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A constitucionalização dos direitos sociais

A constitucionalização dos direitos sociais

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1 - O estado constitucional

1.1 - Toda organização política de um povo, todo ordenamento do poder político possui, sempre, um específico conjunto de princípios orgânicos característicos, que dá fisionomia e operacionalidade a esse poder. Na própria antiguidade clássica, Aristóteles já distinguia a politéia, norma superior a que deviam subordinar-se as normas comuns - nomói - e, inclusive, conceituava "Constituição" como o princípio consoante o qual estão organizadas as autoridades públicas, especialmente aquela que é superior a todas e soberana.

Constituição e constitucionalismo, em nossos tempos, exprimem algo diverso. Não condizem com toda e qualquer organização de poder político, sempre existente e necessária, sim com uma especial forma de organização política. Não será Constituição, em seu sentido próprio, toda e qualquer norma que defina, num único instrumento escrito, a estrutura política superior de um Estado, antes, como acentua Eduardo Garcia de Enterria, só aquela que o faz a partir de determinados pressupostos e com determinado conteúdo. 1 Loewenstein, tratando o Estado constitucional, que se distingue da autocracia, afirma basear-se ele no princípio da distribuição do poder, só existente quando vários e independentes detentores de poder participam da formação da vontade estatal, submetidos todos a controles. Correlata do constitucionalismo, assim, é a existência de uma sociedade estatal baseada na liberdade e na igualdade, conseqüentemente pluralista, sem o que descabe falar-se em Estado de Direito. 2 Estado de Direito democrático, acrescentaríamos, justamente para distingui-lo dos Estados que se organizam e formalizam sua organização num documento básico que denominam de Constituição, atribuindo-se condição de Estado de Direito, não porém democráticos, asseveramos, justamente pela ausência dos pressupostos indicados, que são imprescindíveis para dar feição democrática a uma organização política.

Pressuposto básico da democracia, portanto, é o reconhecimento da igualdade essencial de todos os homens, em razão do que se faz inadmissível buscar-se legitimação para o poder político em algo externo, seja a soberania divina, seja a soberania da razão. E se assim é, nenhum poder político se legitima se não for resultante da outorga de quem o confere, apresentando-se todo titular de poder político como mandatário a quem se deferiu poder para que o exercite em termos de serviço ao outorgante. Destarte, todo poder político é limitado, e esse limite define-se em termos de competência, esfera na qual e unicamente na qual o poder e exercitável.

1.2 - Conseqüência imediata do que vem de ser dito é a impossibilidade de entender-se como Estado constitucional aquele em que não se define uma esfera da autonomia dos indivíduos, isolados ou associados, garantindo-a contra a ingerência do poder político instituído, bem como aquele em que falta a partilha do poder político, a par de instrumentos efetivos de controle do seu exercício. Inadequado, pois, falar-se da Constituição, em seu sentido próprio, quando a norma instituidora não fixa regras do jogo, de modo a privilegiar a vontade da maioria, com segurança das minorias, a fim de que nenhuma estratificação de poder seja possível em termos de favorecimento permanente de qualquer classe, segmento ou indivíduo na sociedade cuja organização política se pretende definir.

Cumpre destinguir, portanto, Constituição em sentido meramente formal, norma institucionalizadora da organização política de um povo, de Constituição como norma fundamental institucionalizadora de um Estado de Direito democrático. Antes de ser mera peça lógico-sistemática, presente em qualquer Estado, de qualquer época e de qualquer signo ou conteúdo, mera exigência lógica da unidade do ordenamento jurídico, deve ser uma norma erigida sob o fundamento da igualdade essencial de todos os homens, pelo que ninguém se pode atribuir poder sobre o outro, salvo mediante outorga desse poder em termos de serviço a ser prestado ao outorgante, donde todo poder político reclamar definição de seus limites e responsabilidade de quem dele investido, conseqüentemente, existência de controles efetivos de seu exercício, de modo a que jamais possa o detentor do poder tentar ser, ou efetivamente ser, superior à sociedade, sim um seu instrumento para a realização dos fins que ela, sociedade, se propuser, definidos livre, participativa e comunicativamente.

Ressalta desse entendimento relacionar-se o conteúdo mínimo e nuclear de uma Constituição, antes que à definição de "fins" que se cristalizariam como metas a serem alcançadas socialmente, à fixação de normas que assegurem as regras do jogo, capazes de permitir que a vontade da maioria se faça decisão, mas que esta decisão jamais importe em aniquilamento das minorias ou inviabilizem venha elas a se tornar a maioria de amanhã, com o mesmo poder de decisão imponível à totalidade dos figurantes políticos.

Como tão bem expressado por Bobbio, o único modo de se chegar a um acordo, quando se fala em democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabeleçam quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com as quais procedimentos. 3

No dizer de Adam Przeworski, democratização é o processo de submeter todos os interesses à competição da incerteza inconstitucionalizada.

É exatamente esta transferência do poder por sobre os resultados que constitui o passo decisivo em direção à democracia, o poder é transferido de um grupo de pessoas para um conjunto de regras, do que deriva que numa democracia - e esse é um de seus traços essenciais - ninguém tem a capacidade efetiva de evitar conseqüências políticas contrárias a seus interesses, seja esse alguém uma pessoa (o líder), uma organização (as forças armadas, os sindicatos etc.), a polícia, o partido, a burocracia ou mesmo algo menos facilmente identificável, como uma "panelinha" de grupos ou indivíduos. 4

Diversamente ocorre num regime autoritário ou falsamente democrático (formalmente dito democrático mas substancialmente organizado de forma autoritária), no qual o aparato de poder tem a capacidade de impedir a ocorrência de certos resultados políticos, através do exercício do controle sobre a sociedade, não apenas ex ante, mas também ex post, exercendo, além do controle processual, também o controle substantivo sobre as decisões.

1.3 - Parece óbvio, portanto, não ser aceitável, num Estado de Direito democrático, constitucionalizarem-se metas substantivas específicas, pois que isso importaria em desvirtuamento, ab origne, do livre debate de opiniões, por todos, e a formalização de decisões, pela maioria, jungida a poder decidir apenas sob a condição de o fazer em consonância com fins já predeterminados e tornados imutáveis. Definições rígidas, de caráter substantivo, só são aceitáveis se também forem constitucionalizadas regras flexibilizadoras das modificações e redefinições reclamadas pelo conjuntural e contingente da vida social.

Como evidenciado por Ely, a justiça e a felicidade não ficam melhor asseguradas quando tentamos defini-las de uma vez por todas, sim muito mais atendendo aos "governamental processes", aos procedimentos de governo, à democracia, em remate. Com referência à Constituição norte-americana, assevera que ela partiu da convicção óbvia de que uma maioria efetiva não ameaçará excessivamente seus próprios direitos, e o que reclama ser constitucionalmente assegurado é que tal maioria não trate sistematicamente aos outros menos bem do que se trata a si mesma, para o que se deve estruturar o processo de decisão, em todos os níveis, de modo a garantir, primeiro, que o interesse de todos esteja atual ou virtualmente representado (normalmente ambas as coisas) a nível de decisão substantiva: segundo, que o processo de aplicação individual não seja manipulado de forma a que permita, na prática, a classe de discriminação que está proibida na teoria. Enfim, que seja um processo de governar, não uma ideologia de governo. 5

Essa exigência não nos parece peculiar à organização política norte-americana, sim inerente ao próprio Estado constitucional, ou Estado de Direito democrático, seja qual for seu perfil econômico.


2 - Os direitos sociais

2.1 - Voltemo-nos, agora, para a categoria dos chamados "direitos sociais". Sem explicitar, previamente, o que é incluído nesse conceito, nenhuma discussão, por igual, chegará a lugar nenhum, porque o termo carece de conteúdo ou de sentido necessariamente único, insuscetível de desconhecimento, sob pena de desfuncionalidade do que se pretende alcançar. Antes, o inverso é que é verdadeiro. Trata-se de um conceito plurisignificativo e segundo o sentido e conteúdo que dermos a expressão "direitos sociais", disso poderemos sacar conclusões as mais diversificadas. Infelizmente o Direito, que tantos se esforçam por tornar uma ciência, com método rigoroso de investigação, serve facilmente à leviandade do "discurso jurídico", palavrório muitas vezes inconseqüente, outras vezes puramente emocional, sempre fruto da desinformação ou deformação do profissional do direito ou de desvirtuamento intencional do que deveria ser a sua ciência.

Acredito que falar em "direito", seja com que qualificativo for, importa sempre partir-se do pressuposto de que alguém pode atribuir-se uma situação de vantagem em face de outrem, reclamando deste, de modo impositivo, suporte uma situação de desvantagem, que denominamos de dever jurídico. Pouco importa o fundamento que se invoque para justificar essa sujeição. Recorra-se a justiça, à Vontade Divina, ao Bem Comum ou ao que seja, o certo é que, na prática, no concreto da convivência humana, ter direito é colocar-se em situação de vantagem frente àquele a quem se imputa um dever jurídico.

No momento em que se colocou como postulado básico a igualdade essencial de todos os homens, a nenhum homem se reconhecendo a prerrogativa de ter direitos em relação a outros homens, salvo em decorrência de decisões representativas da vontade geral (a que resulta de um debate político livre e com universal participação na institucionalização do poder político), nesse momento se iniciou a reflexão que levou à definição dos chamados "direitos do homem", direitos não deste u daquele homem, mas de todo e qualquer homem, por força de sua própria condição humana, donde colocarem-se a salvo de qualquer limitação inviabilizadora de seu exercício.

Porque iguais, livres; porque livres, iguais. Impossível, assim, legitimar-se qualquer poder que não seja fruto de outorga e retorne, limitado e controlado, em termos de serviço. Necessária conseqüência desse entendimento: a determinação de uma esfera do indivíduo colocada a salvo de toda e qualquer investida de todo e qualquer poder além dos limites da outorga deferida. E assim ficaram definidos os direitos fundamentais do homem: como cidadão, participar da formação da vontade geral (direitos políticos) e, como pessoa humana, ver protegida a sua individualidade de toda ingerência não consentida do poder político (direitos civis).

2.2 - Resguardado o indivíduo em face do poder político, foi deixado desprotegido, entretanto, diante do poder econômico. Bem cedo se percebeu que, postos os homens à mercê desse pode - sujeitos apenas ao livre jogo das "leis do mercado" - restabelecida estava a antiga dominação que se pretendera eliminar, ainda que agora com novos figurantes. Dessa verificação e da necessidade de superar a ameaça nasceram os chamados "direitos sociais".

O objetivo, agora, é limitar o poder do empresário, do capitalista, do detentor dos meios de produção, pelo que se reclamou a intervenção do Estado no domínio econômico, com vistas ao controle do processo de produção capitalista, e a proteção do indivíduo, em face do poder econômico, na sua condição de trabalhador ou de consumidor.

Assim como se limitara o poder político, exigindo-se o seu exercício em termos de competência predeterminada e como serviço à coletividade (povo titular da soberania), impunha-se limitar o poder econômico - o reino do direito de propriedade, um privilégio também desigualador -, a reclamar disciplina de seu exercício, com retorno em termos de serviços, o que se logrou com atribuição de um fim social ao direito de propriedade.

Esse fim social, a ser alcançado com o exercício do direito de propriedade, seria inatingível se colocado como responsabilidade atribuída ao empresário-proprietário, prisioneiro da dinâmica perversa e inelutável do processo capitalista de produção, donde se ter procurado atingi-lo mediante limitações postas ao direito de propriedade e encargos imputados ao proprietário, eliminando-se abusos e arrecadando-se recursos financeiros que, centralizados no Estado, retornariam como serviços à coletividade, de modo a reduzir-se a desigualdade quanto possível, com vistas a realizar a desejada justiça material, necessária para que também se desse a democratização da sociedade. E assim se configurou o Estado do Bem estar Social ou o Estado de Direito Democrático e Social.

2.3 - Demarcado o campo dos direitos sociais, completa restou a trilogia dos chamados direitos fundamentais, direitos que devem ser assegurados a todos os homens, em todos os espaços políticos e em suas três dimensões: a política (de participação) a civil (autonomia privada) e a social (satisfação de necessidades básicas).

Pode-se, portanto, colocar como pressupostos essenciais à configuração de um Estado de Direito democrático: a) a necessária limitação do poder político em face do indivíduo, tanto em sua singularidade, quanto associado; b) a institucionalização de efetivos controles sobre o exercício do poder político, donde a exigência da divisão dos poderes e implementação de controles sociais sobre os detentores do poder político; c) a par disso, a exigência de limites à atuação do poder econômico, tendo em vista a necessidade de proteger-se a pessoa humana dos riscos de coisificação e instrumentalização pelo processo econômico capitalista, nele sempre presente, por força do círculo vicioso de que se faz prisioneiro - produzir para lucrar, e como o lucro é insuscetível de consumo, destiná-lo, forçosamente, ao reinvestimento, a fim de que continue produzindo bens que gerem lucros, deslocando-se a atividade econômica, por força disso, de sua natural vocação de esforço voltado para o atendimento de necessidades humanas, para torná-la uma máquina infernal, forjadora de necessidades, pouco importa quais e quantas, contanto que em condições de manter dinâmico e lucrativo o processo econômico.


3 - A social democracia e os direitos sociais

3.1 - O Estado de Direito Social, portanto, é uma realidade mais recente que a reflexão sobre os chamados direitos sociais. Ainda quando se possa afirmar tenha sido pensado no século XIX e muitos asseverem remontarem suas raízes à Constituição girondina, tenha sido reivindicado pela Revolução de Paris de 1848 e esboçando na Constituição de Weimer, já neste século XX, a verdade é que, em termos de realidade institucionalizada e significativa, é um produto da Segunda Guerra Mundial, tendo merecido sua definição constitucional primeira e mais precisa na Constituição da República Federal Alemã, sob a forma de Estado de Direito Social, em que se busca integrar os valores do Estado de Direito de inspiração liberal com o Estado comprometido com a justiça social, propugnado pelos socialistas. 6

O Estado Social caracterizar-se-ia, para alguns, por privilegiar a sociedade em face do indivíduo e, para outros, por buscar compatibilizar o valor liberdade com o valor igualdade, porfiando não só pela democratização do Estado, já obtida antes, mas também pela democratização da sociedade, ainda não alcançada.

Enquanto puro Estado Social, sua feição democrática se faz irrelevante, podendo-se atribuir essa qualificação a toda e qualquer forma de autocracia com vocação social. Sob o colorido de Estado de Direito Social, entretanto, reclama, necessariamente, se somem os valores essenciais ao Estado de Direito, nascido das revoluções libertárias do século XXIII, os valores novos, essenciais à realização da igualdade, já associada, desde as origens, ao valor liberdade.

Nossa análise se ocupará, apenas, do Estado de Direito Social democrático porque este foi o Estado institucionalizado com nossa Constituição de 1988, como bem posto no seu Título I, onde são definidos os princípios fundamentais que presidem à nossa organização política.

3.2 - O pensamento social democrático foi apontado por muitos como uma traição aos ideais de justiça social, contrapondo-se a ele, como solução política correta, a filosofia política dos países chamado socialismo real, com vistas à qual foram socializados (estatizados, melhor dizendo) os meios de produção, com isso pretendendo-se eliminar um poder econômico distinto e acima da sociedade, com que se inviabilizava uma organização política a serviço de setores hemogênicos da sociedade, uma vez que, igualados todos os homens em termos de oportunidades e acesso ao produto do trabalho social. Eliminada, assim, a opressão econômica por via de conseqüência restaria eliminada, também, a opressão política.

A economia planificada e centralizada dos países do socialismo real e a crescente convicção de que ao Estado cabia o papel de "socializador" do resultado do trabalho social, partilhando-o mais equitativamente, levou a que o conceito de direitos sociais fosse além dos direitos fundamentais do trabalhador e do consumidor em face do poder econômico, revestindo-se eles também de caráter de "exigências" formuláveis perante o Estado, em termos de realização, ao máximo, do postulado da igualdade, vale dizer, realização de "justiça material". E o Estado intervencionista passou a desempenhar um papel ambíguo, porquanto voltado para implementação do bem estar e da seguridade social, precisou manter-se comprometido com o denominado capitalismo tardio, incapaz de sobreviver sem estar intimamente aliado ao poder político institucionalizado e vice-versa.

De uma lado, um sistema capitalista de produção, inelutavelmente amarrado à fabricação de "mercadorias", tornadas bens em si mesmo, porque matrizes de lucros perseguidos, e, de outro lado, um Estado comprometido com uma justiça distributiva, privilegiadora das necessidades humanas. Esse conflito não resolvido perdura e dele derivam todos os problemas e todas as crises.

As demandas sociais têm um custo e esse custo só pode ser assumido pelo setor produtivo da sociedade. Estando ele inserido num sistema internacionalmente predominante de produção para o lucro e para o reinvestimento, a competição obriga a limitações que vão significando restrições à vocação de justiça social do Estado social democrata. Num livro de lucidez incomparável, Robert Kurz demonstrou, de modo convincente, como foi essa "camisa de força" que levou o socialismo real à derrocada, devendo a tensão permanecer enquanto não encontrado um modelo de produção que redirecione o esforço o humano, libertando-o do guante de um sistema de produção de mercadorias e de trabalho-abstrato para tornar-se em sistema comprometido com a satisfação de necessidades humanas. Mas se o diagnóstico está feito, falta o remédio para a cura, descoberta que se apresenta como grande desafio do próximo milênio. 7

3.3 - O impasse em que se encontra o Estado de Direito Social agravou-se, e de modo acentuado, em nossos dias, que vivem o impacto da derrocada do socialismo real. O que se apresentava, antes, como alternativa privilegiada, fez-se brutal desilusão. Bloqueada a via do socialismo real, que seria a meta a ser alcançada pela social democracia, o impasse não restou solucionado. Superado estaria se, do colapso dos países do Leste europeu, tivesse resultado o convencimento de ser a via capitalista, definitivamente, a única viável, cabendo apenas realizarem-se correções de seu desvios, nunca eliminá-la ou buscar superá-la. Os esforços dos neo-liberais nesse sentido carecem de ressonância significativa e o que prevalece é, antes de um sentimento de solução encontrada, uma aguda percepção de crise exacerbada. A social democracia, vista como espécie de "transição" racional e necessária para se lograr algo mais perfeito, deixou de sê-lo, porque esse algo mais perfeito desapareceu diante dos olhos qual uma miragem.

E se alguma inquietação marca os nossos dias de modo decisivo, ela me parece traduzir-se na pergunta que todos nós fazemos: Por onde? Para onde? Abaladas em suas raízes as grandes utopias, que nutriram também grandes esperanças nos últimos séculos, estamos na esquizofrênica situação de quem é obrigado a caminhar sem saber para onde o leva sua caminhada. Deixamos de ter "certezas" e passamos a conviver com "problemas", e isso nos obriga a sonhar menos e administrar mais soluções para o imediato.


4 - O ônus de nossa redemocratização tardia

4.1 - Foi no apogeu da expansão econômica que se configurou na década de 60 e projetou-se nos anos 70, que países como Portugal e Espanha emergiram do totalitarismo de direita para uma experiência democrática, marcada, decisivamente, pela necessidade de associar-se a liberdade, tão malferida antes, com exigências de justiça social, objetivo já alcançado, de modo significativo, pelas sociais democracias européias, permanecendo, entretanto, a ambigüidade de um sistema econômico capitalista, subjacente a uma organização política com marcada vocação "redentora" de matiz socialista, compromisso provisório entre forças que se conjugaram em nome de um benefício imediato, importante para ambas, mas que permaneceram olhando para lados diferentes em termos de futuro. Dessa ambigüidade resultaram constituições marcadamente "dirigentes", um "fazer assim para ver como fica" viabilizador da convivência entre mundos que se contrapunham radicalmente naquele momento histórico. Apostava-se forte na esperança de que alguma coisa "nova" poderia surgir, fruto desse consórcio com separação de bens.

Essa crença e essa contingência levaram à formulação prolixa e quase casuística dos direitos sociais merecedores de constitucionalização. A compulsão que todos temos de acreditar que o futuro é previsível e, mais que isso, aprisionável, fez-se, aí, paroxismo. O nosso amanhã já estaria definido agora. A história estava sendo feita com antecedência, porque já predeterminados e constitucionalmente institucionalizados os "fins" a serem alcançados.

Nossa redemocratização também se consumou sob essa influência, ainda quando já bem abaladas as convicções de antes, mas, em compensação, bem robustecidas, aqui, pela fragilidade política da sociedade. E isso nos fez mais casuistas e mais prolixos, porque mais subdesenvolvidos e por força disso mais confiantes em discursos (enfáticos) que na "praxis" (raquítica).

Como já acentuei em outra oportunidade, nossa Constituição cidadã foi generosa no enunciar direitos fundamentais mas demasiadamente mesquinha, cautelosa e astuta no "assegurar" esses direitos. E isso porque o exercício do poder político, no Brasil, é algo que escapa a todo e qualquer controle social pelos governados. Não só em suas manifestações mais eminentes, de cúpula, como por igual na prática dos agentes situados nos últimos degraus da hierarquia dos que, na terra de Macunaíma, são "autoridades". Mais grave, ainda: por força da fragilidade política do povo de natureza fragmentária de nossa sociedade, organizamo-nos como um arquipélago de "autonomias", todos querendo ser suseranos, assumindo o compromisso moral, corporativo, de quitarmos os privilégios que pleiteamos e obtemos com nosso empenho em tornarmos efetiva a cidadania de nossos vassalos, como se fosse possível transformar uma relação de dependências em relação de cidadania. 8

Hoje, somos, em verdade, o campo de batalha onde se confrontam um sem-número de segmentos corporativos que buscam "mostrar serviço" de modo anárquico e disfuncional, pretendendo, com isso, justificar os privilégios que se atribuíram e querem ser mantidos.

Assim, em nosso país, aos problemas que enfrentam os países sociais democratas somamos o irrealismo com que constitucionalizamos a nossa realidade, talvez na ingênua crença de que se pode juridicizar a convivência humana sem maior preocupação de fazê-lo em harmonia com o que ela é na faticidade do social. E isso é impossível, como procuraremos demonstrar.


5 - Relações do Direito com o social, o político e o econômico

5.1 - A abordagem, portanto, que faremos, para prosseguir em nossa análise, diz respeito às relações entre o jurídico e o econômico, político e social.

Tenho buscado acentuar esse nexo, até com ênfase exagerada, justamente pela necessidade de problematizar uma postura que se fez predominante no jurista brasileiro, para me limitar aos que são de casa, fruto de uma formação positivista-formal e exegética-dogmática, acentuada de modo preocupante pela filosofia inspiradora do autoritarismo militar que imperou no país desde meados dos anos 60 até aos primeiros anos da década de 80. Foram vinte longos anos, tempo suficiente para formar uma geração e marcar decisivamente tanto a geração que o precedeu como a que sucedeu a esse período politicamente pobre e doentio do qual ainda restam miasmas no ar.

Afirmo que ele insensibilizou os juristas para os problemas políticos e até mesmo os indispôs com eles, o que os esterilizou num tecnismo morfino ou os levou a utilizar o direito emocionalmente, como instrumento libertário, ou serviu para os "arrependidos" utilizarem-no como forma de penitência. Antigos simpatizadores e usufrutuários do regime autocrático, tanto os que se beneficiaram do "falso milagre" quanto os favorecidos na partilha do poder autoritário, tornaram-se, hoje, "arautos dos novos tempos" que eles se limitam a fazer presente em um discurso jurídico esquizofrênico ou pela prática autoritária fantasiada de populismo.

As relações entre o direito e a sociedade configuram um problema de extrema complexidade, a reclamar um tratamento incompatível com os objetivos deste nosso estudo, pelo que seremos forçados a simplificar ao máximo o problema, constringindo-o em alguns enunciados que me parecem determinantes.

5.2 - Minha primeira assertativa é, sempre, a de o direito é inseparável do poder. Mesmo quando se pretenda vincular o direito à realização da justiça revestida de autoridade, vale dizer, capaz de obrigar independentemente da vontade do sujeito compelido a ser justo no caso concreto. E esse poder que acompanha o direito, com a sombra se une ao corpo, precisa ser um poder institucionalizado. Não se cuida da força bruta, nem do arbítrio, reclamando-se esteja esse poder revestido da qualidade do poder político. Todos os produtores do direito, seja o legislador, seja o administrador, seja o magistrado, ou quantos possam dizer autoritativamente o direito, integram um sistema de poder político.

5.3 - Parece-me igualmente induvidoso vincular-se o direito, umbilicalmente, ao conflito. Direito e conflito são tão inseparáveis quanto direito e poder. Numa convivência social em que os interesses jamais colidissem, o direito seria impensável, por desnecessário. Só quando se precisa decidir a quem atribuir algo que é disputado por sujeitos que se contrapõem e não se compõem é que o direito aparece como técnica social (sistema social) com função específica e insubstituível. A solução do conflito, com autoridade, é essencial para que a convivência se revista de um mínimo de segurança, indispensável para que se faça "ordem social". Podemos pensar "conceitos" jurídicos ou formular "prescrições jurídicas aparentemente alheias a qualquer conflito, mas serão, em verdade, como corpos gravitando em torno de um "centro" a quem se vinculam necessariamente e com o qual interagem em termos de sistema, e esse "centro", esse núcleo, esse Sol é o conflito.

E por que os homens conflitam? Tenho como evidente que isso se dá em função de poder o homem somar a suas necessidades básicas (aquelas que compartilha com todos os seres vivos) um sem número de necessidades que engendra culturalmente. Os psicólogos, para distingui-las das primeiras, denominam-se de "desejos": tudo aquilo de que o homem ainda precisa depois de satisfeitas suas necessidades. A isso se associa a incapacidade de o homem poder produzir tudo quanto necessário para atender a suas necessidades e desejos, donde a ineliminável interdependência entre eles, com vistas à produção de quanto necessário para isso, o que leva à divisão do trabalho social. Essa realidade convive, entretanto, com o irremediável de não se poder, ou não se ter sabido, até hoje, nas sociedades mais complexas, dividir o trabalho social em termos que correspondam a uma equitativa apropriação do produto desse trabalho social, que se faz objeto de apropriação privada em descompasso com o atendimento das necessidades e desejos socialmente existentes. Por força disso, o produto do trabalho social é apropriado atendendo a regras que são impostas por setores hemogênicos dentre quantos se inserem no processo de produção, disso resultando, sempre, necessidades e desejos insatisfeitos.

O processo econômico, não se efetivando sob o império de leis naturais, sim como resultado de decisões políticas, reclama, para que se cumpra como programado, a organização da sociedade e a institucionalização da coerção em termos que viabilizem o "projeto" politicamente definido pelos setores dominantes, ou seja, o modo pelo qual se processará a divisão do trabalho social e a aprimoração do produto desse mesmo trabalho.

Imbrica-se, portanto, o político com o econômico e ambos com o direito, técnica de solução de conflitos que o confronto dos vários interesses e desejos insatisfeitos determina, e cuja composição reclama se processe de modo institucionalizado, a fim de que se viabilize o modelo ou projeto privilegiado pela decisão política. Conclusão necessária: o direito tem o espaço que a esfera do "confronto político" lhe determina e só e capaz de realizar o que se contém nesse projeto hemogênico institucionalizado.


6 - Direito e justiça

6.1 - Se o direito é indissociável do poder e do conflito, também o é da justiça.

Nada suscita no homem maior rebeldia, nem o mobiliza mais para o confronto, do que a frustração resultante da insatisfação de necessidades que se lhe afiguram prementes. Quanto mais essencial se mostra uma necessidade para um homem, tanto maior a tensão que disso decorre e maior, por igual, sua mobilização para satisfazê-la. Acredito nada melhor definir "injustiça" que esse estado de insatisfação. Jamais vi alguém satisfeito dizer-se injustiçado ou mobilizar-se para merecer justiça. Assim, injustiça e insatisfação se apresentam como irmãs gêmeas univitelíneas e xifópagas; não há cirurgia que as separe, viabilizando-lhes vida autônoma. Uma será sempre o que a outra for, basicamente.

A política, em última instância, é apenas a arte de administrar as insatisfações, de modo a reduzir as tensões que, por excessivas, inviabilizariam a ordem social institucionalizada. Isso ela consegue realizar neutralizando os focos de resistência mais energéticos, reformulando a apropriação do produto do trabalho social de modo a satisfazer às necessidades em causa, quanto necessário para eliminar o risco da resistência exacerbada.

6.2 - Esta não é, entretanto, a única estratégia utilizada. A maneira mais eficiente de neutralizar resistências, ao invés de eliminá-las quando já manifestadas, é dissuadir os homens de resistirem, o que se logra mediante um processo de justificação (legitimação) do status quo, tarefa a cargo do poder ideológico, também institucionalizado como poder político e poder econômico. Busca-se, aqui, pela habitualização, pela educação e pela doutrinação, induzir certo tipo de comportamento e introjetar certa gama de valores que desmobilizam para resistência e levam à aceitação.

Nesse espaço ideológico é que se processa a construção do conceito e se introjeta o sentimento de justiça. Procura-se dissociar a insatisfação (material) da injustiça (valor) buscando-se para a justiça um fundamento menos concreto, pragmático, existencial. A verdade, entretanto, é que ela não é nem pode ser, senão uma resultante da correlação entre satisfação e insatisfação existente num determinado grupamento social e num determinado espaço político. E porque o direito é, não podendo deixar de sê-lo, uma imposição de satisfação de necessidades, com a correspondente e ineliminável insatisfação que acarreta desvantagem atribuída a outro sujeito (o destinatário do dever jurídico), ele é inapartável da justiça e busca na sua realização também um fundamento legitimador. Mas a justiça que o direito realiza é muito mais injustiça (insatisfação) que não admite, pelo que a ordem jurídica se apresenta como tão mais justa quanto menos insatisfação legítima. Conseqüentemente, inexiste ordem jurídica a que não corresponda a realização de alguma justiça, como inexistente ordem jurídica capaz de realizar uma justiça absoluta. O tanto de justiça alcançado por um ordenamento jurídico será sempre a resultante do institucionalizado como poder político, institucionalização que, por sua vez, imbrica numa opção econômica, que não se dá de modo arbitrário, externo e superior à sociedade, sim como resultado do que nela ideologicamente se institucionalizou, condicionada, por igual, essa ideologia, a outros fatores que interagem, sem que se possa dizer qual dentre eles é sempre predominante e decisivo.

6.3 - Sendo assim, nenhuma dúvida pode subsistir de que o social, o político e o econômico condicionam o jurídico e que a influência, em retorno, do jurídico sobre o conjunto da sociedade e seu agir é bem pobre, embora existente. Ele é muito mais um retorno que opera em termos de "correção" que em termos de "conformação". Incapacitado de poder conformador relevante do comportamento humano, só se faz poderoso e influente na solução dos conflitos que escaparam à mediação social, operando muito mais em termos de "recomposição". Mesmo quando, aparentemente, parece "renovar", ele o faz de modo tão discreto, episódico que semelha maquiagem superficial num rosto com traços bem marcantes e indisfarçáveis. Quanto se pretenda tenha sido obra de renovação do jurista é apenas a identificação, por ele, do que já foi socialmente institucionalizado e pedia reconhecimento jurídico. E essa sensibilidade para o socialmente institucionalizado e ainda não formalmente regulado é que é, justamente, o divisor de águas entre os que fazem da prática do direito apenas uma profissão e os que, com ele, tentam contruir conhecimento a serviço dos homens.


7 - A revisão necessária

A reflexão que vem de ser feita, se correta, pede nos conscientizemos da necessidade de revisão de nosso pacto político em aspectos fundamentais.

A redemocratização do Brasil ocorreu num momento "passional" de nossa vida política, após duas décadas que pensamos pudessem ser sepultadas, como se fosse possível eliminar o passado, que se projeta sempre no presente, influenciando-o, queiramo-lo ou não. Processou-se, também, sob a força de um passado ideológico que, embora operante nas mentes, já deixara de sê-lo no concreto-histórico, problematizados que estavam tanto o socialismo real quanto a social democracia, que o liberalismo tivesse sido restaurado no trono de que fora banido. Ouso dizer mesmo, ainda que incorrendo no risco de ser acusado de excesso, que a Constituição de 1988 comporta sejam aplicados a ela os versos melancólicos e realistas de Mário Quintana: "Pobres cartazes", por aí afora/ anunciando alegrias risos/ depois de o circo já ter ido embora." Ela nos remete a um sonho que não se realizou, porque em total descompasso com o que foi institucionalizado para fazê-lo realidade e a um projeto de Estado que não se concretizou. O que é pior, incidiu em grave contradição, porque na "vocação", quis ser futuro, mas na "organização", foi passado, e um passado arcaico. Perdeu-se na indefinição, conseqüência de um impasse não superado. Nem direita, nem esquerda, nem centro; nem presidencialismo nem parlamentarismo; nem economia dirigida nem economia de mercado; nem democracia representativa nem democracia participativa; nem uma carta definidora das regras do jogo, deixada a definição de meta ao confronto político, nem uma constituição dirigente com institucionalização de instrumentos aptos à implementação dos fins constitucionalizados. Permanecemos sempre na indecisão e na indefinição do compromisso híbrido, confiantes num "compromisso futuro" que não veio.

Essa indefinição ocorreu numa realidade sócio-política e econômica extremamente diversificada, num país como nosso, em que convivem o trabalho escravo e trabalhadores organizados a nível de primeiro mundo, como os metalúrgicos de São Paulo, o latifúndio parasitário ao lado da empresa agrícola moderna, operando em termos de economia de escala. Nem podemos esquecer que nossa redemocratização também se processou num momento em que profundas transformações ocorriam no mundo desenvolvido, com inevitáveis repercussões sobre o Brasil.

A par da crise dos modelos políticos existentes e institucionalizados e das utopias que tinham sido as idéias-guia do último século, operavam-se as mudanças que punham em cheque quanto pensado antes: a internacionalização da economia, o agravamento do fosso tecnológico, o aparecimento do trabalhador intelectual, personagem sem semelhança e sem afinidade com o antigo trabalhador da linha de montagem, a revolução da informática, o conhecimento traduzindo-se, mais que nunca, uma fonte de poder, a exacerbação do pluralismo social, com a emergência de minorias atuantes e poderosas e movimentos sociais que desembocaram no fenômeno das organizações não governamentais, a tudo isso se somando a explosão demográfica e a calamidade da fome em mais da metade de um mundo que a engenharia genética se mostrava capaz de implodir, como o fizera o perigo atômico, tornando menos ameaçador com a desintegração do Leste Europeu.

Tudo isso importava o desmoronamento das certezas de ontem e apontava para um futuro ainda não percebido, mas que se tinha certeza jamais seria aquele que fora o das convicções de ontem.

7.2 - A problematização de nossas certezas também ocorrida na seara do Direito. No âmbito de nosso saber, inquietações surgiram e perguntas novas foram feitas e configuradas novas perspectivas, inclusive no campo dos direitos fundamentais.

Muitos são os que afirmam, hoje, não ser possível dar-se ao problema dos direitos fundamentais uma resposta substantiva pura, de caráter acentuadamente redutor, reclamando-se, antes, uma compreensão abrangente, que inclua também, e necessariamente, aspectos procedimentais e organizacionais. Valerá bem pouco, portanto, substantivar direitos fundamentais se, a par disso, também não se institucionalizarem procedimentos adequados e se define uma organização em consonância com os direitos fundamentais enunciados. 9

Nesse pecado capital incidimos nós. Prolixos em proclamar direitos fundamentais (substantivos), organizamos um Estado imune a todo tipo de controle social e nos limitamos a transferir, para a proteção dos direitos fundamentais, o inadequado procedimento utilizado para o nosso quotidiano e perante um Poder Judiciário institucionalizado em total descompasso com o que se proclama seria o Estado de Direito social e democrata brasileiro.

Pior ainda, operando sobre uma realidade complexa, instável, marcada por desafios constantes e crises permanentes, como analisado antes, ingênua ou irresponsavelmente pretendeu-se aprisioná-la na camisa de força de um exacerbado casuísmo, pretensioso e paralisante, cujo produto mais daninho foi a jurisdicionalização de questões políticas e constitucionalização de banalidades, forçando o judiciário a ser o que não pode ser, e isso com prejuízo para a Nação e grave risco para o próprio Poder Judiciário, ameaçado de desacreditar-se ou tornar-se um fator de ingovernabilidade. Impotentes para efetivar decisões políticas eficazes, pretendemos superar nossos problemas transmudando-os em pleitos judiciais, numa inversão que só contribui para deixar os problemas insolúveis e agravados.

7.3 - Para finalizar, queremos insistir no que temos reiteradamente afirmado - o político precede, necessariamente, o jurídico. Infelizmente, no Brasil, de modo contraditório (para um país democrata) perdura o vezo de malquistar-se a vida política, estimulada essa postura negativa pelos que fazem política encapuçados (a imprensa, os empresários, as igrejas e os muitos interesses corporativos), desvalorizando a atuação política que compromete toda a sociedade e se faz à luz do dia em todo o espaço social, quando é esta, e somente esta, a que é capaz de operar mudanças em termos de correlação de forças, conseqüentemente, redundar em ganhos efetivos de poder, pressuposto necessário para que ocorram ganhos reais de natureza social, política e econômica.

Cumpre-nos conscientizar o povo brasileiro dos riscos que decorrem dessa solerte campanha desmobilizadora. Precisamos convencer-nos, todos os brasileiros, de que Papai Noel não existe, que será inútil colocarmos nossos sapatos na beira da cama ou no peitoril da janela, na esperança de que o bom velhinho coloque neles os mimos que desejamos. Nossos sapatos permanecerão vazios, porque só o nosso empenho, nosso engajamento, nosso trabalho e nossa organização têm condições de produzir os frutos que se farão presentes. Será inútil, portanto, e frustrante, pretendermos que o Direito seja nosso Papai Noel e com suas formulações (palavras, palavras e palavras!) coloque em nossos sapatos os presentes que não pudemos adquirir com nossa luta política.


Notas

1. La constitucion como norma y el Tribunal Constitucional - Madrid, 1988 - Civitas, pág. 45

2. Teoria de la constitucion - Barcelona, 1983 - Ariel, págs. 50/51

3. O futuro da democracia - a defesa das regras do jogo - Rio, 1986, -Paz e Terra, pág. 18

4. Ama a incerteza e serás democrata - em Novos estudos CEBRAP, nº 9, julho de 1984, pág. 36

5. Democracy and distrust. A theory of judicial review - Harvard Univesity Press - 1980, pág. 3, apud Garcia de Enterria, ob. cit. pgs. 217/18

6. Paulo Bonavides, O Estado Social e a tradição política liberal do Brasil, Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 53, pgs. 63. e segs. Wolfgang Abendroth, El Estado de Derecho demo-crático y social como proyecto político, em El Estado Social, Madrid, 1986, Centro de Estudios Constitucionales, pgs. 15. e segs.

7. O colapso da modernização - Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial - Rio, 1992 - Paz e Terra.

8. Cidadania tutelada, em livro de Estudos Jurídicos nº 7 - Rio, 1993 - IEJ, pgs. 90. segs. e Revista de Processo, nº 72, outubro-dezembro de 1993, pgs. 124. e sgs.

9. José Joaquim Gomes Canotilho, Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização - Universidade de Coimbra - Boletim da Faculdade de Direito, 1991, pgs. 151. e segs.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, José Joaquim Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3197. Acesso em: 25 abr. 2024.