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Apontamentos sobre a legitimidade dos alimentos compensatórios no âmbito da Legislação Civil brasileira

Apontamentos sobre a legitimidade dos alimentos compensatórios no âmbito da Legislação Civil brasileira

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Destaca-se nesse trabalho considerações referentes a figura jurídica conhecida como alimentos compensatórios, bem como a verificação da compatibilidade desse instituto à legislação civil brasileira.

RESUMO - Destaca-se nesse trabalho considerações referentes a figura jurídica conhecida como alimentos compensatórios, bem como a verificação da compatibilidade desse instituto à legislação civil brasileira. Para tanto, procuramos utilizar materiais que favoreceram a assimilação do conteúdo tais como livro, artigo e julgados. Trata-se de uma análise crítica acerca da legitimidade da prestação alimentícia de natureza compensatória considerando as peculiaridades e características que individualizam o instituto civil dos alimentos.

Palavras-chave: Alimentos Compensatórios; Legitimidade; Prestação.

INTRODUÇÃO 

É sabido que nos últimos anos o ordenamento jurídico vem sendo alvo de uma série de modificações. É que em meio à complexidade que envolve as relações sociais é natural que se busque constantemente atender aquilo que melhor se coaduna com a vontade e o anseio da sociedade, a fim de se garantir aquilo que o Direito, enquanto ciência humana aplicada mais busca atingir: a efetividade do bem-comum.

Assim, o ordenamento jurídico, à luz do binômio espaço-tempo, tenta compatibilizar a legislação à dinamicidade da sociedade procurando estabelecer, através da hermenêutica, a atualização do Direito.

Essas alterações nem sempre se dão no texto original da lei. Muitas vezes, o que se modifica é tão somente a interpretação buscando dá ao dispositivo legal um maior alcance e aplicabilidade. Como reflexo do que está sedo dito, temos ai uma vasta jurisprudência, que a todo tempo vem alargando entendimento antes atrelados ao texto legal, como o histórico julgamento da ADPF 132/RJ e da ADIn de nº 4.277/DF que entendeu pela aplicação, por analogia, das mesmas regras da união estável para a união homoafetiva.

Dentro dessa perspectiva de mudanças, não há dúvida de que um dos ramos do Direito que mais sofre com essas alterações é o Direito de Família, sobretudo, em virtude de ser um ramo essencialmente humano, pois seu objeto de estudo são as relações decorrentes do vínculo afetivo.

Em meio a essa onda de interpretações oriundas da complexidade que envolves as relações sociais, recentemente o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de ser concedido alimentos compensatórios que assegura pensão alimentícia para aquele cônjuge que trabalhe ou não, mas cujo padrão de vida pode sofrer brusca queda na comparação com o estilo de vida proporcionado durante o casamento pela maior remuneração do outro cônjuge.

Por ser um tema bastante atual ainda é timidamente mencionado pela doutrina, entretanto, trata-se de um assunto polêmico que que vem dividindo estudiosos acerca da sua aplicação e viabilidade. Isto é, deve o ordenamento jurídico obrigar o ex-cônjuge a pagar uma pensão de natureza compensatória?

Dentro desse diapasão constitui objeto deste trabalho a discussão e adequação dos principais fundamentos e características, bem como verificar, considerando os princípios constitucionais e a normatividade civil brasileira, a compatibilização dessa figura jurídica conhecida como alimentos compensatórios ao sistema jurídico pátrio.

Antes de adentrarmos especificamente no mérito da discussão acerca da legitimidade ou não do instituto acima referido, faremos uma breve análise referente à natureza jurídica e os fundamentos constitucionais da prestação alimentícia.

A PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS À LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 

No contexto em que aflorou a atual codificação civil, balizada inegavelmente na concepção de novos princípios e valores, possibilitou-se novas perspectivas aos operadores do direito, ao romper com as antigas previsibilidades das relações civis a fim de dar lugar a novos vetores de interpretação baseados em valores sociais, tais como a solidariedade, a eticidade e a boa-fé.

Com efeito, podemos constatar que a partir da concepção dos valores sociais do final do século XIX e toda sua reestruturação após a primeira metade do século XX, evidenciada pelas duas guerras mundiais, os velhos paradigmas deram lugar a novas concepções como a igualdade, a liberdade, o tratamento fraternal e, com destaque, o respeito à dignidade do ser humano.

            Foi justamente dentro desse cenário que surgiu a chamada Constituição cidadã, ou seja, emergia a figura de um Estado mais humano dotado de uma maior carga valorativa voltada para a promoção e desenvolvimento do bem-estar social.

Na tentativa de atender a um dos sustentáculos da ordem jurídica brasileira, a dignidade da pessoa humana, bem como promover a realização dos objetivos fundamentais da solidariedade social e da erradicação da pobreza[1]assumido pelo Estado brasileiro e externados respectivamente nos artigos primeiro, inciso III e terceiro, incisos I e III da Constituição Federal de 1988, o legislador procurou estabelecer prestações pecuniárias para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo trabalho próprio. Trata-se do direito à percepção de alimentos, previsto no Código Civil no art. 1.695[2].

Isso significa que existe todo um arcabouço principiológico por traz dessa prestação. Esses alimentos devem ser compreendidos como um mecanismo capaz de efetivar a manutenção de uma subsistência digna para o alimentando, possibilitando, aos que deles necessitam, as condições mínimas para manter-se e sobreviver dignamente.

É necessário que entendamos que os alimentos aqui referidos têm uma conotação mais abrangente ou, como ensina o professor Cristiano Chaves de Faria escrevendo em coautoria com Nelson Rosenvlad:

[...] Cuida-se de expressão plurívoca, não unívoca, designando diferentes medidas e possibilidades. De um lado, o vocábulo significa a própria obrigação de sustento de outra pessoa. A outro giro, com a expressão alimentos, designa-se também o próprio conteúdo da obrigação. Ou seja, sob a referida expressão estão envolvidos todo e qualquer bem necessário à preservação da dignidade humana, como a habitação, a saúde, assistência médica, a educação, a moradia, o vestuário e, é claro, também a cultura e lazer[3].  

Nesse sentido, o direito a percepção de alimentos constitui um mecanismo que visa à pacificação social, uma vez que se prestam à manutenção digna da pessoa humana, e dessa forma, possui natureza de direito da personalidade.

A partir das premissas lançadas acima começamos a vislumbrar a importância desse instituto e quais as suas principais implicações.

Dessa forma, dúvida não há no tocante a necessidade do ordenamento jurídico salvaguardar o direito a uma vida digna à aqueles que, embora transitoriamente, não tenham condições de se manter por si só. Ora, trata-se da manifestação daquele que é havido como princípio inspirador da Constituição Federal de 1988: a dignidade da pessoa humana. 

ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS E SUA LEGITIMIDADE

A par da visão constitucional do instituto da pensão alimentícia, já temos condições de tecer algumas considerações sobre a figura dos alimentos compensatórios. Em um primeiro momento, essa figura surgiu no direito espanhol e argentino, sendo introduzido no Brasil por intermédio de Rolf Madaleno.

Os alimentos compensatórios devem ser entendidos como uma espécie de pensão devida ao ex-cônjuge para evitar que, por possuir renda econômica muito inferior, cause uma brusca queda em seu padrão de vida. Trata-se assim, de uma prestação periódica, devida por um cônjuge em relação ao outro, quando da ruptura do vínculo matrimonial, ou nas palavras de Rolf Madaleno, citando a doutrina espanhola:

[...] se disso provier desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, para compensar, desse modo, a sensível disparidade no padrão social e econômico do separando alimentário, comprometendo, com a ruptura das núpcias, os seus compromissos materiais, seu estilo de vida e a própria subsistência.[4]

O que se percebe é que produzindo o rompimento conjugal um desequilíbrio econômico entre o casal em comparação com o padrão de vida de que desfrutava a família, seria cabível a fixação dos alimentos compensatórios. Nesses termos, faz jus a tal verba o cônjuge que não perceber bens, quer por tal ser acordado entre as partes, quer em face do regime de bens adotado no casamento, que não permite comunicação dos aquestos.[5]

O reconhecimento desse instituto já é havido como uma realidade dentro da legislação civil brasileira, existindo decisões concedendo tal benefício em face da condição de vida que levava o ex-cônjuge quando finda a relação marital, como podemos constatar no seguinte julgado do TJ/DFT:

 ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. Alimentos compensatórios são pagos por um cônjuge ao outro, por ocasião da ruptura do vínculo conjugal. Servem para amenizar o desequilíbrio econômico, no padrão de vida de um dos cônjuges, por ocasião do fim do casamento. Agravo não provido. (6ª Turma Cível, Agravo de Instrumento 20090020030046AGI, Rel. Des. Jair Soares, j. 10/06/2009).

No mesmo sentido, também decidiu o TJ/RS:

APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. SEPARAÇÃO. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Cabe a fixação de alimentos compensatórios, em valor fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal. Caso em que os alimentos podem ser compensados, dependendo da decisão da ação de partilha de bens, bem como não ensejam possibilidade de execução pessoal sob o rito de prisão. O deferimento dos alimentos não implica na conclusão de que as cotas sociais das empresas do casal devem ser repartidas em 50% para cada cônjuge. Matéria essa que deverá ser julgada de forma autônoma na ação de partilha de bens. Considerando que o valor dos honorários advocatícios está abaixo da complexidade da demanda, devem ser majorados os honorários. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível Nº 70026541623, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 04/06/2009).

Ainda no âmbito jurisprudencial, recentemente a quarta turma do STJ reconheceu a possibilidade de fixação de alimentos compensatórios para o ex-cônjuge.

No que se refere ao adimplemento de tal obrigação, não nos parece razoável a que o ex-cônjuge seja coagido a sustentar ou manter o padrão de vida de seu ex-consorte, baseando-se tão somente na desigualdade financeira que existia entre ambos. É que à luz do que foi exposto acima, não parece ser legítima essa exigência, já que esse instituto não preenche os requisitos que evidenciam a natureza alimentar da prestação.

Tomando como base os ensinamentos de José Fernando Simão, na realidade, não se trata de alimentos, uma vez que estes não são devidos em razão da sobrevivência do credor, não incidindo, portanto, o binômio ou como prefere a doutrina moderna o trinômio possibilidade/necessidade/proporcionalidade, razão pela qual entendemos que esse valor fixado pelos tribunais não pode ser considerado como alimentos[6]

Ora, a prestação alimentícia possui uma série de características decorrentes de seu próprio conceito que a individualiza de outras prestações de natureza pecuniária, tais como a irrenunciabilidade, intransmissibilidade, incessibilidade, impenhorabilidade, incompensabilidade, não transacionável e imprescritibilidade. Ao fazer a análise do valor fixado na condição de alimentos compensatórios, não podemos identificar as mesmas características. Nesse sentido, é de clareza solar a lição de Fernando Simão:

Em se tratando de valor pago para que não haja empobrecimento de um dos cônjuges ou companheiros essa importância pode ser cedida, pois se trata de crédito pecuniário como qualquer outro; pode ser transmitida, como qualquer outra dívida do falecido, pode ser objeto de renúncia, pois não tem qualquer relação com o direito à vida; pode ser compensada em sendo líquida, vencida e fungível; sofre os efeitos da supressio, ou seja o tempo impede o exercício do direito em decorrência do abandono da posição jurídica; e, também, o valor pode ser penhorado pelos credores do cônjuge que o recebe. Por fim, caso o valor seja fixado pelo juiz, a pretensão de cobrança prescreve em 10 anos conforme o caput do art. 205 do Código Civil, e não no prazo especial do parágrafo segundo do art. 206.[7]

Outro fundamento que se dá ao instituto é que não seria razoável admitir que uma pessoa com um padrão elevado de vida ficasse desamparada bruscamente em razão do rompimento da relação conjugal. De fato, seria uma situação dificultosa à aquele que já estava acostumado com regalias oriundas do patrimônio do ex-cônjuge, se vê, repentinamente, desprovida destas. Entretanto, tal argumento não nos parece válido, haja vista que para essa situação, existe a figura dos alimentos transitórios, que consiste na fixação de uma pensão em caráter temporário com vistas à reinserir o ex-cônjuge no mercado de trabalho, e, embora não exista previsão legal à respeito, tem grande receptividade na jurisprudência. É justamente um meio de fazer com que o ex-cônjuge, se adapte à sua nova realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 Este trabalho se propôs a apresentar e discutir a legitimidade da obrigação alimentar compensatória no âmbito do Direito brasileiro. Para tanto, procuramos desenvolver nosso estudo utilizando materiais que favoreceram a assimilação do conteúdo abordado, tais como livros e artigos a fim de fundamentar nossos posicionamentos.

Dentro do que foi exposto ao longo desse trabalho, podemos constatar que os alimentos compensatórios, muito embora seja um tema muito novo, vem sendo alvo de interessantes debates dividindo estudiosos acerca de sua legitimidade e de sua real natureza.

Como foi dito acima, não nos parece justa a ideia de obrigar um ex-cônjuge ao pagamento uma pensão de natureza essencialmente fútil, uma vez que seu fundamento maior é a mantença do status conquistado no período em que eram casados, isto é, não se fala aqui em uma pensão visando atender necessidades vitais do credor, e sim um valor destinado a manter suas antigas regalias. Obviamente, entendemos que é complicada a transição e que seria razoável impor determinado valor a fim de reinseri-lo e adaptá-lo à sua nova realidade.

Contudo, esse valor deve ter um caráter temporário, que é justamente a previsão dos alimentos transitórios.

Portanto, considerando o que foi exposto, não reputamos como legítima a previsão dos alimentos compensatórios, ou pelo menos, esta prestação não pode ser compreendida como alimentos em razão de lhe faltar pressupostos essenciais caracterizadores do instituto. 

REFERÊNCIAS 

BRASIL, Código Civil. Lei 10.406 de 10 janeiro de 2002.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil publicada em 5 de outubro de 1988.

FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – vol. 6. Direito de Família. Salvador: Juspodium, 2012.

GASTALDI, Suzane. Recentes julgados em direito de família: alimentos transitórios e alimentos compensatórios ou sociais. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigo/26025/recentes-julgados-em-direito-de-família-alimentos-transitorios-e-alimentos-compensatorios-ou-social#ixzz3HCPpl2tp> Acesso em: 25 de out. de 2014.

MADALENO, Rolf. Obrigação, dever de assistência e alimentos transitórios. Revista CEJ, v. 8, n. 27, p. 74-75, out./dez. 2004.

SIMÃO, José Fernando. Alimentos compensatórios: desvio de categoria e um engano perigoso. Meus Artigos. Disponível em:< http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_cf0413.html> Acesso em 25 de out. de 2014.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2012.


[1] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil publicada em 5 de outubro de 1988.

[2]BRASIL, Código Civil. Lei 10.406 de 10 janeiro de 2002.

[3]FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – vol. 6. Direito de Família. Salvador: Juspodium, 2012, p.761

[4]MADALENO, Rolf. Obrigação, dever de assistência e alimentos transitórios. Revista CEJ, v. 8, n. 27, p. 74-75, out./dez. 2004.

[5]GASTALDI, Suzane. Recentes julgados em direito de família: alimentos transitórios e alimentos compensatórios ou sociais. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigo/26025/recentes-julgados-em-direito-de-família-alimentos-transitorios-e-alimentos-compensatorios-ou-social#ixzz3HCPpl2tp> Acesso em: 25 de out. de 2014

[6]SIMÃO, José Fernando. Alimentos compensatórios: desvio de categoria e um engano perigoso. Meus Artigos. Disponível em:< http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_cf0413.html> Acesso em 25 de out. de 2014.

[7]Idem.


Autor

  • Marden de Carvalho Nogueira

    Procurador Federal - Procuradoria Geral Federal - PGF<br>Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Ceará - UFC.<br>Como Procurador Federal atuou ou atua nas matérias de direito tributário, execução fiscal, execução fiscal trabalhista, contencioso trabalhista, contencioso previdenciário, ações civis públicas, ações de improbidade administrativa etc.

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