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A perda de uma chance e a caracterização da responsabilidade civil do advogado

A perda de uma chance e a caracterização da responsabilidade civil do advogado

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Este artigo tem como objetivo efetuar uma análise da responsabilização civil, baseada na teoria da perda de uma chance, examinando e identificando os resultados possíveis das atitudes tomadas pelo advogado no exercício de sua atividade.

Resumo: A aplicação da teoria da perda de uma chance para a responsabilização civil do advogado é totalmente cabível quando a má conduta do profissional da área jurídica retira daquele que nele confiou a oportunidade de um futuro melhor. A reparação desse dano se baseia numa probabilidade e numa certeza: a chance realizada e a vantagem perdida. Este artigo tem como objetivo efetuar uma análise desta nova forma de atribuição da responsabilização civil do advogado, baseada na teoria da perda de uma chance, examinando e identificando os resultados possíveis das atitudes tomadas pelo profissional do direito no desenvolvimento de suas atividades profissionais. Consubstancia-se numa pesquisa qualitativa, na qual foi utilizado o método dedutivo de desenvolvimento, além de um procedimento técnico bibliográfico e documental, com suporte de base doutrinária e jurisprudencial. Dessa forma, as reflexões começam pela conceitualização da responsabilidade civil do advogado, sob a luz do Código Civil brasileiro, do Estatuto da Advocacia e do Código de Defesa do Consumidor, posicionando-a entre as obrigações de meio e de resultado e averiguando as suas causas excludentes. Em seguida, examina-se a natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance, sua aplicação e aceitação pelo Direito brasileiro. Finalmente, avalia-se o agir do advogado quando este emite pareceres ou aconselhamentos equivocados, quando se omite na tomada das providências cabíveis ou desobedece às instruções expressas do seu constituinte. Nesse sentido, conclui que para responsabilizar um advogado civilmente pela perda de uma chance de seu cliente, esta chance deverá ser real e séria, sendo imprescindível, também, a constatação do nexo de causalidade entre a conduta negligente e o resultado danoso.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do advogado. Perda de uma chance. Obrigação de meio e de resultado. Excludentes da responsabilidade.


1 INTRODUÇÃO

Em tempos idos, alegava-se que o advogado, na qualidade de profissional liberal, não poderia vir a assumir o ônus de ressarcir o dano gerado pela perda de uma chance, pois sua obrigação seria unicamente de meio. Entretanto, nos tempos atuais, os tribunais pátrios modificaram esse ponto de vista, passando a aplicar a teoria da perda de uma chance, inclusive nos casos de responsabilidade civil do advogado.

O bacharel em direito, devidamente habilitado perante os quadros da OAB, muitas vezes assume a obrigação de produzir um resultado. Existe uma expectativa mínima da atuação do profissional com formação jurídica plena, que vincula o representante jurídico e seu representado, sendo, portanto, o pressuposto para a responsabilização  civil do patrono, por prejuízo gerado ao constituinte.

O advogado é o primeiro julgador da causa, o pioneiro a realizar a análise da conveniência e da oportunidade de se ajuizar ou não uma demanda; de opor ou não determinada medida judicial. Tudo para proporcionar ao contratante a melhor defesa dos seus interesses. Assim, ao sentenciar uma ação de reparação pela perda de uma chance ocasionada pelo advogado da parte, deve o juiz analisar o caso concreto, aplicando princípios constitucionais, em especial os da razoabilidade e da proporcionalidade.

A não interposição de recurso contra uma sentença que improveu alguns ou todos os pedidos realizados por determinada parte é um dos exemplos mais corriqueiros da perda de uma chance em alcançar um benefício ou evitar um prejuízo. Inobstante a isso, durante muito tempo o Direito fez “vista grossa” para o dano decorrente da perda de uma chance. Contudo, com o passar dos anos, isso mudou, tornando-se juridicamente possível visualizar um dano de forma apartada do resultado final da demanda.

Na França, país que sempre se destacou no desenvolvimento de novas doutrinas jurídicas, nasceu a teoria que defende a ideia de que também é indenizável a perda da possibilidade de obter-se uma vantagem, e não unicamente a vantagem propriamente dita. Surgiu, assim, a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance.


2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Para conceituar a responsabilidade civil do advogado, primeiramente, examinou-se o referido instituto sob o prisma do Código Civil. Após, adentrou-se nos preceitos estabelecidos no Estatuto da Advocacia, contrapondo-os com o Código Civil (lei geral) e o Código de Defesa do Consumidor (lei especial). Por último, procurou-se situar a obrigação do profissional do direito de acordo com sua natureza: meio e/ou resultado, verificando, também, a existência de excludentes da responsabilidade.

Em sentido amplo, pode-se afirmar que a responsabilidade profissional é preponderantemente contratual, pensa Venosa (2013). Segundo ele, todo aquele que exerce determinada profissão deve comportar-se segundo certos parâmetros, sob pena de, ao ocasionar danos, ser-lhe imputado o dever de indenizar. Conforme Sobrino apud Venosa (2013, p. 269):

[…] quando se fala em responsabilidade profissional, muitos, especialmente os médicos, afirmam que atualmente existe uma verdadeira caça às bruxas. Aduz que, se por um lado é certo que tem aumentado o número de processos por mau desempenho ou má prática profissional, durante muito tempo esses profissionais, mercê da época em que viveram, médicos, advogados, engenheiros, estiveram à margem das ações indenizatórias, como que protegidos por uma aura de privilégios ou imunidades. Mudaram as épocas, modificaram-se os exercícios dessas profissões e mudou a forma da sociedade encarar esses profissionais que, no passado, ao contrário do presente, representavam uma elite muito mais restrita.

Refere o autor que o advogado responderá por erros de fato e de direito praticados no desempenho do seu mandato. A gravidade da situação será analisada caso a caso. Erros grosseiros, como perda de prazo para apresentar contestação ou interpor recurso, são identificados de maneira objetiva. Por outro lado, existem condutas do advogado que suscitam um olhar mais acurado. Segundo esse doutrinador: “o advogado é o primeiro juiz da causa e intérprete da norma”. Deve escolher com propriedade a ação a ser tomada frente ao problema que lhe foi confiado: se deve ingressar com remédio processual ou postular frontalmente contra a letra da lei.

Cavalieri Filho (2012) esclarece que algumas profissões estão sujeitas a um regramento especial, haja vista os riscos que representam para a sociedade. Faz-se necessário que se preencham os requisitos legais para o exercício de determinadas atividades profissionais. Esses requisitos vão desde o diploma de curso superior (habilitação técnica) até a inscrição em órgão de categoria especial. Nesse grupo estão elencados profissionais tais como o médico, o dentista, o farmacêutico, o engenheiro e o advogado.

Frisa ainda o autor acima que, em face das particularidades de cada profissão, é impossível criar um sistema geral destinado a resolver os problemas de responsabilidade profissional conjuntamente. Alguns geram obrigação de resultado, como, por exemplo, o construtor; outros produzem uma obrigação de meio ou de diligência, como o advogado.

Rizzardo (2013) sustenta que a responsabilidade do advogado surge quando sua atuação é deficiente, ocasionando prejuízo ao seu cliente. Tal ocorre quando o referido profissional atua no processo por intermédio de um instrumento de mandato, ou então por ter sido nomeado pelo juiz. Assim, com exceção das situações de assistência judiciária gratuita, sua responsabilidade é eminentemente contratual.

Aduz o precitado autor que só incidirá a responsabilidade quando ficar provado o dolo ou a culpa. Para Rizzardo, não existem muitas dificuldades na caracterização do dolo. Por outro lado, são muitas e variadas as situações que levam à responsabilidade pela culpa em decorrência da inobservância aos deveres profissionais.

É inquestionável que o mau profissional deva ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao cliente, salienta Gonçalves (2012). Para esse autor, o advogado deve arcar com a responsabilidade pela indução de seu cliente a um caminho incorreto, que lhe trouxe prejuízos. A título de exemplo, o doutrinador cita a perda de prazo. Tendo em vista tratar-se de algo que consta expressamente na lei, não é admissível que o patrono da parte o ignore. Em caso de dúvida, opta-se pelo prazo menor, eliminando-se assim a possibilidade do constituinte arcar com eventual dano.

Não há dúvida de que a falta de habilidade profissional advocatícia gera dever de indenizar. Nesse sentido está o julgado a seguir:

Responsabilidade civil – Recurso especial – Dano moral – Perda de prazo por advogado – Teoria da perda de uma chance – Decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial na questão principal que analisou as próprias razões recursais, superando a alegação de intempestividade – Dano moral inexistente – 1 – É difícil antever, no âmbito da responsabilidade contratual do advogado, um vínculo claro entre a alegada negligência do profissional e a diminuição patrimonial do cliente, pois o que está em jogo, no processo judicial de conhecimento, são apenas chances e incertezas que devem ser aclaradas em juízo de cognição. 2 – Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da ‘perda de uma chance’ devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Precedentes. 3 – O fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor recurso – Como no caso em apreço, não enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance, fazendo- -se absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade – Que se supõe real – Que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou de ter a sua pretensão atendida. 4 – No caso em julgamento, contratado o recorrido para a interposição de recurso especial na demanda anterior, verifica-se que, não obstante a perda do prazo, o agravo de instrumento intentado contra a decisão denegatória de admissibilidade do segundo recurso especial propiciou o efetivo reexame das razões que motivaram a inadmissibilidade do primeiro, consoante se dessume da decisão de fls. 130-134, corroborada pelo acordão recorrido (fl. 235), o que tem o condão de descaracterizar a perda da possibilidade de apreciação do recurso pelo Tribunal Superior. 5 – Recurso especial não provido” (STJ – REsp 993.936 – (2007/0233757-4), 23-4-3012, Rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Extrai-se da jurisprudência colacionada que, para caracterizar o dever de indenizar, deve-se examinar se o prejuízo está relacionado à conduta omissiva ou comissiva do advogado, ou seja, se o seu proceder gerou um dano que não ocorreria caso outro profissional do Direito tivesse atuado no caso.

2.1 A sistematização da responsabilidade civil do advogado no âmbito do Código Civil, do Estatuto da Advocacia e do Código de Defesa do Consumidor

Sob a égide do Código Civil, a responsabilidade civil do advogado, no dizer de Rossi (2007), é apurada quase que totalmente pela teoria subjetiva, fundamentada em perquirição de culpa. Na visão desse diploma legal, a relação jurídica que existe entre cliente e advogado é contratual, derivando a responsabilidade do próprio descumprimento da obrigação estabelecida pelo vínculo entre as partes.

Abordando os preceitos do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906, de 4 de julho de 1994), em especial o seu artigo 32, Cavalieri Filho (2012) aduz que, embora decorrente do contrato, a culpa do advogado deverá ser provada. O cliente só poderá atribuir a responsabilidade pelo fracasso da ação ao seu patrono caso demonstre que o advogado atuou com dolo ou culpa.

Assevera o autor que, nos termos do parágrafo único do precitado artigo 32, o advogado poderá ser responsabilizado juntamente com seu cliente, de maneira solidária, quando estes coligarem-se para lesar a parte contrária de forma dolosa. Esclarece o autor que o advogado não tem obrigação de aceitar tais “lides temerárias” e, no decorrer do mandato, pode apresentar renúncia quando houver impedimento de origem pessoal ou por convicção íntima. Tal conduta não configurará quebra de contrato, desde que o patrono dê ciência prévia ao seu cliente, para que este nomeie outro advogado, e continue praticando os atos necessários no prazo previsto no art. 34, XI, do Estatuto da OAB.

Venosa (2013) coaduna-se à ideia de que a atividade advocatícia está vinculada ao CDC. Aduz que o dever de informar é aspecto inerente à profissão do advogado, realçado pelo código consumerista. Assim, deve o advogado manter o cliente a par de todas as peculiaridades e possibilidades que vão surgindo na causa, devendo explicar as conveniências e inconveniências das medidas judiciais a serem adotadas. Deve ser progressivo esse informe, ocorrendo à medida que o caso se desenvolve, mas não de maneira técnica, pois o cliente muitas vezes é leigo. O advogado deve participar seu mandante das perspectivas que envolvem o caso e as mudanças de rumo que poderão ser tomadas, não podendo ser responsabilizado se receber do cliente informação falsa ou incompleta, o que, comumente, ocorre.

O mesmo autor salienta que a responsabilidade pessoal dos advogados depende de prova de culpa, conforme posicionamento adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, que manteve a responsabilidade subjetiva para os profissionais liberais. Por outro lado, na esfera da responsabilidade do advogado, muitas vezes surge a questão do seu descaso quando retarda a propositura de uma ação; perde o prazo de contestação ou para interpor recurso, etc.

No julgado seguinte, o STJ posicionou-se contra a responsabilização do advogado pelo CDC, entendendo que o exercício dessa profissão é regido por norma especial, o Estatuto da OAB, que regula a relação entre cliente e advogado, afastando, assim, a incidência de norma geral:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO PROPOSTA POR DETENTOR DE TÍTULO EXECUTIVO. ADMISSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O detentor de título executivo extrajudicial tem interesse para cobrá-lo pela via ordinária, o que enseja até situação menos gravosa para o devedor, pois dispensada a penhora, além de sua defesa poder ser exercida com maior amplitude. Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei nº 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/ § 1º e 34/III e IV, da Lei nº 8.906/94)- evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Recurso não conhecido. (STJ - REsp: 532377 RJ 2003/0083527-1, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 21/08/2003, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/10/2003 p. 373REVFOR vol. 375 p. 298RT vol. 820 p. 228).

Na contramão da referida decisão, a Terceira Turma do Tribunal supracitado aplicou, no julgamento do Recurso Especial 364.168-SE, o sistema de responsabilização civil das relações consumeristas aos serviços advocatícios. Veja-se:

Prestação de serviços advocatícios. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade.

I - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados por profissionais liberais, com as ressalvas nele contidas.

II - Caracterizada a sucumbência recíproca devem ser os ônus distribuídos conforme determina o art. 21 do CPC.

III - Recursos especiais não conhecidos.

Da ementa supratranscrita, extrai-se que os serviços dos profissionais liberais são regulados, na sua totalidade, pelo CDC, ressalvando-se apenas que, nos casos previstos no seu art. 14, § 4º, a responsabilidade é apurada pela demonstração da culpa.

2.2 A superação da dicotomia entre a obrigação de meio e de resultado

A obrigação do advogado consiste, basicamente, em defender a parte em Juízo e dar-lhe conselhos profissionais, assevera Venosa (2013). No seu sentir, deve-se apurar, no caso concreto, a ineficiência da atuação desse profissional, que está obrigado a empregar toda a sua diligência e capacidade na defesa da causa. Embora na área litigiosa a obrigação do advogado seja, em regra, de meio, existem situações em que essa obrigação passa a ser de resultado. Para citar um exemplo: ao elaborar um contrato ou uma escritura, o advogado compromete-se, teoricamente, a produzir o resultado. A questão, entretanto, suscita dúvidas que somente a análise do caso concreto encontrará definições, tais como se houve a falha funcional do advogado que resultará em dever de indenizar.

Quanto a esta questão, entende Cavalieri Filho (2012) que o advogado não está obrigado a aceitar o patrocínio de uma causa, mas, ao assinar o contrato com seu cliente, assume uma obrigação de meio (não de resultado) já que, por tal, não se compromete a ganhar a causa, tampouco conseguir uma absolvição. Sua obrigação se resume a defender os interesses de seu constituinte com o máximo zelo, empenho e habilidade, sem qualquer comprometimento com o sucesso ou não da demanda.

De uma forma geral, Rossi (2007) entende que as obrigações dos advogados são de meio. Entretanto, existem casos específicos em que serão de resultado, como por exemplo, ao elaborar um contrato, um parecer, ou então quando da prestação de um assessoramento ao cliente. Inobstante a isso, até nas obrigações de meio, onde o advogado atua sem qualquer compromisso com o sucesso final, é intrínseco à sua profissão o zelo, a diligência, a prudência, a precisão no fornecimento das informações, a eficácia em aconselhar, entre outros.

Mesmo nas obrigações de meio, a responsabilidade do advogado é contratual, aduz o autor, pois o artigo 14, §4º, do CDC fala da  culpa do profissional liberal, mas não se refere à responsabilidade aquiliana, e sim àquela derivada do contrato. Assim, responde o profissional do direito pela desídia na prestação de seus serviços, por não informar corretamente ou de forma suficiente. No entanto, ao advogado é assegurada a ampla defesa, podendo demonstrar a existência de excludentes  previstas no supracitado artigo, no seu parágrafo terceiro, além das possibilidades de caso fortuito ou de força maior.

Rizzardo (2013) segue a mesma linha do precitado autor, alegando que a obrigação do advogado não é de resultado, à exceção de eventos menos complexos, em que inexistem controvérsias. Citam-se os exemplos de jurisdição voluntária, como emancipações, alienações, aberturas de testamento, etc. Neste tipo de procedimento não surgem grandes dificuldades, bastando ao advogado saber peticionar de maneira correta.

2.3 As excludentes da responsabilidade civil do advogado

Sobre os casos de isenção de responsabilidade, cabe aqui transcrever o pensamento de Cavalieri Filho (2012). Aduz o autor que são rotineiras as situações em que pessoas obrigadas por certos deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos que não deram causa. Descobre-se, após um exame mais acurado da relação de causalidade, que o dano é proveniente de outra causa, distinta daquela que primeiro se supunha. No caso concreto, quando a adoção de um comportamento não é possível, não há falar em violação de qualquer dever.

A obra de Rossi (2007) trata das hipóteses de defesa do advogado apontado pelo seu constituinte como causador do dano e que, portanto, passou à condição  de réu numa ação indenizatória promovida por seu ex-cliente. Elucida o autor que as seguintes hipóteses excluem a responsabilidade do profissional do direito, rompendo o nexo causal: a culpa exclusiva ou concorrente da vítima; o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior. Tais possibilidades ocorrem nos casos de responsabilidade aquiliana. Tratando-se de responsabilidade derivada de um contrato, só caberá a cláusula de não-indenizar como eximente da obrigação de indenizar a parte inconformada.

Esclarece o autor que, quando há culpa exclusiva ou concorrente da vítima, o dano teve origem num fato provocado pela própria parte lesada, ou então, de um fato gerado por ambos (vítima e ofensor) de forma concorrente. Na primeira hipótese, desaparece o nexo de causalidade entre a ação do advogado, dito causador do dano, e o resultado que prejudicou seu constituinte. Na segunda hipótese, a responsabilidade do profissional do direito é amenizada, visto que o prejuízo se deu pelo concurso de esforços (do advogado e do cliente).

Rizzardo (2013) concorda com o supracitado autor, inferindo que o fato da vítima, ou a sua culpa exclusiva, descaracterizam a responsabilidade. Tal ocorre quando o modo pelo qual se conduziu a parte prejudicada no evento fez surgir a lesão, sem que houvesse a participação de mais alguém com quem ela conviva ou tenha relação de subordinação. Nesse caso, a ocorrência do prejuízo não constitui fato gerador de responsabilidade. Assim está previsto no artigo 945 do Código Civil, que inovou seu pensamento nesse aspecto em relação ao códice anterior: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”

Conforme o autor, há grande dificuldade na apuração da responsabilidade quando houve concorrência de ações para a consecução do dano, uma vez que cada um (advogado e cliente) contribuíram para a produção do resultado inesperado, negativo. Para o desenlace dessa contenda, faz-se necessário que cada parte assuma proporcionalmente a responsabilidade que lhe cabe. Resumidamente, pode-se dizer que; em havendo culpa do cliente, parcial ou integral, a responsabilidade do advogado será diminuída ou totalmente excluída. 


3 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

No sentir de Silva (2013), a vida moderna fez surgir a necessidade de reparar danos relativos a causas que desbordam o campo material e invadem o emocional. Expectativas frustradas, estresse, invasão de privacidade, risco de perda patrimonial, perda de chances e de escolhas são algumas hipóteses de situações consideradas reparáveis na atualidade. Esse novo olhar modificou e fez evoluir o conceito e a aplicação da responsabilidade civil, tão pouco esmiuçado se comparado ao estudo da culpa. Constata-se que a teoria da perda de uma chance é campo fecundo para uma análise inovadora dos requisitos da responsabilidade civil.

Aduz Savi (2012) que muitas são as situações cotidianas em que, por uma ação ofensiva de alguém, outro indivíduo tem suprimida a oportunidade de angariar uma vantagem ou de livrar-se de um prejuízo. Há diversos exemplos dessas situações corriqueiras. Um dos mais conhecidos é o caso do advogado que perde o prazo para interpor um recurso contra decisão judicial que desatendeu aos interesses de seu cliente.

Entretanto, é impossível afirmar, de forma inequívoca, que o recurso que deixou de ser interposto pelo advogado obteria êxito, esclarece o autor. Ante o exame minucioso da situação concreta, poder-se-ia apenas vislumbrar qual a possibilidade de provimento daquele recurso, ou seja: se havia ou não probabilidade séria de reforma do julgado.

Venosa (2013) comenta que, ao procurar conceituar a chance, deve-se ter a clareza de estar diante de eventos que proporcionam possibilidades de ganhos futuros para alguém. Na perda da chance o que acontece é que tal indivíduo tem frustrada a percepção de tais ganhos.

No pensar do autor, dever-se-á projetar tais perdas, desde o ato desencadeador até um marco final, que será determinada idade da vítima, um evento futuro ou mesmo a morte. Nesse panorama, a chance perdida converter-se-á em perda patrimonial propriamente dita e não mais em uma simples possibilidade. O grau de probabilidade será a base de cálculo do montante a ser indenizado.

Segundo Silva (2013), a teoria da perda de uma chance é atualmente aplicada a diversos tipos de dano: os resultantes do inadimplemento contratual; aqueles gerados por ilícito absoluto; bem como nas hipóteses de responsabilidade subjetiva e objetiva. Clássicos são os danos ocasionados por jogos de azar, como o caso do cavalo de competição que não pôde participar da corrida e, por isso, fez seus apostadores perderem a chance do prêmio. Ou, então, o já mencionado caso do advogado negligente que não interpôs o recurso no prazo devido, fazendo seu cliente perder a chance de reexaminar  a matéria na  instância superior.

Conforme o autor, o desenvolvimento da teoria da perda de uma chance, no direito norte americano, gerou uma infinidade de casos, principalmente envolvendo a seara médica. Para exemplificar, cita o caso “Falcon versus Memorial Hospital”, em que uma gestante chegou ao hospital para dar à luz e, logo após o parto, acabou morrendo por embolia ocasionada pelo fluído amniótico. A família ajuizou ação contra o médico e o hospital, uma vez que a negligência do profissional havia tirado todas as chances da paciente sobreviver, mesmo sendo poucas, em virtude de sua condição de alto risco.

No entender de Savi (2012), inobstante o reconhecimento da inadmissibilidade em indenizar a mera hipótese de um dano gerado por uma vitória perdida, não há negar o fato de que essa vitória seria possível em não havendo o fato danoso. Assim, existe um dano passível de indenização consubstanciado na possibilidade da vantagem não auferida.

Para ilustrar, o autor cita a hipótese do cavalo campeão que deixa de disputar um grande prêmio por culpa de seu jóquei. Não há falar que o valor do dano corresponderia ao prêmio pago ao vencedor da corrida. Nada assegura que o referido cavalo chegaria em primeiro. Por consequência, a ação que visasse condenar o jóquei ao pagamento de uma indenização no valor do prêmio maior seria improcedente. O dano, nesse caso, não preencheria o requisito de certeza exigido pelo Direito para fazer surgir o dever de indenizar.

3.1 A natureza jurídica da responsabilidade pela perda de uma chance

Aduz Silva (2013) que a teoria clássica da perda de uma chance defende um caráter autônomo para as chances perdidas. Tal natureza jurídica, consubstanciada na autonomia, separa o dano gerado pela interrupção do processo (chance perdida) do prejuízo oriundo da perda da vantagem: o dano final. A vantagem seria o benefício que o indivíduo lesado poderia conseguir, caso sua demanda fosse até o final e tivesse um resultado positivo. Assim, segundo a teoria clássica, a parada do processo é o suficiente para embasar a ação de indenização, uma vez que a chance, nesse momento, poderia ter um valor pecuniário, tal como o bilhete de loteria roubado antes do sorteio.

O precitado autor define a natureza jurídica das espécies de perda de uma chance como de dano autônomo ou de causalidade parcial do dano final. Explica o autor que, nos casos de perda de uma chance, existe um dano de fácil identificação: a perda da vantagem esperada. Essa vantagem não alcançada (dano final) pode ser a perda de um processo, a perda da vida, ou mesmo a perda do vestibular. Indenizar essas chances subtraídas das vítimas é o único caminho para uma reparação justa. Entende o autor que o sistema atual da perda de uma chance possui duas categorias. A primeira baseada num conceito independente de dano; e a segunda, no conceito de causalidade parcial em relação ao dano final.

Savi (2012) concorda com a sistematização proposta por Rafael Peteffi da Silva. Contudo, em sua obra, opta por tratar apenas da “teoria clássica”, qual seja a primeira modalidade de perda de uma chance citada por Silva (2013), não abordando a aplicação da teoria na modalidade de causalidade parcial.

Em julgado, a Ministra Nancy Andrighi do colendo STJ explica, ao final do ano de 2012, que a chance concreta, real, e com grande probabilidade de sucesso, é considerada um bem jurídico autônomo:

[...]

3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.

No pensar de Silva (2013), se for necessário presumir algo para provar o nexo de causalidade entre a conduta e o dano final, será impossível que haja um dano autônomo e independente, oriundo da chance perdida. Comenta o autor que ocorre uma grande confusão entre os conceitos de dano futuro e dano presente, mormente quando relacionado com a teoria da perda de uma chance. Temporalmente, todo dano ocorre após o evento danoso. Portanto, resta evidente que o evento gerador do prejuízo não serve como momento cronológico para classificar o dano em futuro ou presente. Ter-se-ão por danos presentes aqueles já ocorridos, verificados no momento da apreciação pelo juiz da causa; futuros serão os danos que ocorrerem depois desse momento, ainda que em consequência do fato lesivo.

3.2 A aplicação da noção de perda de uma chance

Conforme Savi (2012), tanto no Direito brasileiro quanto no italiano, o autor deve fazer prova do fato constitutivo do seu direito. No caso de lucros cessantes, a parte autora deverá provar os pressupostos e requisitos necessários à verificação desse lucro. Já na hipótese de perda de uma chance, o dano final é impossível de ser demonstrado e, portanto, jamais poderá ser indenizado como lucro cessante.

No dizer do doutrinador, a perda de uma chance é um dano presente, visto que a chance é perdida, na maioria das vezes, quando verificada a ocorrência do fato danoso. Nesse sentido, Bocchiola apud Savi (2012, p. 19): “A possibilidade, por si só considerada, é atual no momento do fato lesivo, e quando se julga sobre essa perda, a situação é, normalmente, definitiva, cristalizada em todos os seus elementos, de modo que o dano já se verificou”.

O mais importante para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance, no entender do precitado estudioso, é considerá-la como um dano presente, o que diminui a dificuldade em relação à sua prova de certeza. Para a solução dos entraves opostos, deve-se aplicar ao caso a noção de dano emergente, e não de lucros cessantes, como fazia a doutrina e a jurisprudência em tempos idos.

Discordando dessa assertiva, afirma Nader (2010) que a perda de uma chance se ajusta na categoria de lucros cessantes, pois se tratam de danos sofridos por uma pessoa que deixou de ganhar algo ou que não pôde evitar que algo se perdesse. Para ilustrar, o autor menciona o caso do advogado que ajuíza uma ação para seu cliente e, após o julgamento de improcedência, perde o prazo do recurso sem justa razão. Na ação contra seu ex-patrono, o autor fundamentará seu pedido na perda de uma chance. Ainda assim, para lograr êxito, terá que provar que sua expectativa de provimento do recurso era séria, que a decisão de primeira instância, não recorrida, opôs-se à jurisprudência pacífica. Dessarte, será indiscutível que houve a prática de ato lesivo passível de ser indenizado.

Venosa (2013) também discorre sobre essa problemática, aduzindo que a maior dúvida reside na possibilidade de existência de um dano incerto. Acrescenta que, via de regra, deve-se verificar a certeza do dano. Conforme o autor, daí surgem diversos questionamentos. Uma pessoa que não prestou o exame vestibular por deficiência do transporte público pode responsabilizar o transportador pelo seu infortúnio Pode-se responsabilizar civilmente o advogado que não ingressa com a medida judicial cabível e, por consequência, ocasiona a perda de uma oportunidade do cliente?

Infere o autor que, na doutrina, surge uma proeminente corrente que posiciona perda da chance num terceiro tipo de indenização, não se tratando de lucros cessantes, nem danos emergentes, pois não se encaixa em nenhum deles.

Para Silva (2013), quando não é possível provar que a perda da vantagem (dano final) é consequência direta do agir do réu, devem ser utilizadas estimativas e probabilidades. Visto que estas podem ser medidas com certo grau de acerto, o direito vem aceitando a reparação da perda de uma chance, às vezes como espécie de dano, às vezes como nexo de causalidade.

Destaca o autor que os casos de perda de uma chance devem ser separados dos casos de criação de riscos, mesmo sabendo que todas as chances perdidas acarretam o aumento do risco de perder a vantagem almejada. Cite-se, por oportuno, o exemplo do médico que, culposamente, deixa de diagnosticar um câncer na fase inicial da doença. O doente perde uma chance de curar-se, pois o risco de morte aumenta. No entender do autor, a diferença entre a perda de uma chance e a criação de um risco é a perda da vantagem esperada de forma definitiva. Por isso, salienta o autor ser de total importância a fixação de critérios para que sejam concedidas indenizações pela perda de uma chance. Esses critérios possibilitam aos operadores do direito sistematizar as hipóteses que podem ser enquadradas como de chance perdida.

3.3 A aceitação da teoria pelo Direito brasileiro

Ao contrário de certos ordenamentos jurídicos em vigor noutros países, que apresentam grande evolução na teoria da perda de uma chance, Silva (2013) esclarece que, no direito brasileiro, a situação é bem diferente. Observam-se decisões que utilizam a teoria da perda da chance sem enquadrá-la numa categoria geral de aplicação. Em outras palavras, utilizam-na de maneira pouco sistemática, sem contribuir para a consolidação das condições gerais para sua aplicação.

Nesse sentido, afirma o autor, algumas das primeiras decisões do STJ sobre o tema são obscuras. Não fazem referência à teoria da perda da chance de forma expressa e apontam requisitos diversos para julgar questões que poderiam ser encaixadas na mesma teoria, caso analisadas sistematicamente. O autor aponta uma das possíveis causas para essa atuação desorientada: a ínfima produção doutrinaria sobre o tema.

Savi (2012) concorda com a opinião de Silva, destacando que os tribunais brasileiros ainda não conseguem se harmonizar com os conceitos da teoria da perda de uma chance, mesmo que reconheçam que a chance perdida, séria e real, deva ser reparada.

Segundo o autor, algumas decisões dos tribunais pátrios interpretam a perda da chance como uma forma de dano moral, geradora unicamente de danos extrapatrimoniais. Em contrapartida, outros julgados reconhecem que perder uma chance pode ocasionar dano patrimonial. Estes últimos normalmente entendem tratar-se de lucro cessante. Raras decisões tratam a perda de chance como hipótese de dano emergente.

José de Aguiar Dias apud Silva (2013, p. 191), examinando um caso de responsabilidade civil de um advogado pela perda de uma chance, chamou um magistrado, que prolatou um voto num julgamento no TJ de São Paulo, em 29/07/1936, de “bisonho”, porque o voto negou a responsabilidade do causídico pela falta de preparo de um recurso numa ação trabalhista. No entender do douto juiz, tal fato não acarretava dano algum.

Um dos mais famosos julgados a demonstrar a aceitação da teoria da perda de uma chance pelos tribunais brasileiros foi o do Recurso Especial nº 788.459–BA, de relatoria do ministro aposentado Fernando Gonçalves, em que se decidiu uma questão na qual a autora perdeu a chance de alcançar o prêmio de um milhão de reais, no programa de TV: “Show do Milhão”, por conta de uma pergunta mal elaborada, que induzia a erro o candidato.

Na demanda judicial contra BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo Silvio Santos, a autora pediu indenização por danos materiais no valor do prêmio máximo, além de danos morais pela sua frustração. Condenada em primeira instância a indenizar a autora em R$ 500 mil de dano material, a empresa recorreu, alegando que a reparação deveria ser reduzida para R$ 125 mil.

Veja-se o voto do insigne Ministro do STJ, no julgamento do referido recurso especial:

Cuida-se de ação de indenização proposta por ANA LÚCIA SERBETO DE FREITAS MATOS, perante a 1a Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Salvador – Bahia – contra BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA., empresa do grupo econômico ‘Sílvio Santos’, pleiteando o ressarcimento por danos materiais e morais, em decorrência de incidente havido quando de sua participação no programa ‘Show do Milhão’, consistente em concurso de perguntas e respostas, cujo prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) em barras de ouro, é oferecido àquele participante que responder corretamente a uma série de questões versando conhecimentos gerais. Expôe a petição inicial, em resumo, haver a autora participado da edição daquele programa, na data de 15 de junho de 2000, logrando êxito nas respostas às questões formuladas, salvo quanto à última indagação, conhecida como ‘pergunta do milhão’, não respondida por preferir salvaguardar a premiação já acumulada de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), posto que, caso apontado item diverso daquele reputado como correto, perderia o valor em referência. No entanto, pondera haver a empresa BF Utilidades Domésticas Ltda., em procedimento de má-fe, elaborado pergunta deliberadamente sem resposta, razão do pleito de pagamento, por danos materiais, do quantitativo equivalente ao valor correspondente ao prêmio máximo, não recebido, e danos morais pela frustração de sonho acalentado por longo tempo.

Não havia certeza categórica de que a mulher acertaria a pergunta de um milhão de reais se ela fosse feita de maneira clara e correta, no entender do ministro. Para ele, “há uma série de outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a enorme carga emocional da indagação final”. Assim, o relator do recurso optou por diminuir o valor da indenização porque o valor tinha origem numa “probabilidade matemática” de acertar uma das quatro alternativas da questão milionária.


4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE

Venosa (2013) entende que, quando ocorre a perda de uma chance da parte por desídia do seu patrono, o que deve ser indenizado é a impossibilidade de receber a prestação da tutela jurisdicional, e não numerário que, eventualmente, poderia ser auferido com a demanda. Tal ocorre, por exemplo, quando a parte é impedida de ver seu processo revisto em segunda instância, pela falha do advogado que deixou de interpor o recurso cabível. Veja-se:

RESPONSABILIDADE   CIVIL  DO  ADVOGADO  -  EMBARGOS  DE DECLARACAO  E APELACOES INTERPOSTAS FORA DO PRAZO LEGAL -  DESCUMPRIMENTO  DO  DEVER  DE  DILIGENCIA - PERDA DE PRAZOS  -  NAO  CONHECIMENTOS  DOS  RECURSOS  - DANO  - EXISTENCIA  -  FORMA DE LIQUIDACAO - ACAO PROCEDENTE. O advogado  tem  o dever  de manifestar recurso ordinario "oportuno  tempore",  respondendo  por sua interposicao intempestiva. A perda de prazo, como ensina Jose Aguiar Dias,  "constitui  erro grave, a respeito do qual nao e possivel  escusa,  uma vez que os prazos sao de direito expresso  e nao se tolera que o advogado o ignore" ("Da Responsabilidade Civil", vol. 1, p. 348, Forense - 1987 - 8a. edicao". O prejuizo da parte consiste na perda da possibilidade  de  ver  apreciado  o merito da causa na instancia  superior. Nao se configurando qualquer causa de  exclusao  de  responsabilidade  civil  do advogado, impoe-se  a  procedencia  do  pedido indenizatorio, com fixacao  da  indenizacao  atraves  de  arbitramento  em liquidacao  de sentenca, levando-se em conta que o dano corresponde apenas a perda de uma chance. (TJPR - 5ª C.Cível - AC - 45988-1 - Peabiru -  Rel.: Carlos A. Hoffmann - Unânime -  - J. 19.03.1996).

Para Venosa, mesmo que o instituto da perda da chance seja incipiente na doutrina brasileira, os tribunais têm abarcado a teoria em seus julgados, quando identificada no exame do caso concreto. O que se procura apurar, caso a caso, são as chances que foram realmente perdidas e que poderiam trazer algum benefício à vítima. Noutras palavras, quando acontece a perda de uma chance, o que se indeniza é a perda em potencial e não a efetiva.

A atividade prejudicial do advogado poderá também gerar danos morais, o que não se pode confundir com a perda de chance relativa a danos materiais, acrescenta o autor. Segundo ele, o dano ao patrimônio deve ser atual e certo, para poder ser calculado de forma correta. É imprescindível que o ex-mandante comprove que sofreu um prejuízo certo e não uma mera hipótese de dano, ainda que dentro dos pressupostos da perda da chance.

Cavalieri Filho (2012) defende a ideia de que se aplica corretamente a teoria da perda de uma chance naquelas situações em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de um futuro melhor. Essa perda se caracteriza quando, em virtude da atitude de alguém, outro indivíduo vê negada a possibilidade de alcance de um benefício. Exemplo crasso é o da parte litigante que deixa de obter a modificação de uma sentença desfavorável pela não interposição de um recurso.

Afirma o autor que a teoria da perda de uma chance vem encontrando ampla aceitação no direito pátrio. A seu ver, a reparação do dano oriundo dessa teoria se baseia numa probabilidade e numa certeza: a chance realizada e a vantagem perdida, respectivamente. Assim, faz-se necessário que a chance seja séria e real, e que, ao ocorrer, possa proporcionar ao prejudicado uma situação futura favorável, de acordo com o princípio da razoabilidade.

Destaca ainda o citado mestre que a premissa maior dessa teoria é a indenização pela perda da possibilidade de auferir uma vantagem, e não o ressarcimento total da vantagem propriamente dita. Segundo ele, a chance da vitória será sempre valorada a menor do que a própria vitória em si, devendo esse conceito refletir-se no valor da indenização. Para ilustrar, o autor menciona o caso do advogado que perde o prazo para recorrer de uma decisão judicial desfavorável a seu cliente. A indenização em questão não será baseada no valor que o cliente teria auferido com a vitória na demanda, mas sim no fato de ter perdido a chance de sair vitorioso.

Nesse entendimento, a teoria da perda de uma chance foi aplicada de forma correta pela 4ª Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1.190.180. Veja-se:

EMENTA RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO.

1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.

2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa.

3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance",  condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais.

4. Recurso especial conhecido em parte e provido.

Acrescenta Cavalieri Filho (2012) que o advogado é o primeiro juiz da causa. É ele quem primeiro decide pela conveniência ou não de ajuizar-se uma determinada ação. Em seguida, ele deve analisar também a necessidade de recorrer, especialmente quando tratar-se de recurso especial e extraordinário, os quais se sujeitam a pressupostos rigorosos e delimitados. Conclui, assim, que o advogado não está obrigado a interpor um recurso quando manifestamente incabível. Todavia não pode deixar de recorrer em caso de real necessidade ou pela vontade de seu cliente. Porém, se o profissional do direito tiver opinião jurídica conflitante com a de seu mandante, o caminho mais indicado será a renúncia. Tal atitude não acarretará nenhuma penalidade por quebra de contrato, desde que o patrono cientifique a parte que representa, para que esta providencie a sua substituição.

4.1 A responsabilidade do advogado pela emissão de conselhos e pareceres

Venosa (2013) aduz que é questão complexa a possibilidade de o advogado responder pelo sucesso da causa quando produzir pareceres e opiniões sobre assuntos jurídicos. Na visão do autor, deve-se seguir a seguinte regra: o advogado responde civilmente quando comete erro crasso e sem justificativa, portanto com culpa. Para o autor não é necessário que se prove o dolo, como sustentam alguns.

Sustenta o referido mestre que o ato de aconselhar mal o constituinte pode evoluir para a caracterização de um dano moral. Uma orientação equivocada pode acarretar consequências nefastas, até mesmo fora da esfera do Judiciário. Comprovada a conduta culposa do advogado e que, de fato, esse agir provocou um dano, muda-se o foco, passando-se a avaliar o quanto deve ser indenizado. Em defesa do patrono da parte estão as dificuldades comuns do processo e a indiscutível morosidade do Judiciário, fatores que independem da conduta do causídico, e que também deverão ser levados em conta no exame de situações dessa natureza.

Salienta Bortoluzzi (2006) que, nas atuações extrajudiciais, o advogado se obriga, através do contrato, a produzir um resultado certo. Se, ao assumir o compromisso de emitir um parecer ou elaborar um documento, o referido profissional for negligente, imprudente, ou não tiver a perícia necessária para tanto, sua falta produzirá danos que deverão ser obrigatoriamente reparados, devendo o cliente ser recompensado pelo que perdeu, bem como pela vantagem que poderia vir a auferir, caso o serviço tivesse sido prestado com a competência e diligência que se espera de alguém com formação jurídica completa.

A esse respeito, Lôbo (2011) afirma que a finalidade é intrínseca a qualquer obrigação de natureza negocial. No seu entender, quando um advogado é procurado, não importa tanto a qualidade dos meios que por ele serão utilizados, e sim o resultado que alcançará. No pensar do leigo, quanto mais famoso o advogado, maior a possibilidade de alcançar o objetivo almejado. Entretanto, salienta o autor, resultado provável não é o mesmo que resultado favorável. É imprescindível que o advogado demonstre a seu cliente que atuou com diligência e empenho para atingir o objetivo pretendido, conforme ficou estabecido no contrato.

Aduz o autor que o contratante, ao solicitar um serviço do advogado, tal como a formulação de um contrato, ou de estatuto de sociedade, objetiva assegurar-se contra algum percalço futuro que possa redundar em um possível prejuízo. Da mesma forma, ao escolher um advogado para propor uma demanda judicial, o constituinte tem como premissa a obtenção de um resultado positivo.

 Argumenta Xavier (2013) que, ao emitir parecer jurídico equivocado, o advogado terá a sua responsabilização civil apurada, via de regra, subjetivamente. Em outras palavras, sua responsabilidade pelo dano gerado ao cliente subordinar-se-á à comprovação de sua culpabilidade, através da análise do caso concreto. Veja-se:

Um parecer ou conselho visivelmente desautorizado pela doutrina, pela lei ou pela jurisprudência acarreta, para o advogado que o dá, a obrigação de reparar o dano resultante de lhe haver o cliente seguido o raciocínio absurdo, de cuja extravagância não poderia aquilatar... até na ausência de dolo, é possível verificar-se a responsabilidade do advogado... desde que o profissional tinha meios de saber que o resultado seria aquele, matéria que deve ser apreciada de acordo com as circunstâncias. (DIAS apud XAVIER, 2013, texto digital).

Acrescenta a autora que os conselhos e pareceres emitidos por advogado que atue na esfera particular devem estar em consonância com a jurisprudência e a doutrina atuais. Não seria exagero afirmar que a palavra conselheiro é, atualmente, sinônimo da palavra advogado, infere a autora. Com a atual profusão de leis, é comum, mesmo para o mais simples particular, bater à porta do advogado à procura de instruções.

4.2 A responsabilidade do advogado pela omissão de providências

Refere Manica (2007) que a codificação civil atual ampliou o rol de motivos pelos quais alguém deve ser obrigado a reparar um dano. Entretanto, a análise subjetiva da culpa continua sendo o cerne da responsabilidade civil. Mesmo assim, houve significativos progressos nessa área. Atualmente, a responsabilidade civil está contemplada em nossa Constituição Federal, no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor e em outras leis esparsas, possibilitando as mais diversas possibilidades de reparação de um dano sofrido.

Segundo o dicionário Aurélio, omissão é o ato ou o efeito de omitir. Também se traduz por falta ou lacuna. É a falta de ação no cumprimento do dever, a desídia, ou inércia. Transpondo esse conceito para a questão posta no presente estudo, tem-se que a omissão do advogado se consubstancia na falta de cumprimento do seu dever jurídico; na desídia para com os assuntos de sua atividade; e também na inércia, quando (em litígio) deixa de praticar os atos processuais necessários.

Fortes (2010), analisando as omissões perpetradas por advogados na seara processual, argumenta que o advogado, quando aceita defender um cliente numa ação, assume o compromisso de fazer a melhor defesa possível, bem como de apresentar tal peça dentro do prazo legal previsto. A omissão nessa tarefa acarretará ao cliente a aplicação da pena de revelia e confissão ficta quanto à matéria de fato, além da ausência de ulteriores intimações quando fluírem os prazos.

Embora a perda do prazo para apresentar a contestação não signifique necessariamente que os pedidos da inicial serão procedentes, conclui a autora que o patrono da parte terá se omitido em praticar um ato processual essencial, de sua incumbência, e que, certamente, acarretará alguns prejuízos ao cliente.

Conforme o artigo 34, inciso IX, do Estatuto da Advocacia, constitui falta disciplinar do advogado “prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio”. Ora, quando se omite processualmente, perdendo um prazo importante, o advogado comete erro grave. Esse proceder repercute de duas formas: em prejuízo para o cliente; e no dever de indenizar do profissional negligente.

Stoco (2011) destaca que é admissível que o profissional do direito forme um juízo de valor objetivo a respeito da possibilidade de admissão e de revisão do mérito de eventual recurso. Porém, se deixar de recorrer ou de ingressar com ação rescisória, quando haviam pressupostos a ensejar tais medidas, deverá ser responsabilizado por sua omissão. Nessas situações, relembra o autor, o mais complicado será avaliar a dimensão do dano.

De outra banda, acrescenta o autor que existem várias situações em que o patrono da parte tem plena liberdade para julgar se o recurso é cabível ou não. Para ilustrar, tem-se os exemplos do agravo retido, do agravo de instrumento e do agravo regimental. O advogado deverá ter o discernimento necessário para avaliar a necessidade de aplicação de tais medidas, levando em consideração que esses recursos poderão atrasar o caminhar do processo, não causando benefício e sim malefício ao seu constituinte.

A jurisprudência é uníssona no sentido de responsabilizar o advogado por seus atos equivocados no manejo do processo, sejam eles omissivos ou comissivos. Veja-se:

RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO, POR NEGLIGENCIA. SENDO EVIDENTE A NEGLIGENCIA DO ADVOGADO NO EXERCICIO DE SEU MANDATO JUDICIAL, SE OMITINDO DE FALAR EM OPORTUNIDADES QUE LHE FORAM ABERTAS, EM OUTRAS RECORRENDO EXTEMPORANEAMENTE E, EM UMA DELAS, PERMITINDO QUE O RECURSO FOSSE DECLARADO DESERTO – ESTRUTURA-SE A SUA RESPONSABILIDADE POR DANOS ADVINDOS. DANO MATERIAL. INEXISTENTE PROVA DE QUALQUER DANO MATERIAL, NAO SE DEFERE INDENIZACAO A TAL TITULO, POR INEXISTENCIA DE PREJUIZO REPARAVEL. DANO MORAL. O DANO MORAL PURO, O EXCLUIDO DE QUALQUER PREJUIZO PATRIMONIAL, E INDENIZAVEL NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO. CONDENACAO A ESTE TITULO, VISTO A PROVA TESTEMUNHAL, INCLUSIVE DE ASSISTENTE MEDICO, QUE O DEMONSTRA EFICAZMENTE. SENDO A CAUSALIDADE DO DANO MORAL MULTIPLA, A RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO, NO RELATIVO AO QUANTUM INDENIZATORIO, SE LIMITA AS CAUSAS QUE LHE SEJAM IMPUTAVEIS. HONORARIOS CONTRATADOS. OS HONORARIOS CONTRATADOS E PEDIDOS EM RECONVENCAO SAO INDEVIDOS PORQUE OCORRENTE, DE SEUS ATOS, GRAVISSIMO DANO PROCESSUAL E NAO PRESENTES, NO CUMPRIMENTO DO MANDATO, O ZELO, A DILIGENCIA E A COMPETENCIA QUE SE IMPUNHAM. RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. VOTO VENCIDO QUANTO A PERDA DOS HONORARIOS CONTRATADOS. (Apelação Cível Nº 588066720, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Julgado em 09/05/1989).

Da análise do precitado julgado, extrai-se que a Primeira Câmara Cível responsabilizou seriamente o advogado negligente, tanto por suas ações equivocadas, quantos por suas omissões, no exercício de seu mandato judicial.

4.3 A responsabilidade do advogado pela desobediência às instruções do constituinte

Com propriedade, aduz Lôbo (2011) que a liberdade e a independência do advogado se contrapõem à medida de sua responsabilidade. Ou seja, o referido profissional deve agir prudentemente, incorrendo em falta toda vez que não acatar as recomendações de seu cliente, ou ainda a este não solicitar instruções para o cumprimento do objeto do contrato.

Entretanto, salienta o autor que há casos em que a culpa pelo resultado inexitoso de uma demanda ou negócio jurídico é exclusiva do cliente. Várias situações servem de exemplo para essa assertiva: o depoimento do cliente que diverge da defesa elaborada pelo advogado; a omissão do constituinte que não entrega a seu patrono um documento que se converteria em prova documental importante; o não pagamento, pelo cliente, do valor relativo ao depósito recursal, ocasionando a deserção do recurso; as conseqüências indesejáveis de uma negociação entre o cliente e a parte contrária, cuja existência o advogado ignorava por completo, entre outros.

Alguns autores entendem que o advogado deve ser responsabilizado e ressarcir a quantia perdida por seu cliente toda vez que, atuando em uma causa difícil e com pouca probabilidade de êxito, recusar proposta de acordo, desobedecendo seu mandante. Para Stoco (2011), tal assertiva carece de concretude, ainda mais quando da procuração constem poderes especiais para acordar em juízo sem precisar apresentar justificativas.

Inobstante a isso, recomenda o autor que todo o acordo seja submetido ao crivo do judiciário e firmado pelas partes e procuradores para, posteriormente, ser chancelado. Todavia, salienta o autor que, caso fique comprovado que o cliente, mesmo contrariando o disposto no instrumento de mandato, instruiu seu advogado a não realizar a avença proposta, ou então a pedir orientação antes, restará configurado o desacato à vontade do constituinte, respondendo o patrono pelo prejuízo consequente.

Para Fortes (2010) comete falta grave o patrono que desobedece às determinações de seu constituinte, ultrapassando os limites dos poderes que lhe foram outorgados por procuração. Esse excesso ocorre quando o advogado faz uso de outras estratégias que não aquelas combinadas previamente com seu contratante, vindo a ocasionar prejuízos. Inobstante o fato de que o profissional do direito possa e deva preservar a independência de seu proceder técnico, em contrapartida, jamais deverá olvidar-se de que não dispõe do direito alheio, especialmente o de seu mandante. Se discordar das intruções que recebeu de seu cliente, está respaldado pelas normas do direito pátrio a renunciar ao mandato que assumiu, solicitando ao seu constituinte que nomeie outro procurador, dentro do prazo legal.

No intuito de assegurar os interesses de seu cliente, pode o advogado utilizar práticas temerárias, que muitas vezes se enquadram no artigo 17 do CPC, assevera a autora. Tal proceder – a litigância de má-fé – pode redundar em multa fixada pelo Juízo sobre o valor da causa, e, ainda, na obrigação de ressarcir à parte adversa os prejuízos gerados, além de honorários advocatícios e demais despesas. Esses danos muitas vezes serão suportados pelo cliente que não orientou o advogado a atuar dessa forma.


5 CONCLUSÃO

Extrai-se do estudo realizado para a confecção do presente trabalho que a perda de uma chance ocasionada pela má conduta do advogado, profissional com formação jurídica plena, devidamente habilitado mediante as provas da OAB,  ensejará a responsabilização civil e a obrigação de indenizar.

O aumento desproporcional das situações que demandam a intervenção de um profissional da área jurídica, no nosso país, tanto nos assuntos judiciais como nos extrajudiciais, não justifica em hipótese alguma que um serviço de caráter tão nobre, que se consubstancia na busca da justiça, seja tratado de forma desrespeitosa e negligente.

O verdadeiro advogado é aquele que está em constante aprimoramento; é o estudioso que busca sempre manter-se atualizado e que está a par da maioria dos entendimentos da jurisprudência; que honra o bom nome de sua classe, pautando suas ações na máxima diligência e prudência; que procura sempre oferecer o seu melhor aconselhamento jurídico, embasado em prévio estudo da questão posta; que produz pareceres jurídicos confiáveis e verossímeis; que observa os preceitos éticos de sua profissão. Em outras palavras, advogado é aquele que cumpre o seu papel constitucional de ser, realmente, indispensável à administração da justiça.

Diante da análise do problema proposto para este estudo – Deve o advogado ser civilmente responsabilizado pela perda de uma chance decorrente de sua má atuação – pode-se concluir que a hipótese inicial aventada para tal questionamento é verdadeira, na medida em que o advogado que comete erro inescusável, gerando dano a seu cliente, consubstanciado na perda de uma chance real e séria, deve ser compelido a ressarcir o prejuízo causado por sua desídia profissional.

Além disso, embora se possa afirmar que, segundo o Código Civil, a responsabilidade profissional do advogado é preponderantemente contratual, e que, na área litigiosa, sua obrigação seja, em regra, de meio, existem situações em que essa obrigação passa a ser de resultado. O patrono da causa assume tal obrigação  quando produz erros grosseiros, inadmissíveis para alguém com sua formação e habilitação. No exercício de sua atividade, o profissional jurídico presta serviços, submetendo-se ao regramento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que em nenhum aspecto conflita com o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). A referida norma abrange relações de consumo em geral, definindo regras a esse respeito, e enfatizando que a prestação eficiente do serviço é inerente ao contrato.

Tendo em mente que o conceito de dano abrange tudo aquilo que se perdeu, como o que se deixou de lucrar, ou seja, alcança tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, deduz-se que a “perda de uma chance” esteja incerta num terceiro tipo, que oscila entre os dois primeiros.

Portanto, para se aplicar com acerto a noção de perda de uma chance na averiguação da responsabilidade civil do advogado, deve-se apurar, caso a caso, quais as possibilidades do cliente foram realmente perdidas e, dentre estas, quais poderiam, de fato, trazer-lhe alguma vantagem. Para classificar a atividade do advogado como prejudicial, geradora de danos morais e/ou materiais, é imprescindível que o constituinte comprove que sofreu um prejuízo atual e certo, conexo ao desempenho de seu patrono. A mera hipótese de dano, ainda que dentro dos pressupostos da perda da chance, não é suficiente para a consecução desse objetivo.


REFERÊNCIAS

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Informações sobre o texto

Orientador: Prof. Marcos Paulo Falcone Patullo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILSMANN, Fabricio. A perda de uma chance e a caracterização da responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4298, 8 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31671. Acesso em: 24 abr. 2024.