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Competência tributária: faculdade do exercício

Competência tributária: faculdade do exercício

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O não exercício da competência tributária não configura desobediência aos preceitos constitucionais.

INTRODUÇÃO

Como “Lei Tributária Fundamental”, a Constituição Federal da República de 1988 contém as diretrizes básicas de todos os tributos. A mesma não criou nenhum tributo, porém, previu em seu ordenamento as chamadas “normas de estrutura”, que disciplinam a produção de outras normas. As normas constitucionais relativas à competência tributária enquadram-se nesta categoria, autorizando os legislativos da União, dos Municípios, dos Estados e do Distrito Federal a criarem in abstrato tributos, e ainda estabelecerem o modo de lançá-los e arrecadá-los, impondo também a observância de vários princípios que garantem os direitos dos contribuintes. No entanto, o exercício da competência é facultativo, mas para compreender essa questão aparentemente paradoxal, é necessário entender o que vem a ser competência tributária e quais são as suas características.


1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Com o advento da Constituição Federal de 1988, as pessoas políticas perderam o poder tributário absoluto e, passaram a exercer a chamada competência tributária, uma vez que o poder tributário passou a ser exercido pelo povo por meio de seus representantes. Assim, determina o art. 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal:

I-exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça;

(...)

O referido artigo estatui que os entes políticos não podem exigir ou aumentar tributo sem que a lei os estabeleça, fixando a norma estrutural da competência tributária. A competência tributária é exercida pelo Poder legislativo, representante do povo e detentor originalmente da responsabilidade de elaborar as leis que originam os tributos. Desta premissa, se extrai a noção de competência tributária: “aptidão para criar tributos. (...) O poder de criar tributo é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinada pela Constituição”. (AMARO, 2008, p. 93)

Preleciona, ainda, o professor Sabbag (2012, p.383) que há uma coincidência em nosso ordenamento jurídico da competência legislativa com a competência tributária, uma vez que a atribução constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena. No entanto, não se deve confundí-las, pois a competência para  legislar sobre Direito Tributário é genérica e a comptênia tributária é específica.

Segundo o esposado pelos doutrinadores mencionados, conclui-se que a competência tributária é o poder para instuir tributos, encerrando o seu exercício com a feitura da lei e nascimento do tributo.


2. DIFERENÇA ENTRE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE TRIBUTÁRIA

Para uma melhor compreenção acerca do tema em questão, imprescindível estabelecer a diferença entre competência tributária e capacidade tributária.

Com já explanado, a competência tributária trata-se do poder para instituir tributos, sendo exercida antes mesmo da existência do gravame, enquanto que a capacidade contributiva diz respeito a quem está habilitado para integrar a relação jurídico-tibutária como sujeito ativo ou passivo. Ao desempenhar a competência tributária, o legislador define quem serão as pessoas a atuarem como credor e devedor do tributo no cenário triutário.

Ressalta-se ainda que, por muitas vezes, a pessoa que exercita a competência tributária é a mesma que possui capacidade tributária ativa, atuando como intituidora e credora da exação.


3. FACULDADE DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

As características da competência tributária são: indelegável, diante da impossibilidade dos entes políticos dotados de competência tributária delegar a instituição de tributos para outras pessoas dotadas de personalidade jurídica; intransferível, pois não há possibilidade de transferência de tributos entre os entes; irrenunciável, pois não se é permitido utilizarem de suas autonomias para afastar a instituição de determinados tributos; e incaducável, a competência tributária não prescreve por decurso de lapso temporal.

O artigo 11 da Lei Complementar nº 101/00 determina quais são os requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal, a saber, a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação dos tributos.

No entanto, apesar de aparentemente contradizer o artigo mencionado a competência tributária também é facultativa, o que é diferente de irrenunciável. Somente se renuncia aquilo que se tem, assim, compreende-se que a Constituição fixou que impostos cabem a que ente tributário. Por exemplo, aos Municípios cabe a instituição dos Impostos Sobre Serviços - ISS, assim, estes não poderão determinar que os Estados revistam-se da competência e instituam o ISS. Porém, um ente pode não fazer uso da competência que lhe é atribuída, podendo determinar se irá ou não exercitá-la. Como exemplo, observe-se, nessa linha, que centenas de Municípios não instituíram ou criaram o Imposto Sobre Serviços (ISS), mas poderão fazê-lo a qualquer momento manejando os instrumentos legais pertinentes.

Neste sentido expõe-se a discussão na seara jurisdicional do Tribunal Regional Federal da 5º Região ao julgar, em 2010, a Apelação Cível 468268 CE 0012473-79.2006.4.05.8100:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. IMPOSTO MUNICIPAL. EXTINÇÃO DE OFÍCIO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. VALOR IRRISÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. APELAÇÃO PROVIDA. - A Constituição Federal, ao outorgar competência para que os entes políticos editem leis que instituam tributos, cuida de proceder à repartição da competência tributária, de sorte que é competência privativa do Município instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza. - O efetivo exercício da competência tributária é uma faculdade e não uma imposição constitucional, donde segue que a cada ente tributante caberá, fundado em critérios próprios de oportunidade e conveniência política e/ou econômica, decidir acerca da cobrança ou não de tributos. [...].

A jurisprudência citada, enfatiza  o caráter facultativo da competência tributária. Paulo de Barros Carvalho (2012) coaduna com o exposto, ao salientar que ao receber a designação constitucional para legislar, as pessoas políticas não estão compelidas a fazê-la, “com exceção do ICMS, que há de ser instituído e mantido, obrigatoriamente, pelas pessoas políticas competentes”.

Nesse sentido, anota Roque Antônio CARRAZZA que o titular da competência tributária não pode modificá-la, aliená-la, nem renunciá-la, mas pode deixar de exercitá-la, uma vez que:

 (...) quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar o tributo, minorá-lo, parcelar seu pagamento, isentá-lo, no todo ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou, até não tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pela própria entidade tributante. (CARRAZA, p.417)

Retomando a distinção entre competência tributária e capacidade tributária, destaca-se que a capacidade tributária não é indelegável, posto que, o detentor da competência pode editar lei nomeando outra pessoa jurídica de Direito Público para comportar-se como sujeito ativo.

Ressalta-se, porém, que para o não exercício de uma competência tributária, o ente deverá motivá-lo adequadamente, sob pena de “irremissível inconstitucionalidade da lei tributária”. Na ausência de justificativa plausível, haveria descumprimento aos princípios fundamentais como o da isonomia tributária, da capacidade contributiva, do dever de solidariedade no custeio do estado, e todos aqueles deles decorrentes. Assim, diante da possibilidade de se exercitar a competência tributária de maneira facultativa, há de se ponderar se o seu não exercício  poderá transgredir as determinações da Lei Tributária Maior.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a promulgação da Constituição Federal de1988, o poder de tributar passou a ser exercido pelo povo, através de seus representantes, restando aos entes políticos a chamada competência tributária, ou seja, incumbência de instituir tributos por meio das leis.

A competência tributária distingue-se da capacidade tributária ativa, por tratar-se do poder de criar tributos, sendo questionada em momento anterior à existência da exação. A capacidade contributiva passa a existir depois da existência do tributo, quando as pessoas habilitadas ocupam os pólos ativo e passivo  da relação jurídico-tributária.

Por tratar-se de poder concedido constitucionalmente, a competência tributária é indelegável, não podendo ser transferida a outrem.

No entanto, ao determinar as normas estruturantes da competência tributária, a Constituição possibilita que o ente não a exercite, ou seja, a competência tributária é facultativa, contudo, deve-se exercer a faculdade de maneira ponderada e uníssona aos princípios determinados pela Carta Magna.

Portanto, o não exercício da competência tributária não configura desobediência aos preceitos constitucionais. A vedação existe quanto à delegação da competência tributária, no entanto, permite-se eleger pessoa diversa para exercer a capacidade tributária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Taynara Cristina Braga. Competência tributária: faculdade do exercício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4143, 4 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33464. Acesso em: 23 abr. 2024.