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A progressividade no IPTU após a Emenda Constitucional n° 29/00

A progressividade no IPTU após a Emenda Constitucional n° 29/00

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Sumário: Introdução; Cap.01. Normas jurídicas: Conceito Basilar; Cap.02. Do sistema constitucional tributário, 2.1.Da constituição federal e sua divisão de competência, 2.2.Dos princípios constitucionais tributários, 2.2.1. Princípio da estreita legalidade, 2.2.2.Princípio da anterioridade, 2.2.3.Princípio da irretroatividade da lei tributária, 2.2.4.Princípio da proibição de tributos com efeito de confisco, 2.2.5.Princípio da tipologia tributária, 2.2.6.Princípio da indelegabilidade da competência tributária; Cap. 03. A regra matriz do IPTU, 3.1.Noções preliminares, 3.2.Critério material, 3.3.Critério temporal, 3.4. Critério espacial, 3.5.Critério pessoal, 3.5.1. Sujeito ativo, 3.5.2. Sujeito passivo, 3.6. Base de cálculo, 3.7.Aliquota, 3.8. Sintese da regra matriz de incidência tributária do IPTU; Cap. 04. A progressividade no IPTU antes da EC n° 29/00, 4.1.O princípio da progressividade no IPTU antes da EC n° 29/00, 4.2. Da possibilidade de instituição do IPTU com progressividade fiscal antes da EC n°29/00, 4.2.1 A progressividade fiscal e o princípio de isonomia, 4.2.2.A progressividade fiscal e o principio da capacidade contributiva, 4.3.Síntese; Cap. 05. A progressividade no IPTU após a EC n° 29/00, 5.1.A nova redação do art. 156, § 1° da constituição federal, 5.2. Requisitos para a instituição da progressividade extra-fiscal no IPTU, Síntese da progressividade no IPTU após a EC n° 29/00; Conclusão; Bibliografia.


INTRODUÇÃO

                      O presente estudo tem por objeto analisar as modificações trazidas pela Emenda Constitucional n.° 29 de 13 de setembro de 2000 no que tange à possibilidade de instituição de progressividade nas alíquotas do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).

                      Nesse sentido, iniciaremos o trabalho traçando breves considerações e delimitaremos alguns conceitos base que servirão de premissas sobre as quais será construída a tese principal para, posteriormente, chegarmos ao âmago da obra e finalizá-la de modo harmônico e coerente, características essenciais a um trabalho científico.

                      Descreveremos o conceito de norma jurídica, sua importância frente à rigorosa e exaustiva distribuição de competências tributárias feita pela Constituição Federal de 1988, e faremos também uma breve incursão nos princípios constitucionais tributários para, posteriormente, traçarmos a regra-matriz do IPTU, cotejando, de forma detalhada, todos os critérios da hipótese (critérios material, espacial e temporal) e do conseqüente (critério pessoal - sujeito ativo e sujeito passivo- e critério quantitativo – alíquota e base de cálculo).

                      Logo após, entraremos no ponto central da presente monografia, que é a alteração feita pela Emenda Constitucional (EC) n.° 29/00, no art. 156 da Constituição Federal que delimita a competência tributária do município. Tal alteração possibilita a instituição da progressividade do IPTU em razão do valor, uso e localização do imóvel, sem prejudicar a progressividade no tempo prevista no art. 182. § 4°, inciso II da Constituição Federal.

                      Tentaremos dar nova interpretação à referida alteração, de modo a colocá-la em consonância com as demais normas e princípios do sistema tributário nacional, explicitando a progressividade no IPTU antes e depois da E.C. n.° 29/00.

                      Para tanto, confrontaremos o conceito de impostos reais e pessoais, destrinçaremos o princípio da isonomia e da capacidade contributiva e estabeleceremos a diferença entre a progressividade fiscal e a progressividade extra-fiscal aplicada ao IPTU.

                      Faremos uma breve incursão na lei 10.257/00 – Estatuto da Cidade – para demonstrar quais são os requisitos necessários à instituição da progressividade extra-fiscal no IPTU, além de demonstrarmos a necessidade, coerência e constitucionalidade das alterações trazidas pela EC n.° 29/00.

                      Ao final, restará clara a constitucionalidade da EC n.° 29/00 no aspecto abordado no presente estudo, sendo proposta nova interpretação ao parágrafo 1°, incisos I e II do art. 156 da Constituição Federal de 1988.


Cap. 1 - NORMA JURÍDICA : CONCEITO BASILAR

                      O direito surgiu com o advento da sociedade. Não há sociedade sem direito. É o direito que possibilita a vida em sociedade, é ele que regula os limites mínimos que possibilitam a convivência harmônica entre os homens. O direito é o vetor regulador da conduta humana.

                      No mundo moderno seria impraticável a convivência harmônica dos indivíduos sem a determinação de normas de conduta que prescrevem um dever-ser e delimitam sanções para seu descumprimento.

                      Esse instrumento fundamental para a existência do homem em sociedade é, nos dizeres de Hans Kelsen [1] "uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano."

                      O direito é uno é indivisível, sendo que sua divisão em ramos e sub-ramos tem a função única e exclusiva de facilitar o aprendizado.

                      O que diferencia o direito dos demais sistemas normativos é a forma pela qual ele exerce sua coação. Só o direito pode impor-se através do constrangimento físico e da execução forçada. Outro fator de diferenciação do direito é sua estrutura hierárquica de normas que perfazem uma unidade. O direito é uma construção escalonada de normas onde a primeira encontra sua validade vinculada a outra norma, que por sua vez foi criada por outra norma superior e esta está diretamente ligada à norma fundamental pressuposta que lhe outorga a validade.

                      É essa construção escalonada de normas que tem como ápice a Constituição Federal, que é o meio pelo qual o Estado intervém na sociedade para buscar o bem comum.

                      Compreendida a importância do direito como conjunto de normas que regulam as relações intersubjetivas e as relações dos indivíduos com o Estado, bem como, que o direito se utiliza do dever-ser em sua linguagem prescritiva para determinar quais condutas devem ser tomadas pelos indivíduos, avançamos um degrau para analisar a "unidade mínima e irredutível de significação do deôntico [2]": a norma jurídica.

                      Como foi acima salientado, o direito é um sistema coativo de condutas. Assim, "o ato de coação estatuído pela ordem jurídica surge como reação contra a conduta humana de um indivíduo pela mesma ordem jurídica especificada, esse ato coativo tem o caráter de uma sanção e a conduta humana contra a qual ele é dirigido tem o caráter de uma conduta proibida, antijurídica, de um ato ilícito ou delito, quer dizer, é o contrário daquela conduta que deve ser considerada como prescrita ou conforme o Direito, conduta através da qual será evitada a sanção. [3]"

                      Logo, há dois tipos de normas: as normas primárias que regulam condutas e as normas secundárias que prescrevem sanções pelo desrespeito às normas de conduta [4]. Essas normas são também chamadas de endonorma e perinorma, respectivamente.

                      No plano sintático, norma jurídica pode ser definida como o juízo hipotético condicional que prevê um fato jurídico e liga a ele uma conseqüência. Sendo assim, em toda norma jurídica há uma hipótese, dentro da qual será identificado o critério material (comportamento humano regulado pela norma), critério espacial (local que deve ocorrer o comportamento humano para que a norma em questão produza seus efeitos), critério temporal (momento em que tal conduta deve se realizar para gerar os efeitos jurídicos descritos na norma).

                      Ocorrida a conduta humana prevista no critério material da hipótese da norma, no momento e local nela previstos, surgirão, inevitavelmente, os efeitos descritos no conseqüente da norma, que, nas normas tributárias, é composto pelo critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo), e critério quantitativo (alíquota e base de cálculo).

                      Em síntese, ocorrendo a subsunção do fato à norma (ocorrência no mundo fenomênico do evento descrito na hipótese na norma jurídica, com seu total enquadramento a todos os critérios), inevitavelmente os efeitos da norma jurídica, presentes no conseqüente da mesma, nascerão, surgindo para o sujeito passivo o dever de cumprimento de um dos modais deônticos (proibido, permitido e obrigado).

                      Caso o sujeito passivo descumpra o dever-ser estabelecido na norma jurídica (endonorma), será a ele imposta uma sanção, que tem em sua hipótese o descumprimento da endonorma, e em seu conseqüente o dever de cumprir um dos modais deônticos acima expostos. Esta segunda norma jurídica é a denominada perinorma.

                      Tanto a endonorma quanto a perinorma mantêm a mesma estrutura ou seja, uma hipótese (conduta humana em determinado tempo e lugar) que, se praticada, enseja o cumprimento de um dever (estar obrigado, permitido ou proibido) que estará descrito no conseqüente dessa mesma norma jurídica.

                      Logo, a tarefa do jurista na área tributária, e nas demais áreas do direito, é a de identificar as normas existentes no sistema jurídico pátrio, tarefa que, à primeira vista, parece simples mas que se mostra demasiadamente complexa perante a grande quantidade de textos legais em vigor e da acentuada atecnia do legislador que torna a busca da melhor interpretação por vezes tarefa árdua. [5]

                      Neste sentido, norma jurídica, sob o prisma semântico, "é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de direito positivo" [6], ou seja, é a construção, feita pelo intérprete do direito, através do suporte físico (texto de lei), da norma jurídica.

                      Focando em especial o tema do presente estudo, analisa-se a norma jurídica que institui o tributo, denominada regra-matriz de incidência tributária.

                      Cuida a regra matriz tributária do fenômeno da incidência, sendo assim é ela que vai estabelecer o critério material, espacial e temporal presentes obrigatoriamente na hipótese da regra-matriz e, também, o sujeito ativo e passivo, assim como a base de cálculo e o valor da alíquota presentes no conseqüente da norma instituidora do tributo.

                      A regra-matriz de incidência tributária é aquela que define a incidência fiscal. Em outras palavras, é aquela que trata da incidência de um tributo, que normatiza a obrigação principal. É a denominada norma tributária em sentido estrito, se contrapõe à norma tributária em sentido amplo que regula os diversos outros fatores que não a incidência propriamente dita.

                      A estrutura da regra-matriz tributária é a mesma de qualquer norma, seu ponto diferenciador é sua função de instituir um tributo, ou seja, é a norma que dá vida, que faz surgir no ordenamento jurídico a obrigação tributária, que possibilita a cobrança de um tributo.

                      Compreendido o direito como sistema coativo de norma, e analisada a estrutura de todas normas jurídicas, em especial da regra matriz de incidência tributária, passa-se ao próximo tópico onde trataremos do sistema constitucional tributário.


Cap. 2 – DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

                      2.1 – Da Constituição Federal e sua divisão de competências

                      Os estudiosos do direito tributário são, antes de tudo, estudiosos do direito constitucional visto que a Constituição Federal traçou de forma meticulosa os limites e meandros do sistema tributário nacional.

                      Corroborando tal premissa ensina com a habitual maestria Roque Antonio Carrazza [7]:

                      "De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de graus superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias."

                      E arremata de forma brilhante:

                      " Em boa técnica, não se deve dizer que as pessoas políticas têm, no Brasil, poder tributário. Poder tributário tinha a Assembléia Nacional Constituinte, que era soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria tributária. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a mesma Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados-menbros, os Municípios e o Distrito Federal."

                      Torna-se evidente que o legislador infraconstitucional está obrigado a obedecer a divisão rígida de competência tributária traçada pela Constituição Federal, sob pena de macular com o vício da inconstitucionalidade qualquer exação que não respeite a meticulosa divisão de competências tributárias imposta pela Carta Magna.

                      A competência tributária, de que é detentora cada uma das pessoas políticas no Brasil, "é a aptidão para criar, in abstracto, tributos. No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, in abstracto, por lei (art. 150, I da CF). [8]"

                      Logo, tem-se o seguinte esquema: a Constituição Federal delimita a competência tributária de todos os entes políticos, e estes, para instituírem os tributos de sua competência, devem editar leis que prevejam, in abstracto, os elementos essenciais da norma jurídico-tributária.

                      Em outras palavras, deve cada ente tributante instituir a regra matriz de incidência tributária, cuja competência lhe foi outorgada pela Constituição Federal.

                      Somente após criado através de lei competente (entenda-se lei do ente político autorizado pela Constituição Federal a instituir o tributo) é que poderá o tributo ser cobrado da população.

                      A competência para tributar não significa somente a possibilidade de instituição do tributo, mas também que pode o ente tributante, através de lei, majorar a alíquota, diminuí-la, conceder isenções, conceder parcelamentos etc.

                      No entanto, todos estes atos derivados da competência tributária estão condicionados ao respeito aos princípios constitucionais como o não-confisco, o princípio da capacidade contributiva, da legalidade, da anterioridade, e todos os demais princípios que norteiam o sistema tributário nacional.

                      Ressalta-se que, mesmo na instituição, não pode o legislador infraconstitucional ultrapassar a competência outorgada pela Constituição Federal. Percebe-se que na seara tributária há um limite muito bem traçado, a Constituição Federal.

                      Para Roque Antonio Carrazza [9] "a Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma – padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional."

                      Dúvidas não restam quantos aos limites constitucionais do legislador infraconstitucional, motivo pelo qual passa-se a delinear os princípios constitucionais tributários.

                      2.2 – Dos Princípios Constitucionais Tributários

                      Conhecedor dos limites constitucionais a que está adstrito o legislador infraconstitucional, tratar-se-á nesse item dos princípios constitucionais tributários.

                      É cediça a importância dos princípios constitucionais gerais, como o princípio da igualdade, da justiça, da segurança jurídica, da legalidade, entre inúmeros outros, que não podem ser desconsiderados pelo intérprete do direito.

                      Reservamos porém, o direito de tratar, na presente obra, somente os principais princípios constitucionais voltados ao sistema tributário nacional.

                      2.2.1 Princípio da estrita legalidade

                      O art. 5°, inciso II, da Constituição Federal elegeu o princípio da legalidade como garantia fundamental do povo brasileiro, estatuindo que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

                      Tal mandamento por si só é capaz de impedir que se exija o cumprimento de alguma obrigação, senão mediante lei.

                      Porém, receosa, a Assembléia Constituinte quis reforçar o princípio genérico na seara tributária estatuíndo que "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça." (art. 150, I da CF)

                      Tal mandamento estabelece "a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritos do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade tributária. [10]"

                      Sem a instituição da regra-matriz de incidência com todos os seus critérios por lei competente, não pode o tributo ser cobrado. É isso que prevê o princípio da estrita legalidade.

                      2.2.2 – Princípio da anterioridade

                      O art. 150, III, b da Constituição Federal tem a seguinte redação:

                      "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

                      III - cobrar tributos:

                      a)...

                      b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;"

                      Tal princípio possibilita que o contribuinte possa organizar-se de modo a não ser surpreendido por uma nova lei que majore tributo ou retire isenção antes concedida.

                      O princípio da anterioridade consiste na exigência constitucional de que a norma que institua ou majore tributo somente produza efeitos no primeiro dia do exercício subsequente ao da promulgação da lei.

                      A título de exemplo, lei promulgada em 2001 que institua ou majore tributo somente poderá ser exigida em 01/01/2002, pois antes dessa data tal norma é despida de eficácia-sintática, considerando-se a exigência do art. 150, III, b da Constituição Federal.

                      2.2.3 – Princípio da irretroatividade da lei tributária

                      Da mesma forma que o princípio da legalidade, o princípio da irretroatividade da lei tributária está expresso duas vezes na Constituição Federal.

                      O art. 5°, XXXVI, veda que a lei prejudique o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido; é praticamente reescrito no capítulo sobre a ordem tributária nos seguintes termos:

                      "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

                      III - cobrar tributos:

                      b) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado."

                      Melhor que peque o constituinte por excesso de zelo do que por falta dele.

                      O referido princípio veda que a lei atinja fato já ocorrido, o que causaria, no mínimo, uma grande insegurança, impossibilitando a certeza das negociações e colocando os contribuinte em eterno estado de preocupação na realização de negócios jurídicos.

                      2.2.4 – Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco

                      O presente princípio é mais uma das vedações do art. 150 da Constituição Federal que tem a seguinte redação:

                      "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

                      IV - utilizar tributo com efeito de confisco;"

                      O grande problema enfrentado pela doutrina é estabelecer o limite entre o confisco e o não confisco. Em alguns casos pode parecer clara a opção confiscatoria do legislador, como na cobrança de 50% do valor venal do imóvel no caso no IPTU. Porém, em outros casos tal limite de alíquota poderia ser aceito, como por exemplo na tributação da comercialização do cigarro como meio de desincentivar seu consumo, aumentando o valor de venda do produto.

                      Percebe-se a linha tênue e muitas vezes subjetiva que marca a diferença entre o tributo com efeito de confisco e o tributo regularmente cobrado.

                      Tal princípio deve servir de parâmetro para o legislador que instituir o tributo, sendo que qualquer alíquotas abusivas devem ser coibidas pelo Poder Judiciário.

                      2.2.5 – Princípio da tipologia tributária

                      Esse princípio implícito reza que "o tipo tributário é definido pela integração lógico-semântica de dois fatores: hipótese de incidência e base de cálculo" [11].

                      Isso significa que para definir-se o tipo tributário deve-se analisar seu critério material (integrante da hipótese de incidência) e confirmá-lo com a base de cálculo.

                      Em exemplo oferecido por Alfredo Augusto Becker [12], esclarece-se a questão:

                      "O imposto cuja alíquota é calculada sobre o valor da venda é imposto cuja hipótese de incidência tem como núcleo (base de cálculo) o negócio jurídico específico de compra e venda e, em conseqüência, o gênero jurídico do imposto é o de imposto de vendas. Se a alíquota for calculada sobre o valor da promessa de compra e venda, tratar-se-á, então, de outro imposto, pois sua hipótese de incidência tem como núcleo (base de cálculo) o negócio jurídico de promessa de compra e venda, de modo que o gênero jurídico do imposto é o do imposto de promessas bilaterais, devendo-se notar que, neste caso, o contrato de compra e venda já não é núcleo mas elemento adjetivo que atribui espécie jurídica àquele gênero jurídico de tributo : imposto de promessas bilaterais ( núcleo) de contrato de compra e venda (elemento adjetivo)."

                      O referido princípio é interpretado a partir do art. 154, inciso I da Constituição Federal, que regula a competência residual da União para instituir impostos que não tenham hipótese de incidência (fato gerador na linguagem do legislador) nem base de cálculo dos impostos já previstos na Constituição Federal.

                      2.2.6 – Princípio da indelegabilidade da competência tributária

                      Esse princípio também não está expresso na Constituição Federal, porém é facilmente deduzido através de uma interpretação sistemática da Carta Maior.

                      Como já foi bem frisado no primeiro tópico do presente capítulo, a Constituição Federal delimitou de forma meticulosa as competências de cada ente tributante retirando deles o poder de tributar e lhes concedendo competências determinadas para a tributação.

                      Pensar em delegar a competência tributária é desfazer o trabalho do Constituinte originário, é desvirtuar a divisão de competências, é ferir a autonomia dos entes tributantes.

                      Não bastasse a vedação constitucional implícita, o art. 7° do CTN veda expressamente a delegação da competência tributária.


Cap. 3 – A REGRA MATRIZ DO IPTU

                      3.1 – Noções preliminares

                      No presente capítulo será construída a regra-matriz de incidência tributária do IPTU. Para tanto, utilizaremos dos conceitos lançados no capítulo 1, como o conceito de norma jurídica e sua estrutura, bem como o conceito de regra matriz de incidência tributária.

                      Relembrando o conceito de regra matriz traçado no capítulo 1, tem-se que:

                      "Cuida, a regra matriz de incidência tributária, do fenômeno da incidência, sendo assim é ela que vai estabelecer o critério material, espacial e temporal presentes obrigatoriamente na hipótese da regra-matriz e, também, o sujeito ativo e passivo, assim como a base de cálculo e o valor da alíquota presentes no conseqüente da norma instituidora do tributo. A regra-matriz de incidência tributária é aquela que define a incidência fiscal. Em outras palavras é aquela que trata da incidência de um tributo, que normatiza a obrigação principal. É a denominada norma tributária em sentido estrito, se contrapõe à norma tributária em sentido amplo que regula os diversos outros fatores que não a incidência propriamente dita."

                      Far-se-á, nos próximos tópicos o delineamento de todos os critério da regra-matriz de incidência tributária do IPTU.

                      3.2 – Critério material

                      O critério material de uma norma que institui tributo é composto por um verbo (que pode exprimir uma ação ou um estado: ser, estar, permanecer) e um complemento do predicado verbal.

                      É forçoso, ressalta Paulo de Barros Carvalho [13], que se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento.

                      Em síntese, o critério "material de qualquer espécie tributária consiste no fato lícito, genérico e abstrato descrito na sua respectiva hipótese de incidência, abstratamente isolado das coordenadas de tempo e de espaço." [14]

                      Sendo assim, a materialidade do IPTU é "ser proprietário de bem imóvel."

                      Questão tormentosa é o significado do termo "propriedade" trazido pela Constituição Federal.

                      Para De Plácido e Silva [15], "propriedade é a condição em que se encontra a coisa, que pertence, em caráter próprio e exclusivo, a determinada pessoa. É, assim, a pertinência exclusiva da coisa, atribuída a pessoa."

                      Compreendido propriedade no seu sentido jurídico, como acima exposto, ter-se-ia uma grave afronta ao princípio da igualdade (art. 150, III da CF) e da capacidade contributiva (art. 145, § 1° da CF), pois excluir-se-ia da incidência da norma tributária o enfiteuta e aquele que está na posse com animus domini.

                      Chegar-se-ia ao absurdo de ver transformadas as propriedades em enfiteuse para evitar a tributação.

                      De outro ângulo, também fere os princípios acima citados exigir que a propriedade cumpra sua função social (art. 182 CF) excluindo dessa exigência a enfiteuse e a posse.

                      Por esses motivos interpreta-se o termo propriedade descrito no inciso I do art. 156 da Constituição Federal de forma ampla, abrangendo o domínio útil e a posse.

                      Sobre qual o âmbito de incidência do "imposto predial" [16], ressalta, com rara clareza, Aires. F. Barreto [18] que "relativamente ao imposto predial, só se tomam em consideração certas construções, isto é, edifícios. A palavra ‘prédio’ abrange, apenas, aquelas incorporações de forma permanente ao solo, que possam servir de habitação, ou exercício de quaisquer atividades."

                      Logo, não se enquadram no conceito fiscal de "prédio" as construções paralisadas ou em andamento que não sirvam para moradia. Pode-se até não utilizar o imóvel para moradia ou qualquer outra atividade, mas deve o imóvel estar suscetível de ser habitado para que possa haver a incidência do imposto predial.

                      3.3 – Critério temporal

                      O critério temporal tem a finalidade de demarcar o momento em que deve ser reputado consumado o fato jurídico tributário.

                      É de competência de cada Município delimitar a data em terá ocorrido o fato jurídico tributário. Na data delimitada, será considerada a existência ou não de imóvel e suas edificações. Não interessa se antes havia ou não edificações, se eram outros os proprietários do imóvel, pois a data delimitada para ocorrência do fato jurídico tributário que enseja a tributação do IPTU será a data considerada para analisar a titularidade e a existência ou não do bem e suas benfeitorias.

                      O momento para a cobrança do imposto predial se dá quando o prédio está apto à moradia ou a exercer outra atividade a ele destinada, não importando se existe ou não "habite-se" liberado pela prefeitura.

                      3.4 Critério espacial

                      O critério espacial é a indicação de circunstâncias de lugar contidas explícita ou implicitamente na hipótese de incidência. [19]

                      No caso do IPTU esse critério tem fomentado inúmeras discussões. Tais discussões giram em torno do conceito de zona urbana e zona rural, conceitos-base para se delimitar em quais locais é de competência da União instituir o imposto territorial (ITR) e quais locais devem incidir o IPTU (imposto territorial de competência municipal).

                      A Constituição Federal em seu art. 146, inciso I, dispõe que cabe à lei complementar dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

                      A referida lei complementar é hoje o Código Tributário Nacional que assim dispõe sobre a matéria em seu art. 32, § 1° e 2°:

                      "§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

                      I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

                      II - abastecimento de água;

                      III - sistema de esgotos sanitários;

                      IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

                      V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

                      § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior."

                      Observa-se que a lei complementar utilizou o critério localização do imóvel estabelecendo quais seriam as zonas urbanas e as zonas rurais.

                      No § 2°, utilizou-se do critério destinação ao prever que poderá a lei municipal considerar áreas urbanas as áreas urbanizáveis, logo ainda não urbanas por não se enquadrarem nos requisitos do parágrafo anterior.

                      Em resumo, utilizou-se o CTN de dois critérios (localização e destinação) para resolver o conflito de competência entre a União e os municípios.

                      3.5 – Critério pessoal

                      3.5.1 – Sujeito ativo

                      O sujeito ativo é o Município da situação do imóvel, com exceção para o Distrito Federal e para os territórios (art. 147 da Constituição Federal).

                      3.5.2 – Sujeito passivo

                      "A sujeição passiva direta alcança todo aquele que detém qualquer direito de gozo, relativamente ao imóvel, seja pleno ou limitado." [20]

                      São exemplos de sujeitos passivos do IPTU o proprietário pleno; o fiduciário que tem a propriedade; o enfiteuta (titular do domínio útil); o usufrutuário; o possuidor com animus domini, ou seja, é a posse da pessoa que já é ou pode ser proprietária da coisa.

                      3.6 – Base de cálculo

                      A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel.

                      O "valor venal" nada mais é que o valor provável de venda do bem. É o chamado valor de mercado, o preço pelo qual seria vendido caso estivesse a venda.

                      O Município deve, através de lei, impor critérios objetivos, genéricos e impessoais para o estabelecimento do valor venal dos imóveis.

                      3.7 – Alíquota

                      Alíquota é a grandeza que multiplicada pela base de cálculo resultará no montante a ser pago pelo contribuinte ao fisco.

                      Não há limite legal para o valor dessa alíquota. O seu maior limite vem do princípio constitucional que veda o confisco, que é, como já explicado, vago e subjetivo.

                      A alíquota deve ser progressiva, porém esse assunto será objeto de capítulo específico, motivo pelo qual não será tratado neste momento.

                      3.8 – Síntese da Regra Matriz de Incidência Tributária do IPTU.

                      Regra – matriz de incidência do IPTU:

                      Hipótese:

                      - critério material – ser proprietário, ou ter o domínio útil ou a posse [21], de bem imóvel urbano por natureza ou por acessão física;

                      - critério espacial – nas zonas urbanas ou áreas urbanizáveis do município (sendo a definição de zonas urbanas e rurais de competência da lei complementar);

                      - critério temporal – no primeiro dia de cada ano;

                      Conseqüente:

                      - critério pessoal

                      a)sujeito ativo: Município ( Exceções relativas ao Distrito Federal e aos territórios)

                      b)sujeito passivo: o proprietário, aquele que detêm o domínio útil ou a posse não precária do bem imóvel urbano;

                      - critério quantitativo

                      a)base de cálculo: o valor venal do imóvel;

                      b)alíquota: variada, devendo ser progressiva.


Cap. 4 – A PROGRESSIVIDADE NO IPTU ANTES DA E.C. N.° 29/00

                      4.1 – O Princípio da progressividade no IPTU antes da E.C. 29/00

                      O parágrafo 1° do art. 156 da Constituição Federal previa, em sua redação original, que o imposto predial e territorial urbano poderia ser progressivo [22], no termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

                      Com base nesse dispositivo legal boa parte da doutrina afirmava que a progressividade no IPTU somente poderia ser aquela prevista no art. 182, parágrafo 4° da Constituição Federal [23].

                      Tal afirmativa era ratificada pela jurisprudência no seguinte teor:

                      "TRIBUTÁRIO – IPTU PROGRESSIVO – MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO – ARTIGO 67 DA LEI N.º 691/84 – PRECEDENTES – 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a progressividade do IPTU, que é imposto de natureza real em que não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, só é admissível, em face da Constituição Federal, para o fim extra-fiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade. 2. O artigo 67 da Lei n.º 691/84, do Município do Rio de Janeiro, que instituiu a progressividade do IPTU levando em conta a área e a localização dos imóveis – Fatos que revelam a capacidade contributiva -, não foi recepcionado pela Carta Federal de 1988. 3. Recurso extraordinário não conhecido. (STF – RE 248892 – 2ª T. – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 31.03.2000 – p. 63)"

                      "EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – PROGRESSIVIDADE DO IPTU – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA – Conforme entendimento majoritário, o princípio da progressividade não pode ser aplicado ao IPTU, pois sendo este um tributo de natureza real, não poderá levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte. (TJMG – AC 000.202.005-5/00 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Antônio Hélio Silva – J. 08.02.2001)"

                      Para maior compreensão da questão mister se faz a elucidação de dois conceitos, quais sejam o da progressividade fiscal e da progressividade extra-fiscal.

                      A progressividade fiscal é a determinada em função da capacidade econômica do contribuinte, dando assim vida à máxima de tratar os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades. Em outras palavras, tal progressividade é aplicação pratica do princípio da igualdade e do princípio da isonomia, que confere tratamento equânime somente aqueles que se encontram na mesma situação. A função da progressividade fiscal é meramente abastecer os cofres públicos retirando parcelas no patrimônio do contribuinte, sendo que aquele que pode mais, deve contribuir de forma mais vultosa.

                      A progressividade extra-fiscal usa um parâmetro externo ao direito tributário: utiliza-se uma alíquota maior não com efeitos arrecadatórios mas sim com fins outros, como por exemplo, forçar o adequado uso da propriedade urbana pelo proprietário do imóvel.

                      Para que haja a progressividade extra-fiscal é necessária disposição constitucional expressa.

                      Já na progressividade fiscal há controvérsias.

                      Na dicção do § 1ª do art. 145 :

                      "§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

                      Para parte da doutrina e da jurisprudência, a expressão "sempre que possível" limita a progressividade fiscal aos impostos denominados "pessoais", sendo impossível aplicá-la nos impostos "reais" [24], caso do IPTU.

                      Dessa forma, alegam os que defendem essa tese, seria impossível a aplicação de alíquota progressiva no IPTU senão aquela prevista no parágrafo 1° do art. 156 em sua redação original.

                      4.2 – Da possibilidade de instituição do IPTU com progressividade fiscal antes da E.C. 29/00

                      Como acima explicitado, há dois tipos de progressividade a fiscal e a extra-fiscal. A primeira com fins de arrecadação tem como fundamento o art. 145, § 1° da Constituição Federal e está autorizada a ser instituída "sempre que possível". A segunda tem fins extra-fiscais, ou melhor, fins outros que não a arrecadação, motivo pelo qual deve estar expressa a possibilidade de sua instituição no texto constitucional, sob pena de ferir a lei que a institua com a mácula da inconstitucionalidade.

                      4.2.1 – A progressividade fiscal e o princípio da isonomia

                      O princípio da isonomia foi prestigiado pelo legislador constitucional no preâmbulo, como garantia fundamental (art. 5°, I), na ordem tributária (art. 150, II), na ordem econômica e social (art. 170, VII, 173, § 2°) e em todas as matérias topicamente tratadas, expressa ou implicitamente [25].

                      Na ordem tributária o princípio da isonomia revela-se no art. 150, II:

                      "SEÇÃO II

                      DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR

                      Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

                      II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;"

                      Ressalta-se que o referido artigo esta inserido na Seção II que trata das "Limitações do Poder de Tributar". Percebe-se logo que tal princípio é garantia individual do cidadão, aquela pertencente ao núcleo imodificável da Constituição Federal. [26]

                      Não tem o Constituinte derivado competência para modificar tal princípio, seja na amplitude que lhe é dada, seja na alteração textual desse artigo. Com maior razão, impossível que lei infraconstitucional o faça.

                      Porém o que significa o princípio da isonomia?

                      A máxima aristotélica eternizada por Rui Barbosa e repetida em todo o país indica um caminho a seguir, qual seja, o de tratar os desiguais na medida das suas desigualdades.

                      "Portanto, na tributação alguém que possua um imóvel de valor elevado, de pequeno valor, localizado em bairro pobre, com utilização ou destinação comercial, prestação de serviços, para residência ou atividade essencial ou supérflua, todas estas situações são diferenciações relevantes que justificam o tratamento diferenciado na tributação do IPTU. [27] "

                      4.2.2 – A progressividade fiscal e o princípio da capacidade contributiva

                      O princípio da capacidade contributiva está expresso no art. 145, §1° da Constituição Federal:

                      "§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

                      Tal princípio visa a dar tratamento desigual aos desiguais, busca dar vida ao princípio da isonomia, tributando de forma mais gravosa aqueles que demonstram um signo presuntivo de riqueza de maior vulto.

                      Como já salientado, a expressão "sempre que possível" no entender de boa parte da doutrina e da jurisprudência limitaria a possibilidade de instituição do IPTU progressivo por ser este um imposto real.

                      Nos dizeres de Geraldo Ataliba:

                      "São impostos reais aqueles cujo aspecto material da h.i. limita-se a descrever um fato, ou estudo de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. [28]"

                      Para os defensores dessa tese o "sempre que possível" estaria referindo-se aos impostos reais onde considera-se a coisa em si, ou melhor, a hipótese de

                      incidência é um fato objetivamente considerado, sem considerar as condições do sujeito passivo.

                      Dessa forma argumentam com exemplos de pessoas que possuem um único imóvel de alto valor mas por ser um aposentado não teria condição de arcar com um IPTU progressivo sem risco de perda do bem.

                      Tal entendimento não deve prevalecer.

                      No exemplo ministrado confundem-se a capacidade econômica com capacidade financeira [29]. O suposto aposentado não tem capacidade financeira, mas tem capacidade econômica, pois é proprietário do imóvel.

                      A interpretação da expressão "sempre que possível" como uma vedação à progressividade nos impostos reais também é equivocada.

                      Nos impostos reais, a lei elege um fato como hipótese de incidência do tributo; logo na hipótese de incidência não há consideração com as qualidades pessoais do sujeito passivo. No entanto, isso não significa que o bem que lhe pertence demonstre um maior signo presuntivo de riqueza. Somente significa que na instituição do tributo sua condição pessoal não é valorada.

                      A expressão "sempre que possível" refere-se ao impostos diretos e indiretos, pois seria impossível graduar a capacidade contributiva de impostos indiretos, assim como dos impostos fixos.

                      Nesse sentido esclarece Valéria C. P. Furlan:

                      "Registre-se, de passagem, que a Constituição diz sempre que possível; portanto, é possível que haja situações em que o imposto não atenderá ao princípio

                      da capacidade contributiva. É o que ocorre com o imposto sobre operações mercantis, ICMS, em que a carga econômica do imposto é repassada para o preço da mercadoria, de forma de quem a suporta é o consumidor final; é dizer: tal carga é idêntica para todos estes. Logo, o ICMS não atende ao princípio da capacidade contributiva; o mesmo ocorre com os chamados impostos fixos. [30]"

                      4.3 – Síntese

                      Como corolário do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, a progressividade fiscal no IPTU deve existir sob pena de inconstitucionalidade ao tratar desiguais de forma igual.

                      A jurisprudência e a doutrina acenavam para o outro lado, impedindo a instituição da progressividade fiscal no IPTU. Para resolver essa celeuma o Constituinte derivado publicou a Emenda Constitucional n.° 29 de 2000, colocando ponto final a essa questão, e inovando ao instituir a possibilidade de existência de novas formas de progressividade extra-fiscal. É o que veremos no próximo capítulo.


Cap. 5 – A PROGRESSIVIDADE NO IPTU APÓS A E.C. N.° 29/00

                      5.1- A nova redação do art. 156, § 1° da Constituição Federal

                      A emenda constitucional n.° 29 de 2000 modificou a redação do parágrafo 1° do art. 156 da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:

                      "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

                      I - propriedade predial e territorial urbana;

                      II -...

                      III -....

                      § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

                      I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

                      II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. [31]"

                      A referida E.C. introduziu sensível modificação na progressividade do IPTU.

                      Após sua edição não faltou quem a taxasse de inconstitucional. Alegam tais doutrinadores que não poderia o Constituinte derivado instituir a progressividade do IPTU pois estaria ferindo uma garantia individual do cidadão. Tal garantia significa que somente poderá ser qualquer tributo progressivo nos casos do art. 145, § 1°. Como para os defensores dessa tese o IPTU é um imposto real insuscetível de cobrança com alíquota progressiva, a E.C. n.° 29/00 seria inconstitucional por querer alterar uma garantia do contribuinte, tributando de forma mais gravosa (progressividade) os impostos reais.

                      Outra argumentação que impingia de inconstitucional a referida E.C. era a alegação de que a localização e o uso do imóvel não representavam signo presuntivo de riqueza, logo impossível de serem utilizados como parâmetro para a progressividade do IPTU.

                      A primeira alegação de inconstitucionalidade sucumbe a menor brisa.

                      Como já explicitado no capítulo 4, a progressividade fiscal no IPTU é uma exigência do art. 145, § 1° da Constituição Federal. Logo a progressividade em razão do valor do imóvel prevista no inciso I do § 1° do art. 156 da Constituição Federal nada mais é do que uma confirmação do que já estava implícito no art. 145, §1° do mesmo diploma legal.

                      A progressividade fiscal é corolário do princípio da isonomia e da capacidade contributiva e deve ser aplicada sempre que possível, como é possível no IPTU.

                      Quem tem um imóvel de maior valor tem um maior custo condominial, um maior custo de vida, maior conforto, e por que não contribuir mais com a sociedade (pagamento IPTU com alíquota progressiva) do que o outro cidadão que vive em modesta casa, sem luxo, longe dos centros urbanos e que não ostenta um signo presuntivo de riqueza tal como o cidadão do imóvel de maior valor ?

                      Roque Antônio Carrazza com a maestria que lhe é peculiar explica:

                      "A nosso ver, a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et de iure de existência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação por via do IPTU). Estaria inaugurando o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que ser considerada na hora do lançamento deste imposto. [32]"

                      O segundo argumento volta-se contra a não aferição da capacidade contributiva do requisitos elegidos pela E.C. (uso e localização do imóvel).

                      Tese tormentosa é aquela que vislumbra como o uso e a localização do imóvel poderiam auferir a capacidade contributiva do contribuinte.

                      No entanto, esquecem, esses juristas, que existem dois tipos de progressividade, a fiscal e a extra-fiscal. A primeira com fins arrecadatórios e medida da capacidade contributiva do contribuinte e a segunda com fins não fiscais.

                      A previsão da possibilidade de se instituir alíquotas progressivas em razão do uso e da localização do imóvel foi a grande inovação da E.C. n.° 29 de 2000, pois criou dois tipos de progressividade extra-ficais que não eram previstas no ordenamento antes da publicação da aludida E.C..

                      A diferença de alíquotas em razão do local e do uso do imóvel, são novos critérios extra-fiscais com o intuito de incentivar o crescimento urbano para determinado local e para incentivar o desenvolvimento de certos tipos de atividades em locais de interesse municipal.

                      A lei deve tratar os desiguais de forma desigual na medida de sua desigualdade. Impõe-se, que o tributo não possa ser diferente para pessoas na mesma condição: logo, somente com a progressividade extra-fiscal do inciso II §1° do art. 156 da Carta Maior é possível aos Municípios diminuir o IPTU em determinados pontos da cidade como medida de incentivo de ocupação daquele espaço, ou reduzir o IPTU para incentivar determinado uso do imóvel.

                      Considerando que o inciso II do §1° do art. 156 da Constituição Federal refere-se a progressividade extra-fiscal em razão do uso e da localização do imóvel não vemos por qual ângulo macular a E.C. n.° 29/00, no que tange a modificação do art. 156 da Constituição Federal, de inconstitucional.

                      Mais uma vez, reportamo-nos as palavras de Carrazza:

                      "Estamos tentado significar que o princípio da capacidade contributiva, no IPTU, não se revela no inc. II do §1° do art. 156 da Carta Magna. O princípio da capacidade contributiva, no IPTU, revela-se no já mencionado art. 145, § 1° (cuja aplicação a este imposto é declarada no inc. I do §1° do art. 156 da CF), da CF. O IPTU não depende da edição de qualquer plano diretor do Município (art. 182, §§ 1° e 2°, da CF) para poder ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte."

                      E acrescenta:

                      "São coisa diferentes, que, portanto, não podem ser coligadas. Na verdade, o IPTU deve: a) ter alíquotas progressivas, em razão do valor do imóvel; e b) ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, o que, a nosso ver, depende – agora, sim- da edição do plano diretor do Município, que efetuará a ordenação da cidade." [33]

                      Em resumo, o IPTU, após a E.C. n.° 29/00, pode, ou melhor, deve ter alíquotas progressivas em razão do valor do imóvel (progressividade fiscal) independente do plano diretor, e também pode ter alíquotas progressivas em razão do uso e da localização do imóvel (progressividade extra-fiscal) porém na pendência da existência do plano diretor.

                      5.2 - Requisitos para a instituição da progressividade extra-fiscal no IPTU.

                      Como acentuado no item acima, para a instituição do IPTU com alíquota progressiva em razão do uso e da localização do imóvel, mister se faz a existência de plano diretor prevendo tal progressão de alíquotas.

                      A lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) regula a política urbana nos termos dos arts. 182 [34] e 183 da Constituição Federal.

                      Nesse texto legal encontra-se parâmetros e limites para a progressividade extra-fiscal do IPTU.

                      Nesse sentido, dispõe a referida lei:

                      "Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

                      IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

                      DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA

                      Seção I

                      Dos instrumentos em geral

                      Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

                      III - planejamento municipal, em especial:

                      a) plano diretor;

                      IV - institutos tributários e financeiros:

                      a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;

                      Seção III

                      Do IPTU progressivo no tempo

                      Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

                      § 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

                      § 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.

                      § 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

                      Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:

                      I - com mais de vinte mil habitantes;

                      II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

                      III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;

                      Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.

                      O referido texto legal acentua, por diversas vezes, a necessidade de cumprimento da função social da propriedade nas cidades.

                      Para que a função social da propriedade seja cumprida, o legislador federal arma os municípios com a competência de instituírem planos diretores que definam, no âmbito municipal, qual o melhor futuro para o crescimento da cidade.

                      Traçados, através de lei (plano diretor), quais devem ser os caminhos do desenvolvimento da cidade, o legislador municipal tem novas armas para incentivar ou até impelir o cidadão a contribuir para o crescimento da cidade nos moldes do plano diretor – o IPTU progressivo.

                      A progressividade extra-fiscal utilizada para incentivar o cidadão a seguir o plano diretor pode ser utilizada em três hipótese:

                      - em razão do uso do imóvel (art. 156, §1°, II, da CF/88);

                      - em razão da localização do imóvel (art. 156, §1°, I, da CF/88);

                      - para imóvel urbano não edificado, progressividade no tempo para determinar o seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4°, II, da CF/88).

                      Dessa forma, possibilita-se que o Município, através de lei, incentive a construção de hospitais em bairros carentes desse tipo de estabelecimento; que determine a edificação de terrenos antes utilizados por especuladores que não fazem cumprir a função social da propriedade; que incentive a construção de creches; que conduza o crescimento da cidade para determinado setor; que incentive a construção de novas industriais; entre outros infindos atos que possam auxiliar no cumprimento da função social da propriedade e na melhor forma de ordenação da cidade. [35]

                      Ressalta-se que a progressividade no tempo prevista no art. 182, § 4° da Constituição Federal, está adstrita ao disposto no referido § 4°:

                      "§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

                      I - parcelamento ou edificação compulsórios;

                      II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

                      III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais."

                      Logo, necessário que se proceda a todas as etapas precedentes (edificação compulsória e IPTU progressivo no tempo) para que haja a posterior desapropriação.

                      Quanto à progressividade do art. 156, § 1°, inciso II, basta que conste no plano diretor da cidade quais os locais e quais os usos a serem incentivados para que possa-se cobrar o IPTU progressivo.

                      5.3 – Síntese da progressividade no IPTU após a E.C. n° 29/00

                      De todo o exposto, conclui-se que são as seguintes formas de progressividade no IPTU após a E.C. n° 29/00:

                      - Progressividade fiscal – para implementar o princípio da isonomia (arts. 5°, I 150, II, da CF/88);

                      - Progressividade fiscal – pela graduação do ônus da tributação segundo a capacidade contributiva do contribuinte. (art. 145, § 1°, da CF/88);

                      - Progressividade fiscal – em razão do valor do imóvel (ratifica as progressividades acima explicitadas);

                      - Progressividade extra-fiscal – em razão do uso do imóvel (art. 156, §1°, II, da CF/88);

                      - Progressividade extra-fiscal – em razão da localização do imóvel (art. 156, §1°, I, da CF/88);

                      - Progressividade extra-fiscal – para imóvel urbano não edificado, progressividade no tempo para determinar o seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4°, II, da CF/88).

                      Ressalta-se que as três primeiras progressividades apresentadas são manifestações de uma única progressividade, a progressividade fiscal, sendo que as demais apresentam características especiais e depende de expressa autorização constitucional para serem instituídas.


CONCLUSÃO

                      O presente estudo não pretendeu esgotar o assunto, que pela riqueza de seu tema, ainda é campo pouco explorado na doutrina nacional.

                      No entanto, a título de síntese das idéias aqui mencionadas propõem-se as seguintes conclusões:

                      1.No plano sintático, norma jurídica pode ser definida como o juízo hipotético condicional que prevê um fato jurídico e liga a ele uma conseqüência. Sendo assim, em toda norma jurídica há uma hipótese, dentro da qual será identificado o critério material (comportamento humano regulado pela norma), critério espacial (local que deve ocorrer o comportamento humano para que a norma em questão produza seus efeitos), critério temporal (momento em que tal conduta deve se realizar para gerar os efeitos jurídicos descritos na norma).

                      2. Cuida a regra matriz de incidência tributária do fenômeno da incidência, sendo assim é ela que vai estabelecer o critério material, espacial e temporal presentes obrigatoriamente na hipótese da regra-matriz e, também, o sujeito ativo e passivo, assim como a base de cálculo e o valor da alíquota presentes no conseqüente da norma instituidora do tributo. A regra-matriz de incidência tributária é aquela que define a incidência fiscal. Em outras palavras, é aquela que trata da incidência de um tributo, que normatiza a obrigação principal. É a denominada norma tributária em sentido estrito, se contrapõe à norma tributária em sentido amplo que regula os diversos outros fatores que não a incidência propriamente dita.

                      3.O legislador infraconstitucional está obrigado a obedecer a divisão rígida de competência tributária traçada pela Constituição Federal, sob pena de macular com o vício da inconstitucionalidade qualquer exação que não respeite a meticulosa divisão de competências tributárias imposta pela Carta Magna.

                      4. A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência ( o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma – padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.

                      5. Os princípios constitucionais tributários são a base que sustentam o sistema tributário constitucional. Os principais princípios constitucionais tributários são: princípio da capacidade contributiva; princípio da isonomia; princípio da estrita-legalidade; princípio da anterioridade; princípio da irretroatividade da lei tributária; princípio da proibição de tributo com efeito de confisco; princípio da tipologia tributária, princípio da indelegabilidade da competência tributária.

                      6. O IPTU tem a seguinte regra-matriz de incidência tributária:

                      Regra – matriz de incidência do IPTU:

                      Hipótese:

                      - critério material – ser proprietário, ou ter o domínio útil ou a posse, de bem imóvel urbano por natureza ou por acessão física;

                      - critério espacial – nas zonas urbanas ou áreas urbanizadas do município (sendo a definição de zonas urbanas e rurais de competência da lei complementar);

                      - critério temporal – no primeiro dia de cada ano;

                      Conseqüente:

                      - critério pessoal

                      A)sujeito ativo: Município ( Exceções relativas ao Distrito Federal e aos territórios)

                      B)sujeito passivo: o proprietário, aquele que detêm o domínio útil ou a posse não precária do bem imóvel urbano;

                      - critério quantitativo

                      a)base de cálculo: o valor venal do imóvel;

                      b)alíquota: variada, devendo ser progressiva.

                      7. A progressividade fiscal é a determinada em função da capacidade econômica do contribuinte, dando assim vida à máxima de tratar os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades. Em outras palavras, tal progressividade é aplicação pratica do princípio da igualdade e do princípio da isonomia, que confere tratamento equânime somente aqueles que se encontram na mesma situação. A função da progressividade fiscal é meramente abastecer os cofres públicos retirando parcelas no patrimônio do contribuinte, sendo que aquele que pode mais, deve contribuir de forma mais vultosa.

                      8. A progressividade extra-fiscal usa um parâmetro externo ao direito tributário, assim, utiliza-se uma alíquota maior não com efeitos arrecadatórios mas sim com fins outros, como por exemplo, forçar o adequado uso da propriedade urbana pelo proprietário do imóvel.

                      9. Como corolário do princípio da isonomia e da capacidade contributiva a progressividade fiscal no IPTU deve existir sob pena de inconstitucionalidade ao tratar desiguais de forma igual.

                      A jurisprudência e a doutrina acenavam para o outro lado, impedindo a instituição da progressividade fiscal no IPTU. Para resolver essa celeuma o Constituinte Derivado publicou a Emenda Constitucional n.° 29 de 2000 colocando ponto final a essa questão e inovando ao instituir a possibilidade de existência de novas formas de progressividade extra-fiscal.

                      10.A emenda constitucional n.° 29 de 2000 modificou a redação do parágrafo 1° do art. 156 da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:

                      "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

                      I - propriedade predial e territorial urbana;

                      II -...

                      III -....

                      § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

                      I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

                      II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel."

                      11. O IPTU, após a E.C. n.° 29/00, pode, ou melhor, deve ter alíquotas progressivas em razão do valor do imóvel (progressividade fiscal) independente do plano diretor, e também pode ter alíquotas progressivas em razão do uso e da localização do imóvel (progressividade extra-fiscal) porém na pendência da existência do plano diretor.

                      12.Para que a função social da propriedade seja cumprida, o legislador federal arma os municípios com a competência de instituírem planos diretores que definam, no âmbito municipal, qual o melhor futuro para o crescimento da cidade.

                      13.Traçados, através de lei (plano diretor), quais devem ser os caminhos do desenvolvimento da cidade, o legislador municipal tem novas armas para incentivar ou até impelir que o cidadão contribua para o crescimento da cidade nos moldes do plano diretor – o IPTU progressivo.

                      14.Para a progressividade no tempo do art. 182, § 4° da Constituição Federal necessário que se proceda a todas as etapas precedentes (edificação compulsória e IPTU progressivo no tempo) para que haja a posterior desapropriação.

                      15.Quanto à progressividade do art. 156, § 1°, inciso II, basta que conste no plano diretor da cidade quais os locais e quais os usos a serem incentivados para que possa-se cobrar o IPTU progressivo.

                      16.Conclui-se que são as seguintes formas de progressividade no IPTU após a E.C. n° 29/00:

                      - Progressividade fiscal – para implementar o princípio da isonomia (arts. 5°, I 150, II, da CF/88);

                      - Progressividade fiscal – pela graduação do ônus da tributação segundo a capacidade contributiva do contribuinte. (art. 145, § 1°, da CF/88);

                      - Progressividade fiscal – em razão do valor do imóvel (ratifica as progressividades acima explicitadas);

                      - Progressividade extra-fiscal – em razão do uso do imóvel (art. 156, §1°, II, da CF/88);

                      - Progressividade extra-fiscal – em razão da localização do imóvel (art. 156, §1°, I, da CF/88);

                      - Progressividade extra-fiscal – para imóvel urbano não edificado, progressividade no tempo para determinar o seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4°, II, da CF/88).

                      Ressalta-se que as três primeiras progressividades apresentadas são manifestações de uma única progressividade, a progressividade fiscal, sendo que as demais apresentam características especiais e depende de expressa autorização constitucional para serem instituídas.


BIBLIOGRAFIA

                      ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição, 2° tiragem, São Paulo: Malheiros, 2001.

                      BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª edição, São Paulo: Lejus, 1998.

                      CARRAZZA, Roque Antonio Carrazza. Curso de direito constitucional tributário. 17ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002.

                      CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000.

                      ________. Direito tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 1999.

                      FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação 3ª edição, São Paulo: Atlas, 2001.

                      FURLAN, Valéria C. P.. Imposto predial e territorial urbano. 1ª edição, São Paulo: Malheiros, 1998.

                      ICHIHARA, Yoshiaki. O Princípio da Progressividade e suas implicações no IPTU, Imposto sobre Doações, "Causa Mortis" e "Inter Vivos" – Revista de Direito Tributário n.° 81- Malheiros, 2000

                      KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado, 4ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 1994.

                      MARTINS, Ives Gandra da Silva (coordenador). Curso de direito tributário. 2ª edição, Belém: CEJUP, 1993.

                      SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 17ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2000.


Notas

                      1. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, 1994, 4ª edição, p. 5.

                      2. Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, Saraiva, 2ª edição, 1999, p.18.

                      3. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, 1994, 4ª edição, p. 37.

                      4. Hans Kelsen atribuiu maior valor à norma sancionadora classificando-a de primária. Sendo as normas de conduta secundárias, não entraremos no mérito dessa classificação pois não é o objeto do presente estudo.

                      5. Tercio Sampaio Ferraz Jr., no livro Introdução ao Estudo do Direito explica a função da hermenêutica nos seguintes termos: "Ao se utilizar seus métodos, a hermenêutica identifica o sentido da norma, dizendo como ele deve-ser (dever-ser ideal). Ao fazê-lo, porém, não cria sinônimo, para o símbolo normativo, mas realiza uma paráfrase, isto é, uma reformulação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, pois exarado em termos mais convincentes. Assim, a paráfrase interpretativa não elimina o texto, pondo outro em seu lugr, mas o mantém de uma forma mais conveniente, reforça-o, dando-lhe por base de referência o dver-ser ideal do legislador racional, para um efetivo controle de conotação e da denotação."

                      6. Paulo de Barros Carvalho Curso de Direito Tributário, Saraiva, 13ª edição, 2000, São Paulo, p. 8.

                      7. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 17ª edição, Malheiros, 2002, p. 427 e 428.

                      8. Idem, p. 429.

                      9. Ibidem, p. 440 e 441.

                      10. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, Saraiva, 13ª edição, 2000, p. 155 e 156.

                      11. Idem, p. 158.

                      12. Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, Lejus, 3ª edição, 1998, p. 329 e 330.

                      13. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 13ª edição, Saraiva, 2000, p. 253.

                      14. Valéria C.P. Furlan, Imposto Predial e Territorial Urbano, 1ª edição, Malheiros, 1998, p. 59.

                      15. De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 17ª edição, Forense, 2000, p. 650.

                      16 Faz-se aqui uma diferenciação entre imposto territorial e imposto predial urbano, o primeiro refere-se ao terreno, o segundo a construções sobre o terreno.

                      17. Ives Gandra da Silva Martins (coordenador), Curso de Direito Tributário, volume 2, 2ª edição, CEJUP, 1993, p. 714.

                      18. Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros, 2001, p. 104.

                      19. Ives Gandra da Silva Martins (coordenador), Curso de Direito Tributário, volume 2, 2ª edição, CEJUP, 1993, p. 725.

                      20. A posse a que se faz alusão é a posse que seja apta para gerar o usucapião, por via de conseqüência, será apta para revelar a capacidade econômica do possuidor para fins de IPTU. Nesse sentido Valéra C.P. Furlan, na obra citada, p. 66.

                      21. Deve-se distinguir o termo "progressividade" do termo "proporcionalidade". No primeiro há um aumento da alíquota na medida que se aumenta a base de cálculo, no segundo a alíquota mantém-se constante enquanto aumenta a base de cálculo.

                      22. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

                      § 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

                      I - parcelamento ou edificação compulsórios;

                      II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

                      III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

                      23. A classificação dos impostos em "reais" e "pessoais" é criticada pela doutrina, nesse sentido, explica Valéria C.P. Furlan, na obra citada, p. 32: "Doutra parte, não existem, juridicamente falando, impostos reais, pois, se entendermos que a relação jurídica só pode acontecer entre duas pessoas, entre dois sujeitos – teoria kelseniana-, o imposto também, com toda relação jurídica, sempre será pessoal; até porque o imóvel não paga imposto, quem paga imposto é o proprietário do imóvel ou seu possuidor, no caso do IPTU."

                      24. Yoshiaki Ichihara, O Princípio da Progressividade e suas implicações no IPTU, Imposto sobre Doações, "Causa Mortis" e "Inter Vivos" – Revista de Direito Tributário n.° 81- Malheiros, 2000, p. 316.

                      25. Art. 60...

                      § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

                      I - a forma federativa de Estado;

                      II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

                      III - a separação dos Poderes;

                      IV - os direitos e garantias individuais.

                      26. Yoshiaki Ichihara, O Princípio da Progressividade e suas implicações no IPTU, Imposto sobre Doações, "Causa Mortis" e "Inter Vivos" – Revista de Direito Tributário n.° 81- Malheiros, 2000, p. 317

                      27. Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros, 2000, p. 141.

                      28. Entende-se aqui, a expressão "capacidade financeira" como a condição de ter numerário, dinheiro "vivo" para saldar a dívida oriunda do IPTU. Já a expressão "capacidade econômica" está empregado no sentido de apresentar um signo presuntivo de riqueza, é o simples fato se ser proprietário de um imóvel.

                      29. Valéria C.P. Furlan, IPTU, 1ª edição, Malheiros, 2000, p. 129.

                      30. Assim dispunha o parágrafo alterado:

                      "§ 1º. O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade."

                      31. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 17ª edição, Malheiros, 2002, p. 92.

                      32. Idem, p. 93 e 94.

                      33. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

                      § 1º. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

                      § 2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

                      § 3º. As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

                      § 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

                      I - parcelamento ou edificação compulsórios;

                      II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

                      III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

                      34. Hans Kelsen, no livro Teoria Pura do Direito, p. 28, aponta a existência de dois tipos de sanções: a punitiva e a premial. "O prêmio e a pena são estabelecidos a fim de transformar o desejo do prêmio e o receio da pena em motivo da conduta socialmente desejada." E arremata: "O sentido do ordenamento (jurídico) traduz-se pela afirmação de que, na hipótese de uma determinada conduta – quaisquer que sejam os motivos que efetivamente a determinaram -, deve ser aplicada uma sanção (no sentido amplo de prêmio ou de pena)."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIB, Cristiano Cury. A progressividade no IPTU após a Emenda Constitucional n° 29/00. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3475. Acesso em: 23 abr. 2024.