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Responsabilidade penal das pessoas jurídicas em face da teoria finalista do delito e o ordenamento jurídico brasileiro

Responsabilidade penal das pessoas jurídicas em face da teoria finalista do delito e o ordenamento jurídico brasileiro

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O presente estudo objetiva analisar a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas através da Teoria Finalista do Delito e seus consequentes elementos estruturantes.

1 INTRODUÇÂO

O estudo em análise versará sobre a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas à luz da Teoria Finalista do Delito e sua relação com o ordenamento jurídico brasileiro.

O tema-problema, que aqui será proposto, reside em saber se: Podem as pessoas jurídicas ser responsabilizadas penalmente no ordenamento jurídico brasileiro em face da Teoria Finalista do Delito?

 Para respondermos se é possível ou não, utilizaremos a Teoria Finalista do Delito como nosso marco-teórico, verificando os conceitos de ação, tipo, dolo, culpa, tipicidade, ilicitude e culpabilidade na aludida teoria.

Por conseguinte, a partir da aludida teoria, nosso marco-teórico, apresentaremos nossa hipótese, ou seja, a resposta possível ao problema proposto.

Assim, em nossa hipótese, constataremos que os conceitos e princípios principalmente no que tange aos elementos do crime na Teoria Finalista do Delito, quais sejam, ação, tipo, dolo, culpa, tipicidade, ilicitude e culpabilidade, não podem ser utilizados para incriminar as pessoas jurídicas, dada a dicotomia existente entre a natureza de tais entes e a teoria analisada.

No que se refere ao objetivo geral do presente estudo, analisaremos se as pessoas jurídicas podem cometer crimes em nosso ordenamento jurídico considerando a Teoria Finalista do Delito, enquanto que nos objetivos específicos verificaremos se, a) As pessoas jurídicas são capazes de agir; b) As pessoas jurídicas são capazes de atuar com dolo ou culpa; c) O conceito de imputabilidade é adequado às pessoas jurídicas; d) As pessoas jurídicas diante de uma ação delituosa podem agir de forma diversa a não praticá-la.

Por outro lado, temos que nossa pesquisa é de cunho eminentemente bibliográfico, pois fizemos uso das principais obras da doutrina jurídica disponíveis sobre o tema.

Além disso, nossa pesquisa pode ser classificada inicialmente como teórica, pois utilizamos teorias jurídicas para o desenvolvimento do estudo e, posteriormente como dogmática, posto que analisamos as especificidades do ordenamento jurídico brasileiro para o desenvolvimento da pesquisa.

Já o raciocínio utilizado foi o dedutivo, visto que usamos algumas premissas existentes para dar uma resposta provisória ao tema e, por fim, consultamos fontes primárias, textos de lei e secundárias, principais obras existentes sobre o tema, para elaborar o presente estudo.

De outra feita, no que tange ao conteúdo do presente estudo, percebemos que o segundo capítulo tratará da Teoria Finalista elaborada por Hans Welzel e suas críticas aos sistemas do Causalismo e Neokantismo, faremos uma breve evolução partindo primeiramente do Causalismo, em segundo plano o Neokantismo até chegarmos ao Finalismo de Welzel. Vencida tal etapa, passaremos a analisar os métodos utilizados por tais sistemas para explicar suas concepções de ação, como o sistema Causal-naturalista proposto pelo Causalismo, o dualismo metodológico preconizado pelo Neokantismo e o lógico-real defendido pelo Finalismo, analisaremos também, o que é ação para o Finalismo, bem como analisaremos cada elemento do conceito analítico e Finalista de crime, sendo eles, ação, tipo, dolo, culpa, tipicidade, ilicitude e culpabilidade.

No terceiro capítulo abordaremos duas das principais teorias existentes para definir o que é a pessoa jurídica, sendo elas a Teoria da Ficção de Savigny e a Teoria da Realidade de Otto Gierke. Nesse capítulo, adotaremos uma dentre essas teorias para que possamos analisar a partir da natureza das pessoas jurídicas se elas seriam capazes de cometer crimes. O que podemos adiantar é que adotaremos no presente estudo a Teoria da Ficção de Savigny, tendo em vista que esta melhor se amolda às peculiaridades do Finalismo.

Posteriormente, no quarto capítulo apresentaremos a discussão existente na doutrina brasileira acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, traremos os principais argumentos favoráveis à responsabilização, como também, os principais argumentos contrários e, ressalta-se, que também faremos uma análise desses entendimentos à luz dos princípios penais da personalidade das penas e responsabilidade penal objetiva.

Por fim, no quinto e último capítulo faremos a conclusão do presente estudo a partir da teoria, conceitos, princípios e dispositivos legais estudados para então, afirmar se as pessoas jurídicas podem cometer crimes em nosso ordenamento jurídico e, consequentemente se podem ser responsabilizadas por eles.

2 TEORIA FINALISTA DO DELITO

Hans Welzel jusfilósofo alemão ao analisar os sistemas existentes em sua época, Causalismo e Neokantismo, vislumbrou inúmeras falhas em tais sistemas, o que lhe fez criar o sistema Finalista para tentar suprir as lacunas que ele afirmava existir tanto no Causalismo quanto no Neokantismo.

Por tal motivo, faremos breves comentários e traremos algumas das principais críticas de Hans Welzel aos aludidos sistemas.

O primeiro deles é o Causalismo que teve como um de seus precursores Von Liszt[1], que citado por Zaffaroni e outros (2010), afirma que ação para o Causalismo é:

[...] a realização de uma mudança no mundo exterior atribuível a uma vontade humana. A esta mudança chamamos resultado. Sua realização é atribuível à vontade humana quando resulta do movimento corpóreo voluntário. Assim, o conceito de ação se divide em duas partes: de um lado o movimento corpóreo e do outro o resultado, reunidos ambos pela relação de causa e efeito. (ZAFFARONI, et al. 2010, p.84, itálico no original).

Welzel (2011), criticando tal sistema, afirma, em síntese, que o Causalismo entendia ação como um simples agir capaz de exteriorizar a vontade, nos ensinando que ação para o Causalismo é:

[...] o mero processo causal que desencadeia a vontade (o “impulso voluntário”, ou a “enervação”) no mundo exterior (=efeito da vontade), independentemente de que o autor o tenha querido ou possa sequer prevê-lo (=conteúdo da vontade). (WELZEL, 2011, p.40).

Posteriormente, Welzel (2011), afirma que o principal defeito do Causalismo se refere à desconstituição da vontade, querer, e a redução da ação a um ato voluntário qualquer e que, por conseguinte, seria exteriorizado, o que Welzel (2011) rechaçou de plano, e consequentemente afirmou:

O defeito fundamental da teoria da ação causal consiste no fato de que não apenas desconhece a função absolutamente constitutiva da vontade, como fator de direção da ação, mas também destrói e converte a ação em um mero processo causal desencadeado por um ato voluntário qualquer (“ato voluntário”). (WELZEL, 2011, p.41, itálico no original).

De mais a mais, Luiz Régis Prado, ao traduzir “O Novo Sistema Jurídico-Penal” de Welzel (2011), inseriu importantes comentários em tal obra, sendo que, o primeiro que usaremos no presente estudo refere-se ao conceito de ação para o Causalismo.

Então, Prado[2], afirma que para o Causalismo ação é simplesmente:

[...] todo movimento corporal causado por um ato voluntário, e se entendia, a esse respeito, por “voluntário” todo ato “que, livre da pressão mecânica ou psicológica, esteja motivado por representações”. (WELZEL, 2011, p.40).

O que Welzel (2011), também não concorda, pois conforme veremos, ao tratarmos da ação no Finalismo, nem todo ato voluntário é capaz de se tornar uma ação e via de consequência provocar modificação no mundo exterior.

Por tais argumentos Welzel (2011), sobre o Causalismo, aduz que:

A doutrina da ação causal é, portanto, insuficiente para explicar o elemento decisivo da antijuridicidade dos delitos culposos: pois, como se poderiam encontrar nas ações os critérios decisivos para o valor ou desvalor da ação, se consideradas unicamente como processos causais desencadeados por um ato voluntário e não observada a sua direção concreta? (WELZEL, 2011, p.45, itálico no original).

Dessa forma, constata-se que o Causalismo entende ação como um simples agir humano desprovido de qualquer finalidade, o que seguramente motivou as críticas de Welzel (2011).

Lado outro, acerca dos elementos do conceito analítico de crime e suas concepções Causalistas, Greco (2000) faz importante apanhado:

[...] O tipo compreende os elementos objetivos e descritivos; a antijuridicidade, o que houver de objetivo e normativo; e a culpabilidade, o subjetivo e descritivo. O tipo é a descrição objetiva de uma modificação no mundo exterior. A antijuridicidade é definida formalmente, como contrariedade da ação típica a uma norma do direito, que se fundamenta simplesmente na ausência de causas de justificação. E a culpabilidade é psicologicamente conceituada como a relação psíquica entre o agente e o fato. (GRECO, 2000, p.02).

Diante disso, os ditames do Causalismo para Welzel (2011), são incabíveis para se analisar o que, verdadeiramente, pode ser considerado agir humano, ou seja, ação e, posteriormente analisarmos os elementos constitutivos do delito.

De outra feita, Welzel (2011), também criticou o Neokantismo, outro sistema que tentou explicar o que é ação, todavia, para Welzel, sem êxito.

O Neokantismo, que Welzel também chamou de Causalista, ditava peculiaridades acerca da ação que até então no Causalismo de Liszt não se tinha visto.

Greco (2000), acerca do que é o Neokantismo nos ensina que; “O neokantismo parte do pressuposto que o mundo da realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicáveis, não havendo a menor relação entre eles (dualismo metodológico)”. (GRECO, 2000, p.04).

Analisando a obra de Greco (2000), constata-se que o Neokantismo coloca de um lado a realidade/sociedade, e de outro, o direito, antagonismo este, que é inconcebível, o que faz o mesmo Greco (2000) asseverar que “[...] acaba-se esquecendo que o direito está em constantes relações com a realidade, e que a realidade também influi sobre o direito, mais: que direito e realidade se interpenetram e confundem”. (GRECO, 2000, p.04).

Greco (2000), afirma que o Finalismo busca, exatamente, romper com esse dogma de que o direito e a realidade estão em campos opostos, ideia esta que consagrou o sistema chamado de dualismo metodológico que posteriormente será analisado no presente estudo.

Importante ressaltar, que diferentemente do dualismo metodológico do Neokantismo, Welzel parte das estruturas lógico-reais para definir o que realmente pode ser entendido como ação, estruturas estas que também serão analisadas em linhas posteriores do presente estudo.

Ressalta-se, além das perspectivas supra, os reflexos dos ideais Neokantistas na teoria geral do delito, conforme afirma Bitencourt (2010):

O neokantismo procura, metodologicamente, reconciliar os conceitos de direito positivo e direito ideal, com Direito e justiça. Stammler destacou, como esclarece Andrei Zenkner Schmidt, a idéia de que a ciência jurídica opera a partir de um querer, ou seja, a partir de um método desenvolvido que resulta da relação entre meio e fim, em que temporalmente ulterior (o fim) é condicionante do temporalmente anterior (o meio). Por isso, ao lado das ciências naturais, mas independentemente delas, o Direito deve promover e construir uma ciência dos fins humanos. Em outros termos, o direito deve apreender e orientar unitariamente os seus fins, de acordo com um plano constante e claro. (BITENCOURT, 2010, p.234, itálico no original).

Nesta mesma esteia de raciocínio, Bitencourt (2010) em sua obra destaca as rupturas e alterações que o Neokantismo provocou na teoria geral do delito existente até aquele momento, consubstanciada em dogmas naturalísticos que eram fruto do Causalismo e por este motivo para Bitencourt (2010), o Neokantismo:

Substituiu a coerência formal de um pensamento jurídico circunscrito em si mesmo por um conceito de delito voltado para os fins pretendidos pelo Direito Penal, e pelas perspectivas valorativas que o embasam (teoria teleológica do delito). Como afirma Jescheck, “o modo de pensar próprio desta fase veio determinado de forma essencial pela teoria do conhecimento do Neokantismo (Stammler, Rickert, Lask) que, junto ao método científico-naturalístico do observar e descrever restaurou a metodologia própria das ciências do espírito, caracterizada pelo compreender e valorar”. (BITENCOURT, 2010, p.235, itálico no original).

Ademais, Bitencourt (2010), ao se referir ao Neokantismo, afirma que foram drásticas as alterações provocadas por tal sistema nos elementos do conceito clássico de delito.

O primeiro deles seria o conceito de ação anteriormente apresentado sob as perspectivas de Greco (2000), e agora nas palavras de Bitencourt (2010), sendo que:

[...] todos os elementos do conceito clássico de crime sofreram um processo de transformação, a começar pelo conceito de ação, cuja concepção, puramente naturalística, constituía o ponto mais frágil do conceito clássico de crime, especialmente nos crimes omissivos, nos crimes culposos e na tentativa [...]. (BITENCOURT, 2010, p.235-236, itálico no original).

Para o aludido doutrinador a tipicidade também sofreu alterações significativas com o advento do Neokantismo, veja-se:

A tipicidade, por sua vez, com o descobrimento dos elementos normativos, que encerram um conteúdo de valor, bem como o reconhecimento da existência dos elementos subjetivos do tipo, afastaram definitivamente uma concepção clássica do tipo, determinada por fatores puramente objetivos. (BITENCOURT, 2010, p.235-236, itálico no original).

Além disso, a ilicitude[3] também sofreu alterações como mesmo afirma Bitencourt (2010):

A antijuridicidade, igualmente, que representava a simples contradição formal a uma norma jurídica, passou a ser concebida sob um aspecto material, exigindo-se uma determinada danosidade social. Esse novo entendimento permitiu graduar o injusto de acordo com a gravidade da lesão produzida. Dessa forma, onde não houver lesão de interesse algum, o fato não poderá ser qualificado de antijurídico. (BITENCOURT, 2010, p.235-236, itálico no original).

Bitencourt (2010), afirma ainda, que a culpabilidade também tomou rumos diferentes com as concepções desse sistema:

A culpabilidade, finalmente, também passou por transformações nesta fase teleológica, recebendo de Frank “a reprovabilidade”, pela formação da vontade contrária ao dever, facilitando a solução das questões que a teoria psicológica da culpabilidade não pode resolver. (BITENCOURT, 2010, p.235-236, itálico no original).

Por fim, em um apanhado geral no que tange a tais mudanças Bitencourt (2010) arremata que:

[...] o neokantismo patrocinou a reformulação do velho conceito de ação, atribuindo nova função ao tipo penal, além da transformação material da antijuridicidade e a redefinição da culpabilidade, sem alterar, no entanto, o conceito de crime, como a ação típica, antijurídica e culpável. (BITENCOURT, 2010, p.236, itálico no original).

Estes foram, portanto, breves comentários acerca dos sistemas que antecederam o Finalismo de Welzel.

Ao analisarmos as peculiaridades desses sistemas, percebemos que foram inúmeras as transformações ao longo das passagens do Causalismo para o Neokantismo, bem como, as diferentes estruturas utilizadas por tais sistemas para definir ação. O Causalismo utiliza-se de uma estrutura naturalista, o Neokantismo de uma estrutura chamada de dualismo metodológico e por fim, o Finalismo que fará uso das estruturas lógico–reais, todas estas que serão estudadas em tópico apartado.

Dessa forma, Greco (2000) afirma, justamente, que o Finalismo de Welzel, tem como ponto crucial o rompimento dos dogmas Neokantistas afirmando que:

O sistema finalista tenta superar o dualismo metodológico do neokantismo, negando o axioma sobre o qual ele assenta: o de que entre o ser e o dever ser existe um abismo impossível de ultrapassar. A realidade, para o finalista, já traz em si uma ordem interna, possui uma lógica intrínseca: a lógica da coisa (Sachlogik). O direito não pode flutuar nas nuvens do dever ser, vez que o que vai regular é a realidade. (GRECO, 2000, p.05, itálico no original).

Desta feita, Welzel (2011) no que tange à necessidade de se adotar o Finalismo e não os sistemas alhures citados afirma criticando o Causalismo que:

A doutrina finalista, ao conceber a ação humana como uma obra pode compreender os dois aspectos da ação, o do ato e o do resultado (o valor ou o desvalor da ação e do resultado), enquanto a doutrina da ação causal pode explicar apenas a causação do resultado, mas não a execução da ação. (WELZEL, 2011, p.54).

Ressalta-se, que Bitencourt (2010) no que tange ao Causalismo assevera que:

[...] se o tipo for reduzido à causalidade, a distinção entre a autoria e participação ficaria reduzida a vagas, deficientes e incertas considerações de culpabilidade e de medição da pena, com sérios riscos ao dogma da responsabilidade penal subjetiva. (BITENCOURT, 2010, p.240).

No que se refere às criticas de Welzel ao Neokantismo Bitencourt (2010) faz a seguinte exposição:

Com efeito, Welzel desenvolveu sua doutrina finalista (entre 1930 e 1960) – como resume Andrei Schmidt – baseado no método fenomenológico de investigação, sustentando a formulação de um conceito pré-jurídico de pressupostos materiais (dentre os quais a conduta humana) existentes antes da valoração humana e, por isso, precedentes a qualquer valoração jurídica: para contrapor-se ao subjetivismo epistemológico do neokantismo, afirma Welzel que não é o homem, com a colaboração de suas categorias mentais, quem determina a ordem do real, mas sim o próprio homem que se encontra inserido numa ordem real correspondente a estruturas lógico-objetivas (não subjetivas). (BITENCOURT, 2010, p.238, itálico no original).

Por fim, Greco (2000) ao analisar os dizeres de Welzel sobre o conceito de ação e os elementos do crime, assevera primeiramente que o tipo passa a ter caráter mais efetivo no Finalismo passando a descrever realmente a ação proibida e o dolo passa a integrar o tipo, por tais motivos Greco (2000) afirma:

O tipo torna-se a descrição de uma ação proibida – deixa de ser um tipo de injusto, tipificação de antijuridicidade, para tornar-se um tipo indiciário, no qual se enxerga a matéria de proibição (Verbotsmatiere). Como só se podem proibir ações finais, o dolo integra o tipo. Da mesma forma que os tipos são vistos formalmente, como meras normas proibitivas, também as causas de justificação não passam de tipos permissivos. E como têm por objeto ações finalistas, surge a exigência do elemento subjetivo de justificação. (GRECO, 2000, p.05, itálico no original).

Sobre o tipo, Greco (2000) faz importante afirmação: “[...] o dolo deva pertencer ao tipo: o dolo é o nome que recebe a finalidade, é a valoração jurídica que se faz sobre esta estrutura lógico-real, assim que ela se dirija à realização de um tipo”. (GRECO, 2000, p.05).

A ilicitude passa a preocupar-se com o valor ou desvalor da ação que objetiva um fim, o que nos dizeres de Greco (2000) é:

O ilícito, materialmente, deixa de centrar-se no dano social, ou ao bem jurídico, para configurar um ilícito pessoal (personales Unrecht), consubstanciado fundamentalmente no desvalor da ação, cujo núcleo, por sua vez, é a finalidade. (GRECO, 2000, p.05-06).

Já a culpabilidade passa a cumprir o papel de verificar se aquele indivíduo que praticou determinada ação poderia agir de forma diversa a não praticá-la, que nos dizeres de Greco (2000):

A culpabilidade, por sua vez torna-se juízo de reprovação calcado sobre a estrutura lógico-real do livre arbítrio, do poder agir de outra maneira. O homem, por que capaz de comportar-se de acordo com o direito é responsável quando não age dessa forma. (Greco, 2000, p.06, grifo nosso).

Desta feita, vencidas as breves exposições acerca dos sistemas do Causalismo e do Neokantismo, bem como apresentadas as críticas do Finalismo a eles, passaremos a analisar os marcos teóricos que foram utilizados para embasar os aludidos sistemas.

2.1 Questões Metodológicas

Os marcos teóricos que nos referiremos no presente tópico consistem naqueles que embasam o Causalismo (causal-naturalístico), o Neokantismo (dualismo metodológico) e Finalismo (lógico-reais).

O primeiro deles é o Causal-naturalístico utilizado pelo Causalismo para explicar o agir humano (ação). Insta ressaltar, que o aludido marco tem como fonte o positivismo jurídico e utilizou das ciências naturais para explicar algumas das questões postas pela sociedade até aquele momento.

Dessa forma, o marco Causal-naturalístico, conforme Olivé e outros (2011) tinha como fundamento o ideal de que o delito arrimava-se em uma ação e aqui, entendendo ação como um movimento corporal que produz uma modificação no mundo material que pode ser percebido pelos sentidos. (OLIVÈ, et al, 2011, p.139).

Tal sistema conforme podemos perceber não versava sobre quaisquer finalidades da ação humana e por isso foi tão criticado por Welzel.

Nos dizeres de Bitencourt (2009) o sistema Causal-naturalístico se fundava na: [...] “utilização de um método descritivo/classificatório que excluía o filosófico e os juízos de valor, e limitando seu objeto ao Direito Positivo”. (BITENCOURT, 2009, p. 68).

Cirino dos Santos (2007), afirma que o modelo Causal possuía uma estrutura exclusivamente objetiva, e determinaria o resultado da ação como uma forma sem conteúdo, pois ela estaria afastada da vontade consciente do autor, pois no Causalismo o dolo pertencia à Culpabilidade, e por tal motivo, o caráter voluntário da ação pressupunha apenas a ausência de coação física absoluta enquanto o resultado, ou seja, a modificação no mundo exterior seria apenas elemento constitutivo do conceito e, por esse motivo não existiria ação sem resultado. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.82).

Já o marco-teórico utilizado pelo Neokantismo, dualismo metodológico, é um contraponto ao sistema Causal-naturalístico, embora Welzel também o tenha chamado de Causalista, acerca desta afirmação Greco (2000) faz importante comentário, in verbis:

Em virtude da crítica finalista, que reuniu ambos os sistemas neokantiano e naturalista sob o mesmo rótulo, de causalistas, chegou-se mesmo a desprezar a capacidade de rendimento do método referido a valores, acusando-o de não passar de um aprofundamento nos dogmas do positivismo, incapaz de resolver sem atritos problemas como o da tentativa. (GRECO, 2000, p.04).

Acerca das principais características do dualismo metodológico Prado (2011) nos ensina que:

[...] os juízos de valor e os juízos de existência pertencem a dois mundos completamente independentes que vivem lado-a-lado um do outro, mas sem se penetrarem reciprocamente. E é esta consideração que está na base daquilo a que chamamos dualismo metodológico. (PRADO, 2011, p.115-116, itálico no original).

Portanto, da análise do referido entendimento percebemos que o dualismo metodológico traça uma linha tênue entre o ser e o dever ser, ou seja, entre a sociedade e o direito e ainda é capaz de afirmar que o direito e a sociedade não se interpenetram.

Percebemos a partir dos ensinamentos de Prado (2011), que a metodologia utilizada pelo aludido sistema refere-se a uma espécie de metodologia valorativa, ou seja, ligada a valores e ainda, tem uma concepção do direito ligada estritamente à justiça - o direito como forma de realização da justiça, (PRADO, 2011, p.116).

Por fim, analisaremos algumas peculiaridades dos marcos lógico-reais que foram utilizados por Welzel para afastar as concepções Causais-naturalísticas e o dualismo metodológico do direito penal.

Welzel baseou-se no sistema ôntico-ontológico para elaborar o conceito Finalista de Ação, pelo que Zaffaroni e Pierangeli (2008) nos ensinam que “o conceito ôntico-ontológico de conduta é o conceito cotidiano e corrente que temos da conduta humana”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.354).

Ressalta-se, que tal estrutura funda-se no caráter lógico da coisa, como Greco (2000) mesmo preleciona: “A realidade, para o finalista, já traz em si uma ordem interna, possui uma lógica intrínseca: a lógica da coisa (Sachlogik)”. (GRECO, 2000, p.4).

E é justamente nesta lógica que o direito penal está inserido, ou seja, a forma que o ser humano manifesta-se nas situações do dia-a-dia, partindo de um fim mentalmente proposto para então, pelo menos, tentar atingir um resultado, o que corrobora com a afirmação de Greco (2000): “O homem só age finalisticamente; logo, se o direito quer proibir ações, só pode proibir ações finalistas”. (GRECO, 2000, p.5).

Daí é que Zaffaroni e Pierangeli (2008) nos ensinam que:

O direito em geral – e o direito penal em particular – limita-se a agregar um desvalor jurídico a certas condutas, mas em nada muda o ôntico da conduta. Isto significa que o direito penal não pode criar um conceito de conduta e, sim deve respeitar o conceito ôntico-ontológico. Não há um conceito jurídico-penal de conduta humana: o suposto conceito jurídico penal de conduta deve coincidir com o ôntico-ontológico [...] (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p. 354, itálico no original).

Dessa forma, temos que os dados ônticos são a expressão da essência do agir humano que propositalmente sempre estaria ligado a um fim, daí o ideal finalista de que não há conduta se nela não há vontade/finalidade o que exatamente difere o finalismo dos outros sistemas e as estruturas lógico-reais das estruturas aqui analisadas.

2.2 Ação humana no Finalismo

Após breve exposição acerca do surgimento do Finalismo e seus principais aspectos, abordaremos a seguir as características e peculiaridades da ação em tal sistema.

Antes de adentrarmos no cerne do conceito de ação para o Finalismo importante trazer à baila lição de Cirino dos Santos (2007), qual seja:

O conceito de ação, como fundamento psicossomático do conceito de crime, ou substantivo qualificado pelos adjetivos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, representa fenômeno exclusivamente humano, inconfundível com o conceito de ação institucional atribuído à pessoa jurídica, segundo qualquer teoria: a) para o modelo causal, a ação seria comportamento humano voluntário; b) para o modelo final, a ação é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim; c) para o modelo social, a ação representa comportamento humano de relevância social dominado ou dominável pela vontade, d) para o modelo pessoal, a ação constitui manifestação da personalidade. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.433-434, itálico e negrito no original).

Insta salientar, que o objeto do presente estudo é a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Finalismo, o que nos incumbe verificar se o conceito finalista de ação é adequado para a responsabilização penal das pessoas jurídicas.

Inicialmente, traremos o que Welzel (2011) e seus seguidores chamam de ação para o Finalismo:

A ação é, portanto, um acontecimento final e não puramente causal. A finalidade, o caráter final da ação, baseia-se no fato de que o homem, graças ao seu saber causal, pode prever dentro de certos limites, as possíveis consequências de sua conduta, designar-lhe fins diversos e dirigir sua atividade conforme um plano, à consecução de seus fins. Graças ao seu saber causal prévio, pode dirigir seus diversos atos de modo que oriente o suceder causal externo a um fim e o domine finalisticamente.  (WELZEL, 2011, p.31).

Partindo de tal afirmativa, percebemos que para Welzel (2011), e, consequentemente para os adeptos ao Finalismo, a ação é um agir humano estritamente ligado a um fim, podendo o homem prever, dentro de suas possibilidades cognitivas, as consequências de suas ações.

De mais a mais, WELZEL (2011), afirma ainda que:

A atividade final é uma atividade dirigida conscientemente em razão de um fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido em razão de um fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existente em cada momento. A finalidade é, por isso - dito de forma gráfica- "vidente", e a causalidade "cega”. (WELZEL, 2011, p.32, grifo nosso).

Chamon Jr (2004), explicando o conceito finalista de ação proposto por Welzel, nos ensina que:

Mas o que seria ação para Welzel? Segundo o autor, ação humana seria antes de mais nada exercício de atividade final: não se trata de um acontecer somente causal, senão também orientado finalisticamente. Referida finalidade, segundo o autor, somente pode ser sustentada porque se funda na “capacidade da vontade de prever”, como se dará o acontecer causal, ainda que de uma maneira limitada. Diferente de um mero acontecimento não determinado finalisticamente – em que poderíamos constatar um fato que se desenrolou tão-somente de maneira causal – a ação humana teria a seu favor um saber causal apreendido pelo sujeito e empregado pelo mesmo na busca e na consecução do resultado. A capacidade de se determinar finalisticamente, assim, permitiria que se vislumbrasse um domínio final no mundo real. (CHAMON JR, 2004, p.16, itálico no original).

Diante destes ensinamentos iniciais, as primeiras conclusões a que podemos chegar é que para o finalismo, toda ação tem que, necessariamente, visar um fim.

Welzel (2011) ressalta que a finalidade baseia-se na capacidade da vontade que o individuo tem de prever, dentro de suas limitações, os fins nos quais suas condutas se encaixarão, desta maneira Welzel (2011):

Dado que a finalidade baseia-se na capacidade da vontade de prever, dentro de certos limites, as consequências de sua intervenção no curso causal e de dirigir, por conseguinte, este, conforme um plano, à consecução de um fim, a espinha dorsal da ação finalista é a vontade, consciente do fim, reitora do acontecer causal. Ela é o fator de direção que configura o suceder causal externo, e o converte, portanto, em uma ação dirigida finalisticamente; sem ela, ficaria destruída a ação em sua estrutura e seria rebaixada a um processo causal cego. A vontade final, como fator que configura objetivamente o acontecer real, pertence, por isso, à ação. (WELZEL, 2011, p.32).

Na mesma esteia de raciocínio de Welzel (2011), Zaffaroni e Pierangeli (2008), afirmam que: “Em razão de ser impossível a conduta sem vontade, e a vontade sem finalidade, resulta por consequência que a conduta requer sempre uma finalidade”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.359).

Continuando tais ensinamentos, Welzel (2011), oportunamente afirma que a direção final da ação ocorre em duas fases, sendo que a primeira refere-se à fase do pensamento e a segunda ocorre no mundo real ou material.

A primeira fase da ação, portanto, funciona nos dizeres de Welzel (2011) da seguinte forma:

a) a primeira transcorre completamente na esfera do pensamento. Inicia-se com:

a.1) a antecipação do (o propor-se ao) fim que o autor quer realizar. A isso se segue (a partir do fim):

a.2) a seleção dos meios necessários para a sua realização.

a.3) tem que considerar também os efeitos concomitantemente, que se encontram unidos aos fatores causais escolhidos como a consecução do fim. Esse processo mental não se realiza para trás, a partir do fim, mas, sim, para adiante, partindo do fator causal eleito como meio para os efeitos que tem ou pode ter. (WELZEL, 2011, p.32-33, itálico no original).

Ainda concernente à primeira fase da direção final da ação temos o momento em que o agente ao selecionar em sua mente os modos e meios para a realização de sua conduta, bem como após antecipar os fins que eventualmente ocorrerão se agir da forma pensada iniciará sua ação no mundo material:

De acordo com a antecipação mental do fim, a seleção dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes, o autor leva a cabo sua ação no mundo real. Põe em movimento, conforme um plano, os meios da ação anteriormente escolhidos (fatores causais), cujo resultado é o fim junto com os efeitos concomitantes que foram incluídos no complexo total a ser realizado. (WELZEL, 2011, p.33-34, itálico no original).

Por outro lado, a segunda fase, já no mundo real, é um processo que partindo do que foi pensado, ou seja, a partir da determinação dos fins e dos meios antecipados mentalmente, o agente realiza a conduta.

Welzel (2011) afinado por esse diapasão assegura que:

A segunda fase da direção final se desenvolve no mundo real. É um processo causal na realidade, dominado pela determinação do fim e dos meios na esfera do pensamento. Se não se logra o domínio final no mundo real - por exemplo, o resultado não se produz por qualquer motivo - a ação final correspondente resta apenas tentada.  (WELZEL, 2011, p.34).

Zaffaroni e Pierangeli (2008) seguindo os mesmos entendimentos de Welzel (2011), acerca de tais fases da ação, afirmam que:

Ao aspecto interno da conduta pertence à proposição de um fim (1) e a seleção dos meios para sua obtenção (2). Sempre que nos propomos a um fim retrocedemos mentalmente, desde a representação do fim, para selecionar os meios com os quais se irá pôr em marcha a causalidade para a produção do resultado querido. Nessa seleção não podemos deixar de representar também os resultados concomitantes.

Terminada essa etapa, passamos à exteriorização da conduta (aspecto externo), consistente no desencadeamento da causalidade em direção à produção do resultado (3). (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.359).

Levando em consideração, os ensinamentos alhures transcritos, significa dizer que, a base da ação para o sistema finalista de Welzel, é a finalidade que se dá à ação, sendo que, conforme este mesmo afirma, a não obtenção do fim almejado, transformará aquela conduta em uma ação apenas tentada e, por conseguinte, não concretizada no mundo exterior.

Vencida a breve exposição acerca da conduta no sistema Finalista, passaremos a abordar nas próximas linhas deste estudo, as características do tipo e da tipicidade em tal sistema.

2.3 Tipo e Tipicidade

Antes de adentrarmos no cerne do tipo penal e com o objetivo de fazer breve introdução acerca de tal elemento, importante trazer à baila entendimento de Zaffaroni e Pierangeli (2008):

O tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas). (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.383).

Bem como, necessário trazer lição de Bitencourt (2010) acerca de tais elementos:

A teoria do tipo criou a tipicidade como característica essencial da dogmática do delito, fundamentando-se no conceito causal de ação, concebida por Von Liszt. Reconhecendo, desde logo, a unidade do delito, destacamos a necessidade metodológica de distinguir suas características em tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, para facilitar o estudo. (BITENCOURT, 2010, p. 303, itálico no original).

Insta ressaltar, que o tipo penal como componente do conceito estratificado de crime, será analisado, nesse trabalho à luz do Finalismo e consequentemente, consoante os entendimentos de Welzel e seus seguidores.

Ressalta-se que Cirino dos Santos (2007) baseado no conceito de tipo criado por Beling, afirma que o conceito de tipo penal não se esgota em um só, mas sim, diante de suas particularidades pode ser definido de três formas.

Formas essas que Cirino dos Santos (2007) nos apresenta como sendo:

O conceito de tipo, introduzido por BELING na dogmática penal, pode ser definido de três diferentes pontos de vista: a) como tipo legal, constitui a descrição do comportamento proibido, com todas suas características subjetivas, objetivas, descritivas e normativas, realizada na parte especial do CP (e leis complementares); b) como tipo de injusto representa a descrição da lesão do bem jurídico, compreendendo os fundamentos positivos da tipicidade (descrição do comportamento proibido) e os fundamentos negativos da antijuridicidade (ausência de causas de justificação); c) como tipo de garantia (tipo em sentido amplo) realiza a função politico-criminal atribuída ao principio da legalidade (ar. 5º, XXXIX, CR), expressa na fórmula nullum crimen, nulla poena sine lege, e compreende todos os pressupostos da punibilidade: além dos caracteres do tipo de injusto (tipicidade e antijuridicidade), também os fundamentos de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto (culpabilidade), assim como as condições objetivas de punibilidade e os pressupostos processuais. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.103, itálico no original).

Para Welzel (2011), o tipo penal é; [...] “a matéria de proibição das disposições penais; é a descrição objetiva, material, da conduta proibida, que deve se realizar com o especial cuidado no Direito Penal”. (WELZEL, 2011, p.59).

Contudo, Prado[4], comentando tal afirmativa de Welzel (2011), afirma que:

O Direito não pode proibir a causação de um determinado resultado, mas apenas a realização de ações dirigidas ou que levem consigo a possibilidade (perigo) de lesão a um bem jurídico.

[...] O injusto criminal só fica plenamente constituído, a meu ver, quando ao desvalor da ação se acrescenta o desvalor do resultado. (WELZEL, 2011, p.59, itálico no original).

Reforçando tal posicionamento, Prado[5], arremata que:

Se o injusto criminal ficasse completamente constituído com o desvalor da ação, se estaria olvidando que este só pode se fundamentar com referência à lesão de um bem jurídico, ou seja, ao desvalor do resultado. (WELZEL, 2011, p.59).

Em que pese tais entendimentos antagônicos, qualquer deles que se adotar não interferirá no objetivo do presente estudo, no entanto, apenas a título de esclarecimento entendemos que neste pequeno embate, o entendimento de Prado que foi inserido na obra de Welzel (2011) é o mais razoável para o direito penal moderno e para abarcar os delitos culposos.

Posto que, se levarmos em consideração o entendimento de Prado abarcaremos no tipo penal não só as lesões aos bens jurídicos propriamente ditas, mas também as tentativas de lesão e as lesões causadas pela má direção da ação, ou seja, dotadas de negligência, imprudência e imperícia.

Noutro norte, continuando a caracterização do tipo penal Welzel (2011) afirma que uma ação humana será reduzida a uma conduta típica e, por conseguinte, infringirá um tipo penal quando:

Uma ação converte-se em delito se infringe a ordem da comunidade de um modo previsto em um dos tipos legais e pode ser reprovável ao autor no conceito de culpabilidade. A ação tem que infringir, por conseguinte, de um modo determinado a ordem da comunidade: tem que ser “típica” e antijurídica; e há de ser, além disso, reprovável ao autor como pessoa responsável: tem que ser “culpável”. (WELZEL, 2011, p.57, itálico no original).

Já para Bitencourt (2010), tipo é uma espécie de conjunto de elementos do fato punível e, por conseguinte descrito na lei, senão vejamos:

[...] O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que lhes corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e a ausência de um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva. (BITENCOURT, 2010, p.303-304, itálico no original).

De outra feita, continuando a caracterização do tipo penal, importante trazer para o presente estudo a diferença existente entre tipo e tipicidade, pois, estes não se confundem, pois um é a descrição legal da conduta que se quer incriminar enquanto o outro a adequação daquela conduta ao que está positivado na lei.

O primeiro posicionamento acerca do tema é de Zaffaroni e Pierangeli (2008), que afirmam:

O tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence á conduta. A tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, ou seja, individualizada como proibida por um tipo penal. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.384).

Enquanto que Bitencourt (2010) acerca da tipicidade afirma:

A tipicidade é uma decorrência natural do principio da reserva legal: nullum crimen nulla poena signe praevia legel. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal. “Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”. Um fato para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei. (BITENCOURT, 2010, p.305, Itálico no original).

Em síntese, temos que o tipo penal é a simples descrição da conduta humana contrária à lei penal e a tipicidade é a adequação daquela conduta praticada em desacordo com o que está previamente proibido, positivado em lei.

Dessa forma, após analisarmos os principais aspectos do tipo penal e da tipicidade analisaremos dois de seus pressupostos que são o dolo e a culpa.

2.3.1 Dolo e culpa

Com a adoção do sistema Finalista do delito o dolo passa a ser um dos elementos do tipo penal, pois para o aludido sistema o dolo é a finalidade atribuída à conduta, enquanto que a culpa se refere à finalidade da conduta consubstanciada na imprudência, negligência ou imperícia.

Aqui repetiremos lição de Greco (2000) para elucidar o tema proposto, senão vejamos:

O tipo torna-se a descrição de uma ação proibida – deixa de ser um tipo de injusto, tipificação da antijuridicidade, para tornar-se um tipo indiciário, no qual se enxerga a matéria de proibição (Verbotsmaterie). Como só se podem proibir ações finais, o dolo integra o tipo. Da mesma forma que os tipos são vistos formalmente, como meras normas proibitivas, também as causas de justificação não passam de tipos permissivos. E como têm por objeto ações finalistas, surge a exigência do elemento subjetivo da justificação. (GRECO, 2000, p.05, itálico no original e grifo nosso).

Além disso, a culpa, para Bitencourt (2010), refere-se ao fato de que:

[...] no injusto culposo pune-se a conduta mal dirigida, normalmente destinada a um fim penalmente irrelevante, quase sempre ilícito. O núcleo do tipo de injusto nos delitos culposos consiste na divergência entre a ação efetivamente praticada e a que devia realmente ter sido realizada, em virtude da observância do dever objetivo de cuidado. (BITENCOURT, 2010, p.328, itálico no original).

Zaffaroni e Pierangeli (2008), acerca do dolo afirmam que:

Os tipos dolosos proíbem condutas, tendo como objeto a proibição de procurar pelo fim da conduta, isto é, o proibido é o desencadeamento da causalidade em direção ao fim típico. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.363, itálico no original).

Já no que tange os tipos culposos temos que Zaffaroni e Pierangeli (2008), afirmam que: “Os tipos culposos são os que proíbem condutas atendendo à forma de selecionar os meios para obter o fim, e não em razão do próprio fim”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.363).

Diante disso a necessidade de no Finalismo o dolo e a culpa serem deslocados para o tipo se referem ao fato de que condutas dolosas são aqueles em que sua finalidade está dirigida à prática de um delito enquanto as condutas culposas, por seu inadequado direcionamento, acabam corroborando para a prática de um delito.

2.3.2 Dolo

Após estudarmos as características do tipo penal bem como, as diferenças existentes entre tipo, tipicidade e antijuricidade, faremos breves comentários acerca do Dolo e da Culpa.

Prefacialmente faz-se necessário trazer a concepção jurídica de dolo em nosso ordenamento jurídico e por esse motivo eis o que dispõe o artigo 18 do Código Penal Brasileiro:

Art. 18. Diz-se o crime:

I- doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

[...]. (BRASIL, 2012, p.480-481).

OLIVÉ e outros (2011), em relação à origem do conceito de dolo e no que se refere o seu caráter subjetivo, nos traz importante exposição:

A exigência de elementos subjetivos no crime já era própria do direito romano. A lei podia ser ofendida intencionalmente (dolus) ou sem que o sujeito tivesse vontade de violá-la (culpa). Como sustentou o extraordinário romancista e Prêmio Nobel de Literatura THEODOR MOMMSEN, “conceito de culpa, o mesmo para o de dolus, não pertencia à legislação, mas à interpretação científica das leis”, acrescentando que “a evolução do conceito de responsabilidade geral, nela distinguindo o dano produzido intencionalmente e o derivado da desatenção ou descuido, foi devida sem dúvida alguma à ciência jurídica dos tempos da República.” Existia dolus malus quando o ato era executado conscientemente, “destacando que em tal conceito incluía-se também a falta consciente de respeito à lei”. (OLIVÉ, et al. 2011, p.326, itálico no original).

Dessa forma, para entendermos o sentido da disposição legal de nosso Código Penal, e o que os cientistas do direito entendem a respeito do dolo usaremos alguns entendimentos doutrinários para elucidar as peculiaridades de tal elemento.

O primeiro deles é o de Welzel (2011) que afirma ser o dolo um elemento do tipo:

O dolo é sem dúvida alguma, um elemento do tipo, sem o qual não pode ser constatada a tipicidade do acontecer externo. O dolo é, por isso, segundo a doutrina dominante, um elemento subjetivo do injusto na tentativa.

[...] o dolo não é apenas um elemento da culpabilidade, mas sim um elemento constitutivo do tipo. (WELZEL, 2011, p.85-86).

Zaffaroni e Pierangeli (2008), afirmam que o dolo é o elemento essencial do caráter subjetivo do tipo, in verbis:

[...] o elemento nuclear e primordial do tipo subjetivo e, frequentemente, o único componente do tipo subjetivo (nos casos em que o tipo não requer outros). (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.415, itálico no original).

Reforçando tal afirmativa, Zaffaroni e Pierangeli (2008) aduzem acerca desse peculiar caráter do dolo, que:

[...] o dolo é o querer do resultado típico, a vontade realizadora do tipo objetivo. O nosso código fala em dolo no seguinte sentido: “quando o agente quis o resultado” (art. 18, I). Assim sendo, para que um sujeito possa querer algo como, por exemplo, o “querer pintar a igreja da Antuérpia”, que havia na conduta de Van Gogh ao pintá-la, ele necessariamente deve também conhecer algo: Van Gogh devia conhecer a igreja da Antuérpia e os meios de que necessitava para pintá-la. Todo querer pressupõe um conhecer. (ZAFFARONI; PIERANGELLI, 2008, p.415, itálico no original).

Nesse ponto, importante ressaltar que ao analisarmos o entendimento supra transcrito de Zaffaroni e Pierangeli (2008), constata-se reflexos do conceito Finalista de ação preconizado por Welzel (2011).

Outrossim, Cirino dos Santos (2007), acerca do dolo nos ensina que:

O dolo, conforme um conceito generalizado é a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.132, itálico e negrito no original).

Também ao analisarmos o entendimento de Cirino dos Santos (2007), percebemos reflexos do sistema Finalista de ação utilizado no presente estudo.

Noutro sentido, Cirino dos Santos (2007) nos ensina que o caráter intelectual do dolo consiste:

[...] no conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo, como representação ou percepção real da ação típica: não basta uma consciência potencial, capaz de atualização, mas também não se exige uma consciência refletida, expressa pela verbalização. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p. 132-133; itálico no original).

E o caráter volitivo do dolo nos dizeres de Cirino dos Santos (2007) é:

O componente volitivo do dolo (indicado na definição legal de crime doloso, art. 18 I, CP) consiste na vontade, informada pelo conhecimento atual, de realizar o tipo objetivo de um crime. O verbo querer, empregado para exprimir a vontade humana, é um verbo auxiliar que necessita de um verbo principal para explicitar seu conteúdo; neste caso, o verbo querer deve ser complementado com o verbo realizar, porque o Direito Penal proíbe realizar crimes e, portanto, o componente volitivo do dolo define-se como querer realizar o tipo subjetivo de um crime. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.133, itálico no original).

Ainda falando sobre o caráter volitivo do dolo, Cirino dos Santos (2007), arremata:

A vontade definida como querer realizar o tipo objetivo de um crime, deve apresentar duas características para constituir elemento do dolo: o primeiro, a vontade deve ser incondicionada, no sentido de constituir uma decisão de ação já definida (se A pega uma arma sem saber se fere ou ameaça B, não há, ainda,, vontade como querer realizar o tipo objetivo de um crime); segundo, a vontade deve ser capaz de influenciar o acontecimento real, de modo que o resultado típico possa ser definido como obra do autor, e não como mera esperança ou simples desejo deste (se A envia B à floresta, durante a formação de uma tempestade, na esperança de que um raio o fulmine, não existe vontade como elemento do dolo, ainda que, de fato, B seja fulminado por um raio, porque o acontecimento concreto situa-se além do poder de influência do autor). (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.133, itálico no original).

Insta ressaltar, que ao analisarmos as características do dolo percebemos o claro reflexo dos ditames da Teoria da Ação preconizada pelo Finalismo de Welzel (2011), dantes citado.

No mesmo sentido dos ensinamentos de Cirino dos Santos (2007), OLIVÉ e outros (2011) asseveram que:

Podemos afirmar que o dolo (Vorsatz) é formado por dois elementos essenciais, a saber: um intelectual – conhecer o que se faz – e outro volitivo – decidir-se a favor da lesão de um bem jurídico. Em outras palavras, o dolo pressupõe conhecer e querer os elementos objetivamente descritos em um tipo penal. (OLIVÉ, et al. 2011, p.325, itálico no original).

Desse modo, e após os entendimentos alhures transcritos podemos entender o dolo, como sendo, uma conduta volitiva passível de violar o ordenamento jurídico e, por conseguinte, ser considerada antijurídica.

2.3.3 Culpa

Disciplina o Código Penal Brasileiro em seu artigo 18, II que ocorre um crime culposo quando:

Art. 18. Diz-se o crime:

I- [...]

II – Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (BRASIL, 2012, p. 481).

Destarte, partiremos dos elementos positivados no artigo supra para elucidar o conceito e as características da culpa.

O primeiro entendimento a ser utilizado é o de Bitencourt (2010) que define culpa como sendo; “a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, mas objetivamente previsível”. (BITENCOURT, 2010, p.328).

Além disso, Bitencourt (2010) faz interessante distinção acerca do tipo doloso e do tipo culposo, o que é primordial para entendermos tais elementos:

O conteúdo estrutural do tipo de injusto culposo é diferente da do tipo de injusto doloso: neste, é punida a conduta dirigida a um fim ilícito, enquanto no injusto culposo pune-se a conduta mal dirigida, normalmente destinada a um fim penalmente irrelevante, quase sempre ilícito. O núcleo do tipo de injusto nos delitos culposos consiste na divergência entre a ação efetivamente praticada e a que devia realmente ter sido realizada, em virtude da observância do dever objetivo de cuidado. (BITENCOURT, 2010, p.328, itálico no original).

Zaffaroni e Pierangeli (2008), acerca dos tipos culposos asseveram que:

O tipo culposo não individualiza a conduta pela finalidade e sim porque, na forma em que se obtém essa finalidade, viola-se um dever de cuidado, ou seja, como diz a própria lei penal, a pessoa, por sua conduta, dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.437).

No que se refere aos conceitos de imprudência, negligência e imperícia, Moreira Filho (2010) nos ensina que:

a) imprudência: é a impulsividade do agente, é uma conduta sempre positiva e arriscada que requer um movimento corpóreo. A afoiteza do individuo é que o leva a produzir o resultado lesivo. É a chamada culpa in faciendo.

b) negligência: é o descuido, a desídia, o desleixo do agente. É a culpa praticada pela inação. A conduta do agente, diferentemente da imprudência, é sempre negativa. Ele não faz o que deveria ser feito. Sua omissão vai de encontro aos atos de cuidado que deveria praticar. Culpa in omitendo.

c) imperícia: é a falta de conhecimentos técnicos que habilitem o agente a exercer determinada atividade. É a inexperiência para determinado trabalho ou a capacidade deficiente para fazer alguma coisa. Revela habilitação insuficiente para exercer determinada atividade. (MOREIRA FILHO, 2010, p. 57-58, itálico no original).

Diante de tais ensinamentos, percebemos que um delito se constitui culposo quando a conduta está norteada pelos elementos da imprudência, negligência ou imperícia, ou seja, quando a conduta é mal dirigida e, por conseguinte contraria o ordenamento jurídico.

2.4 Ilicitude

De início, traremos breve ensinamento de Welzel (2011), acerca do que é a ilicitude, que para ele é: “A realização da ação típica e sua materialização em uma lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico constituem indício da antijuridicidade”. (WELZEL, 2011, p.107).

Outrossim Bitencourt (2010) comentando os dizeres de Welzel, de forma aprofundada afirma que: “Welzel conceitua a antijuridicidade como a “contradição da realização do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico em seu conjunto (não somente com uma norma isolada)”. (BITENCOURT, 2010, p.346).

Além desses entendimentos temos o de Cirino dos Santos (2007) afirmando que ilicitude é:

[...] é uma contradição entre a ação humana (realizada ou omitida) e o ordenamento jurídico no conjunto de suas proibições e permissões: as proibições são os tipos legais, como descrição de ações realizadas ou omitidas; as permissões são as justificações legais e supra legais, como situações especiais que excluem as proibições. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.219).

Cirino dos Santos (2007) aduz ainda, que “[...] a antijuridicidade representa uma qualidade invariável da ação típica, expressa na contradição entre a ação ou omissão de ação e o conjunto das proibições e permissões do ordenamento jurídico”; (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.2007, negrito no original).

Afinado pelo mesmo entendimento Zaffaroni e Pierangeli (2008), afirmam que: “a antijuridicidade não surge do direito penal, mas de toda a ordem jurídica, porque a antinormatividade pode ser neutralizada por uma permissão que pode provir de qualquer parte do direito”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.489).

Além disso, afirmam ainda que; “A antijuridicidade é, pois, o choque da conduta com a ordem jurídica, entendida não só como uma ordem normativa (antinormatividade), mas como uma ordem normativa e de preceitos permissivos”. (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2008, p.490).

Assim sendo, a lição que podermos tirar após analisarmos os entendimentos supra acerca da ilicitude, é que esta não passa de um modo de agir humano contrário a todo ordenamento jurídico.

Destarte, passaremos a analisar no próximo tópico o último componente do conceito estratificado de crime para o Finalismo que é a culpabilidade.

2.5 Culpabilidade

Seguindo o mesmo parâmetro dos outros elementos do crime até então estudados, analisaremos a Culpabilidade à luz dos ditames propostos pelo Finalismo.

Preliminarmente traremos breve comentário de Olivé e outros (2011) acerca do papel da Culpabilidade na teoria do delito, senão vejamos:

A culpabilidade do autor (Die Schuld des Täters) é o indiluível pressuposto da pena, pois serve de suporte e legitimação a todo o Direito penal. Trata-se de uma categoria dogmática, ou seja, encontra-se dentro da teoria do delito, e se ocupa dos elementos que fazem referência ao autor do fato criminoso. Sua importância reside em ser a principal garantia de que o Estado somente poderá aplicar uma pena às condutas que o autor poderia ter evitado. Em outras palavras, assegura que se o sujeito não pôde ter evitado o cometimento do delito não há nenhum sentido submetê-lo a um castigo. (OLIVÉ, et al. 2011, p. 435, itálico no original).

Analisando tal ensinamento percebemos que a Culpabilidade está, em tese, ligada ao autor da ação, ou seja, àquele que praticou a conduta criminosa ou assumiu o risco de praticá-la.

Acerca do tema Culpabilidade, Welzel (2011) posiciona-se no seguinte sentido:

Culpabilidade é o que reprova o autor que podia atuar conforme as normas ante a comunidade jurídica por sua conduta contrária ao Direito. A culpabilidade é um conceito valorativo negativo e, portanto, um conceito graduável. A culpabilidade pode ser maior ou menor, segundo a importância que tenha a exigência do Direito e segundo a facilidade ou dificuldade do autor em satisfazê-la. (WELZEL, 2011, p.10, itálico no original).

Sobre o elemento culpabilidade existem duas importantes teorias que não poderiam deixar de ser mencionadas no presente estudo, a primeira delas é a Teoria Psicológica da Culpabilidade e a segunda a Teoria Normativa da Culpabilidade.

A Teoria Psicológica da Culpabilidade arraigada nos ditames causais- naturalistas se desenvolveu, conforme ensinamento de Olivé e outros (2011) da seguinte forma: “[...] a culpabilidade é um elemento interno do autor, é o conteúdo de sua vontade, que faz referência a um estado mental. A partir dessa perspectiva, o dolo é a vontade de perseguir o resultado, enquanto a culpa á ausência de dita vontade”. (OLIVÉ, et al. 2011, p.437).

Nesse mesmo sentido, mas agora trazendo ensinamento de Liszt, o pai do Causalismo, Olivé e outros (2011) nos ensina que:

“A relação subjetiva entre o fato e o autor somente pode ser psicológica, mas, se existe, determina a ordenação jurídica em consideração valorativa. Segundo ela, o ato culpável é ação dolosa ou culposa do indivíduo imputável. Do significado sintomático do ato culpável, com respeito à natureza peculiar do autor, deduz-se o conteúdo material do conceito de culpabilidade; este radica no caráter antissocial do autor, cognoscível pelo ato cometido (conduta antissocial); ou seja, na imperfeição do sentimento do dever social necessário para a vida comum do Estado, e na motivação antissocial, provocada por essa causa (em propor-se um fim contrário aos fins da comunidade)”. (OLIVÉ, et al. 2011, p. 437, itálico no original).

Diante disso, percebe-se que a Teoria Psicológica da Culpabilidade se resume apenas a constatar o vinculo subjetivo entre o fato e o autor, dessa forma, para tal teoria havendo um simples liame subjetivo entre o agente e o delito, seria aquele capaz de culpabilidade.

O que contribuiu para o nascimento de inúmeras críticas a tal teoria, principalmente com a decadência do Causalismo.

Consequentemente, em contraponto à Teoria Psicológica da Culpabilidade surgiu a Teoria Normativa da Culpabilidade.

Olivé e outros (2011) acerca da Teoria Normativa da Culpabilidade e seus embasamentos Finalistas nos ensina que:

O finalismo toma como ponto de partida um injusto pessoal, colocando o dolo e a culpa no tipo subjetivo. Isto traz importantes mudanças para a culpabilidade, que se vê despojada da relação psicológica, conservando os elementos normativos. Em primeiro lugar dá-se um novo conteúdo ao conceito de dolo. Assim, o conhecido como dolo mau dos causalistas (conhecer e querer o resultado e o caráter antijurídico da conduta) será transferido ao tipo como dolo natural (conhecer e querer o resultado) deixando na culpabilidade um de seus elementos, isto é, a consciência da antijuridicidade. A contrapartida do dolo (natural) será o erro de tipo (que se analisa no tipo subjetivo [...]), enquanto a contrapartida da consciência da antijuridicidade será o erro de proibição, isto é, uma das hipóteses de exclusão da culpabilidade. [...]. Com estas mudanças a culpabilidade adquire um conteúdo exclusivamente normativo, e se dedica a valorar a conduta do autor do fato através de um juízo de reprovação. (OLIVÉ, et al, 2011, p.439, itálico no original).

Finalizando seus ensinamentos acerca da Teoria Normativa da Culpabilidade Olivé e outros (2011) nos ensinam que:

[...] Para a teoria normativa, a culpabilidade consiste na reprovação de quem realizou uma ação típica e antijurídica, o ter atuado contrariamente às exigências do ordenamento jurídico. O juízo de culpabilidade é baseado em uma valoração individualizada, com referência a cada sujeito em particular e à situação concreta na qual esse sujeito encontrava-se no momento dos fatos. (OLIVÉ, et al. 2011, p. 439-440, itálico no original).

Desta feita, percebemos que a Teoria Normativa da Culpabilidade é mais adequada para o objetivo do presente estudo, uma vez que ela não se resume apenas ao caráter subjetivo/psicológico do agente no momento em que praticou a conduta delituosa conforme preconiza a Teoria Psicológica, mas sim ela se baseia na relação entre a prática do ilícito e a possibilidade de determinar-se de forma diversa.

Cabe salientar, que tanto a Teoria Psicológica quanto a Teoria Normativa são alvo de inúmeras críticas, no entanto, para elucidar o tema do presente estudo que é a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Finalismo a Teoria Normativa da Culpabilidade se mostra aceitável.

De outra feita, importante trazermos alguns entendimentos acerca da Culpabilidade e de seus elementos para alguns doutrinadores, senão vejamos.

Welzel (2011), fala um pouco sobre a imputabilidade que seria em resumo a capacidade inerente ao individuo de conhecer o caráter ilícito do fato e, conhecendo poderia deixar de praticá-lo, ou seja, capacidade de culpabilidade, nesse sentido Welzel (2011):

A capacidade de culpabilidade tem, portanto, um elemento de conhecimento (intelectual) e um elemento de vontade (volitivo): a capacidade de compreensão do injusto e de determinação da vontade (conforme uma finalidade). Apenas a soma dos dois elementos constitui a capacidade de culpabilidade (vide RG 73, p. 122). Se falta um deles – em razão da juventude ou dos estados mentais anormais -, o autor não é capaz de culpabilidade. (WELZEL, 2011, p.130, itálico no original e grifos nossos).

Já Bitencourt (2010), nos ensina que há um triplo sentido no conceito de culpabilidade, sendo que o primeiro deles é a culpabilidade como fundamento da pena:

[...] refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme a norma – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. (BITENCOURT, 2010, p.386, itálico no original).

O segundo a culpabilidade como elemento da dosimetria da pena:

[...] a culpabilidade – como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção, a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros fatores, como importância do bem jurídico, fins preventivos etc. (BITENCOURT, 2010, p. 386, itálico no original).

O terceiro e último deles, a culpabilidade como vedação da responsabilidade penal objetiva:

[...] a culpabilidade – vista como um conceito contrário à responsabilidade objetiva, ou seja, com o identificador e delimitador da responsabilidade individual e subjetiva. Nessa acepção, o principio da culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade penal objetiva, assegurando que ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível e se não houver agido, pelo menos, como dolo ou culpa. (BITENCOURT, 2010, p.386, itálico no original).

Diante de tais ensinamentos, podemos afirmar que o caráter da culpabilidade no sistema Finalista reside no fato de o agente conhecer o caráter ilícito do fato e determinar-se de forma diversa.

Como o objetivo do presente estudo é verificar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Finalismo, o que podemos afirmar é que somente seriam as pessoas jurídicas capazes de culpabilidade se pudessem conhecer o caráter ilícito do fato e, conhecendo deveriam determinar-se de forma diversa a não praticar o delito.

3 TEORIAS SOBRE AS PESSOAS JURÍDICAS

Com objetivo de conhecer as características das pessoas jurídicas ou entes coletivos, adentraremos no mérito das principais teorias em relação à natureza jurídica de tais entes, sendo elas; Teoria da Ficção de Savigny e Teoria da Realidade de Otto Gierke.

3.1 Teoria da Ficção – Savigny

Para estudar a Teoria da Ficção proposta por Savigny usaremos os entendimentos dos principais doutrinadores que falam sobre o tema.

Galvão (2003), comentando a aludida teoria nos ensina que:

A teoria da ficção fundamentou-se na teoria da vontade, segundo a qual o direito subjetivo era um poder de vontade que somente pode ser atribuído ao homem, único capaz de ser titular de direitos. Segundo tal construção teórica, as pessoas jurídicas são entidades fictícias criadas pelo Direito e não seres reais. Nas pessoas coletivas a única realidade é a das pessoas físicas que a compõem. (GALVÃO, 2003, p.33).

Ainda afinado pelo mesmo entendimento Galvão (2003), acerca da teoria da Ficção afirma que:

[...] as pessoas jurídicas não poderiam ser responsabilizadas pelos atos ilícitos praticados por seus administradores, pois tais atos não podem refletir nas corporações criadas por lei para realizar um fim lícito. A pessoa jurídica é um ente artificial que não possui vontade e capacidade de ação, por isso, não pode agir ilicitamente. (GALVÃO, 2003, p.34).

Ferreira da Silva (2003), comentando a teoria em análise aduz que:

A teoria da ficção, que teve em Savigny o seu maior expoente e sintetizador, parte do pressuposto de que a todo direito corresponde um sujeito que é o seu titular e, assim sendo, as corporações só poderiam ter direitos e deveres e, via de consequência, capacidade jurídica, se fossem concebidas como sujeitos. Para tanto, era necessário criar-se esta personalidade através da Lei, já que, naturalmente, somente o ser humano podia ser sujeito de direitos e deveres. (FERREIRA DA SILVA, 2003, p.33-34).

No mesmo sentido, Ferreira da Silva (2003), afirma ainda que:

Para a teoria da ficção, os entes coletivos não possuem vontade real, nem mesmo consciência, sendo uma mera criação do direito, exatamente para que possam ter capacidade jurídica e, assim, participarem ativamente da vida política e econômica da sociedade. (FERREIRA DA SILVA, 2003, p.34).

Cirino dos Santos (2007), ao se referir à teoria da ficção afirma que:

Segundo a teoria da ficção – que teria sido substituída pela teoria da realidade na literatura francesa -, as dimensões subjetivas do dolo ou da imprudência não podem existir na estrutura incorpórea da pessoa jurídica uma criação legal incompatível com a estrutura biológica e psíquica do ser humano e, portanto, incapaz da vontade consciente característica da ação humana. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p. 432, itálico e negrito no original).

Ainda em relação à teoria da ficção, Iennaco de Morais (2010), afirma que:

Nas teorias da ficção, em destaque a concepção de Savigny, nega-se existência real à pessoa jurídica, que é vista como um ente fictício. A qualidade de sujeito da relação jurídica é prerrogativa exclusiva do homem. A pessoa jurídica é concebida juridicamente como uma criação artificial, cuja existência é uma ficção engendrada pela mente humana. A pessoa jurídica é mera criação legal: não tendo existência real, o legislador pode-lhe reconhecer ou recusar personalidade. (IENNACO DE MORAIS, 2010, p.61).

Na mesma esteia de pensamento temos Pierangeli (2006), in verbis:

As pessoas jurídicas só existem ficticiamente, e, portanto, dentro de uma realidade, são incapazes de atuar. Resulta, pois, como consequência, que não podem ser consideradas culpadas e punidas, conquanto a lei que as cria determine o dever de atuar dentro de limites prefixados. (PIERANGELI, 2006, p.17, grifos nossos).

Chamon Jr (2007), acerca da teoria ora mencionada, manifesta-se no seguinte sentido:

[...] parte Savigny para explicar a distinção Direito Penal/Direito Civil sob as considerações, em primeiro lugar, desde um argumento moralista e ontologicizante, de que o Direito Penal viria a considerar o homem enquanto ser livre, ao contrário da pessoa jurídica que seria um ser abstrato tão-somente capaz de possuir, e que teria como fundamento as determinações de um número de representantes que, de uma ficção, estaríamos a considerar como sendo suas próprias determinações; uma representação que geraria efeitos voluntaristas tão-somente no plano do Direito Civil, mas não no Direito Penal. (CHAMON JR, 2007, p.122-123).

Após analisarmos, a teoria da Ficção de Savigny, constatamos que esta entende as pessoas jurídicas como meros entes fictícios, incapazes de agir seja de forma delituosa ou não.

Noutro sentido, passaremos a analisar nas linhas posteriores a Teoria da Realidade de Otto Gierke.

3.2 Teoria da Realidade – Otto Gierke

Para delimitarmos e definirmos a Teoria da Realidade usaremos a mesma metodologia utilizada para definir a Teoria da Ficção dantes transcrita, o que ora se faz partindo dos entendimentos que seguem.

O primeiro ensinamento acerca de tal teoria é o de Cirino dos Santos (2007), que afirma:

Segundo a teoria da realidade, a pessoa jurídica teria uma vontade coletiva produzida em reuniões, deliberações ou votos, uma espécie de vontade pragmática que dirigiria a ação da empresa. Assim, a capacidade de ação da pessoa jurídica teria por fundamento a vontade coletiva sedimentada em reuniões e deliberações, que produziria a chamada ação institucional – um conceito de natureza sociológica, com o qual se pretende inaugurar uma perspectiva dicotômica de dupla imputação no direito penal: a) imputação de ação humana às pessoas físicas; b) imputação de ação institucional às pessoas jurídicas. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p. 432, negrito e itálico no original, grifos nossos).

Cirino dos Santos (2007), ainda com relação ao tema assevera que:

[...] a chamada vontade coletiva ou pragmática – simulacro de espinha dorsal da ação institucional da pessoa jurídica – não pode ser confundida com a vontade consciente do conceito de ação da pessoa física: a vontade coletiva da ação institucional não contém os requisitos internos da ação humana, como base psicossomática do conceito de crime, que fundamentam a natureza pessoal da responsabilidade penal. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.433, negrito e itálico no original).

Analisando esses primeiros ensinamentos podemos constatar que a Teoria da Realidade tenta dar vida às pessoas jurídicas concebendo uma vontade coletiva a tais entes para que estes pudessem agir e, por conseguinte serem capazes de praticar condutas.

De mais a mais, continuando os ensinamentos acerca da Teoria da Realidade, Pierangeli (2006) reforçando o entendimento supra acerca de tal teoria, afirma que:

Para ela, a pessoa jurídica é um ser real, verdadeiro organismo, cuja vontade não é a soma das vontades de seus associados ou de seus diretores e administradores. Ao contrário, ela possui vontade própria. (PIERANGELI, 2006, p.16-17).

Nesse diapasão Pierangeli (2006), reforça que:

Constitui, pois, a pessoa jurídica, uma entidade real, que possui vida e vontade próprias “e nada se-lhe opõe, em principio, que dirija essa vontade para fins proibidos pelas leis e especialmente pela lei penal”. (PIERANGELI, 2006, p. 17).

Outrossim eis comentário de Machado de Souza (2003):

[...] ao lado das pessoas naturais, organismos físicos, existem as pessoas jurídicas, organismos sociais com existência e vontade próprias, diferentes das de seus membros, cuja finalidade é a realização de um objetivo social. (MACHADO DE SOUZA, 2003, p.18).

Da análise dos entendimentos supra, percebemos que para a Teoria da Realidade as pessoas jurídicas são dotadas de vontade própria e capacidade de agir, embasada em uma suposta vontade de cunho coletivo que as possibilitaria praticar quaisquer condutas, sejam elas de cunho delituoso ou não.

 3.3 Teoria Adotada no Presente Estudo

Após analisarmos as peculiaridades da Teoria da Ficção de Savigny, bem como da Teoria da Realidade de Otto Gierke, adotaremos neste ponto uma delas para que possamos elucidar o tema em análise.

Como vimos a Teoria da Ficção entende as pessoas jurídicas como sendo entes meramente fictícios e desprovidos de qualquer caráter volitivo enquanto que a Teoria da Realidade rechaça todas essas alegações, afirmando que as pessoas jurídicas são capazes de agir, pois são dotadas de uma vontade coletiva e consequentemente podem cometer crimes.

No presente estudo, conforme mesmo anteriormente demonstrado partimos do conceito Finalista de ação e verificamos quem realmente é capaz de agir e, por conseguinte ser capaz de culpabilidade.

Dessa forma, só nos resta adotar como norte no estudo em tela a Teoria da Ficção de Savigny que se amolda perfeitamente aos ditames da Teoria Finalista do delito.

Nesse sentido, importante destacar lição de Zafaroni e Pierangeli (2008) que nos ensinam:

Quando queremos averiguar o que é delito (isto é quais são as características que deve ter um fato para ser considerado delito), necessariamente devemos buscar a resposta no Código Penal, sabemos que os delitos não podem ser nada diferentes que condutas humanas, pois não tem hoje sentido falar de “delitos” que não sejam condutas humanas. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p.337).

Ademais, Pierangeli (2006), preleciona que: “A aceitação da teoria da ficção resulta da própria evidência, por não possuírem as pessoas jurídicas capacidade de conduta. O delito é uma manifestação individual da vontade humana”. (PIERANGELI; 2006, p.17).

Desse modo, partindo do entendimento supra, bem como dos aspectos relacionados à Teoria Finalista do delito alhures transcrita, principalmente, no que se refere aos conceitos de Ação e Culpabilidade a Teoria da Ficção de Savigny se mostra como a adequada para o fiel deslinde do presente estudo.

4 A DISCUSSÃO SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Antes de adentrarmos no cerne da presente celeuma mister se faz mencionar os três principais fundamentos jurídicos utilizados pelos que lutam pela responsabilização penal das pessoas jurídicas.

            Os dois primeiros fundamentos são os dispostos nos artigos 173, §5º e 225, §3º ambos da Constituição Federal de 1988.

            O artigo 173 em seu § 5º disciplina que:

A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL, 2012, p.61).

            Enquanto que o artigo 225, em seu § 3º preceitua:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 2012, p.71).

            Nesse mesmo sentido, porém, já tomando por base a legislação especial, temos a lei 9.605/98, intitulada lei de Crimes Ambientais, que trouxe em seu artigo 3º uma suposta responsabilização criminal das pessoas jurídicas quando disciplina:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. (BRASIL, 1998).

Dessa forma, analisaremos os principais entendimentos doutrinários existentes para então constatar a possibilidade ou não da responsabilização penal das pessoas jurídicas.

4.1 Argumentos Favoráveis à Responsabilização Penal das Pessoas Jurídicas

Nesse ponto do presente estudo apresentaremos os principais defensores da responsabilidade penal das pessoas jurídicas e também demonstraremos eventuais falhas em seus entendimentos partindo de alguns dos principais princípios existentes em nosso ordenamento jurídico penal.

O primeiro ensinamento é o de Leme Machado (2010), que entende ser a pessoa jurídica capaz de cometer crimes e, portanto afirma que:

A possibilidade de serem responsabilizadas penalmente as pessoas jurídicas não irá desencadear uma frenética persecução penal contra as empresas criminosas. Tentar-se-á, contudo, impor um mínimo de corretivo, para que a nossa descendência possa encontrar um planeta habitável. (LEME MACHADO, 2010, p.741-742).

Leme Machado (2010), assevera ainda que:

O Direito Criminal em geral e o conceito de ‘vontade criminosa’ em particular foram construídos em função exclusiva da pessoa física. A própria necessidade de referência a aspectos ‘subjetivos’ (dogma da culpabilidade) traz ínsita uma implicação antropomórfica. Então, mister se faz ‘adaptar’ essas noções à realidade dos entes coletivos, para se poder trabalhar a ‘imputabilidade’ da pessoa jurídica com o instrumental teórico sugerido pela Dogmática tradicional. (LEME MACHADO, 2010, p.742).

Analisando o entendimento supra citado constatamos que Leme Machado (2010), reconhece que o sistema de culpabilidade atualmente existente é incapaz de tornar as pessoas jurídicas serem imputáveis, sugerindo até a adaptação desse sistema para que então os entes coletivos possam ser responsabilizados.

Contudo, o entendimento de Leme Machado (2010), não se resume às linhas supra citadas ele arrima-se ainda no caráter legal/positivado, para tirar suas conclusões acerca de tal responsabilização.

Nesse sentido, vejamos o entendimento de Leme Machado (2010):

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é introduzida no Brasil pela Constituição Federal de 1988 que mostra mais um dos seus traços inovadores. Lançou-se, assim, o alicerce necessário para termos uma dupla responsabilidade no âmbito penal: a responsabilidade da pessoa física e a responsabilidade da pessoa jurídica. (LEME MACHADO, 2010, p.743).

Assevera ainda, que o tema responsabilização penal das pessoas jurídicas não foi introduzido somente em relação aos crimes contra o ambiente em nossa Constituinte, mas também consoante os crimes em desfavor da ordem econômica, senão vejamos:

[...] sem estabelecer os tipos de punições, aborda também o tema da responsabilidade da pessoa jurídica, em seu art. 173, §5º, prevendo que: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. (LEME MACHADO, 2010, p.743).

Leme Machado (2010) afirma ainda que:

O artigo 225, §3º, da CF não se choca com o art. 5º, XLV, que diz: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.  (LEME MACHADO, 2010, p.743).

Por fim, na mesma esteia de raciocínio Leme Machado (2010), nos ensina que:

As repercussões econômicas da sanção penal da pessoa jurídica em relação aos sócios, desde que se observe o devido processo legal, não ferem a Constituição Federal e constituem uma decorrência da participação voluntária do sócio na existência da empresa. (LEME MACHADO, 2010, p.743).

Contudo se analisarmos o entendimento de Leme Machado (2010) acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas percebemos que ele se baseia nos comandos constitucionais para fundamentar seu posicionamento, o que deve ser rechaçado de plano na medida em que a Constituição Federal de 1988, embora discipline uma suposta responsabilização penal das pessoas jurídicas seus dispositivos são inócuos se tomarmos por base o sistema de Culpabilidade e Ação do Finalismo adotados por nosso Ordenamento Jurídico Penal, pois não são as pessoas jurídicas capazes de agir.

No mesmo erro incorre Fiorillo (2010), ao afirmar que:

A penalização da pessoa jurídica foi um dos avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988. Avanço na medida em que se constatava que as grandes degradações ambientais não ocorriam por conta de atividades singulares, desenvolvidas por pessoas físicas. Elas apresentavam-se de forma corporativa. Com isso, fez-se necessário, a exemplo de outros países (como França, Noruega, Portugal e Venezuela), que a pessoa jurídica fosse responsabilizada penalmente. (FIORILLO, 2010, p.139).

Fiorillo (2010) afirma ainda que:

Na verdade temos que como o art. 225, §3º, da Constituição, o legislador constituinte abriu a possibilidade dessa espécie de sanção à pessoa jurídica. Trata-se de política criminal, que, atenta aos acontecimentos sociais, ou melhor, à própria dinâmica que rege atualmente as atividades econômicas, entendeu por bem tornar mais severa a tutela do meio ambiente. (FIORILLO, 2010, p.140).

Ao final de sua argumentação, Fiorillo (2010), menciona a possível inspiração do legislador brasileiro no direito penal francês.

Afirma-se que o legislador constituinte teve como fonte inspiradora o direito penal francês, em vigor desde 1º de março de 1994, o qual preceitua que: “as pessoas morais, com exceção do Estado, são penalmente responsáveis, segundo as distinções dos arts.121-4 a 121-7 e nos casos previstos em lei ou regulamento, pelas infrações praticadas por sua conta, pelos seus órgãos ou representantes. (FIORILLO, 2010, p.140).

O que também é algo incompreensível posto que a Constituição da República não é capaz de mudar a realidade da sociedade e, por conseguinte conforme já demonstrado na Teoria da Ficção de Savigny, transformar as pessoas jurídicas em seres reais capazes de agir por si só.

Outrossim, defensor da responsabilidade penal das pessoas jurídicas é Milaré (2001), asseverando que:

Seguindo tendência do Direito Penal moderno de se superar o caráter meramente individual da responsabilidade penal até então vigente, e cumprindo promessa do artigo 225, §3.º, da Constituição Federal, o legislador brasileiro erigiu a pessoa jurídica à condição de sujeito ativo da relação processual penal, dispondo no artigo. 3.º da Lei 9.605/98, que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. (MILARÉ, 2001, p.450).

Ademais, Milaré (2001), afirma que para a responsabilização de tais entes necessárias serão algumas condições, quais sejam: “(i) que a infração tenha sido cometida em seu interesse ou benefício, (ii) por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu colegiado”. (MILARÉ, 2001, p.451).

Finalizando o entendimento de Milaré (2001), importante trazer à baila sua conclusão acerca de tal temática, afirmando que as pessoas jurídicas são capazes de praticar condutas, senão vejamos:

Estando, pois, diante de uma conduta realizada por uma pessoa jurídica, devemos inicialmente avaliar se essa conduta foi efetuada em benefício ou visando a satisfazer os interesses sociais da pessoa jurídica, e num segundo momento, o elemento subjetivo, dolo ou culpa, quando da execução ou da determinação do ato gerador do delito, transferindo, num ato de ficção, a vontade do dirigente à pessoa jurídica. (MILARÉ, 2001, p.452).

Outro importante defensor da imputabilidade penal das pessoas jurídicas é Galvão (2003), que afirma:

É inegável que a tendência atual do Direito mundial é no sentido de admitir a utilização do direito penal contra a pessoa jurídica, nos crimes socialmente importantes. [...] A lei 9.605/98, em seu artigo 3º, estabeleceu expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica e determinou quais são as sanções compatíveis com sua natureza peculiar. (GALVÃO DA ROCHA, 2003, p.02-03).

Ainda em alusão à previsão legal da responsabilidade dos entes coletivos, Galvão (2003), aduz que; [...] no §3º do artigo 225, pode-se perceber que a Constituição Federal possibilitou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.” (GALVÃO DA ROCHA, 2003, p.05).

Galvão (2003), também nos ensina que:

Nesse dispositivo ficou ainda mais evidente a opção político-criminal de utilizar o direito penal contra as pessoas jurídicas. Não assiste razão aos que sustentam que nesse dispositivo deixa margem a dúvidas quanto à possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica. (GALVÃO DA ROCHA, 2003, p.05-06).

Acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas à luz da teoria do delito, Galvão (2003), demonstra uma solução para os que obstam tal responsabilidade:

[...] o paradigma da teoria do delito não constitui obstáculo intransponível à responsabilização da pessoa jurídica. Os conceitos de ação e de culpabilidade variam de acordo com o sistema teórico que se adote. A evolução do conceito analítico de crime impôs superar o enfoque meramente ontológico do fato punível para ressaltar o conteúdo normativo dos juízos de valor encerrados nos exames da tipicidade, ilicitude e culpabilidade. (GALVÃO DA ROCHA, 2003, p. 21).

Ao final de sua obra, Galvão (2003), afirma em dois pontos conclusivos que:

1. A constituição federal acolheu opção política no sentido de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica e, portanto, cabe aos operadores do direito construir caminho dogmático capaz de materializar, com segurança, a vontade política.

2. Não é possível utilizar a teoria do delito tradicional para responsabilizar a pessoa jurídica. Não se pode identificar na pessoa jurídica a autoria de crime.

[...]

4. Conforme art. 3º da Lei 9605/98, são requisitos explícitos para a responsabilidade da pessoa jurídica; a) deliberação do ente coletivo; b) autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; c) que a infração seja praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica. (GALVÃO DA ROCHA, 2003, p.123-1240).

De mais a mais, Sirvinskas (2012), assevera que:

Não há dúvidas de que é tormentoso admitir a possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica diante dos princípios norteadores do direito penal. No entanto, nossa Constituição Federal admitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica (art. 225, §3º), e a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, disciplinou-a em seu art. 3º, [...]. (SIRVINSKAS, 2010, p. 785).

Diante de tais entendimentos, percebemos que embora exista grande clamor para a responsabilização penal das pessoas jurídicas estas nunca poderão ser responsabilidade criminalmente em nosso ordenamento jurídico, primeiro porque o sistema de Ação utilizado em nossa doutrina penal não coaduna com as peculiaridades das pessoas jurídicas, segundo que uma eventual responsabilidade penal das pessoas jurídicas poderá alcançar seus sócios e proprietários que nada tem a ver com o fato e por tal motivo ferir de morte o macro principio constitucional da personalidade das penas.

Por fim, poderíamos também reconhecer a malfadada responsabilidade penal objetiva, nos casos em que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas se refletisse em seus sócios e proprietários.

Eis, portanto, alguns dos principais entendimentos doutrinários que defendem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

4.2 Argumentos desfavoráveis à Responsabilização Penal das Pessoas Jurídicas

Assim como existem defensores da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, outrossim existem os que defendem sua impossibilidade.

Dessa forma, analisaremos alguns dos principais entendimentos existentes contra a imputabilidade penal das pessoas jurídicas.

O primeiro entendimento que podemos destacar é o de Prado (2007), acerca dos delitos contra a ordem econômica e financeira, veja-se:

É a pessoa que organiza uma atividade econômica de produção ou de circulação de bens ou serviços, e por ela responde (delito especial próprio). Pode ser tanto a pessoa física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica nascida da união de esforços de seus integrantes. Salienta-se que, pelo fato de o Direito Penal ser informado pelos princípios da responsabilidade penal subjetiva, da pessoalidade da pena e da culpabilidade, serão sujeitos ativos o empresário individual ou os sócios integrantes da empresa comercial, jamais esta, por lhe faltar a consciência e vontade de atuar. (PRADO, 2007, p.44, itálico no original).

Ao analisarmos tal posicionamento percebemos que este compactua com os ditames Finalistas até então preconizados no presente estudo.

Cirino dos Santos (2007) sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas na Constituição afirma que:

a) se a Constituição fala em responsabilidade, então o intérprete não pode ler responsabilidade penal, nem o legislador ordinário está autorizado a estabelecer responsabilidades penais da pessoa jurídica; b) se a constituição fala em atos, então nem o intérprete, nem o legislador ordinário podem ler crimes; c) se a Constituição circunscreve as exceções às áreas da ordem econômica e financeira e da economia popular, então nem o intérprete, nem o legislador ordinário podem incluir outras exceções, como, por exemplo, o meio ambiente – afinal, o argumento de que sua defesa constitui principio geral da atividade econômica justificaria a inclusão de outros princípios gerais dessa atividade, como a propriedade privada, a livre concorrência, a defesa do consumidor etc.(CIRINO DOS SANTOS, 2007, p. 429, itálico no original).

Da análise de tal entendimento percebemos claramente a vedação de utilização das técnicas da analogia para se incriminar e imputar um delito a outrem, diante desse entendimento, percebemos que a Constituição Federal é obscura e até silente ao disciplinar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Ainda no que se refere à previsão Constitucional do tema Cirino dos Santos, (2007) aduz que:

a) as condutas de pessoas físicas sujeitarão os infratores a sanções penais; b) as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas. Afinal, a lei não contém palavras inúteis, e o uso de sinônimos na lei seria uma inutilidade, incompatível com a técnica legislativa e com a inteligência do legislador. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.430, itálico no original).

Cirino dos Santos (2007) afirma que a Constituição traz responsabilidade penal às pessoas físicas e responsabilidade administrativa às pessoas jurídicas, justamente porque as peculiaridades da responsabilidade penal são incompatíveis com as características das pessoas jurídicas.

Afinando tal posicionamento Cirino dos Santos (2007), explica que:

A criminalização da pessoa jurídica, como forma de responsabilidade penal impessoal, é inconstitucional: as normas do art. 173, §5º e do art. 225, §3º, da Constituição, não instituíram – nem autorizaram o legislador ordinário a instituir – a exceção da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Afinal, o limite das proposições do dever ser é constituído pelas determinações do ser: a estrutura legal impessoal da pessoa jurídica não suporta as categorias conceituas da responsabilidade penal pessoal de seres humanos. (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p.431-432, itálico no original).

Noutro giro, Bernardes (2005), nos mostra que para se reconhecer a responsabilidade penal das pessoas jurídicas mister se faz demonstrar quatro elementos:

a) a pessoa jurídica é imputável, tendo, desta maneira, capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento;

b) foi possível tomar pela pessoa jurídica ter ciência de que aquele fato concreto era proibido;

c) se pode exigir da pessoa jurídica que, naquelas condições em que se encontrava quando praticou a conduta típica e antijurídica, tivesse agido de outra forma, ou seja, que se pode emitir em seu desfavor um juízo normativo de reprovação social pelo fato praticado; e ainda

d) configurada a prática de crime, deve ser realizável individualizar a pena, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XLVI, da CF, levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vitima, estabelecendo-se, com base em tais elementos, uma pena necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime (artigo 59 do CP). (BERNARDES, 2005, p.758-759).

Com efeito, Bernardes (2005), afirma ainda que:

Admitindo-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica, estar-se-ia apurando todos os membros da corporação, autores materiais do delito e um número indeterminado de inocentes do grupo jurídico, tais como, por exemplo, os que se manifestaram contrários à decisão que gerou a conduta delituosa e os que não estavam presentes no momento da votação, em flagrante violação aos princípios da personalidade e individualização da pena. (BERNANRDES, 2005, p.759-760).

Por fim, Zaffaroni e Pierangeli (2008) afirmam que:

Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico. (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2008, p.355).

Desta feita, estes foram os principais entendimentos doutrinários contrários à responsabilização penal das pessoas jurídicas em nosso ordenamento jurídico o que nos força agora apresentar a solução possível à problemática proposta.

5 CONCLUSÃO

Após analisarmos as principais discussões existentes acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas em nosso ordenamento jurídico brasileiro podemos fazer algumas constatações.

De início percebemos que pelo conceito de ação proposto pelo Finalismo de Welzel onde toda ação pressupõe uma finalidade e, somente as pessoas físicas são capazes de agir desse modo.

Bem como, após analisar os elementos do conceito analítico de crime proposto pelo Finalismo, onde o dolo é elemento do tipo e seria justamente a finalidade dada à conduta, percebemos seguramente que as pessoas jurídicas, não são capazes de agir e tampouco praticar condutas dolosas.

Percebemos ainda, que as pessoas jurídicas, são sim seres fictícios conforme mesmo proposto por Savigny em sua Teoria da Ficção e rechaçamos de plano os ideais da Teoria da Realidade de Otto Gierke onde afirma que as pessoas jurídicas são dotadas de uma vontade coletiva, o que nos afigura como sendo um erro e que poderia desencadear uma responsabilidade penal objetiva.

Além disso, após analisarmos os entendimentos favoráveis a tal responsabilização constatamos que tais argumentos acabam por contrariar princípios basilares de nosso ordenamento jurídico penal o que inviabiliza mais uma vez a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Dessa forma, embora haja uma suposta previsão na Constituição Federal nos artigos 173, §5º e 225, §3º e ainda suposta previsão infraconstitucional no artigo 3º da lei de Crimes Ambientais, percebemos que à luz do presente estudo tais dispositivos são inócuos, inaplicáveis, necessitando de uma evolução da doutrina penal para que vislumbremos uma eventual responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Diante do exposto, não poderão, as pessoas jurídicas sequer cometer crimes em nosso ordenamento jurídico e, portanto não podem ser responsabilizadas.

Mas, reconhecemos que se criado um sistema de responsabilização penal das pessoas jurídicas, com princípios aplicáveis às suas peculiaridades sem que haja afronta a teorias fundamentais da ação como vem ocorrendo, bem como sem jeitinhos brasileiros criando um malfadado e descabido sistema de dupla imputação como vem propondo o nosso Superior Tribunal de Justiça – STJ poderão as pessoas jurídicas ser responsabilizadas penalmente, caso contrário, reforçamos nosso posicionamento de que as pessoas jurídicas não são capazes de agir e, via de consequência, não podem cometer crimes e tampouco ser responsabilizadas por eles.

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[1] Liszt, Lehrbuch, 1891, p.128; na tradução de José Hygino, Tratado, t. I, p. 198.

[2] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. 3ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2011 (p.40).

[3] Por questões puramente didáticas utilizaremos a nomenclatura ilicitude e não antijuridicidade no presente estudo. Primeiro porque o termo ilicitude tem natureza mais ampla se referindo à contrariedade a todo ordenamento jurídico e não só ao Direito Penal. Segundo, crime em nosso sistema jurídico-penal é fato jurídico e, portanto, o correto é justamente a nomenclatura ilicitude e não antijuridicidade. Por fim, o nosso Código Penal utiliza o termo ilicitude, como, por exemplo, no artigo 23 que fala das hipóteses de exclusão da ilicitude e não da antijuridicidade.

[4] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. 3ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2011 (p.59).

[5] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. 3ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2011 (p.59).



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