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Eficiência administrativa na Constituição Federal

Eficiência administrativa na Constituição Federal

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Sumário: 1. Introdução. 2. Elementos para a caracterização da eficiência administrativa como princípio. 3. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa. 4. Aspectos polêmicos do controle judicial da eficiência administrativa. 5. Notas finais. Notas. Bibliografia.


1. Introdução

As recentes alterações que o texto constitucional recebeu, através da Emenda Constitucional nº 19/98 (conhecida como "reforma administrativa" pela mídia e, "emendão" pelos estudiosos do direito público), têm constituído uma nova fonte de desafios para aqueles que aprenderam a amar o direito administrativo.

Junto com a Emenda Constitucional nº 19/98, estamos assistindo a todo um processo de mudança no perfil de administração pública que tínhamos no Brasil. Fala-se em desburocratização, desregulamentação e, em alguns casos, até de desconstitucionalização. Estamos assistindo a introdução de novos entes e institutos na administração pública, como as organizações sociais, as agências executivas, o contrato de gestão etc.

Dentre as mudanças no texto constitucional, observamos com bastante interesse a nova redação do caput do art. 37 da Constituição Federal. Encontra-se agora no texto da Lei Maior:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)" (grifo nosso).

A introdução expressa do princípio da eficiência, ao nosso ver, fez-se para tentar oferecer respostas às acusações de praxe contra a administração pública brasileira, tais como a corrupção, nepotismo, baixa qualidade dos serviços públicos, estabilidade do servidor como mordomia, salários exorbitantes etc. O cidadão brasileiro sempre se ressentiu dos serviços públicos que lhe são oferecidos, denunciando continuamente a ineficiência destas atividades estatais através da mídia. Por mais que se faça acusações à imprensa brasileira, quanto à sua conduta no processo de reformas que o Estado e o Direito brasileiros vêm passando, muito do que se denunciou e criticou na mídia representa um eco a todo esse conjunto de frustrações.

O que não deixa de ser um exemplo claro do que Marcelo Neves(1) aponta como legislação-álibi, ou seja, quando o legislador procura atenuar as pressões sócio-políticas ou tenta se apresentar como sensível às necessidades sociais.

Muitas vezes se recorre ao Poder Judiciário em busca de providências em razão da resistência à ação da administração pública. Mas, em termos jurídicos, é possível o Poder Judiciário invalidar um ato administrativo por que este teria ofendido ou pode ofender o princípio da eficiência? O princípio da eficiência basta para invalidar um ato administrativo?

O objetivo desse trabalho é o de identificar a função jurídica da eficiência administrativa, bem como o de propor um conteúdo possível para este preceito. Não se trata de esgotar o assunto, mas sim tecer algumas impressões iniciais sobre a matéria.


2. Elementos para a caracterização da eficiência como princípio.

Toda a atividade estatal está submetida ao ordenamento jurídico vigente, que é composto de princípios e regras que orientam as relações jurídicas entre a administração pública e o cidadão.

Os princípios constitucionais são expressões normativas consolidadas a partir dos valores (fundamentos constitucionais(2)) ou fins (diretrizes constitucionais(3)) constitucionais, que garantem a coerência, a unicidade e a concreção de todo o ordenamento jurídico. São normas constitucionais hierarquicamente superiores às regras constitucionais(4).

A quebra de um princípio jurídico basta para invalidar todo e qualquer ato do Estado, pois como bem leciona Celso Antônio Bandeira de Mello(5):

"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

O princípio da eficiência vem expresso na Constituição Federal reformada. Quando um princípio jurídico é encontrado por disposição expressa no texto legal, constitui norma plenamente exigível e concretizável, vinculando imediatamente o agente público e o cidadão. No caso dos princípios jurídicos implícitos no ordenamento jurídico, é preciso a sua apreensão doutrinária e jurisprudencial, somente encontrando concretização viável quando indicado e imposto pela decisão judicial.

A eficiência administrativa pode ser aceita como princípio na medida em que viabilize a invalidação de qualquer ato do Estado atentatório aos seus ditames. O conteúdo jurídico do princípio constitucional variará consoante o tratamento que lhe for dado, bem como o alcance e o peso relativo que lhe for atribuído, dentro do ordenamento jurídico posto(6).

Nem sempre o fato do legislador atribuir, numa interpretação literal do texto jurídico, a condição de princípio a um preceito indica necessariamente que ele o será. O princípio jurídico é uma norma jurídica, forte e poderosa o suficiente, sem necessidade de uma regra ou outro princípio que o explique, para determinar a validade ou a invalidade de regras e atos jurídicos. Os princípios não são criados pela doutrina ou pela jurisprudência, mas sim identificados no ordenamento jurídico(7).

Não raras vezes se confunde um fundamento ou uma diretriz com um princípio jurídico. A cidadania, por exemplo, não é um princípio jurídico, mas sim um fundamento constitucional a ser concretizado por via normativa. É possível invalidar um ato do Estado argumentando tão somente a cidadania? Essa mesma pergunta deve ser feita se atribuir ou não à eficiência administrativa o caráter de princípio.

Isso não implica em dizer que estamos menosprezando a função jurídica da cidadania. Como fundamento constitucional, tem a função normativo-jurídica de, ao lado de sua função político-simbólica, servir de padrão axiológico para operador jurídico, na construção e concretização do ordenamento jurídico(8).


3. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa.

3.1. Natureza jurídica da eficiência administrativa.

Consoante Adílson de Abreu Dallari(9), "o Poder Público somente cuida daquilo que é essencial e fundamental para a coletividade, e que, portanto, deve ser bom, produtivo, eficaz, eficiente", constituindo a reclamação pela eficiência da administração pública um direito subjetivo do administrado. Como lembra Alexandre de Morais(10), o administrado "poderá exigir da Administração Pública o cumprimento de suas obrigações da forma mais eficiente possível".

Há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas. Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que ininterruptamente leva à Administração. O princípio da eficiência administrativa estabelece o seguinte: toda a ação administrativa deve estar orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo.

A ânsia de se alcançar as metas legalmente estipuladas pode, não raras vezes, induzir ao administrador à indevida "flexibilização" das normas que regulam o procedimento administrativo previsto para o caso concreto. O caso recente dos grampos telefônicos de conversas reservadas dos responsáveis pelo processo de privatização em curso demonstram que o argumento da "eficiência" também pode servir para a quebra do ordenamento jurídico.

Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante de finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmos atrapalham o próprio interesse público.

Alexandre de Morais(11) o define do seguinte modo:

"(...) é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços públicos sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum".

Aceitação do princípio da eficiência encontra resistência na doutrina, talvez porque uma das razões apontadas para sua indicação expressa no texto constitucional reformado tenha sido a de tornar a estabilidade dos servidores públicos mais frágil. Maurício Antônio Ribeiro Lopes(12) se opõe ao caráter principiológico e jurídico da eficiência administrativa, afirmando:

"Inicialmente cabe referir que eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os próceres do Poder Executivo federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido - salvo se deixou de ser em recente gestão pública - finalidade da mesma Administração Pública. Nada é eficiente por princípio, mas por conseqüência (...)

Trata-se de princípio retórico imaginado e ousado legislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquer critério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice ao elenco dos princípios constitucionais já consagrados sobre Administração Pública".

E, caminhando em sentido similar, Celso Antônio Bandeira de Mello(13):

"Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto".

Ou, na visão de Lúcia Valle Figueiredo(14):

"É de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência administrativa para seus cometimentos".

A eficiência, ao nosso ver, constitui sim princípio jurídico da administração pública, que, junto aos demais princípios constitucionais do regime jurídico-administrativo, impõe o dever da boa administração. Não se pode conceber uma administração pública que não tenha a obrigação de ser diligente e criteriosa na busca e efetivação do interesse público consagrado em lei(15). O princípio da eficiência administrativa têm bastante relevância quando se apura o respeito à ordem jurídica quando se está diante da discricionariedade administrativa.

Discricionariedade administrativa constitui uma prerrogativa concedida pelo direito positivo à administração pública que lhe permite inserir, de modo controlado e delimitado, critérios de conveniência e oportunidade na formação da "vontade" administrativa. Ocorre quando: a lei estabelece expressamente mais de uma opção para a ação administrativa no caso concreto; ou, omite-se em fixar o motivo ou objeto do ato administrativo; ou, por fim, quando são empregados no texto normativo termos com larga dimensão semântica - os "conceitos jurídicos indeterminados" - e, se e somente se, for materialmente impossível para o Poder Judiciário fixar a melhor interpretação para a situação jurídica posta sob sua apreciação(16).

É certo que a eficiência é uma finalidade de toda ação administrativa, mas nada impede que o constituinte, o legislador ou o reformador estabeleçam novas figuras principiológicas ou reconheça expressamente o que a doutrina e/ou a jurisprudência identificava como princípios implícitos no sistema constitucional.

O texto constitucional já fazia referência a eficiência em outros pontos do documento jurídico-político fundamental(17). Ao instituir o controle interno dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o art. 74, da Lei Maior, diz-nos o seguinte (grifo nosso):

"Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

(...)

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado".

A doutrina também já mencionava a eficiência ao tratá-la como requisito fundamental do serviço público(18); ou como um aspecto relevante para a aferição da razoabilidade na discricionariedade administrativa(19).

Para que a eficiência seja considerada princípio, é preciso que a sua violação baste para invalidar a conduta administrativa, sem a necessidade de regra. O princípio deve ser suficiente para eliminar o atentado ao seu conteúdo, pois, do contrário, não pode ser enquadrado em tal categoria.

3.2. Eficiência administrativa e outros princípios constitucionais.

Alexandre de Morais(20) coloca a transparência, a imparcialidade, a neutralidade como "características" do princípio da eficiência. Discordamos.

A transparência está vinculada ao princípio da publicidade e ao princípio da motivação. Sem transparência, não há controle jurisdicional viável da administração pública, constituindo uma exigência da cidadania.

A imparcialidade e a neutralidade são determinadas pelo princípio da impessoalidade ou finalidade. Este determina que somente uma finalidade pública pode ser o norte da ação administrativa, e tais deveres do administrador são imprescindíveis para o cânone teleológico do regime jurídico-administrativo. Mas o conceito proposto de eficiência administrativa não se aproxima com noção de finalidade?

Sim, evidente que sim. Contudo, enquanto que no princípio da eficiência administrativa, determina-se que a ação material da administração pública deve atingir efetivamente, e de modo lícito, a finalidade legal, o princípio da finalidade esclarece que o ato administrativo somente pode ter uma finalidade pública, estabelecida em lei A impessoalidade veda uma finalidade estranha ao interesse público na ação administrativa; já a eficiência administrativa, a falha da administração em atingir o fim legal.

Eficiência administrativa e moralidade também guardam elos fortes de ligação. Somente há obediência ao dever da boa e eficiente administração quando há o respeito à moral administrativa.

A eficiência administrativa tem bastante relevância no controle de proporcionalidade dos atos administrativos. Apesar da precariedade do controle judicial de eficiência, este elemento é muito importante para a aferição da presença dos requisitos de necessidade, adequação e razoabilidade na formação do ato administrativo.

Os princípios jurídicos não devem ser encarados como compartimentos estanques, incomunicáveis. É preciso que o operador jurídico compreenda que os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência são elementos que devem ser conjugados para o melhor entendimento do regime jurídico-administrativo.

Todavia, apesar do conteúdo principiológico do regime jurídico-administrativo exigir coerência, unidade e aplicabilidade, pois mesmo havendo a necessária interdependência entre os princípios constitucionais da administração pública, é preciso que esteja assegurado a cada preceito, um conteúdo e uma finalidade distinta. Do contrário, a argüição do princípio no caso concreto perde sua utilidade prática.

3.3. Direito de participação do administrado na gestão dos serviços públicos

A Emenda Constitucional nº 19/98 declarou o direito de participação dos administrados na gestão dos serviços públicos, tanto na administração pública direta como na administração pública indireta, determinando que a lei deve instituir formas que o viabilizem(21). O reformador ainda estabeleceu, quanto a esse direito subjetivo do cidadão:

a) Direito de reclamação contra a ineficiente prestação de serviços públicos, estabelecendo ainda a Constituição reformada a garantia da manutenção dos serviços de atendimento do usuário e da avaliação períodica, externa e interna, da qualidade dos serviços(22);

b) O direito de acesso dos usuários dos serviços públicos a registros administrativos e a informações sobre "atos de governo"(23);

c) E, por fim, o direito de representação contra o exercício negligente ou abusivo do cargo, emprego ou função na administração pública(24).

O regime jurídico-constitucional da administração pública segue a tendência do direito administrativo contemporâneo, que determina o "abandono da vertente autoritária para valorizar a participação de seus destinatário finais quanto à formação da conduta administrativa"(25). O direito subjetivo do administrado à participação tem forte ligação com o princípio da eficiência, constituindo sua instituição e as garantias constitucionais nele inspiradas um grande instrumental jurídico para a concretização normativa da eficiência(26). Quem melhor senão o próprio destinatário do serviço público para determinar se existe materialmente a conciliação entre a prática administrativa e o ditame constitucional da eficiência?

Constitui, sem dúvida, um dos pontos positivos da reforma administrativa engendrada pela Emenda Constitucional nº 19/98. Resta saber que, haja vista boa parte dessas benéficas inovações depender expressamente de regulamentação infraconstitucional, se haverá vontade política, por parte dos titulares do Poder Legislativo e do Poder Executivo, de efetivamente concretizá-las; assim como, quando vier a legislação que se espera, se ela refletirá um progresso real na busca do acesso à administração pública democrática.

3.4. Quebra da estabilidade do servidor público

É sob a ótica da eficiência, que a agora se permite a quebra da estabilidade do servidor público por insuficiência de desempenho(27). Tal matéria inequivocamente depende de regulamentação infraconstitucional. É preciso que essa legislação observe as garantias do contraditório e da ampla defesa, bem como, que assegure ao servidor público critérios objetivos e claros para aferir a eficiência de sua conduta funcional.


4. Aspectos polêmicos do controle judicial da eficiência administrativa

Apesar da expressa inclusão do princípio da eficiência no rol do art. 37, caput, da Constituição vigente, é vedado, ao nosso ver, ao Poder Judiciário controlar integralmente a eficiência da atividade administrativa.

A eficiência da ação administrativa é objeto de controle interno de cada poder, quando exerce tal função(28), e do controle legislativo(29). Em sede de controle administrativo, a atividade administrativa é amplamente revisada e apreciada. Se a providência administrativa anteriormente tomada passou a se mostrar inconveniente ou inoportuna, ela fica passível de revogação pela administração pública, por não se mostrar mais eficiente para satisfazer o interesse público no caso concreto. Não se está controlando a juridicidade da medida, mas sim sua efetividade.

No caso do controle legislativo, há espaço para que o Congresso Nacional aprecie a economicidade da ação administrativa. O Tribunal de Contas, seu órgão auxiliar, pode impugnar o ato ineficiente, sustando-o caso se persista na sua execução(30).

Aponta Themístocles Brandão Cavalcanti(31), a insuficiência da lei em prever todos os critérios específicos a serem empregados, "só conhecidos de quem tenha o domínio dos conhecimentos técnicos e das condições peculiares à individualização das normas e sua aplicação aos caso concretos". Na apreciação dos critérios técnicos indicados pela autoridade administrativa, o juiz necessariamente terá que recorrer a técnicos e especialistas para aferir, tão somente, sua legalidade, seu respeito à isonomia e sua compatibilidade ética, jamais sua eficiência para fins de invalidação. Não podendo ser esquecido que:

"É preciso esclarecer que os standards e critérios técnicos que orientam o procedimento administrativo, não correspondem a limitações objetivas mas a situações subjetivas que podem ser consideradas quanto à idoneidade de sua aplicação aos casos concretos, pelos órgãos competentes para o contrôle dos atos administrativos"(32).

Analisar a eficiência da ação administrativa é analisar a esfera de sua discricionariedade. A opção por um critério técnico específico, se conciliado com os cânones do regime-administrativo, fica isenta de invalidação judicial por ineficiência. Não cabe ao Poder Judiciário definir a melhor técnica aplicável, mas sim se esta ateve-se aos limites do ordenamento jurídico.

Portanto, havendo mais de uma técnica possível, segundo os cânones científicos e metajurídicos aplicáveis ao caso concreto, e ela guardando compatibilidade com o regime jurídico-administrativo, há necessariamente espaço para discrição.

Não estamos defendendo aqui a discricionariedade técnica(33). Embora seja imperativo o dever da boa administração e da melhor escolha, é impossível a substituição do administrador pelo juiz no papel de perito do interesse público, no que concerne ao aspecto estrito de sua eficiência. Afinal, a administração pública não tem sua razão de ser e de agir na concretização do interesse público? Quem deve dizer que a ação da administração pública materialmente atendeu às expectativas do cidadão, o juiz (enquanto agente público) ou o próprio cidadão, tutelado pela medida administrativa?

Themístocles Brandão Cavalcanti(34) bem alerta sobre essa questão:

"Em um mundo dominado por uma compilação enorme de problemas, ninguém, nem mesmo os juizes, pode pretender possuir o dom de conhecer todos êles e, ainda menos, o de resolvê-los por si.

Mas nem todos os problemas se ajustam ao quadro das soluções técnicas. Há circunstâncias morais, existem razões profundas de ordem jurídica que bastam para orientar um solução. Nesses casos, o juiz é o perito na aplicação do direito.

Para êle está reservada uma larga margem na atividade estatal, mas nenhuma razão existe para colocá-lo como árbitro na atividade específica dos outros pôderes, quando no uso legítimo de sua competência.

O problema surge freqüentemente nos casos em que o juiz tem de dar um fundamento econômico à sua decisão"

Caso o ato administrativo portador de mérito tenha se mostrado inconveniente ou inoportuno, no momento da sua expedição, estaremos diante da quebra da ordem jurídica por violação da isonomia ou moralidade administrativas. Mas, ao se invalidar a discricionariedade administrativa, retira-se do regime jurídico-administrativo o ato dela decorrente, impossibilitando a aferição integral da eficiência ou ineficiência material da providência. A execução material do ato administrativo não se confunde com o próprio ato(35).

Somente a administração pública tem competência e aptidão para, preventivamente, retirar do regime jurídico-administrativo um ato que passou a se mostrar ineficiente para a satisfação do interesse público. Ao se admitir que o Poder Judiciário possa faze-lo, corre-se o sério risco de se eliminar o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes do Estado.

No caso das liminares judiciais de caráter preventivo, não pode o juiz invalidar um ato administrativo sob o único argumento da quebra o princípio da eficiência. Pode o juiz sim, se identificado um potencial perigo de lesão a um direito subjetivo do administrado, em se admitindo a invalidação judicial por ineficiência da opção administrativa, suspender a execução do ato administrativo contestado até a resolução final da lide (o que não implica em sua retirada do regime jurídico-administrativo, em sede de medida cautelar). A concessão desses provimentos jurisdicionais é, inclusive, imprescindível quando a técnica empregada pela administração pública pode se mostrar danosa à ordem pública ou a um bem público, especialmente quando se trata de matéria envolvendo meio ambiente.

O total controle jurisdicional da eficiência implicaria numa intervenção inaceitável do Poder Judiciário na competência administrativa, usurpando as atribuições constitucionais da administração pública(36), pois:

"É a proteção da ordem jurídica, da ordem legal, que se pretende e não a eficiência e economia dos serviços administrativos, da utilidade ou necessidade dêsses atos"(37).

O Poder Judiciário não pode compelir a tomada de decisão que entende ser de maior grau de eficiência. Todos temos nossa ideologia, elemento imprescindível à qualquer ser humano. Mas o ordenamento jurídico rejeita qualquer relevância do que seja ideal para o juiz quando no exercício da função jurisdicional, haja vista o ordenamento jurídico não tolerar outra ideologia senão aquela compatível com os valores e fins constitucionalmente assentados.

Mas a eficiência, quando interpretada em conjunto com os demais princípios jurídicos (especialmente os da moralidade e o da proporcionalidade), pode orientar a aferição da juridicidade da ação administrativa. O que o juiz não pode fazer é, empregando exclusivamente o princípio da eficiência, invalidar o ato administrativo.

É evidente que uma administração pública que atende aos cânones da proporcionalidade e da moralidade está sendo juridicamente mais eficiente, havendo um controle jurisdicional de eficiência quanto às vias empregadas pela administração pública no caso concreto. Verifica-se, portanto, se a administração pública optou devidamente por vias lícitas.

Em suma, a função do Poder Judiciário é esgotada pela comprovação de que as vias eleitas, bem como sua correlação com o interesse público no caso concreto, estão em conformidade com o regime jurídico-administrativo. Não cabe ao juiz, verificado que o administrador atendeu aos padrões de legalidade, impessoalidade, proporcionalidade, isonomia, moralidade e publicidade, determinar se a medida vai ser eficiente ou não, caso esta ainda não tenha sido concretizada. Imagine-se o tumulto que os juizes provocariam se começassem a invalidar atos administrativos que ferissem seus padrões ideológicos particulares.

E como conciliar o direito subjetivo público do cidadão à eficiência com a insindicabilidade do ato administrativo portador de mérito em matéria estrita de eficiência? Embora o Poder Judiciário não possa invalidar o ato administrativo, antes de sua execução, pela ótica estrita da eficiência administrativa, é possível responsabilizar o Estado pelas perdas e danos causados pela ação administrativa(38). O ato estatal lícito, afinal, também gera responsabilização do Estado(39).

É possível, ao nosso ver, discutir-se até, se a ineficiência da administração pública em atender materialmente a um direito subjetivo do administrado (educação, saúde, moradia, lazer, por exemplo), por si só, constitui um dano ao administrado, hábil para produzir efeitos concretos no campo da responsabilidade administrativa, penal ou civil. Mas esse aspecto foge aos limites de nosso trabalho, bastando-nos aqui, apenas suscitar o debate.

A eficiência da ação administrativa somente é efetivamente comprovada quando o ato administrativo é materialmente aplicado. O controle jurisdicional da atividade administrativa não incide sobre a execução material, mas sim, a estrutura e coerência jurídicas da decisão da administração pública e sua relação com o regime jurídico-administrativo. Se da execução do ato adveio dano para o administrado, há espaço para a responsabilidade do Estado.


5. Notas finais.

O cidadão brasileiro encontra-se, desde há muito tempo, exausto pela péssima qualidade dos serviços que lhes são prestados pelo Estado. Embora o "emendão" tenha sofrido todo um conjunto de fortes críticas por parte dos estudiosos do direito público, a introdução expressa da eficiência como princípio jurídico abre novos horizontes para o estudo das questões relacionadas com a ação administrativa.

Resta saber se a palavra "eficiência" vai sensibilizar efetivamente os titulares da administração pública. E, especialmente, como os nossos tribunais irão enfrentar os conflitos entre administração pública e administrado quando diante do argumento da eficiência administrativa.

Mas deve haver certeza em um aspecto: agora, a admissibilidade de um direito subjetivo à eficiência administrativa fica cada vez mais inequívoca.


NOTAS

1. Marcelo Neves, A Constitucionalização Simbólica, São Paulo, Acadêmica, 1994, p. 37.

2. São aqueles valores socialmente considerados imprescindíveis para a sociedade em um dado momento histórico, cuja complexidade demanda um tratamento jurídico diferenciado (Vladimir da Rocha França, "Questões sobre a Hierarquia entre as Normas Constitucionais na Constituição de 1988", In: Revista da ESMAPE, Vol. 2, Nº 4, p. 474). Ver CF, art. 1º e seus incisos.

3. São aquelas metas constitucionalmente fixadas para o Estado e a Sociedade, que devem ser alcançadas por instrumentos jurídicos (idem, ibidem, p. 475). Ver CF, art. 3º e seus incisos.

4. Preceitos normativos, tal como as regras jurídicas infraconstitucionais, que estabelecem um padrão de conduta a ser seguido pelo cidadão diante de uma dada situação jurídica individual, podendo determinar uma permissão, obrigação ou proibição (idem, ibidem, p. 478).

5. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 11 ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 630.

6. Vladimir da Rocha França, op. cit., pp. 483-492.

7. Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), São Paulo, Ed. RT, 1990, p. 129.

8. Vladimir da Rocha França, op. cit., p.477.

9. Em seu "Administração Pública no Estado de Direito", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 5/1994, p. 39-40. Cf. Alexandre de Morais, Direito Constitucional, 5 ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 293.

10. Op. cit., p. 293.

11. Op. cit., p. 294 (grifo no original).

12. Em seu Comentários à Reforma Administrativa - De acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1988, e 19, 04.06.1988, São Paulo, Ed. RT, 1998, pp. 108-109 (grifo no original).

13. Op. cit., p. 75.

14. Em seu Curso de Direito Administrativo, 4 ed., São Paulo, Malheiros, 2000, p. 60.

15. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricionariedade, 2 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1991, p. 55.

16. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 629-653; Vladimir da Rocha França, "Fundamentos da Discricionariedade Administrativa", in: Revista dos Tribunais, Vol. 768, pp. 60-75; e Eros Roberto Grau, "Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade", in: O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 167-190.

17. Assim como nossos tribunais. Ver, por exemplo, STJ, ROMS nº 5590/95-DF, Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, unânime pelo não provimento, julgado em 16/04/96, publicado no DJ de 10/06/96.

18. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 20 ed, atual. por Eurico de Andrade Azevedo et al, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 299.

19. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, op. cit., p. 55.

20. Op. cit., pp. 295-298.

21. Ver CF, art. 37, § 3º, caput.

22. Ver CF, art. 37, § 3º, I.

23. Ver CF, art. 37, § 3º, II. Interpretamos como "atos de governo" todos os atos emanados do Poder Executivo. Se o atos decorrentes de políticas públicas devem ser informados à coletividade, porque não os simples atos administrativos. O que já é, aliás, determinado pela Lei Maior em seu art. 5º, XXXIII.

24. Ver CF, art. 37, § 3º, III.

25. Caio Tácito, "Direito Administrativo Participativo", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 15/1996, p. 25.

26. Alexandre de Morais, op. cit., p. 297.

27. Ver CF, art. 41, § 1º, III.

28. Ver CF, art. 74, II.

29. Ver CF, art. 70, e ss.

30. Ver CF, art. 71, X. No caso de contrato administrativo ineficiente, o ato de sustação é de competência do Congresso Nacional, como determina a CF, no seu art. 71, § 1º.

31. Op. cit., p. 437.

32. Idem, ibidem, p. 440.

33. Para uma crítica à chamada discricionariedade técnica, ver Antônio Francisco de Sousa, "Conceitos Indeterminados" no Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 105-112.

34. Op. cit., p. 439.

35. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 270.

36. Themístocles Brandão Cavalcanti, op. cit., p. 445.

37. Idem, ibidem, p. 448.

38. Idem, ibidem, p. 435.

39. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 654-695; e Lúcia Valle Figueiredo, op. cit., pp. 252-276.


BIBLIOGRAFIA

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FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/344. Acesso em: 25 abr. 2024.