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A flexibilização da jornada de trabalho: compensação de jornada e banco de horas

A flexibilização da jornada de trabalho: compensação de jornada e banco de horas

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Analisam-se divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da compensação de jornada e do banco de horas, e quanto à aplicabilidade de tais institutos.

A Compensação de Jornada é o regime de trabalho em que o empregado prorroga a sua jornada laboral em alguns dias e reduz a jornada em outros dias, de forma que, no final, ele obedeça à jornada normal de um período (um módulo), sem que haja o pagamento de horas extras. Comumente considera-se como “Compensação de Jornada” a forma clássica de sua aplicação, sendo esta por períodos semanais ou mensais; e como “Banco de Horas” a forma de flexibilização da jornada instituída pela Lei nº 9.601/98 e suas alterações posteriores, cuja compensação se dá no período de um ano.

Quando pensamos em uma flexibilização da jornada de trabalho, a primeira dúvida que surge se refere ao modo de sua instituição. Tal questionamento originou-se da ambiguidade do inciso XIII, do artigo 7º, da Constituição Federal, ao mencionar “facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Assim, a dúvida, ainda recorrente entre empregadores, seria sobre a possibilidade ou impossibilidade de instituição da compensação de jornada mediante acordo individual entre empregador e empregado, já que o referido dispositivo afastou o verbete “acordo” da qualificação restritiva “coletivo”.

Neste sentido, há quem defenda que a construção do texto teria sido proposital, justamente para ampliar o acesso à medida, uma vez que, caso sua implantação fosse aceita apenas por meio de negociação coletiva, a compensação seria inviabilizada em diversos segmentos, como, por exemplo, no âmbito de pequenos empreendimentos (onde é rara a celebração de acordos coletivos e convenções coletivas) e entidades de Direito Público. Ademais, também se justifica tal entendimento ao se verificar que a Constituição Federal teve o cuidado de se reportar expressamente a “acordo coletivo e convenção coletiva” ou “negociação coletiva” quanto pretendeu restringir a aplicação da medida referente, como se vê nos incisos VI, XIV e XXVI, do seu artigo 7º. Não menos importante, também se argumenta a este favor ao se ressaltar que a compensação de jornada, em seu formato tradicional (por período semanal ou mensal), seria uma medida predominantemente favorável ao trabalhador, caracterizando um contrassenso da Constituição Federal engessar a sua aplicação, já que o artigo 7º fala em direitos que “visem à melhoria de sua condição social”.

Noutra esteira, independentemente do posicionamento adotado quanto à possibilidade de utilização de acordo individual para implementação da flexibilização da jornada, desde a vigência da Lei 9.601/98, é majoritário o entendimento de que a modalidade de compensação de jornada por período anual (Banco de Horas) seria desfavorável ao trabalhador, considerando-se que a realização de horas suplementares por tão longo período pode provocar danos à saúde e a segurança do trabalho, estando eliminada, assim, a reciprocidade de vantagens da medida. Para elucidação do tema, cito os ensinamentos do Ilustre Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª ed. São Paulo: LTr, 2013. P. 907.):

A pactuação de horas complementares à jornada padrão, que extenue o trabalhador ao longo de diversas semanas e meses, cria riscos adicionais inevitáveis à saúde e à segurança daquele que presta serviços, deteriorando as condições de saúde, higiene e segurança no trabalho (em contraponto, aliás, àquilo que estabelece o art. 7º, XXII, da Constituição). O regime de compensação anual, desse modo, escapa à dubiedade instigante que respondia pelo prestígio do mecanismo compensatório no estuário normativo da Constituição da República, já que deixa de ser manejado em extensão ponderada, perdendo, nesse aspecto, o caráter de vantagem trabalhista em benefício recíproco de ambas as partes contratuais. [...].

[...] As vantagens que o regime flexibilizatórioconferiam ao empregador já eram, na época [anteriormente à Lei 9.601/98], óbvias, propiciando a realização de adequações tópicas e circunstanciais no horário laborativo dos obreiros no contexto da empresa, elevando, com isso, a produtividade no trabalho.

[...] Efetivamente, quando utilizado em extensão ponderada, este mecanismo permitia [como vantagens ao empregado] a concentração mais racional do tempo do obreiro nas atividades laborativas, alargando-lhe, em contrapartida, o tempo para livre disponibilidade pessoal, sem prejuízo às cautelas recomendáveis no tocante à saúde e segurança laborais.

Entretanto, em que pesem as constantes discussões quanto ao tema, atualmente prevalece a tese de que será válido o acordo individual escrito somente para instituição do regime compensatório tradicional (semanal ou mensal), com fundamento na nova redação da Súmula 85 (itens I, II e V) do Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

Súmula nº 85, do Tribunal Superior do Trabalho.

COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003).

II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1- inserida em 08.11.2000).

[...].

V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

Quanto ao período, como dito anteriormente, a compensação poderá ser estipulada para cumprimento em uma mesma semana, mês ou ano. Sendo que deverá sempre ser obedecido o limite temporal da jornada determinado pela Constituição Federal (art. 7º, XII), retificado pelo parágrafo 2º, do artigo 59, da Consolidação das Leis do Trabalho, de duas horas extras ao dia, ou o máximo de dez horas diárias.

Aqui cabe a ressalva de que o entendimento majoritário quanto aos limites da jornada extraordinária é no sentido de que, mesmo se a jornada de trabalho normal for inferior a oito horas, deverá ser observado o limite máximo de duas horas prorrogadas por dia, para não expor o empregado a longas prorrogações de jornada, em prejuízo à sua saúde e segurança no trabalho.

Quando o regime implantado for o Banco de Horas, o período de um ano para compensação será determinado pela validade do acordo coletivo ou convenção coletiva que houver instituído a medida.

No caso de rescisão do contrato de trabalho no curso do Banco de Horas, antes de terminado o período de compensação, o empregado deve receber as horas prorrogadas e não compensadas como extraordinárias (art. 59, §3°, CLT). O pagamento das horas excedentes deve ocorrer não só na dispensa sem justa causa, mas também, por exemplo, na despedida indireta, na dispensa com justa causa, na culpa recíproca e no pedido de demissão; já que não há distinção quanto ao modo de encerramento do contrato de trabalho no dispositivo em referência.

Por outro lado, no caso do empregado ainda não ter cumprido todas as horas que deveria pela compensação quando do encerramento do contrato, ainda que a rescisão seja por justa causa, ou pedido de demissão, o empregador não poderá descontar o saldo negativo do mesmo. A justificativa é que como o Banco de Horas é feito no interesse do empregador, eventual saldo negativo fará parte do risco da atividade econômica.

Há quem defenda que, na hipótese mencionada acima, o referido crédito de horas a favor do empregador poderia ser compensado com outro crédito do empregado na rescisão, pois do contrário haveria enriquecimento sem causa do empregado, devendo-se observar o limite de um mês de remuneração, na forma do artigo 477, §5°, da Consolidação das Leis do Trabalho.

No que tange ao descumprimento das formalidades legais para aplicação da medida, considerando a compensação em período semanal, a Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho determina que o empregador pagará ao empregado somente o adicional de horas extras para as horas que ultrapassarem oito horas diárias:

Súmula nº 85, do Tribunal Superior do Trabalho.

COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

[...].

III – O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.

[...].

Isso ocorre porque, na verdade, o empregado não está fazendo hora extra, pois está trabalhando apenas durante a jornada constitucional de quarenta e quatro horas semanais. Assim, ele receberá o adicional pelas horas prorrogadas e compensadas apenas em função da irregularidade do regime de compensação.

Se o empregado tiver regime de compensação semanal ou mensal estabelecido regularmente por acordo escrito, mas habitualmente preste horas extras (além das compensadas), restará descaracterizado o regime de compensação, conforme disposição do item IV da Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula nº 85, do Tribunal Superior do Trabalho.

COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

[...].

IV – A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.

[...].

A descaracterização se baseia na incompatibilidade entre o regime de compensação e a realização de horas extraordinárias. Assim, havendo prestação de horas extras habituais, o empregador terá que pagar ao empregado o adicional de horas extras (apenas o adicional) pelas horas prorrogadas e compensadas, e pagará hora extra integral pelas horas que ultrapassem o limite de quarenta e quatro horas semanais.

O Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento, por meio da Súmula 444, no sentido de que é válido o regime de compensação de jornada em turnos de 12 por 36 horas, desde que autorizado por acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, afastando a discussão acerca da licitude da medida em função da prorrogação acima de duas horas por dia na jornada normal. A súmula ainda dispõe que fica “assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados” e que o “empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas”.

Nesse regime, se considera que as horas de descanso compensam o descanso semanal, portanto, não há pagamento como extra das horas trabalhadas em dias de folga.

Por fim, é importante lembrar que,para atividades insalubres,quaisquer prorrogações de jornada (inclusive compensação de horários) só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de segurança e medicina do trabalho, na forma do artigo 60, da Consolidação das Leis do Trabalho, não sendo suficiente, neste caso, somente a previsão em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.


FONTES

Constituição Federal, 1988.

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998.

Súmula 444, Tribunal Superior do Trabalho.

Súmula 85, Tribunal Superior do Trabalho.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª ed. São Paulo: LTr, 2013.


Autor

  • Marcela Faraco

    Advogada, Consultora de Direito. Atuante, desde 2007, na carreira jurídica, nas áreas do Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PATRÍCIO, Marcela Faraco. A flexibilização da jornada de trabalho: compensação de jornada e banco de horas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4804, 26 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34490. Acesso em: 24 abr. 2024.