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A tributação do imposto de importação sobre produtos estrangeiros nos cruzeiros marítimos

A tributação do imposto de importação sobre produtos estrangeiros nos cruzeiros marítimos

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Analisa-se a tributação do Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros nos cruzeiros marítimos quando em território nacional.

INTRODUÇÃO

A atividade de cruzeiros marítimos tem sido um dos negócios de maior crescimento no Brasil. Atenta a essa realidade, a Receita Federal do Brasil (RFB) resolveu despender maior atenção a este setor, instituindo diversas sistemáticas de tributação específicas para tal atividade.

Historicamente, os primeiros cruzeiros circularam no Brasil na época de 1920, sendo que a atividade começou a ganhar maior destaque em 1960. Entretanto, apenas em 1995, com a Emenda Constitucional nº 7/95, legitimou-se a exploração por empresas estrangeiras. Com a inauguração do terminal marítimo de passageiros no Porto de Santos, estabeleceu-se, definitivamente, o desenvolvimento deste mercado no Brasil.

Além do transporte de passageiros, dentro dos navios de cruzeiro instauram-se diversas relações comerciais, dentre elas: a prestação de serviços e venda de diversos produtos, incluindo produtos importados.

Visualizando uma potencial fonte de recursos, a Receita Federal do Brasil voltou sua atenção às empresas que exploram tais serviços, e, com a intenção de regular o tratamento tributário diferenciado, produziu uma legislação específica regulando a matéria em questão.

Até 1998, no âmbito federal, era ausente no ordenamento brasileiro uma norma que regulamentasse, de forma específica, a tributação da atividade dos cruzeiros marítimos. Por conta disso, foi publicada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a Instrução Normativa nº 137 de 23 de novembro de 1998.

Com a edição desta Instrução, instaurou-se um regime de tributação ainda hoje aplicável às empresas que exploram a atividade no Brasil. De acordo com este diploma, os navios propriamente ditos e todas as mercadorias que encontram-se a bordo, quando do ingresso deste no país, serão objeto do regime aduaneiro especial denominado de admissão temporária. Por meio deste regime, todos os tributos incidentes na importação encontram-se suspensos até o momento da saída definitiva do navio do território nacional.

Dessa forma, em um primeiro momento, não há sujeição a nenhum tributo alfandegário, ainda que os navios e as mercadorias que adentrem no território nacional sejam juridicamente considerados como importados.

Ainda, para que se possa discorrer com maior clareza acerca deste tema, é indispensável destacar o que é considerado território nacional no ordenamento jurídico.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), assinada em 10 de dezembro de 1982, em Montego Bay (Jamaica), e atualmente em vigor internacionalmente, trouxe o grande embasamento político-jurídico, estabelecendo a "fronteira marítima" dos Estados costeiros.

A Convenção estabeleceu os conceitos de mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e plataforma continental. Suas definições são de extrema importância para caracterizar o que representa o território nacional brasileiro para fins de tributação da atividade dos cruzeiros marítimos.

Conceituado o limite de territorial brasileiro, fica mais claro entender que a saída definitiva da embarcação do território brasileiro é condicionada à apresentação de um relatório constando todas as mercadorias existentes a bordo, a indicação dos bens que foram comercializados e consumidos neste período e, também, à apresentação de comprovantes de pagamento de todos os tributos aplicáveis à atividade.

O presente artigo tem por competência a incidência do Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros nas atividades dos cruzeiros marítimos durante a permanência em território nacional. Para isso, far-se-á um estudo acerca do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros abordando seus aspectos gerais e, mais especificamente, sua incidência dentro da hipótese mencionada. Chegando, por fim, a problemática de como é realizada a tributação deste na atividade dos cruzeiros marítimos quando em território nacional.

Portanto, a finalidade deste artigo é apresentar o procedimento do regime de tributação especial à que a atividade dos cruzeiros marítimos está submetida. Isso porque, em razão da especificidade do tema, pouco se tem tratado a respeito deste ramo cada vez mais crescente.


1.FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO           

A tributação é um dos instrumentos de atuação do Estado no direito econômico. As tendências fiscais têm se dirigido mais a tributação como um instrumento de regulação interno do que como um método de arrecadação.

De acordo com o estudo da Escola de Administração Fazendária (Esaf): “No Brasil, o tributo é a principal fonte de financiamento sustentável das atividades estatais e sua normatização está expressa no Sistema Fazendário Nacional, regido por princípios constitucionais”[1].

Instituir impostos não é exclusivamente sinônimo de arrecadação para custear as despesas públicas. Embora também haja essa finalidade, a função extrafiscal é utilizada como forma de intervir e regular a economia. A maioria da doutrina rejeita a argumentação da função estritamente fiscal do sistema tributário.

Muito embora os Estados possam se valer da tributação para progressividade da economia, Aliomar Baleeiro[2] expõe diversos objetivos extrafiscais dos tributos, como: o protecionismo alfandegário em detrimento do trabalho e indústria nacionais; fragmentação latifundiária; política habitacional; política de nivelamento de fortunas, dentre outros.

Nesse sentido, o estudo da Esaf ainda assevera:

O financiamento do Estado via arrecadação tributária deve permitir que o Estado brasileiro cumpra três funções essenciais: (i) garantir os recursos necessários ao Estado para realização de seus fins; (ii) ser instrumento de distribuição de renda e indutor do desenvolvimento social do País; (iii) contribuir para minimizar diferenças regionais[3].

A arrecadação proveniente da tributação são receitas derivadas e constituem um todo maior denominado receitas públicas. Por receitas públicas entende-se: “[...] toda riqueza que aumenta efetivamente o patrimônio do Estado. É o conjunto de rendimentos do Estado e o conjunto de bens que possui o Estado para atender a Despesa Pública”[4].

Dentre as principais formas de financiamento do Estado, ainda segundo o estudo da Esaf, estão as receitas provenientes das: (i) emissões de moeda; (ii) emissões de títulos; (iii) atividade empresarial do Estado; (iv) arrecadação tributária[5], já por por atividade financeira do Estado entende-se a obtenção de receita pública, a gestão do orçamento público e a utilização dos recursos, esta última denominada de despesa pública[6].

Dessa forma, a finalidade econômica do Estado em tributar é arrecadar o necessário ao custeamento de suas despesas e assegurar as necessidades básicas de seus cidadãos. Nesse sentido, surgem diversas discussões acerca de princípios que regem a trbutação, que veremos a seguir.

Ademais, essa linha de raciocínio traz uma tênue discussão acerca da definição de Direito Tributário e Direito Financeiro. Kiyoshi Harada defende uma interligação entre os dois ramos de modo a manter uma “relação estreita”[7].

O Direito Financeiro tem por objetivo normatizar as atividades financeiras do Estado. Por sua vez, o Direito Tributário dedica-se à receita tributária. Eduardo Sabbag argumenta que o Direito Tributário busca uma relação entre o tesouro público e contribuinte. Por sua vez, o Direito Financeiro tem por objetivo disciplinar a destinação desses recursos[8].

O intuito dessa pesquisa é ater-se aos aspectos tributários do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros, em especial nas atividades de cabotagem. No entanto, alguns quesitos sobre a função social dos tributos e a correlação entre crescimento econômico ocasionando pelas atividades dos cruzeiros marítimos no Brasil são imprescindíveis para fundamentar a importância desse estudo.

Assim sendo, passaremos à análise de uma característica de suma importância para relação entre o desenvolvimento da cabotagem e seu impacto na atividade financeira do Estado: a extrafiscalidade do Imposto sobre Importação de produtos estrangeiros e os princípios que regem sua incidência. A partir desse estudo e da fundamentação acerca do crescimento do setor da atividade dos cruzeiros marítimos, passaremos as disposições acerca da especificidade na tributação deste imposto incidente cabotagem. Não sem antes, discorrer acerca das suas definições e do seu campo de incidência.

1.1.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

Rodrigo Cordeiro observa que:

 O moderno direito tributário também tende para a construção de uma teoria voltada para a realização dos valores constitucionalmente reputados como fundamentais. Sendo certo, ainda, asseverar que isto só será possível através da observância dos pilares do ordenamento jurídico- tributário, ou seja, por meios [sic] dos princípios, tais como o Princípio da Legalidade, da Igualdade, da Capacidade Contributiva, e outros[9].

Nessa linha, é indispensável o desenvolvimento acerca dos princípios, mais especificamente os princípios da legalidade, capacidade contributiva e anterioridade. Princípios estes fundamentais para a determinação do Imposto sobre Importação a produtos estrangeiros como um imposto extrafiscal.

  1.1.1.PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Rodrigo Aiache, defende que: “ao lado da função de garantia, tal princípio tem, também, a finalidade de combater o poder arbitrário do Estado”[10].

Por sua vez, Hugo de Brito Machado assevera:

Adotado o princípio da legalidade, pode-se afirmar, pelo menos, que a relação de tributação não represente a vontade do povo, e por isso não se possa afirmar que o tributo é consentido por ter sido instituído em lei, ainda assim, tem-se que o ser instituído em lei garante maior grau de segurança nas relações jurídicas”.

[...]

O princípio da legalidade, todavia, não quer dizer apenas que a relação de tributação é jurídica. Quer dizer que essa relação, no que tem de essencial, há de ser regulada em lei. Não em qualquer norma jurídica, mas em lei, em seu sentido específico[11].

Há que se considerar, entretanto, as exceções ao princípio da legalidade, ou seja, aquelas previstas na Constituição Federal. Hugo de Brito Machado ainda assevera que, no que tange a instituição de tributos, o princípio da legalidade não comporta exceções. Segundo ele:

As exceções ao princípio da legalidade, assim, dizem respeito apenas à majoração de tributos, e mesmo esta só é admitida dentro de certos limites fixados em lei. Nestes termos, as exceções ao princípio da legalidade são as mencionadas no parágrafo 1º do art. 153, que faculta ao Poder Executivo, atendida as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos sobre: (a) importação de produtos estrangeiros; (b) exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; (c) produtos industrializados, e (d) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários[12].

Como veremos mais adiante, a exceção ao princípio da legalidade é ferramenta fundamental para o Estado valer-se da extrafiscalidade do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros.

1.1.2.PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Rodrigo Aiache conceitua a capacidade contributiva como “[...] o princípio segundo o qual todos os cidadãos devem contribuir com as despesas públicas de acordo com suas capacidades econômicas”[13].

Ainda, segundo Hugo de Brito Machado, importante esclarecer a diferenciação entre este princípio e a isonomia, este último também previsto na Constituição Federal:

O princípio da capacidade contributiva, ou, em outras palavras, o princípio segundo o qual os impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, não deve ser interpretado como simples forma de manifestação do princípio geral da isonomia. Tem-se de considerar que o princípio da isonomia já está expresso em outros dispositivos da Constituição, um dos quais no próprio capítulo da capacidade contributiva, tem, indiscutivelmente, grande relevância na interpretação deste princípio. Embora intimamente a este ligada, a ideia de isonomia é insuficiente para indicar o seu alcance, precisamente porque a isonomia, conforme a posição filosófica do hermeneuta, pode ficar reduzida simplesmente à indicação do caráter hipotético da norma jurídica[14].

Por fim, nas palavras de Rodrigo Aiache: “sua finalidade é a tributação ideal e equilibrada, permitindo ao Estado suprir suas necessidades, sem que isso importe na impossibilidade de os contribuintes sobreviverem com um mínimo destinado a garantir sua dignidade[15].

1.1.3.PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

O princípio da anterioridade do exercício financeiro vem disposto no artigo 150, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - cobrar tributos:

[...]

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

Por sua vez, o princípio da Anterioridade Nonagesimal, foi incluído na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003 e incluiu na redação do artigo 150, inciso III, a alínea “c”:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

[...]

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b

De maneira geral, segundo Carraza, citado por Rodrigo Aiache, o princípio da anterioridade tem a finalidade de evitar:

 A tributação surpresa, que afronta a segurança jurídica dos contribuintes. Ele não permite que, da noite para o dia, alguém seja colhido por uma nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar sua vida econômica[16].

Entretanto, como já mencionado, a Constituição Federal prevê situações de flexibilização dos impostos extrafiscais, segundo Rodrigo Aiache: “[...] com o escopo de regular a política monetária, de comércio exterior, etc”[17].

Dessa forma, dentre as exceções aos princípio constitucional da anterioridade anual e nonagesimal, está presente o Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros.

Tecidas as considerações acerca dos princípios constitucionais que regem o Direito Tributário, passa-se agora a análise da característica extrafiscal do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros, de modo a relacionar toda sua função econômica com o desenvolvimento da atividade de cabotagem, para, enfim, aprimorar os estudos nos aspectos dessa tributação, em específico.

1.2.EXTRAFISCALIDADE DO IMPOSTO SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ESTRANGEIROS

Como já abordamos, o financiamento do Estado tem como objetivo, além do custeio das despesas públicas, a destinação de recursos capaz de assegurar o desenvolvimento econômico e a justiça social. Nesse sentido, a arrecadação de tributos, como uma das fontes de financiamento do Estado, passa a ser, também, um instrumento de regulação da economia.

Por sua vez, o Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros, desde sua criação, já tinha como função primordial a extrafiscalidade[18]. Essa função prevalece na concepção moderna, sendo que, nesse sentido Hugo de Brito Machado destaca:

Se não existisse imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disso, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto funciona como valioso instrumento de política econômica[19].

Todavia, imprescindível destacar que manter os objetivos da função extrafiscal deste imposto tem sido um desafio, em razão do extraordinário desenvolvimento da globalização, da internet, das compras online e das distâncias cada vez mais curtas, por exemplo.

Nesse panorama, o vultuoso crescimento da atividade de cabotagem tem favorecido a importação dentro do território nacional. Entretanto, esse acontecimento vem a ser extremamente benéfico ao Estado brasileiro, uma vez que a expansão dessa atividade e a consequente importação gera uma aquisição de receita positiva para a União, ente arrecadador deste imposto, que favorecerá o financiamento do Estado, como já verificamos.

Assim sendo, passaremos à análise do desenvolvimento da atividade dos cruzeiros marítimos no território brasileiro, a fim de concretizar a argumentação acerca dos benefícios dessa tributação, para, enfim, nos dedicarmos ao estudo da tributação, de modo específico.

1.3.DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE DE CABOTAGEM NO BRASIL

O Estudo de Perfil e Impactos Econômicos de Cruzeiros Marítimos no Brasil – 2010/2011, feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e encomendado pela Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (Abremar)[20] afirma que:

No mercado brasileiro, alguns números recentes comprovam a importância dos cruzeiros marítimos. Desde a temporada de 2004/2005, houve um aumento considerável não só da quantidade de navios, como também do número de rotas. Na última temporada (2010/2011), foram aproximadamente 800 mil cruzeiristas, sendo 100 mil estrangeiros, viajando em 20 navios na costa brasileira[21].

Ainda segundo este estudo:                                                

Os cruzeiros marítimos beneficiam os destinos em diferentes aspectos: movimenta a economia, aumenta o fluxo de turistas na cidade, gera empregos, estimula a entrada de divisas, promove o destino em âmbitos nacional e internacional, entre outros[22].

Por fim, ainda acrescenta que na temporada 2010/2011:

Dos R$ 893,5 milhões gerados pelos gastos dos armadores, R$ 697,7 milhões correspondem aos impactos diretos e R$ 195,8 milhões aos impactos indiretos. O principal gasto dos armadores foi com combustíveis, que totalizou R$ 291,7 milhões de impactos direto e indireto, seguido pelas taxas portuárias e impostos, que somaram R$ 215,2 milhões; alimentos e bebidas, R$133,5 milhões de impactos diretos e indiretos; comissões, R$ 122,9 milhões de impacto direto; marketing, excursões e escritórios, R$102,1 milhões de impacto direto e, finalmente, água e lixo, R$ 28,1 milhões. (grifo nosso)

 [...]

As cidades portuárias são as que mais se beneficiaram com os gastos de cruzeiristas e tripulantes a partir das escalas, embarque e desembarque, na temporada 2010/2011, o impacto total de R$ 522,5 milhões dividiu-se da seguinte forma: R$ 102,9 milhões foram gerados na cidade do Rio de Janeiro, R$ 86,6 milhões em Santos, R$ 57,0 milhões em Búzios, R$ 43,9 milhões em Salvador, R$ 42,3 milhões em Ilhabela e R$ 189,8 milhões nos demais portos e cidades, visto que os impactos indiretos também impactam em outras cidades que não são portuárias, como o caso do transporte aéreo de passageiros[23].

Diante desses dados, resta indubitável os benefícios econômicos dessa atividade em território nacional. Como destaca o Estudo da Fundação Getúlio Vargas, na temporada de 2010/2011, os gastos dos armadores com despesas de taxas portuárias e tributos somaram 215.500.000 reais.

Ademais, a pesquisa ainda traz uma série de despesas e cidades mais beneficiadas com os gastos dos armadores, além dos postos de trabalho que esse setor gera. Ainda segundo o Estudo da Fundação Getúlio Vargas, a atividade de cabotagem gerou 20.638 postos de trabalho na temporada 2010/2011.

Por conta dessa importância econômica, aspectos acerca da tributação e posterior arrecadação desses tributos nessa atividade se faz necessária. Em razão disso, o presente estudo tem por finalidade analisar os procedimentos da tributação do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros na atividade de cabotagem quando em território nacional. Para tanto, é necessário descrever, em um primeiro momento, as características deste imposto e o conceito de extensão do território nacional.


2.IMPOSTO SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ESTRANGEIROS

2.1.TRIBUTOS

Para iniciar o estudo acerca da tributação nos cruzeiros marítimos quando em território brasileiro, imprescindível se faz a necessidade de uma breve conceituação acerca dos tributos, passando mais especificamente ao estudo dos impostos, para enfim à análise do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros, que é o objeto deste estudo.

Via de regra, segundo Hugo de Brito Machado, o objetivo principal dos tributos é arrecadar recursos financeiros para o Estado. Entretanto, não se pode descartar suas eventuais funções extrafiscais, sendo o tributo frequentemente utilizado com o objetivo de interferir na economia, estimulando setores, atividades, produtos e regiões, desestimulando outros em contrapartida. Ainda, um tributo também pode ser utilizado como fonte de recurso destinada ao custeio de atividades que não são próprias do Estado, mas que se desenvolvem por meio de entidades específicas e adotam características parafiscais[24].      

No Brasil, o conceito de tributo é legalmente determinado. O legislador, afastando as divergências doutrinárias, definiu no artigo 3º do Código Tributário Nacional o tributo como: “toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Instituir um tributo depende de prévia definição da hipótese de incidência, sujeitos da obrigação, base de cálculo, alíquota e o respectivo prazo. Em princípio, a lei instituidora do um tributo é a lei ordinária. Apenas em casos expressamente previstos na Constituição Federal a lei complementar é adotada para tal finalidade.

2.2.ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

         O artigo 5º do Código Tributário Nacional indica como espécies tributárias: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.

         Entretanto, embora o artigo estabeleça um rol taxativo dessas espécies, diversas teorias apresentam diferentes classificações acerca do que é considerado como tributo. Surgem, assim, as teorias: bipartite, tripartite, quadripartite e pentapartite.

         A teoria bipartite tem como adepto Geraldo Ataliba[25]. Tal teoria defende a existência de duas espécies de tributos: aqueles vinculados a uma atuação estatal e aqueles não vinculados. Nesse sentido, haveriam como tributos, apenas, as taxas e os impostos.

         Como já mencionado, à época da elaboração do Código Tributário Nacional prevalecia a classificação tripartite, na qual os tributos se dividiam em: impostos, taxas e contribuições de melhoria e, portanto, tal divisão independe da destinação da receita.

         Relevante, ademais, é o surgimento da teoria quadripartite, a qual considera como espécies tributárias: os impostos, as taxas, os empréstimos compulsórios e as contribuições. Tal entendimento engloba as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, mencionadas no artigo 149 da Constituição Federal, em um conceito único de contribuições. A teoria quadripartite é seguida pelo doutrinador Luciano Amaro[26].

Entre as décadas de 80 de 90, no entanto, os empréstimos compulsórios e as contribuições tiveram seus momentos de grande expressividade. Dessa forma, segundo Eduardo Sabbag[27], surgiu a teoria pentapartite, a qual, além de admitir as três espécies tributárias já previstas no artigo 5º do Código Tributário Nacional, quais sejam: impostos, taxas e as contribuições de melhoria; ainda, acrescentou os empréstimos compulsórios e as contribuições previstas no artigo 149 da Constituição Federal, as quais foram, em conjunto, denominadas de contribuições especiais. Hoje, a teoria pentapartite tem predominância no conceito de classificação tributária e é a teoria aceita pelo Supremo Tribunal Federal.

2.3.IMPOSTO

         De acordo com o Código Tributário Nacional, em seu artigo 16: “Imposto é tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

         Dessa forma, pode-se compreender que, tratando-se de imposto, a situação prevista em lei para o nascimento da obrigação não se origina de qualquer atuação específica do Estado em relação ao contribuinte. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado argumenta:

O exame das várias hipóteses de incidência de impostos deixa evidente que em nenhuma delas está presente a atuação estatal. Pelo contrário, em todas elas a situação descrita pela lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária é sempre relacionada ao agir ou ter do contribuinte, e inteiramente alheia do agir do Estado[28].

Ainda nesse entendimento, Eduardo Sabbag preleciona:

[...] Essa é a razão por que se diz que o imposto é um tributo unilateral. Em outras palavras, costuma-se rotular a exação de tributo sem causa ou gravame não contraprestacional, uma vez que desvinculado de qualquer atividade estatal correspectiva[29].

         Portanto, o fato gerador do imposto é uma situação que não exige nenhuma atividade do Estado dirigida ao contribuinte. Ademais, ainda conforme Eduardo Sabbag[30], importante destacar que, via de regra, os impostos visam custear despesas gerais ou universais, o que significa que, não obstante as exceções, a receita de determinado imposto não pode ser especificamente destinada a um órgão, fundo ou despesa, por conta do princípio da não afetação, previsto no inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal.

         O artigo 17 do Código Tributário Nacional dispõe que os impostos componentes do Sistema Tributário Nacional são aqueles previstos em seu Capítulo III, não obstante a Constituição disponha sobre a competência residual da União para instituição de novos impostos.

         São impostos instituídos no Brasil e de competência da União aqueles mencionados no artigo 153 da Constituição Federal: (i) importação de produtos estrangeiros; (ii) exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; (iii) renda e proventos de qualquer natureza; (iv) produtos industrializados; (v) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários; (vi) propriedade territorial rural; e, embora ainda não instituído, é também de competência deste Ente o (vii) imposto sobre grandes fortunas.

         Por sua vez, é de competência dos Estados e do Distrito Federal os impostos definidos no artigo 154 da Constituição Federal: (viii) transmissão causa mortis ou doação, de quaisquer bens e direitos; (ix) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; e (x) propriedade de veículos automotores.

         Por fim, competem aos Municípios os impostos do artigo 156 da Carta Magna: (xi) propriedade territorial e urbana; (xi) transmissão inter vivos a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; e (xiii) serviços de qualquer natureza.

         O objetivo deste estudo é prever a incidência do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros, o qual iremos nos ater a seguir.

2.4.IMPOSTO SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ESTRANGEIROS

         De acordo com Eduardo Sabbag[31], o Imposto sobre a importação de produtos estrangeiros é um dos mais antigos tributos instituídos no Brasil. Durante a fase colonial, a tributação era fortemente concentrada sobre a exportação, devido à atividade meramente exploradora que Portugal exercia sobre o Brasil. No entanto, com abertura dos portos no país, surgiu também a oportunidade de exploração do comercio internacional e, em consequência, a tributação sobre a importação de produtos estrangeiros tornou-se bastante viável.

         O Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros tem por incidência a inserção de bens procedentes de outros países no território nacional. A competência tributária está destinada à União, uma vez que, como veremos a seguir, somente esta poderá impor um tratamento uniforme e assegurar o equilíbrio da balança comercial.

         A seguir, analisaremos as características e os aspectos deste imposto na atualidade e sua relevância para o equilíbrio da balança comercial.

2.4.1 COMPETÊNCIA

A competência do Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros, como já explicitado, cabe à União. Isso porque, trata-se de um tributo que reflete no relacionamento do país com o exterior, de forma que as tratativas devem ocorrer por parte da União Federal, responsável por essa atuação.  

Nesse sentido, Eduardo Sabbag assevera:

O Imposto de Importação é um dos mais antigos do mundo, possuindo, hodiernamente, função eminentemente extrafiscal, ao visar proteger a indústria nacional, como verdadeira arma de política econômica e fiscal. Sua participação no total da arrecadação tributária brasileira tem variado em torno de 5%, nos últimos cinco anos[32].

2.4.2 FUNÇÃO

Como já abordado, a função predominante deste imposto é extrafiscal. Trata-se muito mais de um instrumento de proteção à indústria nacional do que mero instrumento de arrecadação de recursos financeiros.

Em virtude disso, o artigo 153, parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988 faculta ao Poder Executivo, desde atendidas as condições impostas pela lei, alterar as alíquotas do Imposto de Importação. Contudo, verifica-se uma exceção ao Princípio Constitucional da Legalidade, o qual preleciona que nenhum tributo será instituído ou modificado senão em virtude de lei.

Ainda, o artigo 150, parágrafo 1º da Constituição Federal determina que a alteração das alíquotas do Imposto de Impostação não se submete ao Princípio Constitucional da Anterioridade Anual. Com a Emenda Constitucional nº 42 de 19 de dezembro de 2002, o Imposto de Importação tornou-se também uma exceção ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal, previsto no artigo 150, inciso III, alínea “c” da Constituição Federal. Dessa forma, referido imposto não está submetido ao princípio da anterioridade anual e dos noventa dias, o que significa que qualquer alteração em suas alíquotas poderá ser aplicada imediatamente.

Portanto, a alteração da alíquota não se sujeita aos Princípios Constitucionais da Legalidade e da Anterioridade, ambos previstos na Constituição Federal.                     

2.4.3 FATO GERADOR

Ocorre com a entrada, seja ela real ou ficta, de produtos estrangeiros no território nacional. Conforme estabelece o Decreto Lei nº 37 de 18 de novembro de 1966, o fato gerador ocorre com a entrada de mercadoria no território nacional.

Ressalte-se que a incidência do imposto ocorrerá nos casos de permanência definitiva do bem importado no território. Dessa forma, não está sujeita a tributação, a mercadoria estrangeira que ingressa em território nacional de forma temporária.

Importante ainda verificar que o Decreto nº 6.789 de 05 de fevereiro de 2009 determina, em seu artigo 73, inciso IV, que considera-se ocorrido o fato gerador do imposto de importação na data do registro da declaração de admissão temporária.

Para efeito de cálculo do imposto de importação, Eduardo Sabbag[33] ainda assevera que os valores em moeda estrangeira são convertidos em moeda nacional. Para tanto, a taxa de câmbio aplicada deverá ser aquela vigente no momento da entrada, no país, da mercadoria importada. Portanto, será a taxa de câmbio referente a data de ocorrência do fato gerador.

2.5.ALÍQUOTAS

Eduardo Sabbag[34] preleciona serem duas são as espécies de alíquotas no imposto sobre a importação: (i) a específica, determinada em razão da unidade de quantificação dos produtos importados, bem como a (ii) ad valorem, indicada em porcentagem a ser calculada sobre o valor do bem. Sem prejuízo, o cálculo da alíquota pode ainda ser efetuado pela combinação das duas alíquotas acima mencionadas, o que recebe o nome de alíquota mista.

Como já explicitado e, tendo em vista a função predominante extrafiscal, este imposto faz parte do rol de exceções ao princípio da anterioridade ao exercício financeiro e nonagesimal, bem como ao princípio da legalidade. Isso porque, sua alíquota pode ser aumentada durante o curso do exercício financeiro e, ainda, por ato exclusivo do Poder Executivo, sendo que tais disposições encontram-se nos artigos 150, parágrafo 1º e 153, parágrafo 1º, ambos da Constituição Federal.

2.6.BASE DE CÁLCULO

Considerando as duas espécies de alíquotas, a base de cálculo varia de acordo com cada uma delas. Assim, tratando-se de alíquota específica, a base de cálculo corresponderá a unidade de medida adotada pela Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB). Quando a alíquota for ad valorem, a base de cálculo será o valor aduaneiro da mercadoria, de acordo com o VII, n. 2, do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) – Decreto nº 92.930 de 16 de julho de 1986.

Isso porque, seguindo o entendimento de que tratados internacionais ratificados prevalecem sobre leis internas, fica incorporado à nossa legislação os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, tendo em vista as disposições do Decreto nº 1.355 de 30 de dezembro de 1994. Ainda, vale destacar que o GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio caracteriza-se por um pacto que visa estabelecer e administrar regras para o procedimento em comércio internacional, ajudar os governos a reduzir tarifas alfandegárias ou aduaneiras e abolir as barreiras comerciais entre as partes signatárias.

         Ademais, com relação às hipóteses de alíquota ad valorem, na qual a base de cálculo será o valor constante na fatura comercial, cumpre ressaltar que estarão incluídos nesse cálculo as despesas acessórias, como frete e seguro do bem importado.

2.7.CONTRIBUINTE

De acordo com o artigo 22 do Código Tributário Nacional, o contribuinte deste imposto é o importador ou quem a lei a ele equiparar. O artigo 31 do Decreto Lei nº 37 de 18 de novembro de 1966 ainda estipula como sujeito passivo deste imposto: (i) o importador, definido como qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira em Território Nacional; (ii) o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; e (iii) o adquirente de mercadoria entrepostada.

2.8.LANÇAMENTO

Trata-se de um lançamento por homologação, ou seja, o contribuinte auxilia a Receita Federal do Brasil (RFB) promovendo a atividade de lançamento, apurando o montante e recolhendo o tributo, nos termos do artigo 150 do Código Tributário Nacional.

Com a atividade antecipatória de pagamento pelo contribuinte, cabe à Receita proceder a apuração do montante recolhido e homologar, seja tácita ou expressamente, o procedimento adotado.

2.9.REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

Alguns regimes aduaneiros especiais foram instituídos com a finalidade de facilitar a inserção de bens estrangeiros no país, bem como o controle acerca da tributação destes bens. Assim, é possível a entrada da mercadoria no país mediante suspensão, isenção ou restituição do pagamento do tributo, desde que atendidas as condições que disciplinam cada um desses regimes especiais.

Dessa forma, o Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 6.759 de 05 de fevereiro de 2009 –  estabelece uma série de regimes especiais.

O que merece destaque nessa pesquisa é o regime de admissão temporária, previsto no artigo 353, e que permite a importação de bens que devam permanecer no país durante prazo fixado, com suspensão total ou parcial do pagamento de tributos. Tal regime aduaneiro tem grande importância na incidência do Imposto de Importação nas atividades de cabotagem, como se verá mais adiante.

Feitas as considerações acerca da tributação e, em especial, do imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, passaremos agora às considerações acerca de território nacional, a fim de determinar o campo de incidência da tributação na atividade de cabotagem turística.


3.CAMPO DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

3.1 TERRITÓRIO NACIONAL

         Por Território Nacional entende-se a área que compreende todo o espaço terrestre, fluvial, aéreo e marítimo onde o Estado é soberano. Ainda, esse território será estendido quando se tratar de aeronaves ou embarcações públicas ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. Tal conceito vem extraído do artigo 5º, parágrafo 1º do Código Penal.

         Para José Afonso da Silva: “território é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens”[35].

         Como já vislumbramos, o conceito de Território Nacional não se limita ao solo de determinado Estado, mas compreende também o espaço aéreo e marítimo. O presente estudo, portanto, tem por finalidade definir os limites do Território Nacional sob a perspectiva do Direito Aduaneiro, de modo a definir qual o limite da soberania brasileira sobre o território marítimo e até onde incidirá sua tributação.

         Para tanto, faz necessário definir alguns conceitos introdutórios acerca do Direito Marítimo, conforme se verá a seguir:

3.2 DOMÍNIO MARÍTIMO

         Fazem parte do domínio marítimo de um Estado: o mar territorial, a plataforma continental, a zona exclusiva econômica e a zona contígua.

3.2.1 MAR TERRITORIAL

         Por Mar Territorial entende-se uma extensão do território dos Estados. A definição mais aceita vem da interpretação conjunta da Convenção Internacional sobre Direitos do Mar, realizada em 1982 na Jamaica, com a Lei nº 8.617 de 04 de janeiro de 1993, sendo que esta última dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental no território brasileiro. Assim, Mar Territorial pode ser entendido como a zona marítima entre as águas anteriores e o alto mar, sobre o qual o Estado exerce sua soberania.

         O artigo 1º da Lei nº 8.617/93 fixa a extensão territorial em doze milhas marítimas:

Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.

Importante mencionar que a Convenção Internacional sobre Direitos do Mar estabeleceu limitações à soberania sobre o Mar Territorial, a qual denominou de passagem inocente. Os artigos 17, 18 e 19 da referida Convenção definem por passagem inocente a travessia de navios estrangeiros com a finalidade exclusiva de atravessar o Mar Territorial sem dirigir-se aos portos ou ancoradouros e sem nenhuma escala e desde que não prejudiquem a segurança do Estado.

3.2.2 PLATAFORMA CONTIMENTAL

         Por Plataforma Continental, subtrai-se o conceito do artigo 11 da Lei nº 8.617/93:

A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Sobre a Plataforma Continental o Estado pode exercer direitos de exploração e aproveitamento dos recursos naturais.

Atualmente, o Brasil está pleiteando perante a Comissão de Limites das Nações Unidas a extensão dos limites de sua Plataforma Continental, além das 200 milhas náuticas. Segundo os dados da Marinha do Brasil, se as recomendações do Brasil forem aceitas, os espaços marítimos nacionais poderão atingir aproximadamente 4,5 milhões de quilômetros quadrados, o que tem sido nomeado de Amazônia Azul[36].

3.2.3 ZONA CONTÍGUA

         Por sua vez, a Zona Contígua é definida como uma faixa adjacente ao mar territorial, com 24 milhas marítimas a partir do mar territorial. Nessa faixa, o Estado ainda exerce alguns atos de soberania, especialmente no que concerne às leis aduaneiras, fiscais e de imigração, conforme disposição do artigo 33 da Convenção de 1982.

3.2.4 ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA

         A Zona Econômica Exclusiva foi estipulada pela Convenção em 1982, na Jamaica. Sua largura é de 200 milhas contadas da base do Mar Territorial. A Zona Econômica Exclusiva não integra o alto mar.

         Dentro da Zona Econômica Exclusiva, o Estado tem o direito de explorar e gerir os recursos naturais para fins econômicos. Entretanto, os demais Estados também gozarão de liberdade de navegação e instalação de dutos marítimos, bem como demais atividades internacionalmente lícitas.

3.3 DOMÍNIO MARÍTIMO E A TRIBUTAÇÃO

         Contudo, o Mar Territorial é uma construção jurídica que tem por finalidade determinar que uma parte do mar, a partir da linha de base, seja considerada como se território do Estado costeiro fosse. Assim, para efeitos de aplicação de sua jurisdição, o Estado tem seu território estendido até certo ponto do oceano. O Direito Internacional defende essa criação sob o pretexto de que o Estado tem mais facilidade em exercer sua soberania e, portanto, mais segurança jurídica, à medida em que as embarcações de outras bandeiras têm seus direitos limitados na proximidade da costa.

         Ademais, a Plataforma Continental, fixada como a faixa posterior ao Mar Territorial e limitada a 200 milhas, tem por finalidade estipular o direito de soberania do Brasil no que diz respeito a exploração de recursos naturais. Assim, na plataforma continental, o Brasil tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas, bem como o direito exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer que sejam os seus fins.

         Já na Zona Contígua, limitada a 12 milhas contadas do fim da faixa do Mar Territorial, o Brasil poderá tomar medidas necessárias para, conforme disposição do artigo 5º da Lei nº 8.617 de 04 de janeiro de 1993:

I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu territórios [sic], ou no seu mar territorial;

II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial.

A partir dessas definições, diversos doutrinadores, entre eles Celso Renato Duvivier de Albuquerque Mello [37], defendem a ideia de que o alto mar vem se tornando um espaço cada vez menor, tendo em vista a tendência dos Estados de se apoderarem cada vez mais dos espaços marítimos, com a finalidade de fortalecer sua soberania e garantir a segurança jurídica.

Portanto, fica evidente que até o limite do mar territorial, o Estado exerce sua soberania absoluta e, portanto, com exclusividade. A partir desta área, ou seja, sobre as Zonas Contíguas, a Plataforma Continental e as Zonas Econômicas Exclusivas, a soberania do Estado é limitada ao aproveitamento dos recursos naturais e à jurisdição que o Estado exerce sobre instalações e estruturas dentro dessa área. Para fins de tributação, contudo, vigora o mesmo entendimento.

Assim, é possível afirmar que pode ser tributável o espaço territorial onde o Estado pode exercer sua soberania. Isso porque, o princípio da territorialidade limita a legislação tributária de acordo com o território da pessoa jurídica que edita a norma.  No caso da União Federal fica, portanto, limitado ao Território Nacional, desde que ressalvadas as exceções em que o Código Tributário Nacional permite a extraterritorialidade, ou seja, quando a União firmar convênios ou tratados internacionais, conforme seu artigo 102.

Ademais, o Decreto nº 6.759 de 05 de fevereiro de 2009 regulamenta a administração das atividades aduaneiras, fiscalização, controle e a tributação das operações de comércio exterior e estabelece, em seu artigo 2º, que o território aduaneiro compreende todo o território nacional. Por sua vez, o artigo 3º determina:

Art. 3º:  A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se por todo o território aduaneiro e abrange (Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, art. 33, caput):

[...]

II - a zona secundária, que compreende a parte restante do território aduaneiro, nela incluídas as águas territoriais e o espaço aéreo.

[...]

Da interpretação destes artigos, entende-se por território aduaneiro o local onde será exercido o direito aduaneiro e, como vimos, compreende todo o território nacional. A jurisdição aduaneira, portanto, é a possibilidade de aplicação do direito no território nacional incluindo as águas territoriais.

Por sua vez, de acordo com o Decreto nº 6.759/95, a jurisdição aduaneira é dividida em zona primária e secundária. A zona primária compreende a área ocupada por portos, aeroportos e pontos de fronteira. Já a zona secundária é o território nacional como um todo, o que incluir as águas territoriais e o espaço aéreo.

Diante dessas considerações, fica claramente demonstrada a dificuldade da Receita Federal do Brasil fiscalizar a ocorrência de fato gerador nos territórios marítimos. Por conta disso, veremos a seguir qual a alternativa adotada por este órgão administrativo, para fiscalizar o controle.        

3.3.OS CRUZEIROS MARÍTIMOS E A INCIDÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ESTRANGEIROS QUANDO EM TERRITÓRIO BRASILEIRO

Definidas as características do Imposto sobre a impostação de produtos estrangeiros e de território nacional para o Direito Brasileiro, passa-se agora ao estudo da incidência deste imposto na atividade de cabotagem, ou seja, nos Cruzeiros Marítimos quando estes adentram em Território Nacional.

Em 1995, a Emenda Constitucional nº 7 legitimou a possibilidade de exploração da navegação de cabotagem por empresas estrangeiras:

Art. 1º: O art. 178 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.

 Essa medida, cumulada com a inauguração do Terminal Marítimo de Passageiros no Porto de Santos, teve como consequência o expressivo desenvolvimento dessa atividade no Brasil.

Desde então, navegação de cabotagem vem alcançando um crescimento considerável no mercado brasileiro. Segundo um Estudo de Perfil e Impactos Econômicos de Cruzeiros Marítimos no Brasil – 2010/2011, feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e encomendado pela Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (Abremar), o setor registrou um aumento de 600% em dez anos e o impacto na economia brasileira foi em torno de R$1,4 bilhão na temporada 2010/2011[38].

Isso porque, as extensas paisagens litorâneas, o clima ameno, a não coincidência do verão com a Europa e os Estados Unidos e o aumento do poder aquisitivo da população brasileira, tornaram o Brasil um excelente mercado alvo para as empresas que exploram esse tipo de atividade.

Atento a esse crescimento das receitas e do fluxo de capital, o Fisco brasileiro passou a observar com mais cautela a tributação da cabotagem, passando a instituir diversas obrigações e sistemáticas exclusivas para esse setor.

Diante disso, em 1998, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa nº 137 com a finalidade de regulamentar a tributação da atividade turística de cabotagem, em especial, a importação dos produtos vendidos a bordo, no momento em que o navio encontra-se em território nacional.

Referida instrução estabeleceu um regime tributário específico para a atividade de cabotagem turística. Por meio dela, fica instruído o regime de admissão temporária, no qual os tributos ficam suspensos desde a entrada do navio em território brasileiro até sua saída definitiva, conforme conceitua a Instrução Normativa nº 1.361 de 23 de maio de 2013:

Art. 3º O regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos incidentes na importação, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica, na forma e nas condições previstas nesta Instrução Normativa.

§ 1º A suspensão do pagamento de tributos a que se refere o caput abrange:

I - o Imposto de Importação (II)                                            

Como já demonstrado, todo bem estrangeiro que adentra em território nacional é considerado importado e, portanto, está sujeito a incidência do imposto de importação. Nessa situação, tanto o navio quanto as mercadorias que encontram-se em seu interior são consideradas importados e, em tese, deveriam ser tributados.

Com o regime de admissão temporária, no entanto, somente serão alvo de tributação aquelas mercadorias que forem comercializadas no interior do navio enquanto este permanecer em território nacional. Dessa forma, não haverá tributação dos produtos que ingressarem e saírem do país sem serem comercializados.

Ainda, será dispensada de tributação a própria embarcação, com a ressalva de que o Regime de Admissão Temporária tem um prazo de vigência de seis meses prorrogáveis por igual período, conforme previsão do artigo 13 da Instrução Normativa RFB nº 1.361 de 2013.

Para exercer as atividades em território brasileiro, a Instrução Normativa nº 137 de 23 de novembro de 1998 exige que o armador estrangeiro constitua um representante legal, na qualidade de pessoa jurídica, conferindo poderes para: (i) promover a importação de mercadorias estrangeiras; (ii) requerer a concessão de regimes aduaneiros especiais; (iii) proceder ao despacho para consumo das mercadorias estrangeiras comercializadas a bordo do navio; (iv) promover a aquisição de mercadorias nacionais para abastecimento do navio; e (v) na qualidade de responsável tributário, calcular e pagar os impostos e contribuições federais devidos, decorrentes das atividades desenvolvidas a bordo do navio ou a ele relacionadas, no período em que permanecer em operação de cabotagem em águas brasileiras.

Ademais, a chegada do navio deverá ser informada à autoridade aduaneira com antecedência mínima de seis horas, para fins de visita aduaneira. Nesta ocasião, deverão ser entregues à autoridade a Declaração Simplificada de Importação e o Registro de Inventário de todas as mercadorias a bordo da embarcação.

O despacho aduaneiro inicia-se com a apresentação da Declaração Simplificada de Importação e se encerrará com o fim do Regime de Admissão Temporária, ocasião na qual deverão ser recolhidos os tributos incidentes sobre as atividades desenvolvidas durante a sua permanência no país.

Importante mencionar que a Receita Federal do Brasil define despacho aduaneiro como sendo:

O despacho aduaneiro na importação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação às mercadorias importadas, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas ao seu desembaraço aduaneiro. Toda mercadoria procedente do exterior, importada a título definitivo ou não, sujeita ou não ao pagamento do imposto de importação, deve ser submetida a despacho de importação, que é realizado com base em declaração apresentada à unidade aduaneira sob cujo controle estiver a mercadoria. O despacho para admissão em regimes aduaneiros especiais ou aplicados em áreas especiais tem por objetivo o ingresso no País de mercadorias, produtos ou bens provenientes do exterior, que deverão permanecer no regime por prazo certo e conforme a finalidade destinada, sem sofrerem a incidência imediata de tributos, os quais permanecem suspensos até a extinção do regime. Entre outros, se aplica às mercadorias em trânsito aduaneiro (para um outro ponto do território nacional ou com destino a um outro país) e em admissão temporária, caso em que as mercadorias devem retornar ao exterior, após cumprirem a sua finalidade.[39]

Apresentada a declaração e iniciado o despacho aduaneiro, o controle aduaneiro sobre as mercadorias de origem estrangeiras transportadas no navio ocorrerá da seguinte forma, conforme disposição do artigo 5º da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 137 de 23 de novembro de 1998: (i) os produtos alimentícios destinados aos passageiros e tripulantes deverão ser depositados em compartimento próprio e retirados de acordo com as necessidades de consumo; (ii) por sua vez, o comandante do navio deverá manter um registro diário do estoque dos produtos destinado à venda, que permita à autoridade aduaneira identificar o movimento ocorrido no período, ou seja, o saldo inicial, entradas, saídas e saldo final.

Ainda, na necessidade de ressuprimento dos produtos enquanto o navio permanecer em território brasileiro, ou seja, havendo a necessidade de reabastecer o estoque das mercadorias, haverá as seguintes possibilidades, previstas no artigo 6º da mesma Instrução: (i) tratando-se de mercadoria importada, esta será transferida do porto para o navio sob o regime de admissão temporária, ou seja, aplicando-lhe a suspensão de tributos como se estas tivessem adentrado ao país juntamente com a embarcação; (ii) tratando-se de mercadoria nacional, o embarque será acompanhado da nota fiscal, sendo importante aqui mencionar que referida venda não é considerada uma operação de exportação nem de importação.

Nos termos do artigo 9º da Instrução Normativa RFB nº 137, terminada a temporada, a saída definitiva da embarcação está condicionada à apresentação do relatório do registro diário do estoque dos produtos destinados à venda juntamente com o Documento de Arrecadação de Tributos e Contribuições Federais – DARF – comprobatória de recolhimento de todos os tributos incidentes na atividade. A autorização de saída da embarcação do país fica condicionada, portanto, a apresentação dos documentos acima mencionados na unidade aduaneira que jurisdicione o porto onde ocorrer a última escala do navio no Brasil, com destino ao exterior.

Para as mercadorias importadas e comercializadas a bordo do navio enquanto este permaneceu em território nacional haverá a incidência de (i) Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros; (i) Imposto sobre Produtos Industrializados; e (iii) PIS/COFINS – Importação.

O Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros terá como base de cálculo o valor aduaneiro da mercadoria, conforme determina o artigo 2º, parágrafo 2ª alínea b da Instrução Normativa número 137 de 1998.

Por valor aduaneiro entende-se o custo da mercadoria acrescido do custo de transporte, custos relativos à carga, bem como os relativos ao seguro, de acordo com o artigo 8º, parágrafos 1º e 2º do Acordo de Valoração Aduaneira do GATT, promulgado pelo Decreto no 1.355/1994, além da Norma de Aplicação sobre a Valoração Aduaneira de Mercadorias, em seu artigo 7º, internalizada pelo Decreto nº 6.870, de 4 de junho de 2009. Essas disposições resultaram na criação pela Receita Federal do Brasil, da Instrução Normativa nº 327 de 09 de maio de 2003, a qual dispõe sobre normas e procedimentos para a declaração e o controle do valor aduaneiro de mercadoria, e determina em seu artigo 4º:

Art. 4º: Na determinação do valor aduaneiro, independentemente do método de valoração aduaneira utilizado, serão incluídos os seguintes elementos:

I - o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;

II - os gastos relativos a carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas, até a chegada aos locais referidos no inciso anterior; e

III - o custo do seguro das mercadorias durante as operações referidas nos incisos I e II.

Por sua vez, as alíquotas são diversas, de acordo com o produto importado e de acordo com os valores estabelecidos da Tarifa Externa Comum, conforme já mencionado, quando analisamos o Imposto sobre a Importação de produtos estrangeiros.

Ademais, a Instrução Normativa RFB nº 137 de 23 de novembro de 1998 ainda estipula, em seu artigo 2º, parágrafo 4º que o recolhimento será feito mediante Documento de Arrecadação de Tributos e Contribuições Federais (DARF), sob o Código de Receita número 7730.

 Portanto, levando em consideração a dificuldade em fiscalizar toda a atividade de importação e consequente incidência do imposto de importação em embarcações situadas em território nacional para fins de cabotagem, a Receita Federal do Brasil valeu-se do regime aduaneiro especial de admissão temporária.

Esse regime tem por finalidade suspender, total ou parcialmente, a tributação do imposto de importação até a saída definitiva da embarcação do território nacional. Nesta ocasião, em especial, considera-se ocorrido o fato gerador no momento do registro da declaração de admissão temporária.

Para tanto, o representante legal deverá manter um registro diário do estoque dos produtos destinado à venda, que permita à autoridade aduaneira identificar o movimento ocorrido no período em que a embarcação permanecer em território nacional.

Finda a temporada, o representante legal deverá apresentar o registro diário do estoque dos produtos destinados à venda juntamente com a DARF comprobatória do recolhimento dos tributos incidentes.

Apresentada a documentação, a Autoridade Aduaneira que jurisdicionar o porto onde ocorrer a última escala do navio no Brasil deverá autorizar a saída definitiva da embarcação do território nacional.


CONCLUSÃO

Os cruzeiros marítimos internacionais em território brasileiro têm se destacado na economia. A normatização dessa atividade é relativamente recente, uma vez que a Emenda Constitucional nº 07, que legitimou a exploração da atividade de cabotagem por empresas estrangeiras, é de 1995.

Diante desse crescimento, surge uma série de reflexões acerca das relações que se estabelecem no interior de um cruzeiro marítimo e que podem acarretar na ocorrência de diversos fatos geradores e, como consequência, em tributação pelo Fisco brasileiro.

Isso porque, além do transporte de passageiros, instauram-se na atividade de cabotagem diversas relações comerciais que envolvem, por exemplo, a venda de produtos estrangeiros em território nacional.

Para ocorrência do fato gerador do imposto de importação sobre produtos estrangeiros é necessária a entrada de mercadoria importada no território nacional. Em se tratando de cruzeiros marítimos, é indispensável aprofundar a análise do que é considerado território nacional para fins de regime aduaneiro.

Para tanto, é preciso valer-se das considerações jurídicas no âmbito do direito marítimo para definir a extensão do território nacional dentro dos limites do Mar Territorial.  

Doutrinadores defendem a ideia de que o Alto Mar vem se tornando um espaço cada vez mais reduzido, tendo em vista o interesse do Estado em ampliar cada vez mais seu território marítimo, a fim de fortalecer sua soberania naquele território. O Brasil, por exemplo, vem pleiteando a extensão dos limites de sua Plataforma Continental perante a Comissão de Limites das Nações Unidas e essa extensão recebeu o nome de Amazônia Azul.

Ademais, o Decreto nº 6.759 de 2009 delimita o território aduaneiro e a jurisdição aduaneira. Entretanto, limita o território aduaneiro ao território nacional incluindo o espaço terrestre e as águas territoriais. Ocorre que essa definição ainda não contém um posicionamento claro acerca da limitação as águas territoriais e, dessa forma, é necessário valer-se das disposições do artigo 5º da Lei nº 8.617 de 1993.

Compreendida a dificuldade em determinar o espaço tributável no território marítimo, bem como a fiscalização dentro desse limite, a Receita Federal do Brasil instituiu Regimes Aduaneiros Especais.

Os Regimes Aduaneiros Especiais têm diversas finalidades, como: instituir benefícios, facilitar a entrada de bens estrangeiros no país e o controle acerca da tributação. O Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 6.759 de 05 de fevereiro de 2009 – instituiu uma série de regimes especiais e, dentre eles, o Regime de Admissão Temporária.

O Regime de Admissão Temporária permite a importação de bens que devam permanecer no país durante prazo fixado, com suspensão total ou parcial do pagamento de tributos. É, portanto, a medida adotada pela Receita Federal do Brasil para a tributação das atividades de cabotagem.

No Regime de Admissão Temporária, somente serão tributáveis mercadorias que forem comercializadas no interior do navio enquanto este permanecer em território nacional. Ou seja, não haverá tributação dos produtos que ingressarem e saírem do país sem serem comercializados.

Dessa forma, o armador estrangeiro deverá informar à Receita Federal do Brasil um representante legal, na qualidade de pessoa jurídica, bem como informar a chegada da embarcação estrangeira em território nacional com antecedência mínima de seis horas. Chegada a embarcação, a Autoridade Aduaneira fará a visita, sendo que nessa ocasião deverá ser entregue o Registro de Inventário de todas as mercadorias a bordo. Feito isso, inicia-se o despacho aduaneiro e consequente desembaraço, que é a liberação da mercadoria.

A partir de então, as mercadorias transportadas no navio e destinadas à venda deverão ser objeto de registro diário do estoque com a finalidade de permitir que a Autoridade Aduaneira possa identificar o saldo inicial, entradas, saídas e saldo final.

Com o fim da temporada, deve ser apresentado à Receita Federal do Brasil o relatório de registro diário do estoque de produtos importados e destinados à venda, bem como a guia comprobatória de recolhimento de todos os tributos incidentes na atividade, sendo que a saída da embarcação do país é condicionada a apresentação desses documentos à unidade aduaneira onde ocorrer a jurisdição do porto em que a embarcação fizer sua última escala, com destino ao exterior.

Portanto, levando em consideração a dificuldade em fiscalizar e controlar os limites territoriais, bem como toda a atividade de importação que ocorre dentro de uma embarcação, a Receita Federal do Brasil valeu-se de um regime diferenciado de tributação, com vistas a facilitar o controle da sua fiscalização e, também, do próprio sujeito ativo da obrigação tributária que deverá efetuar o registro pormenorizado da movimentação das mercadorias importadas destinadas à venda.


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Notas

[1] BRASIL. Ministério da Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF. Função Social dos Tributos. 4ª Ed. Brasília: ESAF, 2009, p. 07.

[2] BALEEIRO, Aliomar. Cinco aulas de finanças e política fiscal. São Paulo. São Paulo: Bushatsky, 1975, p. 229.

[3] BRASIL. Ministério da Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF. op. cit., p. 07.

[4] BENEMANN, Saul Nichele. Compêndio de Direito Tributário e Ciência das Finanças. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 50.

[5] BRASIL. Ministério da Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF. op. cit., p. 09.

[6] BENEMANN, Saul Nichele. op. cit., p. 34.

[7] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 1992, p. 242.

[8] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 52.

[9] CORDEIRO, Rodrigo Aiache. Princípios Constitucionais Tributários. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p.15.

[10] Ibid., p. 46

[11] MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 1ª Ed. São Paulo: RT, 1989, p. 15.

[12] Ibid., p. 39.

[13] CORDEIRO, Rodrigo Aiache. op. cit., p. 100.

[14] MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 62

[15] CORDEIRO, Rodrigo Aiache. op. cit., p. 100 - 101.

[16] CARRARA, 2004, p. 174 apud CORDEIRO, Rodrigo Aiache. op. cit., p. 111.

[17] Ibid., p. 111.

[18] SABBAG, Eduardo. op. cit., p. 1119

[19] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 305.

[20] Site da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (ABREMAR). Disponível em: <http://www.abremar.com.br/down/fgv2011.pdf>. Acesso em 29/03/2014.

[21] Ibid.                            

[22] Ibid.

[23] Site da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (ABREMAR). Disponível em: <http://www.abremar.com.br/down/fgv2011.pdf>. Acesso em 29/03/2014.

[24] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 297.

[25] ATALIBA, Geraldo. Hipóteses de incidência tributária. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros. p. 67.

[26] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 103.

[27] SABBAG, Eduardo. op. cit., p. 403.

[28] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32º Ed. São Paulo: Malheiros. 2011. p. 300 e 301.

[29] SABBAG, Eduardo. op. cit., p. 409.

[30] Ibid., p. 409.

[31] SABBAG, Eduardo. op. cit., p. 1119

[32] SABBAG, Eduardo. op. cit., p. 1119

[33] SABBAG, Eduardo. op. cit., p. 1120.

[34] Ibid., p. 1122.

[35] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 102.

[36] Site da Marinha do Brasil. Disponível em: <http://www.mar.mil.br/menu_v/amazonia_azul/html/definicao.html>. Acesso em 09/01/2014.

[37] MELLO, Celso D. de Albuquerque.  Alto-mar. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 04

[38] Site da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (ABREMAR). Disponível em: <http://www.abremar.com.br/down/fgv2011.pdf>. Acesso em 09/01/2014.

[39] Site da Receita Federal do Brasil. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/procaduexpimp/despaduimport.htm>. Acesso em 03/11/2013.


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SANTANA, Nathalia Roccia de. A tributação do imposto de importação sobre produtos estrangeiros nos cruzeiros marítimos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4262, 3 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32065. Acesso em: 24 abr. 2024.