito, os Autos de Infração juntados aos autos demonstram de forma clara que a ré vem descumprindo reiteradamente a legislação trabalhista, impondo aos seus empregados jornadas de trabalho com extrapolação do limite máximo previsto no artigo 59 da CLT (labor por mais de 10 horas diárias); jornadas por mais de 12 horas em virtude de realização de serviços inadiáveis; labor aos domingos, sem amparo convencional; bem como não concessão do descanso semanal remunerado e dos intervalos inter e intrajornadas, além de registro irregular da jornada (fls. 39/169). 

Como bem ponderado pelo MM. Juízo de origem “a retribuição pecuniária, por óbvio, não compensa a perda da saúde, advinda da exaustão, e, também, os momentos perdidos de convívio com familiares e amigos (ofensa ao direito ao lazer, direito humano fundamental, constitucionalmente assegurado, socialmente desejado e imprescindível para a manutenção da integridade física e psicológica do ser humano).” (grifo nosso).

Vale destacar que o limite da jornada de trabalho, bem como os intervalos para repouso previstos na legislação trabalhistas, frente aos termos do artigo 7º, incisos XIII e XXII da Constituição Federal, traduzem normas de ordem pública, de caráter imperativo por abarcar norma de saúde pública, destinada à proteção da saúde, higiene e segurança do trabalhador. Os intervalos e o limite de jornada diária são necessários para preservar a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. (Constituição Federal – artigo 1º, incisos III e IV).

Portanto, a inobservância pela reclamada das normas trabalhistas no que se refere à jornada de trabalho é inescusável, já que afronta direito humano fundamental.

De outra sorte, restou demonstrado que a ré vem reiteradamente descumprindo a legislação trabalhista (87 autos de infração!), mesmo após a formalização de Termos de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho, demonstrando total descaso com saúde e segurança de seus empregados. [...]Diante de tal contexto, restou evidente que a ré obteve redução dos custos com mão de obra de forma ilícita, com prejuízo as demais empresas concorrentes que cumprem as suas obrigações trabalhistas, bem como com dano a toda sociedade, ensejando a indenização deferida pela origem, não merecendo acolhimento o apelo neste particular. (grifo nosso)

E por fim, manteve a condenação pela prática de dano social decorrente do Dumping Social no valor anteriormente arbitrado. E, tendo em vista a propositura de Embargos Declaratórios após a publicação do acórdão desejando rediscutir a aplicação da multa, mais multa por embargos protelatórios no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Foi protocolada petição de Recurso de Revista para o TST em 10/02/2014.

Quanto à possibilidade ou não do deferimento da condenação por dano social em processo individual, Souto Maior, Mendes e Severo (2012) definem como pressupostos que conferem razão de ser à teoria da aplicabilidade, a falha que há entre a realidade e a teoria do direito do trabalho, bem como a ausência de força real de luta pela efetivação dos direitos trabalhistas no tocante ao fato de sequer reconhecermos o dever do empregador de motivar a dispensa de um trabalhador[15]. Além de mencionar que, na prática, não se consegue garantir ao trabalhador o respeito total às regras de seu contrato de trabalho durante a execução deste, sendo que o único espaço que resta, é o processo, e este, por sua vez, já deficitário, pois a maioria esmagadora dos litigantes são empregados que já perderam o seu emprego, fechando um círculo vicioso, onde buscam apenas a reposição pecuniária dos danos a que foram expostos.

Do mesmo pensamento compartilha Bezerra Leite (2004) ao declarar que o trabalhador individualmente considerado é frágil e incapaz de experimentar seus direitos sociais, pois no Brasil sempre haverá o medo de ajuizar-se uma demanda individual durante o curso do contrato de trabalho pelo medo da perca do emprego.

Desta forma, o processo individual é essencialmente importante, pois abstraindo-se sua função reparatória, escancara-se a sua função especial de pedagógica e dissuasória, demonstrando à sociedade quais condutas que queremos manter ou queremos banir. E aqui, reside a função primordial da condenação pela prática de dano social, pois o Estado demonstra não somente às partes porque aquela conduta deve ser rechaçada, mas também tenta convencer que devemos adotar posturas compatíveis com a CF e de observação dos direitos fundamentais trabalhistas. O processo assume papel fundamental na construção de uma sociedade comprometida com a inclusão, com a solidariedade e com a dignidade mínima de vida.

De forma prática, citamos e analisamos os argumentos utilizados por nossos magistrados de 1º e 2º graus quando se deparam com situações processuais onde há o cabimento da indenização suplementar civil, bem como a questão de haver ou não pedido da parte e sua decretação ex oficio. Tendo em vista o caráter protetivo social desta multa civil, que é utilizada como defesa da dignidade dos trabalhadores e do respeito aos princípios constitucionais da valorização do trabalho, iniciaremos com os argumentos do Ilustre Desembargador e doutrinador Jorge Luis Souto Maior, do TRT15, reconhecidamente um nome de respeito da na doutrina que trata de direitos trabalhistas.

EMENTA: DANO SOCIAL (“DUMPING SOCIAL”). IDENTIFICAÇÃO: DESRESPEITO DELIBERADO E REITERADO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REPARAÇÃO: INDENIZAÇÃO “EX OFFICIO” EM RECLAMAÇÕES INDIVIDUAIS. Importa compreender que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. [...]As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. O desrespeito deliberado, inescusável e reiterado da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à sociedade. Óbvio que esta prática traduz-se como “dumping social”, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato Judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica. Assim, nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas (agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista), tais como: salários em atraso; salários “por fora”; [...] deve-se proferir condenação que vise a reparação específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual, sendo inegável, na sistemática processual ligada à eficácia dos Direitos Sociais, a extensão dos poderes do juiz, mesmo nas lides individuais, para punir o dano social identificado (grifo nosso). RO 0049300-51-2009-5-15-0137, 6ª Turma. Jorge Luis Souto Maior. 27/04/2012[16].

Este processo está atualmente no TST aguardando julgamento de Recurso de Revista interposto pela empresa cujo despacho de admissibilidade foi publicado em 10/08/2012. Ainda não incluído em pauta.

A mesma sorte alcançamos ao argumento majoritário das decisões que afastam a condenação imposta por não ter sido pedida pela parte autora e deferido ‘arbitrariamente’ pelo juiz da causa, caracterizando as sentenças como ultra ou extra petita. São inúmeros os acórdãos que afastam a condenação de primeiro grau utilizando este argumento.

EMENTA: Indenização por dano social. Recolhimento ao FAT. Sentença desprovida de pretensão na inicial que a justifique. Sentença extra petita. Caso em que o julgador da origem, de ofício, condenou as reclamadas ao pagamento de R$ 300.000,00 em favor do FAT, a título de indenização "por dano social". Não havendo causa de pedir e nem pedido que ampare tal condenação, tem-se que a sentença é extra petita, no aspecto. Portanto, aplicando à hipótese o disposto no art. 128 do CPC e no art. 460 do CPC, cumpre absolver as reclamadas de tal pagamento. Recurso provido para afastar a condenação ao pagamento de indenização por dano social. Recurso Ordinário: 0000138-88.2012.5.04.0234, 7ª Turma. Flavio Portinho Sirangelo. 20/03/2013[17].

            Recurso ordinário originado de sentença prolatada pelo juiz Rafael da Silva Marques da 4ª Vara do Trabalho de Gravataí. A referida sentença condenou a empresa à indenização por dumping ex oficio no valor de R$ 300 mil reais, sendo que a recorrida alegou para seu recurso a anteriormente mencionada sentença extra e ultra petita, tese acolhida pelo relator do recurso, que defende que a indenização não foi pedida na inicial pelo autor, mas ao mesmo tempo, de que tampouco poderia fazê-lo, eis que não seria legitimado a requerer este tipo de condenação. Aponta artigos do CPC que subsidiam o fato de o juiz se ater aos limites da causa, defende que este é entendimento prevalecente na turma a que pertence e afasta a condenação estipulada pelo juízo a quo, e apresenta ainda outra possibilidade, que seria a remessa dos autos para o Ministério Público do Trabalho para adoção de medidas cabíveis de acordo com a Lei nº 7.347/85, dada a legitimidade daquele Órgão para defesa de interesses difusos e coletivos.             A parte autora da ação trabalhista até intentou Recurso de Revista para o TST, mas não adentrando no afastamento da condenação pela prática de Dumping Social.

            Incorporamos aqui mais um ensinamento proposto por Souto Maior, Mendes e Severo (2012, p. 52), no sentindo de repelir a exigência de pedido para parte autora para que haja condenação por Dumping Social na peça inicial da demanda trabalhista:

É importante aqui registrar que a exigência de pedido da parte afigura-se mesmo inusitada em se tratando de dano social. É que a indenização suplementar não tem por fundamento o ressarcimento da lesão a que se submeteu o autor do feito, mas sim a compensar a lesão de espectro social e a inibir (essa é a questão fundamental) a reiteração de condutas que afetam a harmonia social”. Mesmo porque a própria CLT em seu art. 652 estabelece que é função do juiz impor multas e demais penalidades dentro de sua competência, não condicionando esta aplicação ao pedido da parte lesada para isso.

Ainda mais atual, o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, RO 0000986-49.2012.5.04.0663, prolatado em 05/12/2013, pelo Desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, em processo originário da 3ª VT de Passo Fundo/RS, onde o desembargador nem adentrou ao mérito da questão de analisar se há ou não a prática de Dumping Social fruto do reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas. Em poucas linhas reconhece que não há o pedido da parte autora na inicial da ação e declara a sentença extra petita, e que o inadimplemento das obrigações trabalhistas enseja o pagamento das mesmas com juros e correção monetárias previstas em lei[18].

Contra este tipo de posicionamento judicial, Marcelo Abelha Rodrigues (apud Bezerra Leite, 2004, p. 272), diz “tem o estado que intervir, e pó isso o juiz, seu representante, não pode ficar parado, estático, esperando que a justiça corra sozinha se, quando e na forma em que for provocado”.

Reconhece-se, assim, um papel diferenciado ao Juiz do Trabalho, de agente realizador dos direitos do trabalhador, não apenas repondo perdas já experimentadas, mas acima disso, doutrinando a sociedade a reconhecer e praticar o certo e socialmente justo, de aplicar a segurança jurídica para todos, e não para um grupo menor que resistem em não observar a legislação trabalhista e sua função social. Não pode se perder de vista o ser humano.

Podemos ainda citar ementa de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, proferida pela Juíza Valdete Souto Severo condenando empresa ao pagamento da indenização por Dumping mesmo não havendo pedido da parte quando da Inicial. A decisão da Turma acolhe a sentença publicada em 30/03/2010 pelas suas próprias fundamentações, e o réu tentou se valer do mesmo argumento utilizado pela maioria, de que o pedido desta condenação não havia partido do autor quando da peça vestibular, mas desta vez o entendimento foi diverso:

Como bem exposto pelo juízo a quo, o entendimento inovador acima mencionado é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleceu na presente demanda. Como já referido na sentença, [...] Nessa esteira, a confirmar o novo paradigma instaurado pela ordem constitucional de 1988, o artigo 187 do Código Civil define como ilícito o ato praticado pelo “titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. É por isso que a atuação do grupo econômico – no presente feito e em tantas outras demandas em tramitação na comarca de Porto Alegre – implica verdadeiro dumping social, a perpetrar macrolesão que, por sua vez, exige um tratamento rigoroso e diferenciado, por parte do Poder Judiciário Trabalhista.

Considerando o número expressivo de processos relatando realidade de contumaz e reiterada inobservância dos mais elementares direitos humanos (nem sequer refiro os trabalhistas, mas apenas aqueles decorrentes do necessário respeito à integridade moral dos trabalhadores) [...] Salienta-se, ainda, e de conformidade com o já exposto pelo juízo de primeiro grau, que não há falar em julgamento extra petita, diante dos fundamentos retro expendidos. Não há falar, também, em violação de dispositivos legais e constitucionais, principalmente os referidos nos recursos. (grifo nosso)

Porém, esta decisão alterou a sentença quanto ao seu valor, reduzindo a indenização de R$ 700 mil para R$ 100 mil, e a sua destinação: ao invés de ser depositada em conta vinculada a Vara do Trabalho para quitação de processos baixados com débito, para crédito do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Segundo Valdete Severo ([2012], texto digital), prolatora da sentença recorrida e mantida parcialmente, quando a notícia foi veiculada no site do TRT4, a própria matéria explicou que nas condenações por Dumping Social, os magistrados acrescentam o valor da indenização quando do julgamento de uma ação individual, e que apesar de a Ementa[19] não trazer em seu corpo o assunto Dumping, trata-se de julgamento paradigmático frente à posição que o TRT vem adotando, como bem pudemos verificar com os acórdãos que colacionamos a este artigo:

Há certa resistência em enfrentar a modificação não apenas das relações jurídicas, mas também e especialmente do processo e do juiz do Trabalho, frente às macro lesões, exigindo pedido da parte que seque é beneficiária de eventual conseqüência econômica da pena privada e retirando do juiz função que é nitidamente sua, em um contexto de Estado constitucional. Os novos eventos, porém, trazem esperança renovada nessa busca pela efetividade do direito.

Podemos citar ainda mais um acórdão originado do TRT4, que mantém a condenação pela prática de Dumping Social[20]. O acórdão tem o posicionamento de enfrentar a tese do Dumping Social, verificando se as condutas que ali se apresentam caracterizam ou não o problema, e se pronuncia sob o cabimento da indenização deferida, não fugindo do assunto sob a alegação de que não foi pedida por um particular. Conforme escreveu o juiz de 1º grau quando da sentença:

Infelizmente, as indenizações deferidas ao próprio trabalhador neste processo são flagrantemente insuficientes a reparar esse agir da empresa e sobretudo a incentivá-la a não mais descumprir direitos fundamentais. A sociedade, como um todo, é prejudicada pela conduta reiterada de desrespeito a direitos sociais.

Quanto ao posicionamento da Desembargadora de manter a destinação da indenização para pagamentos de demandas arquivadas sem pagamento naquela unidade judiciária, vai ao encontro de mais um argumento utilizado por Souto Maior, Mendes e Severo (2012, ps. 91 e 92)

Vale repisar que a tentativa de inibir as ações corretivas, pondo em discussão qual seria o ente legítimo para receber a reparação de cunho social, não tem a menor razão de ser. Concretamente, a forma de se fixarem a reparação e o benefício da obrigação determinada não são o mais importante. Não podem constituir obstáculo à ação concreta para reparação do dano social, que visa revitalizar a autoridade da ordem jurídica. [...] De todo modo, não é esta a questão que interessa. Quem achar que a reparação do dano social, reconhecido nas ações individuais deve ter essa destinação (para algum este estatal ou ONG), que o faça, pois o que importa é o efeito prático da recomposição da autoridade do ordenamento. O que não pode, de jeito algum, é deixar que o dano social, reconhecido perante um ou vários processos judiciais, reste impune.

Souto Maior, inclusive, defende que devemos contrariar as decisões do TST se estas se demonstram desrespeitosas à realidade social e os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, principalmente aos ligados aos Direitos Fundamentais (2009). “O Poder Judiciário Trabalhista é o último reduto de garantia de eficácia dos direitos fundamentais trabalhistas” (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2012, p. 106)


 

4 CONCLUSÕES

Este trabalho se propôs a contextualizar a questão do Dumping Social como fruto do dano social decorrente do reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas, bem como os reflexos que este tipo de dano lança sobre toda a sociedade, e não apenas a pessoa do trabalhador. Para isto, foram tecidas algumas ideias sobre quais tipos de danos são indenizáveis sob a ótica dos direitos imateriais, para que se possa entender como ocorreu essa evolução até a moderna expressão Dumping Social. Passou-se pela sua origem dentro do direito civil, a formação de um norte jurisprudencial trabalhista através do Enunciado nº 4 da ANAMATRA e adentrou-se na discussão referente à melhor forma de tutela desses direitos envolvidos, se via ação individual ou ação coletiva, bem como sobre a legitimidade para requerer a indenização decorrente deste ato danoso. Por fim, foram apresentadas algumas decisões que negaram a condenação por Dumping Social, bem como seus motivos, e decisões que mantiveram a pena aplicada, destacando a coragem revelada nestes pareceres e todo o posicionamento ideológico que existe embutido nestas sentenças e acórdãos.

Foram colhidos muitos ensinamentos propostos por Zavaski, ao qual discorreu-se neste trabalho, principalmente no tocante aos direitos individuais homogêneos e as atribuições do MP para intervir em causas onde haja interesse público e frente à impessoalidade que deve estar presente nas causas patrocinadas por aquela instituição. Conclui-se que, sendo a ação judicial interposta pelo Ministério Público, este estará agindo como substituto processual, ou seja, defendendo em nome próprio direito alheio, que neste caso, pertence a toda uma coletividade de trabalhadores. Desta maneira, também se percebeu que nem todo interesse individual, mesmo que possua origem comum, pode ser classificado de homogêneo, e, ainda, que nem todo direito homogêneo possui interesse social.

Quando verificada que a soma desses interesses individuais atinge uma comunidade ou uma sociedade, é inegável que o Ministério Público pode atuar, e a identificação desse interesse social poderá ocorrer tanto por lei, quanto pelo próprio Parquet, valorizando a causa frente às suas atribuições, submetendo-se à avaliação ainda do juiz da causa, ao qual caberá se pronunciar de forma definitiva. Tratando-se de direitos classificados como individuais homogêneos, nos parece que a Ação Civil Pública não é o melhor caminho escolhido frente às dificuldades enfrentadas na sua liquidação, eis que esta constituiria um novo processo, com contraditório, cognição, devendo-se, inclusive, provar a condição de titular do direito material e o nexo de causalidade que este trabalhador, agora individualizado, possui com o causador do dano. Esta foi a lição que obteve-se com a leitura da obra de Bezerra Leite, o que demonstrou mais ainda a importância do processo individual, mesmo que o pedido da condenação por dano social não tenha sido requerido pela parte autora.

Aliás, tendo em vista a própria redação do art. 404, parágrafo único do Código Civil, a indenização será aplicada pelo juiz quando constatar sua necessidade, ou seja, cabe ao juiz analisar se é ou não caso de condenação por prática de Dumping Social, não havendo previsão de pedido específico da parte autora. Entende-se assim, por desnecessário o pedido da parte autora para que haja a condenação do demandado, mesmo porque, dificilmente este saberá quantos outros empregados tiveram seus direitos desrespeitados, se a empresa cumpre os acordos que assina, bem como verificar com a mesma maneira peculiar de um juiz do trabalho a quantidade de demandas trabalhistas que existem contra o mesmo empregador, demonstrando assim a sua contumácia e displicência. De outra maneira, também demonstra-se desnecessário o pedido do autor em decorrência da sua destinação: o valor da condenação não deve ser destinado a um particular, mas sim, para algum fundo ou finalidade que possa beneficiar uma coletividade, e não um indivíduo. Mas se o autor pedir tal condenação, não deve esta ser rechaçada por ilegitimidade, mas ao contrário, servirá para alertar ao juízo sobre algo mais profundo que uma simples lide trabalhista.

Ou ainda, a utilização da Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho para os situações onde não se possa realmente individualizar os afetados, como no caso de empresas que já foram alvo de várias vistorias do Ministério do Trabalho e não se adequaram, pois ai não se estaria discutindo o direito propriamente dito, mas sim a reiterada falta de cumprimento de normas trabalhistas. E com condenação sendo destinada não aos empregados diretamente, mas para qualquer fim coletivo: Fundo de Amparo ao Trabalhador, Fundo dos direitos difusos, ou até mesmo, como em algumas sentenças, para processos baixados e não pagos.

O mais importante é sempre lembrar que o Direito do Trabalho regula o trabalho humano remunerado, para evitar que o homem seja tratado como coisa. Frente ao caráter indisponível do qual se revestem as regras e princípios do direito do trabalho, não pode ser ignorado o fato de que a relação de trabalho, mesmo formada por sujeitos privados, sempre irá refletir no meio social, pois os interesses envolvidos extrapolam a esfera dos direitos estritamente pessoais, e os princípios que protegem o trabalhador resultam de normas imperativas, de ordem pública, o que caracteriza a intervenção do Estado nas relações de trabalho, mesmo que seja do Estado-Juiz. Se o Direito do Trabalho não for mantido como instrumento de luta, não precisa existir como ramo autônomo do direito.

 Não precisaria nem ser desenvolvida toda uma tese sobre a aplicabilidade do dumping nas relações de trabalho, ou tampouco sobre Dumping Social, para se perceber que há a necessidade urgente de frear esse desrespeito que se desencadeou frente aos direitos do trabalhador, direitos estes frutos de longos anos de batalhas para que os mesmos fossem reconhecidos como direitos fundamentais.

Existem em nosso ordenamento várias leis que permitem a aplicação da multa decorrente da prática de Dumping Social, como relatado neste trabalho; falar da subsidiariedade do art. 404, parágrafo único é apenas estudar o principal argumento utilizado pelos juízes que a aplicam, o qual foi subsídio para o Enunciado nº 4 da ANAMATRA.

Para que realmente não ocorra a fraude constitucional citada pelos magistrados, é preciso por em prática o Estado do bem-estar social com foco na solidariedade e na responsabilidade que temos uns com os outros. Continuar fechando os olhos para a rotina das Varas do Trabalho, simplesmente julgando procedente ou improcedente a demanda, tratando-a como mais um número num amontoado de processos com os mesmos réus, não é realizar justiça social. Não se pode mais permitir que ter lides trabalhistas seja um bom negócio para o mau empregador, que se mais uma vez condenado na ação individual, apenas pagará o que já era devido, isso se antes não firmar um acordo com a parte autora onde pagará menos ainda. A condenação por prática de Dumping Social com certeza não será a salvação da credibilidade da Justiça do Trabalho, mas, no momento que impinge ao condenado pensar se voltará a desrespeitar os direitos de seus empregados, demonstra que se precisa de juízes com independência e coragem, que sendo úteis à sociedade, aplicam o direito de forma a privilegiar o bem comum, preservando a própria utilidade do Direto do Trabalho.


Notas

[2] Lei 10.406, de 10.01.2002. Art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

[3]  O autor citado usa o termo injusto ao invés de ilícito, o que nos leva a lembrar que ambos não possuem juridicamente o mesmo significado.

[4] Lei 8.884, de 11.06.1994

[5] Proposta obriga empregador a reparar dano de trabalhador em atividade perigosa. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/460266.html>. Acessado em 08.01.2014.

[6]Lei 7.998, de 11 de janeiro de 1990.

[7] Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar (grifo nosso).

[8] Art. 769: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

[9]Magazine Luiza pagará R$ 1,5 milhão por dumping social.  Disponível em: a www.espacovital.com.br/publicacao-27846-magazine-luiza-pagara-r-15-milhao-por-dumping-social > Acessado em: 03.12.2013.

[10] O art. 23 da lei 8.884/94, que previa as punições possíveis, agora está com a redação no art. 37 da lei atual. Havia a expressão previsão de multa para a empresa praticante do ato proibido, na proporção de 1% a 30% sobre o valor do faturamento, porém, em 2011 essa percentual foi alterado para 0,1% a 20%, mas continua a previsão de multa em dobro em caso de reincidência. Lembramos que reincidência é um dos pontos centrais do dumping social. E de igual maneira, também foi preservado o artigo que estabelece que, mesmo sendo fixada a multa pela prática de infração da ordem econômica, se o interesse público exigir ou a gravidade dos fatos assim indicar, poderá ser imposta isolada ou cumulativamente, ainda, além de outras penalidades, qualquer outro ato ou providência para eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica.

[11] Lei 12. 529, de 30 de novembro 2011. Art. 38.  Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:

VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.  

[12] O Procurador do Trabalho do MPT, Bezerra Leite, em sua obra aqui já citada Liquidação na Ação Civil Pública (capítulo II da obra, pg. 56 e seguintes), bem explica os efeitos de uma condenação genérica em ACP tratando-se de direitos individuais homogêneos, sobre o sistema de habilitações indicados no art. 97 do CDC, e sobre o fato de, na verdade, a Lei da Ação Civil pública ser omissa no que se refere a liquidação, já que unicamente fala em seu art. 13 que a condenação em dinheiro deve ser revertida para um fundo público que vise a reconstrução dos bens lesados (p. 62). Assim, este entendimento que defende sim ser possível a titularidade da ACP pelo MP nas ações que versem sobre direitos individuais homogêneos nas relações de trabalho, utiliza para a sua liquidação as normas do CDC, título III, e posteriormente a CLT, que por sua vez também é lacônica quanto ao tema liquidação de sentença.

[13] STF, Pleno, RE 210.029, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 17.08.2007.

[14] RO 0001993-11.2011.5.15.0015. TRT 15ª Região. Disponível em; <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pProcesso.wProcesso?pTipoConsulta=PROCESSOCNJ&pidproc=2051008&pdblink=>. Acesso em: 19/02/2014.

[15] Lembramos aqui que, a Convenção 158 da OIT, que trata sobre a proteção da relação de emprego no tocante à dispensa arbitrária foi ratificada pelo Brasil em 10/04/1996, e denunciada 7 meses depois, durante a vigência do mesmo governo que a ratificou anteriormente. De lá para cá, mesmo trocando a ideologia governista, a Convenção ainda não foi novamente ratificada, e tampouco o inciso I do art. 7º da CF, que também protegeria a relação de emprego contra a despedida arbitraria ou sem justa causa, não foi regulamentado.

[16] Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/decisoes>.

[17]Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWindow_12;jsessionid=48AA70A55D34803B297946BD1C8A9F86.jbportal-203?action=2> Acesso em 10/02/2014.

[18]Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.  Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWindow_12;jsessionid=48AA70A55D34803B297946BD1C8A9F86.jbportal-203?action=2>. Acessado em 10/02/2014.

[19] EMENTA: BÔNUS DE VENDA E PRÊMIO DESEMPENHO. Os demonstrativos de salários comprovam o pagamento habitual de “remuneração por desempenho” e “bônus de vendas”, de forma a caracterizar a natureza salarial das parcelas. Recurso Ordinário 0078200-58.2009.5.04.0005, 3ª Turma. Des. Ricardo Carvalho Fraga, 30/03/2011.

[20] RO 0000983-94.2012.5.04.0663. 3ª Turma. Maria Madalena Telesca. 27/11/2013. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWindow_12;jsessionid=48AA70A55D34803B297946BD1C8A9F86.jbportal-203?action=2>. Acesso em 19/02/2014.


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Informações sobre o texto

Artigo científico apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Nível de Especialização em Direito e Processo do Trabalho, do Centro Universitário Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINDENMAIER, Suelen de Souza. Dano coletivo nas relações de trabalho: o dumping social e seus reflexos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31000. Acesso em: 5 maio 2024.