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A maioridade: uma visão interdisciplinar

A maioridade: uma visão interdisciplinar

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SUMÁRIO: RESUMO. 1. INTRODUÇÃO. 2 A MAIORIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 1.916. 2.1 HISTÓRICO. 2.2 PESSOA. 2.2.1 Pessoa natural. 2.2.2 Personalidade jurídica. 2.2.3 Estado. 2.3 CAPACIDADE. 2.3.1 Capacidade de direito e capacidade de fato. 2.4 INCAPACIDADE. 2.4.1 Incapacidade absoluta. 2.4.2 Incapacidade relativa. 2.4.3 Proteção aos incapazes. 2.4.4 Cessação da incapacidade. 2.5 MAIORIDADE CIVIL. 2.5.1 Maioridade eleitoral. 2.5.2 Direito comparado. 3 MAIORIDADE PENAL. 3.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA (Lei no. 8.069/90). 3.2. DIREITO COMPARADO. 3.3 CORRENTES A FAVOR DA REDUÇÃO. 3.3.1 Propostas de Emendas à Constituição Federal (PEC). 3.4 CORRENTES CONTRA A REDUÇÃO. 4 O CÓDIGO CIVIL DE 2.002. 4.1 BREVE HISTÓRICO. 4.2 ALTERAÇÕES EM RELAÇÃO AO CÓDIGO CIVIL DE 1.916. 4.2.1 Consagradas na CF/88, jurisprudência ou legislações esparsas. 4.2.2 Temas novos. 4.3 OMISSÕES. 4.4 CRÍTICAS. 4.5 MAIORIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2.002. 4.5.1 Quadro comparativo da maioridade civil nos dois códigos. 4.5.2 Quadro interdisciplinar da maioridade. 5 REFLEXOS DECORRENTES DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL. 5.1 ALIMENTOS. 5.2 PREVIDÊNCIA OFICIAL. 5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL. 5.4 IMPUTABILIDADE PENAL. 6 CONCLUSÃO. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


RESUMO

Esta monografia tem o objetivo de traçar um perfil da maioridade em suas mais variadas situações, enfocando-a com maior profundidade na esfera civil propriamente dita, sob a égide do ordenamento jurídico hoje em vigor que encara ainda o maior com a idade de vinte e um anos -- o Código Civil de 1.916 --, inserindo no trabalho assuntos correlatos e necessários ao melhor entendimento e compreensão do tema, como a personalidade e a capacidade. Numa segunda etapa, o trabalho versa sobre a maioridade penal, que é um dos assuntos mais polêmicos atualmente, com realce das correntes pró e contra a redução da imputabilidade penal. A terceira etapa cuida do Código Civil de 2.002, que tem como inovação a redução da maioridade dos atuais vinte e um para dezoito anos. A propósito do Código Civil de 2.002, por ser um instrumento de especial importância, cuidou-se de oferecer nesta monografia, a despeito de o assunto merecer maior profundidade, uma abordagem en passant de suas principais alterações, como forma de contextualizar o cidadão brasileiro no início do novo século. São também objeto de estudo na última etapa do presente trabalho os reflexos decorrentes da alteração da idade que venham a afetar o cidadão nos seus aspectos comportamentais, sociais, econômicos e financeiros, já em um enfoque interdisciplinar, com as repercussões pertinentes às variadas áreas do ordenamento jurídico.


1 INTRODUÇÃO

A questão da maioridade está presente na vida do cidadão brasileiro desde a época do período imperial e faz parte da própria história. Aliás, teve início com a campanha da maioridade para conduzir D. Pedro II ao trono de imperador, então com apenas 14 anos de idade, fato marcante não só pelo ineditismo da época, em que o direito era ditado pelas Ordenações Filipinas e, portanto, ainda sob a influência lusitana, mas também porque o fato veio contribuir para a mudança de rumos do poder político do Brasil dos idos de 1840.

Acompanhando a tendência mundial da evolução que se observa em todas as formas da atividade humana, a maioridade civil está para inaugurar idade nova no Brasil. Medida atualmente pela exata idade de vinte e um anos, a partir de janeiro de 2.003, quando entra em vigor o Código Civil de 2.002, esse importante marco será rebaixado ao patamar dos dezoito anos, idade mais consentânea com o atual nível de discernimento e maturidade do jovem do século XXI. A gradativa redução da maioridade já incorporada ao dia-a-dia das pessoas – por exemplo, dirigir automóveis, votar, trabalhar, casar, etc. – fez com que a inovação promovida traga mais equilíbrio e uniformidade às relações jurídicas envolvendo o direito em seus diversos ramos.

Sem esgotar o assunto, a monografia busca trazer à tona o resultado da evolução conquistada pelo jovem com a idade de dezoito anos dentro da sociedade hodierna, sopesando, de um lado, o benefício proporcionado pelo seu amadurecimento quando lhe confere a plena capacidade, vale dizer, a independência para gerir sua vida mais precocemente, e de outro, os ônus que tal progresso acarretam, como o de se ver obrigado a trabalhar mais cedo para autosustentar-se e a enfrentar as dificuldades cotidianas próprias de um cidadão independente. Tudo isso em uma visão interdisciplinar, mesclando o direito civil com as demais legislações existentes, sempre presente a melhor doutrina e a experiência emprestada por renomados juristas e operadores de direito.


2 A MAIORIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 1.916

2.1 HISTÓRICO

Remonta à época da renúncia de D. Pedro I do trono de Imperador do Brasil, nos idos de 1831, o início do episódio mais conhecido como o "golpe da maioridade". Pressionado pela ala liberal e setores da elite, D. Pedro I deixou o poder em meio a enorme crise institucional, passando o Brasil a ser governado por uma regência escolhida pela Assembléia Geral, porquanto o príncipe herdeiro – D. Pedro II – tinha apenas 6 anos de idade.

Após a saída de D. Pedro I do poder, inúmeros conflitos e rebeliões fizeram parte do cenário histórico. Interesses regionalistas, aliados ao extenso espaço territorial que dificultava um controle adequado por parte do Regente, fizeram com que memoráveis rebeliões populares eclodissem do Brasil. A Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835), a Cabanagem no Pará (1835), a Sabinada na Bahia (1837) e a Balaiada no Maranhão (1838), marcaram o período regencial.

Diante do insucesso da descentralização ocorrida durante o período regencial, palco de revoltas sociais, e também em função da agitação e desentendimentos travados entre liberais e conservadores, cenário esse agravado pelos resquícios de rebeliões ainda não debeladas totalmente, como a Farroupilha e a Balaiada, urgia a tomada de medidas para acabar com tal estado de ânimo. A ala capitalista constituída por proprietários de escravos e de terras mostrava-se assustada com a malsucedida experiência da descentralização, exigindo maior estabilidade política. (1)

Assim, a idéia da maioridade, como forma de solução para a grave crise política, através do restabelecimento da autoridade monárquica, ganhava força e passava a amealhar o interesse das duas correntes – liberais e conservadores – que, divergências de ideais à parte, nutriam interesse em participar da organização do novo estado brasileiro. Para essas correntes era necessário impor a ordem, que não se restringia apenas a acabar com a monarquia, mas, pelo contrário, clamava-se pelo fortalecimento do poder central.

Avançava, assim, como ares de salvação nacional, o projeto de antecipação da maioridade do menino Pedro de Alcântara, então com quatorze anos de idade. Alguma providência já havia sido tomada para antecipar esse anseio, pois a Constituição outorgada em 1824 fixava a maioridade do Imperador aos vinte e um anos e o Ato Institucional rebaixava esse patamar para dezoito anos. No entanto, era necessário retroceder ainda mais e fixá-la em quatorze anos, para que fosse possível ao jovem príncipe assumir o comando do país ainda em 1840. A idéia obteve apoio dos liberais, à espera de poder retornar ao governo, e dos conservadores, que queriam consolidar a monarquia e preservar a unidade do império, mesmo porque, no poder desde a nomeação do Regente Uno, não estavam seguros da continuidade do regime regencial, dada a impossibilidade da manutenção da ordem política. Por isso, visando antecipar ainda mais o lapso superior ao previsto na Constituição e na lei subsequente, o "golpe da maioridade" provocou a inauguração prematura do governo pessoal do D. Pedro II.

Em outubro de 1840, por iniciativa do senador José Martiniano de Alencar, pai do romancista José de Alencar, foi criada a Sociedade Promotora da Maioridade, inicialmente secreta e mais tarde pública, que posteriormente passou a chamar-se Clube da Maioridade, tendo como presidente Antônio Carlos de Andrada, um dos líderes do Partido Progressista. (2) Os conservadores procuraram adotar medidas visando restaurar a mística da figura imperial, o protocolo e as pompas reais nas solenidades públicas. Restabeleceu-se a prática do "beija-mão", procedimento consistente numa saudação que simbolizava o reconhecimento do Imperador por seus súditos.

A campanha, de início tímida, foi ganhando espaço, primeiro na Câmara, depois no Senado, nas praças, enfim, tomou conta de todo o universo político-ideológico do país. Mesmo diante da iminente vitória dos liberais, o governo regencial procurou em vão retardar ao máximo o desfecho, tentando obstaculizar o processo de votação do projeto de declaração da maioridade, com vistas à antecipação do início do governo pessoal de D. Pedro II.

Assim, em 23 de julho de 1840 o jovem Príncipe prestou juramento na Assembléia Geral "Juro manter a religião Católica Apostólica Romana, a integridade e indivisibilidade do Império, observar e fazer observar a Constituição política da nação brasileira, e mais leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil, quanto em mim couber", selando um processo que rendeu inúmeros embates e divergências entre liberais e conservadores, mas que, ao final, restabeleceu a paz no Império. A cerimônia de sagração e coroação de D. Pedro II como Imperador do Brasil, então com 15 anos de idade, aconteceu no Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1841, em meio a cerimônias e festividades de grande pompa. Foram gastos recursos de elevada monta dos cofres públicos para embelezamento da cidade, em inúmeras obras.

Para alguns, na visão política, a maioridade foi um golpe palaciano, que contou com a participação do próprio jovem Pedro de Alcântara, culminando com a derrota dos conservadores e a volta dos liberais ao poder. Vozes discordantes, porém, interpretaram o fato como uma manobra arquitetada por correntes políticas dominantes, dentro de uma concepção idealista de centralização do poder.

2.2 Pessoa

Antes de adentrar no assunto específico do presente trabalho, que é a maioridade, torna-se necessário tecer considerações acerca da personalidade, mais precisamente sobre a acepção jurídica do termo "pessoa".

É incerta a origem do vocábulo "pessoa". Etimologicamente, a corrente mais aceita , originária da interpretação tradicional, indica que a palavra pessoa vem do latim persona, que, numa adaptação à linguagem teatral, significava máscara. Evoluindo, passou a exprimir a atuação dos atores ou personagens, passando ao longo dos tempos, para a vida real, na qual cada pessoa representa um papel, seja pai, filho, empregado, comerciante, etc.

A partir de então o termo "pessoa" recebeu três acepções diferentes: (3)

  1. acepção vulgar -- incompatível com a linguagem jurídica --, em que o termo é sinônimo de ente humano, não se adaptando, portanto, à linguagem jurídica, pois as pessoas jurídicas não são pessoas humanas, mas tem uma conotação que lhes dá a conformação de pessoa;
  2. acepção jurídica, sendo pessoa o ente físico ou moral que tem aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Existe um sujeito que tem a função de exercer a titularidade, podendo tanto ser o homem – caso da pessoa física, ou pessoa natural --, ou um agrupamento de homens ligados a um interesse comum – caso da pessoa jurídica, ou pessoa coletiva.
  3. acepção filosófica, que considera a pessoa como o indivíduo agindo de modo consciente na realização da finalidade moral, circunstância em que se considera o homem ou uma coletividade no sentido amplo de pessoa.

Segundo a doutrina tradicional, o termo "pessoa" vem a ser o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, aí também entendido como sinônimo de sujeito de direito. (4) Entende-se por sujeito de direito aquele que é sujeito de uma pretensão ou titularidade jurídica, ou, em outras palavras, do poder de intervenção na produção da decisão judicial. Kelsen tinha uma visão diferente, pois para ele a pessoa é uma unidade personificada das normas jurídicas que lhe impõem deveres e lhe conferem direitos. Entendia, pois, o significado de sujeito de direito como um conceito auxiliar necessário à facilitar a exposição do direito. (5)

Assim, na linguagem jurídica, as expressões "sujeito de direito" e "pessoa" são equivalentes e desdobram-se em duas realidades fundamentais: (6) os seres humanos, denominados pessoas físicas, pessoas naturais, pessoas singulares, ou até pessoas de existência visível, e as instituições, sejam públicas ou privadas, denominadas pessoas jurídicas, pessoas coletivas, pessoas morais, ou pessoas de existência ideal, etc.

2.2.1 Pessoa natural

Enquanto o termo pessoa, isoladamente considerado, seja conceituado como o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, pode-se dizer que pessoa natural é um desdobramento daquele, ou seja, uma espécie do gênero pessoa. Pessoa natural, segundo DINIZ, é o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações. É o termo adotado pelo Código Civil, embora existam discussões doutrinárias quanto à correta denominação desse vocábulo. Teixeira de Freitas, por exemplo, foi crítico a tal denominação, afirmando a possibilidade de existir "pessoa não natural", sugerindo a alteração para "ser de existência visível". O termo "pessoa física", mais utilizado nos meios tributários e econômicos, também não é o adequado, vez que dá idéia do aspecto material do homem, em detrimento de suas qualidade morais e espirituais. A pessoa natural, portanto, considerada em conjunto com a pessoa jurídica, que é a versão não corporificada dos atributos humanos -- também chamada de pessoa coletiva, pessoa civil, pessoa intelectual, de existência ideal, etc. – forma o elemento maior denominado pessoa em sentido lato.

Conforme previsto no artigo 4o do Código Civil de 1916, "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro". É necessário que haja a separação por completo da criança do ventre materno para se configurar o nascimento, não se admitindo o fenômeno enquanto permanecer o infante ligado à mãe pelo cordão umbilical. Entretanto, não basta o simples fato do nascimento. É necessária a existência de sinais inequívocos de vida por parte do recém-nascido, para que lhe seja reconhecida a personalidade civil e se torne sujeito de direitos. A segunda parte do art. 4o protege o direito do nascituro, levando MONTEIRO (7) a afirmar que a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, que é o nascimento com vida. Trata-se, entretanto, de uma discussão polêmica, dividindo-se a doutrina e a jurisprudência em duas vertentes. A primeira defende a concessão da personalidade ao nascituro desde a concepção, ficando seus direitos, em geral, condicionados ao ulterior nascimento com vida. A segunda vertente admite a personalidade apenas a partir do nascimento com vida, cabendo, porém, resguardar eventuais direitos do nascituro. Ficou o Código Civil de 1916 com esta segunda opção, o que não deixa de ser uma posição destituída da necessária clareza jurídica, revelando uma certa vacilação do legislador para tratar do assunto em sua essência. O direito comparado também se divide no posicionamento de duas escolas, uma das quais – a exemplo de nosso ordenamento jurídico – mantém-se a favor da fixação do início da personalidade jurídica com o nascimento, reservando para o nascituro uma expectativa de direitos. A outra corrente pende por fazer coincidir a vida jurídica com a vida física, estabelecendo-se como extremos a concepção e a morte. (8)

Com relação ao fim da personalidade, esta se dá com sua morte, tal como expresso no artigo 10 do Código Civil de 1916: "A existência da pessoa natural termina com a morte", a partir do que extinguem-se seus direitos de personalidade. A lei prevê ainda casos especiais, como a morte presumida, em casos dos ausentes e desaparecidos, e a comoriência, que ocorre com a morte simultânea de duas ou mais pessoas.

2.2.2 Personalidade jurídica

Para BEVILÁQUA (9) "personalidade jurídica é a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações". Tal conceito é ampliado por Sílvio Rodrigues, que afirma ser a aptidão para adquirir direitos e assumir obrigações na ordem civil. Assim, a personalidade jurídica (ou civil) confere ao indivíduo a capacidade de direito. Convém fazer uma distinção entre personalidade jurídica e direitos da personalidade. Enquanto a personalidade jurídica é a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, direitos da personalidade são os direitos propriamente ditos que a pessoa tem (direitos subjetivos) de defender sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto), intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional, e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social). (10)

TELLES JÚNIOR (11) considera os direitos da personalidade como os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria, etc.

2.2.3 Estado

Proveniente do latim status, a expressão estado , que era utilizada pelos romanos na designação dos predicados da personalidade, tinha como escopo a circunstância de tornar os homens como sujeitos de direito na sociedade civil. (12) O estado era considerado sob três aspectos: liberdade (status libertatis), cidade (status civitatis) e família (status familiae), os quais, somente quando possuídos em conjunto pelo cidadão poderiam lhe conferir a condição de caput civile. Por outro lado, se se perdesse qualquer dos três atributos, configurava-se a capitis deminutio (diminuição da capacidade), expressão sujeita ainda à gradação máxima, média e mínima, dependendo do grau de importância de perda.

Das três modalidades de estado oriundas do direito romano, apenas duas – a nacionalidade e família -- sobreviveram no direito moderno, abstraindo-se a liberdade, diante do fato consagrado universalmente de que na atualidade todos os cidadãos são livres e capazes de direitos e obrigações.

O sentido de estado (status) está estreitamente ligado ao de capacidade.

Para DINIZ, estado "é a soma das qualificações da pessoa, permitindo sua apresentação na sociedade, em dada situação jurídica, para que possa usufruir das vantagens e sofrer os ônus dela decorrentes." (13)

Hodiernamente, o estado das pessoas comporta classificação de três modos distintos: estado político, familiar e individual. (14) O estado político diz respeito à situação jurídica do indivíduo dentro de uma sociedade politicamente organizada (nação). O estado familiar refere-se à posição que a pessoa ocupa dentro da família. O estado individual é a essência da pessoa no que diz respeito à sua constituição orgânica, ai incluído o sexo, a idade e a capacidade.

O estado individual é um dos atributos da personalidade, tal como a capacidade, o nome e o domicílio. É a maneira de ser da pessoa no que se refere à idade, sexo e saúde mental e física, ou seja, estão intimamente ligados à capacidade civil. (15)

2.3 CAPACIDADE

Capacidade é a maior ou menor extensão dos direitos de uma pessoa, entendido que sob o ponto de vista jurídico todos são igualmente dotados de personalidade, mas nem todos têm a mesma capacidade jurídica. Nesse entendimento, a capacidade jurídica das pessoas estende-se aos diversos setores da vida jurídica, como a capacidade civil, comercial, penal, política, etc. (16) Daí advém a adequação que o ordenamento jurídico prevê às variadas classes de atividades, atribuindo-lhes os parâmetros cabíveis em função dos setores individualizados. Por exemplo, a capacidade penal tem toda uma legislação específica quando se trata da fixação da pena em função da idade do agente. Da mesma forma a capacidade eleitoral, e assim por diante.

MONTEIRO (17) define a capacidade como "a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil". O termo capacidade é empregado em dois sentidos: capacidade de direito (ou de gozo), e capacidade de fato (ou de exercício). Capacidade de direito praticamente todos têm, com raras exceções; capacidade de fato, nem todos, pois existem restrições diversas. Um exemplo para distinguir uma de outra pode ser expresso na herança. Um menor recém nascido tem capacidade de direito ao herdar um bem (capacidade de direito). No entanto, para alienar esse bem, dependerá de representação de outra pessoa, na forma da lei (capacidade de fato).

2.3.1 Capacidade de direito e capacidade de fato

A capacidade de direito é inerente à pessoa e a ela não pode ser recusada, porque pode destituí-la dos atributos da personalidade. Desde seu nascimento até sua morte, todo ser humano dispõe de capacidade de direito. Tal é o preceito do art. 2o do atual Código Civil: "todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil".

A capacidade de fato está contida na capacidade de direito, já que não se pode exercer um direito sem tê-lo, sendo, portanto, impossível conceber a primeira sem a segunda. No entanto, não se pode afirmar o contrário. Assim, fica claro que as limitações ao exercício da capacidade de fato estão ligadas ao estado da pessoa, sejam de ordem física ou jurídica. Tais limitações levam à incapacidade, podendo este termo ser melhor entendido quando se adquirir um direito mas não se pode exercê-lo.

Enquanto a capacidade de direito pressupõe a todo ser humano, desde o nascimento até a morte, a prerrogativa de ser titular de direitos – sem contudo, significar que tais direitos possam ser exercidos pelo próprio titular – a capacidade de fato, também conhecida por capacidade de exercício, permite ao cidadão exercer tais prerrogativas pessoalmente, sem intermediação de outrem. Em outras palavras, embora o ser humano tenha capacidade para ser titular de direitos e obrigações na ordem civil, isto não significa a possibilidade de todos, pessoalmente, exercerem tais direitos . Daí a necessidade de distinguir entre capacidade de direito, que é a de ser, pura e simplesmente, titular de direitos, e capacidade de fato, que é a de exercer tais direitos pessoalmente. Portanto, pode-se afirmar que a capacidade de direito é garantida, sem limites, pelo ordenamento jurídico ao ser humano, mas a capacidade de fato fica condicionada a requisitos legais que prevejam casos de incapacidade. Isso porque a lei, em seu papel de tutelar os interesses do cidadão, presentes as condições de desenvolvimento intelectual, idade ou saúde de determinadas pessoas, impõe limitações ao exercício pessoal desses direitos. Essa classe de pessoas, a lei classifica de incapazes. Assim, se o ordenamento jurídico garante a capacidade de direito, a capacidade de fato não segue o mesmo destino, dependendo de requisitos legais que regulam situações de incapacidade. É importante destacar que incapacidade de fato não suprime a capacidade de direito, uma vez que esta pode ser suprida pela representação.

2.4 INCAPACIDADE

Se a capacidade é a aptidão para ter direitos e obrigações, a incapacidade é o inverso, ou seja, a inaptidão para o exercício de direitos previstos na lei. Em outras palavras, é a inexistência dos requisitos legais em uma pessoa para que possa exercer seus direitos .

Na visão de DINIZ "a incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que a capacidade é a regra e a incapacidade, a exceção". (18) Como toda incapacidade decorre de previsão legal, não se incluem como tal eventuais limitações ao exercício de direitos provenientes de ato jurídico inter vivos ou causa mortis, bem assim a proibição legal de se contrair determinados negócios jurídicos. Um exemplo da exceção é o caso do doador que, gravando o bem doado de inalienabilidade, deixará o donatário proibido de dele dispor. Também é assim quando se proíbe ao ascendente vender bens ao descendente sem o consentimento dos demais descendentes. Trata-se, pois, de impedimentos específicos para a prática de determinados atos jurídicos, não se configurando incapacidade do agente que os venha desempenhar, porquanto em pleno exercício de seus direitos civis.

A lei, através dos artigos 5o e 6o do Código Civil de 1.916 trata dos incapazes, dividindo-os em absoluta e relativamente incapazes. O aspecto diferenciador de uma e outra está relacionado à idade imatura e à deficiências de ordem física ou mental.

Para RODRIGUES, o legislador, ao incluir na classe dos incapazes as pessoas desprovidas de determinadas condições, com um conseqüente regime legal privilegiado, teve a preocupação de dispensar-lhes especial proteção, objetivando a preservação de seus interesses. (19) Tal é a situação do menor, desprovido do discernimento e maturidade para fazer seu próprio juízo; do pródigo, que não possui o senso preciso para preservar seu patrimônio; do amental, carecedor da faculdade para decidir o que lhe convém.

2.4.1 Incapacidade absoluta

Basicamente, são absolutamente incapazes aqueles que não podem praticar quaisquer atos jurídicos por si mesmos, ou seja, quando houver total proibição ao exercício do direito, ficando esses atos sujeitos à nulidade, pois que, uma vez destituído de sua autonomia de vontade, não têm os atos qualquer efeito no mundo das relações jurídicas. As causas da incapacidade absoluta estão ligadas ao estado individual da pessoa, que são a idade e a saúde. Com efeito, como bem expressa o art. 145, I, do Código Civil, é nulo o ato jurídico praticado por pessoa absolutamente incapaz, vez que, sendo impedido de manifestar sua vontade, é como se esta não existisse. Para DINIZ, a incapacidade será absoluta quando existir total proibição do exercício do direito pelo incapaz, acarretando, se houver violação do preceito, a nulidade do ato. (20) Assim considerado, os absolutamente incapazes, conquanto disponham de direitos, ficam vedados de exercê-los direta ou pessoalmente, cabendo em tais situações, serem representados.

O ordenamento jurídico admite também como incapacidade a ausência e a condenação penal. Tanto o ausente como o condenado estão impedidos de exercer por si sós os atos da vida civil. O ausente porque seu desaparecimento do domicílio enseja a necessidade da nomeação de outrem para administrar seus bens. O condenado pelo fato de sua separação compulsória da sociedade o impedir de exercer seus atos civis. Tecnicamente, contudo, não se deve considerá-los como incapazes. (21) Diz o art. 5o do Código Civil de 1.916:

"São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de 16 (dezesseis) anos;

II – os loucos de todo gênero;

III – os surdo-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade;

IV – os ausentes, declarados tais por atos do juiz."

Interessa para este trabalho o inciso I, que trata os menores de 16 anos como absolutamente incapazes para exercer os atos da vida civil. São assim considerados em função de seu ainda pequeno desenvolvimento mental e por não estarem adaptados à vida social. Antes, no direito pré-codificado eram os impúberes, porque não contavam ainda com aptidão para procriar. MONTEIRO assim se refere, relativamente ao inciso I acima: " considera-os o Código civilmente incapazes, não porque privados de aptidão para procriar, como se expressava o direito anterior, mas em razão de seu exíguo desenvolvimento mental, de sua reduzida adaptabilidade à vida social." (22)

Um pouco diferente é a concepção do inciso I do citado artigo para GOMES, que assim se expressa:

Até certa idade, presume-se que o homem não possui o discernimento indispensável ao exercício pessoal dos direitos. A determinação do limite no qual essa presunção não deve mais vigorar, varia nas legislações. Dois critérios podem ser adotados para a sua fixação: o fisiológico e o social. Pelo primeiro, a incapacidade absoluta deveria cessar com a puberdade. Pelo segundo, o que se leva em conta é a experiência dos negócios (Oertmann). Presume-se que o homem a adquira ao atingir certa idade, em vista do seu desenvolvimento mental. Até essa idade deve ficar afastado da atividade jurídica. (GOMES, 2001, p. 173)

2.4.2 Incapacidade relativa

Refere-se a incapacidade relativa àquelas pessoas que, para praticar por si determinados atos da vida civil, dependem de assistência de uma terceira pessoa, ligada pelo direito positivo em razão de parentesco, de designação judicial ou mesmo de relação de ordem civil. VENOSA melhor delimita a incapacidade relativa ao observar que esta, ao contrário da incapacidade absoluta, não afeta a aptidão para o gozo de direitos, uma vez que o exercício será sempre possível com a assistência de outrem. (23) Entende a lei que, nesses casos, a deficiência é menor do que aquela que atinge os absolutamente incapazes; procura a lei proteger apenas a feitura de certos atos; restringe o âmbito de atuação dos relativamente capazes; exige a assistência de outra pessoa ou determina certa maneira pela qual alguns atos devam ser praticados.

Assim, um pouco mais amena em relação à incapacidade absoluta – que priva a atuação da pessoa na vida civil – a incapacidade relativa situa-se em uma zona intermediária, como se fosse a metade do caminho entre a total inaptidão e o perfeito desenvolvimento intelectual. Assim, a incapacidade relativa poderá ser mitigada pela utilização da assistência de outrem. A atuação da lei tem a condão de suprir aquela parcela de deficiência, seja impedindo a prática de alguns atos, seja determinando opção mais adequada para outras situações.

Há, contudo, alguns atos que os relativamente incapazes podem praticar independentemente de autorização.

Estabelece o artigo 6o do Código Civil de 1.916 relativamente à incapacidade relativa:

"São incapazes, relativamente a certos atos (artigo 147, I) ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a 156);

II – os pródigos;

III – os silvícolas.

Parágrafo Único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País.

Relativamente ao inciso I, submetem-se à regra legal os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos em razão de fatores ligados à pouca experiência e insuficiente desenvolvimento mental, circunstância impeditiva de sua plena participação na vida civil. Como é mais acentuado o discernimento nessa faixa etária, o Código procurou reduzir-lhes a incapacidade, amenizando porém essa limitação ao conferir-lhes o exercício de determinados direitos a partir dos dezoito anos, para, finalmente, aos vinte e um anos considerá-los plenamente aptos ao exercício dos direitos civis, cessando, portanto, nessa idade, a incapacidade.

Desse modo, o menor entre dezesseis e vinte e um anos pode livremente praticar os seguintes atos, segundo MONTEIRO: (24)

a) servir de testemunha, inclusive em testamentos (artigos 142-III e 1650-I do CC);

b) testar (artigo 1627-I do CC);

c) ser mandatário (artigo 1298 do CC);

d) equiparar-se ao maior nas obrigações resultantes de atos ilícitos (artigo 156 do CC);

e) não se eximir de obrigação quando ocultar dolosamente sua idade (artigo 155 do CC);

e) alistar-se como eleitor, facultativamente entre dezesseis e dezoito anos (artigo 14, par. 1o-II-"c" da CF).

Pode também, o menor entre dezoito e vinte e um anos:

a) casar (para mulher a idade é de dezesseis anos, conforme artigo 183, XII do CC);

b) requerer pessoalmente e isento de multa o registro de seu nascimento (artigo 50, par. 2o da Lei 6.015/73;

c) pleitear perante a justiça do trabalho, sem assistência de pai ou tutor (artigo 792 da CLT);

d) exercer o direito de queixa, renúncia e perdão no Juízo criminal (artigos 34, 50, par. único, e 52 do Código Penal);

e) comerciar (artigos 1o, II e 5o do Código Comercial, e 3o, II do Dec. Lei no. 7.661/45);

f) alistar-se como eleitor (artigo 14, par. 1o, I, da CF).

Com relação ao efeitos jurídicos, a incapacidade relativa gera a anulabilidade do ato praticado sem a devida assistência, na forma prevista no art. 147, I do Código Civil de 1.916.

É interessante a diferença de intensidade: enquanto a incapacidade absoluta impede o menor de realizar o ato jurídico, a incapacidade relativa não afeta a aptidão para o exercício do direito, apenas exige a assistência de pais ou tutores.

2.4.3 Proteção aos incapazes

A proteção legal para casos de incapacidade absoluta está no instituto da representação, através do qual é dado aos incapazes a devida segurança, seja em relação a sua pessoa ou ao seu patrimônio, e o que é mais importante, propiciando a essa classe de pessoas o exercício de seus direitos. No entanto, nem todos os casos são atendidos pela representação. Existem situações em que a incapacidade absoluta priva também a pessoa do gozo dos direitos que somente ela própria poderia exercer, vedando-se, pela natureza personalíssima, o exercício das representação. São os casos, dentre outros, do direito de casar, de testar e de reconhecer filho natural.

Assim, além da representação, a assistência e a autorização são os institutos que protegem juridicamente os incapazes, dando-lhes segurança, seja em relação à sua pessoa ou ao seu patrimônio, de modo a que possam exercer seus direitos. Ocorrendo conflito de interesses entre o absolutamente incapaz e seu representante, ou entre o relativamente incapaz e seu assistente, necessário será a nomeação de um curador especial pelo juiz, visando a proteção ao menor, conforme estabelece o artigo 148, VII, parágrafo único, da Lei 8.069/90.

Existem algumas medidas tutelares que tem o objetivo de defender os interesses dos incapazes, segundo DINIZ (25), dentre as quais destacam-se:

a) não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes;

b) não pode ser reavido o mútuo realizado com menor, salvo as exceções do art. 1260 do Código Civil;

c) possibilidade de o menor recobrar dívida de jogo que voluntariamente pagou (art. 1477 do Código Civil);

d) possibilidade de tornar válido o pagamento feito a um incapaz, desde que provado que reverteu em proveito dele (incapaz) a importância paga (art. 157 do Código Civil);

e) vedação aos incapazes de fazer partilha amigável (art. 1773 do Código Civil);

f) tipificação como circunstância agravante crime cometido contra menor;

g) possibilidade de menores entre 18 e 21 anos requerer, pessoalmente, o registro de seu nascimento (art. 50, par. 2o da Lei 6015/73).

Reprimido pelo artigo 173 do Código Penal, com pena de reclusão de dois a seis anos e multa, constitui delito de abuso de incapazes, "abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro".

Outra forma de proteção aos incapazes está na prerrogativa que a lei coloca à sua disposição visando fulminar de nulidade, ou conferir-lhes ação anulatória para tornar ineficaz quaisquer atos por eles praticados sem a representação ou a assistência de seu representante.

2.4.4 Cessação da incapacidade

A incapacidade, via de regra, cessa quando desaparecem os motivos que a determinaram. No que tange à menoridade, a incapacidade termina quando se atinge a maioridade, através dos vinte e um anos completos ou através da emancipação, que pode ser concedida pelos pais, desde que conte com idade mínima de dezoito anos, ou pela emancipação de pleno direito, na forma do art. 9o do Código Civil de 1.916:

"Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.

Par. 1o – Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau científico em curso de ensino superior;

V- pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.

Par. 2o – Para efeito do alistamento e do sorteio militar cessará a incapacidade do menor que houver completado 18 (dezoito) anos de idade.

Destaque-se que a idade núbil para a mulher é dezesseis anos, e dezoito para o homem, ocorrendo, com o casamento, a emancipação. A lei, ao admitir a possibilidade do casamento com a devida autorização dos pais ou responsáveis, pressupõe que já foi atingido o necessário grau de discernimento e maturidade a ponto de possibilitar a regência dos atos da vida civil. Essa prerrogativa visa evitar a ocorrência de situação vexatória para o jovem casado que, diante da necessidade de praticar qualquer ato, viesse a depender da autorização do pai ou responsável. Daí o motivo por que, uma vez alcançada a maioridade através do casamento, não há retorno à situação anterior de incapacidade relativa, dando-se o ato por pleno e acabado.

VENOSA conceitua a emancipação como sendo " a aquisição da capacidade civil antes da idade legal". (26)

Além dos casos mencionados, onde a maioridade apenas é atingida com a idade de vinte e um anos, existem ainda determinados atos que os menores podem praticar livremente, previstos em legislação específica, tais como a maioridade eleitoral, idade limite para o serviço militar, habilitação para dirigir veículos automotores, etc.

A jurisprudência tem-se mostrado favorável à continuidade da responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos do filho emancipado, conforme demonstrou GOMES:

"Embora o artigo 9o, parágrafo 1o, inciso I, do Código Civil reconheça a plena capacidade civil do menor legalmente emancipado, por ato de vontade paterna, nota-se na jurisprudência uma tendência a conservar a responsabilidade civil solidária dos pais pelos atos ilícitos do filho enquanto não completar os vinte e um anos de idade, o que não deixa de ser uma incongruência, porquanto com a emancipação escapa o menor de todo poder e controle do genitor. E a responsabilidade civil do pai pelos atos do filho pressupõe, segundo o artigo 1.521 do Código Civil, falha no exercício do dever de guarda do menor sujeito a seu pátrio poder." (GOMES, 2001, p. 175)

2.5 MAIORIDADE CIVIL

Na legislação atual, maioridade civil é a prerrogativa conferida a quem completar vinte e um anos de idade e poder praticar todos os atos da vida civil. É um preceito hermético, não admitindo interpretação extensiva, de sorte que, mesmo se demonstrando capacidade de uma pessoa com idade inferior a vinte e um anos, ela não poderá exercer a plenitude da maioridade, a não ser através da emancipação.

O Código Civil de 1.916 foi elaborado em uma época completamente diferente dos dias atuais. O jovem com vinte e um anos de idade não dispunha das mínimas e rudimentares condições de conhecimento, não existiam os meios de comunicação de hoje, como TV e Internet. As revistas eram reduzidas, a propagação de notícias era morosa, e a educação restrita a uma parcela mínima da população. A violência era comparativamente pequena e os índices de criminalidade não atingiam níveis preocupantes.

Dentro desse contexto foi estipulada a maioridade civil em vinte e um anos.

O jovem daquela época não tinha o conhecimento dos de hoje, como também não era maduro o suficiente para distingüir, com clareza, o caráter lícito e ilícito de determinados atos e seu senso de responsabilidade era ainda insipiente.

O legislador adotou o critério biológico para a determinação da idade limite da maioridade, significando que apenas e tão-somente a idade do agente é o fator determinante, independentemente de capacidade psíquica.

2.5.1 Maioridade eleitoral

Atualmente a capacidade eleitoral para exercer o direito ao voto é compulsória aos dezoito anos, conforme previsto no artigo 14, parágrafo 1º, inciso I.

O artigo 14, parágrafo 1o, inciso II, alínea "c" da Constituição Federal confere a capacidade eleitoral ativa aos jovens com idade entre dezesseis e dezoito anos, em caráter facultativo, permitindo-lhes votar em candidatos para qualquer cargo público eletivo, desde vereador a presidente da república. Evidentemente, como se trata da possibilidade de desempenhar uma atividade de absoluta importância no contexto social e político do país, somente quem dispõe de reconhecido nível de maturidade mental e intelectual pode exercê-la.

2.5.2 Direito comparado

No direito comparado a maioridade é alvo de significativas e variadas características. O código civil argentino, inspirado no modelo de Teixeira de Freitas, fixa a idade inferior a quatorze anos para a completa impossibilidade de atos civis. O código alemão tem por absolutamente incapaz o menor de sete anos, iniciando a partir dessa idade a possibilidade do exercício de alguns atos, limitado, porém, à necessidade de consentimento de representantes até completar dezoito anos. O código francês não distingue a capacidade relativa ou absoluta, atribuindo ao juiz a tarefa de analisar e decidir a idade do discernimento. O código italiano prevê a cessação da incapacidade civil aos dezoito anos, observadas algumas exceções.


3 MAIORIDADE PENAL

Atualmente a maioridade penal é atingida aos dezoito anos, o que significa dizer que o jovem, antes de completar essa idade, é considerado inimputável, sujeitando-se a uma penalidade mais branda. De acordo com o artigo 228 da Constituição Federal, "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". Idêntica previsão legal encontra-se no artigo 27 do Código Penal. As normas de legislação especial mencionadas pela Carta Magna estão consubstanciadas na Lei 8.069/90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo art. 104 fixa a idade de dezoito anos como limite para a inimputabilidade do menor.

3.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA (Lei no. 8.069/90)

Criado em decorrência de exigência prevista na Constituição Federal de 1.988 e em substituição ao Código de Menores, o ECA tem como objetivos, de um lado, garantir direitos fundamentais – vida, saúde, educação, recreação, trabalho, assistência social –, reconhecendo os direitos dos jovens, e de outro, estabelecer responsabilidade estatutária juvenil (enquanto os maiores de 18 anos têm responsabilidade penal, os adolescentes têm responsabilidade estatutária juvenil), sujeitando adolescentes a medidas sócio-educativas. (27)

O Estatuto da Criança e do Adolescente objetiva também, como medida preventiva da delinqüência, assegurar os direitos fundamentais de saúde, educação, recreação, profissionalização e assistência social, através de ações que podem ser movidas contra os pais, responsáveis, inclusive contra o Estado.

As medidas sócio-educativas vão desde advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade até a privação de liberdade, exigindo-se flagrante ou ordem escrita e fundamentada do juiz. A internação, portanto, é a resposta concebida pelo ECA a uma maior periculosidade do adolescente, verificada, em cada caso concreto, pela grave ameaça ou violência a pessoa cometida por este. As medidas sócio-

educativas, mais especificamente no que se refere à internação, tem uma grande diferença em comparação à prisão propriamente dita aplicada ao maior de dezoito anos. A circunstância que distingüe fundamentalmente uma da outra, segundo o Juiz SARAIVA está relacionada com local do cumprimento da sanção. (28) Enquanto o maior de idade cumpre pena no sistema penitenciário, onde se misturam criminosos de graus de comprometimento e espécies diferentes, cujo objetivo único aparente é o de encarcerar, a internação aplicável ao menor é cumprida em estabelecimento próprio para adolescentes, dentro de um programa especial de educação escolar, profissionalização, com assistência pedagógica e psicoterápica, tudo em consonância com critérios previamente analisados dentro dos padrões internacionalmente definidos. A diferença, comparativamente ao adulto, está no fato de que maiores de 18 anos, pelos crimes, se submetem às penas criminais de multa, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana e privação de liberdade, ao passo que os adolescentes se sujeitam às medidas sócio-educativas. Tal punição, portanto, difere da dos adultos, porquanto de caráter predominantemente pedagógico, de menor duração e cumprida em estabelecimento próprio, de caráter educacional. Além disso, o Estatuto privilegia as medidas restritivas de direitos, deixando a privação de liberdade para os casos graves, com a diferença de serem cumpridas em estabelecimento destinado a jovens e acompanhadas de medidas educativas e protetivas abrangendo a própria família. Daí por que a denominação – internação – muito mais branda e com caráter de atendimento voltado às pessoas que contam com o desenvolvimento de seu intelecto ainda em andamento.

3. 2 DIREITO COMPARADO

A maioria dos países adota legislações específicas para evitar a impunidade. Não existe uniformidade de procedimentos, dependendo do grau de tolerância de cada nação para fixar parâmetros para a determinação da idade penal. (29) Na França, por exemplo, a maioridade penal é de 18 anos, mas jovens a partir dos treze e até os dezoito anos podem ser penalizados.

Na Inglaterra, a maioridade penal é de vinte e um anos para crimes comuns. Tratando-se de crimes hediondos o infrator é penalizado a partir dos 10 anos. Já nos Estados Unidos, verifica-se divergências de legislações nos 50 estados, sendo que em 18 deles os jovens que cometerem crime grave podem ser responsabilizados a partir dos 14 anos, equiparando-se, nessa condição, àquele que conta com 18 anos, considerada a maioridade. Em Portugal o jovem pode ser condenado a partir dos 16 anos, o mesmo ocorrendo na Argentina, Espanha, Bélgica e Israel. Na Alemanha e Haiti, a partir dos 14 anos.

O quadro seguinte ilustra o limite para a imputabilidade penal, em crimes mais graves em alguns países do mundo (30)

Idade a partir da qual os menores podem ser julgados em crimes mais graves

México

6 anos

África do Sul

7 anos

Escócia

8 anos

Inglaterra

10 anos

França

13 anos

Itália

14 anos

Japão

14 anos

Alemanha

14 anos

Egito

15 anos

Argentina

16 anos

Colômbia

18 anos

3.3 CORRENTES A FAVOR DA REDUÇÃO

Diversas entidades e organizações vêm, cada vez mais, somando forças objetivando reduzir a idade penal. O argumento que mais encontra eco no meio jurídico e também junto à população decorre da excessiva elevação do número de crimes praticados por menores na faixa etária dos 14 aos 18 anos de idade.

Outro argumento muito utilizado é ligado à eficácia do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90). Para muitos juristas, o ECA falha por não punir com a desejável medida os delitos praticados pelos adolescentes, fazendo com que, pela sua brandura e condescendência, seja estimulada a prática criminosa. A pena que se aplica em casos extremos é a da internação em instituições apropriadas por um período de, no máximo, três anos, a partir do que o infrator passa a ser encarado sem nenhuma restrição, ou seja, sem antecedentes, não importando a gravidade do crime praticado.

No artigo intitulado "O menor delinqüente", o Professor Leon Frejda Szklarowski afirma que "não se justifica que o menor de dezoito anos e maior de quatorze anos possa cometer os delitos mais hediondos e graves, nada lhe acontecendo senão a simples sujeição às normas da legislação especial. Vale dizer: punição zero". (31)

A questão da maioridade eleitoral é também um dos motivos a que se apega a corrente defensora da redução da idade penal. A propósito, o mesmo legislador constituinte que concluiu pela maturidade do jovem para escolher um presidente da república -- vale dizer, estar apto nessa perspectiva a assimilar a seriedade do mandato de que foi investido como eleitor, presentes a lucidez e o discernimento exigidos --, deixa de considerar o mesmo jovem como responsável pela prática de condutas delituosas, enquadrando o menor de dezoito anos como inimputável, tal como expresso no artigo 228 da Magna Carta.

Assim, para a caracterização da idade penal, portanto, a mesma Constituição, que de um lado reconhece a compleição intelectual do jovem entre dezesseis e dezoito anos de idade, repele esse avanço até então admitido, ao considerá-lo ainda imaturo e destituído do discernimento necessário para entender o caráter ilícito da prática de crimes. Diante dessa antinomia principiológica cometida pelo próprio poder constituinte, a pergunta que se faz, então, é como pode um jovem ter discernimento para votar, por exemplo, em um presidente da república, mas ao mesmo tempo não tem esse mesmo discernimento para saber que é proibido praticar determinados crimes e ser responsabilizado por isso. (32) Fica no ar a indagação do que seria mais complexo para o jovem de dezesseis anos entender: toda a importância dos poderes executivo, legislativo e judiciário dentro do contexto maior da república, com as funções específicas do processo eleitoral, ou ter conhecimento de que atos como matar, roubar, seqüestrar, etc. são nocivos, proibidos pelo atual ordenamento jurídico e sujeitam o infrator a ir para a cadeira no caso de praticá-los? Cristalino e evidente fica aos olhos do cidadão comum que o processo eleitoral é o mais complicado, daí a necessidade da revisão do ponto de vista constitucional no que pertine à maioridade penal. Esse pensamento no sentido de reduzir a maioridade penal perdura há mais de uma década. Expressando-se com relação à possibilidade de o jovem poder exercer o direito do voto a partir dos dezesseis anos, o Professor e jusfilósofo Miguel Reale, responsável maior pela criação do Novo Código Civil, já afirmava, em 1.990, a necessidade da mudança na área penal, relacionando-a com a recente novidade que o legislador-constituinte houvera inserido na Constituição de 1.988 ao abreviar a idade eleitoral do brasileiro.

Pesa também contra a atual idade penal o fato de criminosos estarem usando, na prática de assaltos seguidos de morte, menores entre quatorze a dezoito anos, na certeza de que estes não vão para a cadeia. É comum a imprensa noticiar, em escala sempre crescente, a participação de menores em crimes hediondos, desde homicídio qualificado, tráfico de entorpecentes, extorsão mediante seqüestro, estupro, até latrocínio, quase sempre em concurso com maiores de idade, que lhes servem de mentores e aos quais acabam se tornando uma espécie de escudo, na medida em que assumem sua parcela de culpa.

3.3.1 Propostas de Emendas à Constituição Federal (PEC)

Atualmente encontram-se em tramitação no Congresso Nacional diversos projetos de emenda à Constituição propondo a redução da idade penal dos atuais dezoito anos para idades que variam de onze até dezesseis anos. Existe uma proposta que prevê a responsabilização penal de jovens a partir dos onze anos de idade. Segundo esse projeto, menores a partir dessa idade poderiam responder pelo delito praticado, desde que, após submetidos a perícia psicológica e psiquiátrica, sejam declarados desenvolvidos intelectual e emocionalmente, vale dizer, se equiparariam aos "maiores" do ponto de vista psíquico-emocional.

O Deputado Alberto Fraga (PMDB-DF), autor do projeto, defende em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, edição de 16.12.00, que os adolescentes já teriam adquirido amadurecimento necessário e suficiente autonomia moral para adequar-se ao pretendido rebaixamento da idade penal. A redução da idade para a imputabilidade estaria, assim, em sintonia com os avanços obtidos pela modernização da sociedade. A dificuldade na implementação desse sistema -- aliás, já tentado algo parecido em 1.969, através da edição do Decreto-lei 1.004/69 – residiu na impraticabilidade da execução dos exames em todo menor que viesse a cometer quaisquer delitos, que fatalmente redundaria em atraso da solução dos processos, congestionando a rede pública e obstáculo à solução dos conflitos. Sem falar na falta de profissionais habilitados para a efetivação de tais exames em todas as regiões do país, notadamente no interior, onde a carência de especialistas é constante.

Outra proposta, um pouco mais amena que a anterior – Proposta de Emenda à Constituição no. 20, de 1.999 - refere-se à redução da idade penal para dezesseis anos de idade, mais ou menos nos moldes da anterior, também calcada no aspecto comportamental, isto é, o enquadramento penal do menor estaria dependente do aferição de sua capacidade intelectual e emocional. Diz a proposta, em trabalho de autoria de SILVA: (33)

Proposta de Emenda à Constituição no. 20, de 1999

Altera o artigo 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal.

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do parágrafo 3o do artigo 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda constitucional.

Art. 1o – O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos são penalmente imputáveis quando constatado seu amadurecimento intelectual e emocional, na forma da lei (NR)".

Art. 2o Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.

Como se vê, o parágrafo único da emenda está ligado ao subjetivismo, na medida em que condiciona a imputabilidade dos menores entre dezesseis e dezoito anos ao seu amadurecimento intelectual e emocional. Sua aprovação, conforme enfatizado anteriormente, esbarra em inúmeros obstáculos, além de implicar na onerosidade para os cofres públicos diante da necessidade de todo o aparato profissional especializado para se aferir o grau de desenvolvimento psíquico-emocional do menor.

Emenda alternativa em apreciação e que vem ganhando adeptos a cada dia refere-se à proposta no. 18, a seguir transcrita:

Proposta de Emenda à Constituição no. 18, de 1999:

Altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do artigo 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional.

Art. 1o O artigo 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

"Artigo 228.

...................................

Parágrafo único. Nos casos de crimes contra a vida ou o patrimônio, cometidos com violência, ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis apenas os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial."

Art. 2o Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação.

Referida proposta prevê, apenas para crimes mais graves, ou seja, contra a vida ou o patrimônio e desde com cometidos com violência, ou grave ameaça, a fixação da idade penal para responsabilização a partir dos dezesseis anos de idade, tendo em conta apenas e tão-somente o aspecto biológico, sem a necessidade da avaliação do grau de capacidade psíquico-intelectual ou qualquer outro subjetivismo, como nas duas propostas anteriores. Com base nessa alteração, uma vez completados dezesseis anos de idade, a pessoa sujeitar-se-ia às regras do Código Penal e leis esparsas, ficando o agente em condições de igualdade com os adultos, ou seja, responderia, quando praticasse crimes nas condições previstas, com todo o rigor da lei hoje dirigido aos maiores de dezoito anos. Isto significa dizer que a sociedade estaria considerando o jovem, a partir dos dezesseis anos de idade, maduro o suficiente para entender o caráter ilícito de sua conduta.

A defesa desse posicionamento se apega ao fato de que o jovem de hoje é inegavelmente mais instruído e maduro que o do início do século XX, contribuindo para isso os avanços e as transformações políticas, sociais, econômicas observadas nos últimos cinqüenta anos. Novas tecnologias foram incorporadas ao dia-a-dia das pessoas, e, com maior intensidade, são usufruídas pelos jovens, seja através de canais de informações (telefone celular, internet, tv), seja através facilidade de assimilação das inovações, sendo comum os filhos ensinarem os pais a lidar com o computador.

Tudo isso leva à constatação de que o adolescente, com dezesseis anos de idade, já conta com um grau de compreensão no mínimo mediano para saber o que significa matar alguém, subtrair coisa móvel, seqüestrar pessoas com o fim de obter vantagem, e, principalmente, determinar-se de acordo com tal entendimento, vale dizer, saber que se fizer tal crime será punido porque o delito não é aceito pela sociedade.

3.4 CORRENTES CONTRA A REDUÇÃO

Fazendo contraponto às opiniões pró redução da maioridade penal, existe uma corrente de juristas, legisladores e adeptos de associações de defesa dos direitos humanos que perfilam pela manutenção da idade para a imputabilidade aos atuais dezoito anos. Inúmeros são os argumentos de que se utilizam os defensores desse posicionamento, constituídos, como na opinião antagônica, por juristas de renome e portadores de irrestrito conhecimento da área criminal voltada à juventude.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao contrário da pecha de condescendente e ineficaz, é citado como um instituto que foi criado em consonância com o espírito dos organismos internacionais voltados ao problema da juventude em conflito com a lei. A própria Constituição Federal de 1.988, que trouxe em seu bojo a preocupação com a criança e o adolescente, mostra a necessidade de o Estado tutelar esse segmento da população.

Não se pode afirmar que suas medidas são pífias. O insucesso que se atribui ao ECA deve ser dimensionado não à falta ou a insuficiência de comandos legais, que são fartos e adequadamente direcionados, mas à seriedade na aplicação das leis. O instituto contém uma série de medidas dirigidas aos jovens que cometem infrações. Aos menores até doze anos, prevê medidas protetivas, através de orientação e apoio à família, exigência obrigatória em estabelecimento de ensino, etc. Aos maiores de doze e até dezoito anos prevê a aplicação de medidas sócio-educativas, que vão desde prestação de serviços à comunidade até aplicação de penas privativas de liberdade. O que deve ficar claro é que o ECA não foi completamente implantado em grandes cidades, nas quais se utiliza como estabelecimentos para internação as instalações e o organismo corrompido e desfigurado da FEBEM (FUNDAÇÃO DO BEM ESTAR DO MENOR), notoriamente voltado aos velhos e combatidos modelos repressores do Estado.

Outro argumento de que se vale a corrente a favor da redução da idade penal está centrada na questão do voto. Seus opositores defendem que se o jovem com dezesseis anos pode votar, ainda que facultativamente, também deve ter a maturidade suficiente para determinar-se diante do caráter ilícito de praticar crimes e, portanto, deveria responder penalmente a partir também dos dezesseis anos. No entanto, refutam tal posicionamento sob o argumento de que o menor infrator não pode ser comparado ao adulto delinqüente, porquanto aquele, com uma personalidade ainda em construção e com o senso de discernimento parcialmente formado, encontra-se em desigualdade de condições com os criminosos adultos. Além disso, acrescente-se o fato de a maioridade eleitoral ser facultativa, enquanto a imputabilidade é compulsória. Comparar, em igualdade de condições menores com adultos criminosos seria injusto, utilizando o ideal de justiça conferido por Aristóteles através do brocardo "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades". Assim se procedendo estar-se-ia tratando igualmente os desiguais (34)

Nos países em que a imputabilidade penal se situa dos sete aos dezesseis anos, tem-se mostrado crescente a criminalidade, sendo que alguns deles, como medida preventiva, refixaram o limite aos dezoito anos. Presentemente, a nível mundial, a predominância é de que pouco mais da metade da população mundial (55%) tem sua maioridade penal fixada em dezoito anos.

É de se notar que as medidas sócio-educativas apresentam-se mais eficazes que as penas privativas de liberdade, em razão de sua finalidade pedagógica, e também pelo fato de que o sistema prisional antiquado e desumano, ao contrário de educar ou ressocializar o cidadão, pode levá-lo ao mundo do crime.

Argumentam os defensores da manutenção da idade penal que, antes de se pensar na alteração das leis, deve-se primeiramente primar pela efetividade das regras existentes, através da correta e eficaz aplicação das diretrizes constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente em todos os seus níveis, com interligação de sociedade e Estado. Considerar que o adolescente causador de ato infracional seja o responsável pela onda crescente da criminalidade, com reflexos danosos no seio da população, é um tremendo equívoco e pode levar a conseqüências desastrosas. As causas são maiores, complexas e transcendem o entendimento mediano da população, que clama por justiça em sua sede de vingança, como na época remota da antiguidade onde imperava as regras da vingança privada. Hodiernamente as causas devem-se em grande parte à desigualdade social que assola o país, associada à negligência do Estado e à mudança de fatores culturais e comportamentais que se incrustraram no meio urbano com o advento da modernização.

Além da extensa gama de instrumentos de cidadania e responsabilização de que dispõe o ECA, outro caminho que urge perseguir é o do combate à miséria e à deseducação, seguramente a origem da crescente criminalidade, cujo empenho deve partir principalmente de parte do Estado, de modo a reintegrar o jovem infrator à sociedade, utilizando-se do viés preventivo, que, como se sabe, custa menos aos cofres públicos, ao contrário da via repressora, que é onerosa, fácil de corromper e de difícil operacionalização. (35) Muito menos deve-se atacar o problema do menor infrator pela redução da idade para a imputabilidade penal.


4 O CÓDIGO CIVIL DE 2.002

4.1 BREVE HISTÓRICO

Depois de vinte e seis anos de tramitação no Congresso Nacional foi finalmente aprovado o novo Código Civil Brasileiro, devendo entrar em vigor em janeiro de 2.003. Este diploma legal virá substituir o código em vigor desde 1.916, época em que o Brasil e o planeta como um todo atravessam uma escala de avanços em quase todos os setores das atividades conhecidas. No governo do Presidente Ernesto Geisel foi instituída a comissão de altos estudos para elaboração do Projeto no. 634/75, composta por Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes e outros. O anteprojeto original teve início em 1.963 com Orlando Gomes à frente, seguindo-se períodos de avanços, interrupções, readequações e oscilações entre sua permanência ora na Câmara dos Deputados, ora no Senado. A aprovação final veio ocorrer somente no dia 15 de agosto de 2001, sacramentando-se através da promulgação da Lei no. 10.206, de 10.01.2002, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

No cenário mundial a transformação foi radical no período que medeia os dois institutos. Apenas na seara de acontecimentos significativos pode-se citar as duas grandes guerras mundiais, a consolidação da potência norte americana e seus desdobramentos na economia, a instalação da guerra fria e sua decadência com o enfraquecimento do regime socialista russo, o avanço tecnológico, o advento da era do computador, com a inegável disseminação de seus efeitos em praticamente todas as áreas.

Doenças até então incuráveis, como a tuberculose e a hanseníase, hoje contam com o beneplácito das vacinas e tratamento adequado, graças ao progresso científico. Para outras, como o câncer e a aids, a ciência possibilitou a descoberta de novas drogas, amenizando sofrimentos e proporcionando maior sobrevida, quando não a extirpação da doença.

No âmbito do Brasil, a situação não foi diferente, haja vista transformações e reformas radicais registradas no período. Foram mudanças no sistema político, na organização social, no modelo econômico, enfim, na própria cultura política e jurídica, hoje em constante dinamismo.

O regime imperial havia dado lugar à República, a Constituição Republicana tinha pequena existência, a população era reduzida, com maior concentração da sociedade brasileira na zona rural, e a família tinha a estrutura patriarcal como esteio . No lapso compreendido nestes oitenta e seis anos de vigência do código atual, a transformação do país foi significativa. Adveio a derrubada do Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, o governo desenvolvimentista de Juscelino Kubtschek, o parlamentarismo interrompido de Jânio Quadros, culminando com o Golpe Militar de 1.964, quando deu-se a ditadura que perdurou por duas décadas. Atravessou-se o período negro da ditadura militar de Costa e Silva, Médici e Geisel, experimentou-se a transição através de Figueiredo e Sarney, a consolidação para a tão desejada democracia, com a retomada das eleições diretas inaugurada pelo desastrado e efêmero Governo de Fernando Collor de Mello, até os dias atuais com o Governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Politicamente pode-se destacar, como acontecimento histórico de maior importância para o Brasil, a recuperação da legitimidade democrática, através da possibilidade de eleições livres em todos os níveis, fato que atesta a soberania popular e a consolidação do estado democrático de direito.

Vale acrescentar também que o Código Civil de 1.916 foi inspirado na constituição anterior, sob a égide de costumes do século XVIII, significando ideologias e conhecimentos calcados em época de diferentes condições sociais, econômicas, culturais e comportamentais, o que implica em afirmar que o Brasil mudou e hoje é inegável que as conquistas alcançadas atestam a necessidade da redirecionalização de rumos. A rapidez com que a ciência e a tecnologia proporcionaram novas invenções é assustadora, com repercussões em todas as atividades ligadas ao elemento humano.

O texto do novo Código trouxe significativa mudança de enfoque na medida em que abandonou o rigorismo formal e o caráter individualista e patrimonial do Código Civil de 1.916 -- próprio de uma sociedade agropatriarcal -- para dar lugar a uma concepção voltada ao espírito de valorização da pessoa humana, intimamente ligado também aos aspectos sociais do direito. Tais inovações, entretanto, como já afirmado anteriormente, devem-se mais aos progressos e às ideologias acumuladas nas últimas décadas, quando a maior parte das constituições dos países contemporâneos ao Brasil -- aí também considerada a Carta Magna de 1.988 – passou a defender a bandeira dos interesses sociais e fundamentais como um de seus pilares, tendo como pressuposto principal a valorização da pessoa humana.

Os dois mil e quarenta e seis artigos do novo diploma legal possivelmente receberão ainda alguma alteração no período que se estenderá até janeiro de 2.003, já que persistem divergências de interesses e até mesmo doutrinárias que se registraram nesses vinte e seis anos de tramitação. O período previsto para a vacatio legis de um ano será importante para se aparar eventuais arestas e lacunas que com certeza surgirão no seio da sociedade.

4.2 ALTERAÇÕES EM RELAÇÃO AO CÓDIGO CIVIL DE 1.916

O novo diploma não trouxe, em sua essência, grandes modificações, vez que muitas das matérias nele contempladas ou já são fruto de preceitos inseridos na Constituição de 1.988, de codificações através de leis extravagantes, ou mesmo consagrados na jurisprudência. (36) Assim, na visão de grande parte de juristas e operadores de direito, o Código Civil de 2.002 representa mais a consolidação de mudanças legislativas e sociais verificadas nas oito últimas décadas do que propriamente uma inovação no nosso ordenamento jurídico. Exemplo disso estão estampados em diversos institutos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90), o Código de Defesa do Consumidor, leis sobre a união estável e outras.

É inegável o fato de, mesmo não trazendo em seu bojo novidades consistentes, o novo diploma legal representa um avanço na medida em que, além de agrupar inúmeras legislações e jurisprudência formada ao longo do período de forma sistematizada, também contribuiu para o acolhimento de teorias importantes na seara do direito. A teoria da imprevisão e a da desconsideração da personalidade jurídica são exemplos de inovações importantes e que muito contribuirão para enriquecer o trabalho dos operadores de direito.

4.2.1 Consagradas na CF/88, jurisprudência ou legislações esparsas

As alterações introduzidas foram de grande porte, envolvendo enorme gama de interesses e atividades, tais como a família, que passa a se constituir pelo casamento civil ou religioso e pela união estável, esta bastando ser pública; a substituição do conceito "pátrio poder" pelo "poder familiar"; a substituição do termo "homem" por pessoa humana, traduzindo assim a igualdade de direitos cristalizada na Constituição Federal; a possibilidade de alteração do regime de casamento, antes vedada; a igualdade de valor legal ao casamento religioso, passando o homem a poder acrescer o sobrenome da mulher ao seu; a perda do poder sobre os filhos por parte do pai ou da mãe que os maltratar ou abandonar; e a possibilidade de guarda dos filhos com aquele – pai ou mãe – que detiver melhores condições de criá-los.

No âmbito comercial, algumas novidades significativas: a incorporação de uma versão modernizada de parte do Código Comercial ao texto no livro denominado "direito da empresa"; o "comerciante" passa a denominar-se "empresário"; restabelece-se a distinção entre empresa nacional e estrangeira; passa o administrador a responder solidariamente com seus bens pelos danos causados por sua empresa.

O direito contratual, por sua vez, foi agraciado com um tratamento inovador no novo diploma, quando o questão do pacta sunt servanda foi atenuada pela introdução, nos contratos, da cláusula rebus sic stantibus, pela qual o polo mais fraco de uma relação pode beneficiar-se pela revisão da prestação devida, quando esta afigurar-se excessivamente onerosa. É a chamada teoria da imprevisão. Da mesma forma, o novo código trouxe uma novidade polêmica, consubstanciada nos chamados "estado de perigo" ou "lesão" em que se faz abolição do respeito à vontade das partes, podendo-se tornar sem efeito, de forma unilateral, um negócio celebrado em razão de necessidade premente, tal como no caso de ver-se o cidadão obrigado a vender um bem por preço irrisório, objetivando o pagamento de uma cirurgia.

A previsão do dano moral passa a ser expressamente adotada, incorporando uma prática reconhecida de longa data pela doutrina e pela jurisprudência.

O título referente à pessoa jurídica trouxe como novidade a inclusão da despersonalização da pessoa jurídica.

Outra inclusão no novo código diz respeito à responsabilidade civil, quando o dano exclusivamente moral passa a ser passível de ressarcimento pelo ofensor. Este é um dos casos em que situações consagradas pela jurisprudência passam a fazer parte da codificação.

4.2.2 Temas novos

A capacidade plena teve radical alteração, consubstanciada pela esperada modificação na fixação da maioridade civil, que se reduz de vinte e um para dezoito anos, refletindo também na redução da idade para a emancipação, que passa para os dezesseis anos. Um capítulo novo foi inserido para albergar em seus onze artigos os direitos da personalidade, atendendo antiga reivindicação dos juristas e preenchendo uma lacuna em nossa legislação.

No âmbito contratual, foi criado o contrato estimatório para expressar a consignação de coisas móveis para a venda, procedimento que já vinha na prática sendo utilizado para que o terceiro pudesse vender coisa alheia. Da mesma forma, outra inovação ocorreu com a transformação do contrato de transporte em contrato nominado, o que virá contribuir para melhorar as relações negociais dos trabalhadores ligados ao meio de transporte.

Na direito sucessório foi incluído o direito de superfície como um dos direitos reais. Outra novidade importante foi a inclusão do cônjuge como herdeiro e divisor da herança com os filhos e pais do de cujus.

Embora de forma tímida, a prescrição e a decadência passaram a integrar o novo código, bem como a prova, tida como matéria pertencente à lei processual, foi contemplada na parte geral do recente diploma legal.

Inovação na parte especial teve como destaque a inclusão do direito empresarial, cujo livro II trata de todas as formas de sociedade, assunto antes afeto ao Código Comercial, que teve parcela significativa recepcionada pelo novel documento.

Uma das grandes mudanças, sem dúvida, que irá marcar a vida dos brasileiros é a questão da maioridade civil, que se reduz dos atuais vinte e um anos para dezoito anos, permitindo-se a emancipação tanto pelo pai quanto pela mãe a partir dos dezesseis anos.

4.3 OMISSÕES

Todavia, deixaram de ser contemplados no novo código temas novos e palpitantes, principalmente aqueles advindos de avanços científicos verificados nas últimas décadas, como a questão do genoma, da clonagem, e da inseminação artificial. Outros assuntos, igualmente importantes para o cidadão, ficaram alheios à nova codificação, como os contratos celebrados por meios eletrônicos, contratos específicos de uso corrente, por exemplo, de franquia, de leasing, de shopping centers, e de emissão de cartões de crédito. Passou-se ao largo o novo diploma, da mesma forma, de temas atuais, como a união entre pessoas do mesmo sexo e suas consequências na área sucessória.

4.4 CRÍTICAS

Tratando-se de um documento de fundamental importância para o país, não faltaram críticas a favor ou contra sua edição, algumas voltadas à demora temporal entre o início dos trabalhos, a discussão e a decisão final, outras mesmo em decorrência da superficialidade de alguns temas, ou até da omissão de assuntos hodiernos. Juristas de renome, processualistas, magistrados até do nível de desembargadores, enfim operadores do direito de todas as áreas perfilaram-se para externar suas opiniões, sempre maduras, respeitáveis e de incontestável profundamento jurídico.

Segundo TEPEDINO, o novo Código Civil representa um retrocesso político, social e jurídico. Político, porquanto inexistem circunstâncias históricas que normalmente antecedem a elaboração de um documento da magnitude de um código, a exemplo do que ocorreu na Revolução Francesa ou na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, nos quase 30 anos em que o documento ficou em processo de amadurecimento, o processo histórico vivenciado no Brasil naquele período já não é o mesmo de hoje. No plano jurídico, a crítica tem como principal destino a desatualização, na medida em que, de um lado tratou com superficialidade determinados assuntos, e de outro, desconheceu os significativos avanços experimentados nas últimas oito décadas, em áreas tão importantes e significativas para a população. No que se refere à esfera social, expressou-se o autor da seguinte forma:

Do ponto de vista social, o retrocesso não é menos chocante. Os últimos 30 anos marcaram profunda transformação do direito civil, simplesmente desconsiderada pelo projeto do novo (?) código: os institutos de direito privado, em particular a família, a propriedade, a empresa e o contrato, ganharam função social que passa a integrar o seu conteúdo. As relações patrimoniais são funcionalizadas à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais insculpidos na Constituição de 1988. Fala-se, por isso mesmo, de uma despatrimonialização do direito privado, de modo a bem demarcar a diferença entre o atual sistema em relação àquele de 1916, patrimonialista e individualista. Os quatro personagens do Código Civil – o marido, o proprietário, o contratante e o testador -- , que exauriam as atenções (sociais) do codificador, renascem, redivivos, com o projeto, agora em companhia de mais um quinto personagem: o empresário. (TEPEDINO, 2001, p. 438)

Outra crítica que se faz ao novo código trata de sua "invasão" à área de competência do direito processual. Como exemplo, a previsão do instituto da prescrição e da decadência, e a questão da prova.

Abstraindo-se as críticas apresentadas em relação ao atraso no tempo e no conteúdo com que o novo código se insere em nosso ordenamento jurídico, o simples fato de se dispor de um documento novo, com os temas ordenados e reconhecidos pela jurisprudência e impregnados de ideais constitucionais pode ser considerado como um grande avanço para o trabalho dos operadores de direito em benefício de toda a população.

4.5 MAIORIDADE NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

A partir de 1o de janeiro de 2.003 passará a vigorar a maioridade civil aos dezoito anos, conforme previsão do artigo 5o do novo diploma:

Art. 5º A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos;

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria.

Diferentemente do Código Civil de 1.916, que fixou a maioridade em vinte e um anos, coerente portanto com a realidade vivenciada naquele período, vez que sua elaboração fora destinada a uma nação predominantemente agrícola, com reduzida população urbana e sem os graves e enormes problemas sociais vividos na contemporaneidade, o novo código reduziu a idade plena para 18 (dezoito) anos. Essa nova realidade -- traduzida pela fixação praticamente uniforme da maioridade em quase todas as áreas de direito – repercutiu favoravelmente nos meios jurídicos, porquanto não se justificam as diferenças de tratamento que se verificam em determinadas situações. Por exemplo, pelo atual Código o jovem com dezenove anos carece de assistência dos pais para contratar uma operação de financiamento imobiliário, mas pode livremente eleger um representante através do processo eleitoral, e pode também ser responsabilizado criminalmente por ato ilícito praticado. Essas discrepâncias deixarão de existir com o advento do novo diploma legal, fazendo com que a interdisciplinariedade nos diversos âmbitos do direito fiquem mais harmoniosos.

Nesses oitenta e seis anos de vigência do código atual o mundo passou por inúmeras transformações de ordem social, econômica, comportamental, enfim, verificou-se uma revolução de costumes, procedimentos e regras de vida em sociedade, podendo-se, para resumir, afirmar que ocorreu uma metamorfose em todos os sentidos na inauguração do século XXI. Nesse contexto, o jovem de agora com dezoito anos está infinitamente à frente daquele cidadão de vinte e um anos que viveu sob os auspícios do diploma de 1.916. São inúmeros os avanços experimentados no interregno dessas oito décadas, que, somados à tendência mundial dos demais países na fixação de dezoito anos para a maioridade civil e à constatação do pleno amadurecimento do cidadão com essa idade, afastam qualquer possibilidade de descompasso na refixação do novo piso etário. A expansão dos meios de comunicação, a melhoria nos padrões de cultura e a participação dos jovens no seio da sociedade faz com que sejam cada vez mais cedo habilitados ao amadurecimento e à assunção de responsabilidades.

Esse foi o princípio de que se valeram os legisladores e o entendimento a que chegaram os juristas responsáveis pela Emenda no. 4, de autoria do Senador Galvão Modesto, cuja justificativa a seguir transcrita reflete as razões da redução da maioridade civil para dezoito anos.

"Substancialmente, as modificações propostas pela emenda decorrem da fixação da maioridade civil em dezoito anos. E no particular procede.

A tendência prevalecente é no sentido de fixar a maioridade civil em dezoito anos. Assim a estabelecem o Código Civil italiano, de 1942 (art. 2º), o português, de 1966), com as alterações de 1977 (art. 130), o francês, com as inovações da Lei de 1974 (art. 488). Esta é a consagração, também, da Constituição espanhola de 1978 (art. 12).

Acresce que nossa Constituição prestigia essa tendência. Restringe a inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos, sujeitando-os a legislação especial (art. 228). Considera o alistamento eleitoral e o voto obrigatórios para os maiores dessa idade e facultativos para os maiores de dezesseis anos (art. 14, § 1º, I e II, c). E estipula a idade de vinte e um anos como condição de elegibilidade "para deputado federal, deputado estadual ou distrital, vice-prefeito e juiz de paz", bem assim a de 18 para vereador (art. 14, § 3º, VI, c e d), o que corrobora a fixação da maioridade aos dezoito anos.

Essa inclinação legislativa repousa, também, na certeza de que os meios de comunicação transmitem, permanente e crescentemente, conhecimentos e informações, que ampliam o poder de observação das pessoas e de discernimento dos fatos. Há de presumir-se, mesmo, que assim se teria orientado o Projeto, se sua elaboração houvesse sido posterior à Carta de 1988."

Como se depreende do texto, a grande maioria de atos praticados pelo jovem de hoje – votar, dirigir automóveis, trabalhar, ser responsabilizado penalmente, entre outros -- já está consolidada pela legislação como direito próprio de quem conta com idade plena ao exercício de atos da vida civil.

A capacidade relativa também foi alterada, na forma do artigo 4º abaixo reproduzido, correspondendo assim à situação do adolescente já eleitor.

Artigo 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

A emancipação passou a ser permitida a partir dos dezesseis anos (inciso I do parágrafo único do art. 5º), cabendo aqui um registro pela alteração aparentemente despercebida, mas cuja essência reflete a preocupação constitucional da isonomia de tratamento entre o casal com relação aos filhos: sua concessão passa a ser de competência dos pais, enquanto que no Código Civil de 1.916 cabe ao pai, ou se for morto, à mãe (inciso I do parágrafo 1º do art. 9º).

4.5.1 Quadro comparativo da maioridade civil nos dois códigos

Quadro comparativo

Código Civil de 1916

Código Civil de 2002

Art. 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de 16 (dezesseis) anos;

II - os loucos de todo o gênero;

III – os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade;

IV – os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Artigo 3o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Art. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a 156);

II - os pródigos;

III - os silvícolas.

Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Código Civil de 1916

Código Civil de 2002

Art. 9º Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.

§ 1o Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau científico em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.

§ 2o Para efeito do alistamento e do sorteio militar cessará a incapacidade do menor que houver completado 18 (dezoito) anos de idade.

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

4.5.2 Quadro interdisciplinar da maioridade

MODALIDADE

CÓDIGO CIVIL DE 1916

CÓDIGO CIVIL DE 2002

CÓDIGO PENAL

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEIS INFRAC.
(Lei 8069/90)

Civil plena

Art. 9º

Art. 5º

     

Civil relativa

Art 6º

Art. 4º

     

Civil absoluta

Art. 5º

Art. 3º

     

Penal: 18 anos

   

Art. 27

Art. 228

Art. 104

Estatutária-juvenil: 14 a 18 anos

 

   

Art. 101

Eleitoral obrigatória: 18 anos

     

Art. 14, par. 1º, I

 

Eleitoral facultativa: 16 anos

     

Art. 14, par. 1º II-c

 

Laboral: 16 anos

     

Art.7º, XXXIII

 

Núbil: 18 anos

 

Art. 1.517

     

5 REFLEXOS DECORRENTES DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL

São inúmeros os reflexos que a redução da maioridade de vinte e um para dezoito anos acarretará nos vários ramos do direito, desde o âmbito familiar, com repercussões nos institutos ligados ao dever de sustento, através da concessão de alimentos, passando pela área previdenciária, que ensejará economia para o governo na concessão de pensão a filhos de segurados, em detrimento destes, culminando na área criminal, cuja campanha para se reduzir a idade penal com certeza ganhará maior repercussão.

5.1 ALIMENTOS

A redução da idade para a capacidade civil trará uma grande celeuma nas relações econômicas entre pais e filhos no que diz respeito ao pagamento de pensão alimentícia. Uma vez extinto o "poder familiar" – termo que substituirá o atual "pátrio poder" do Código Civil de 1.916 até agora utilizado – aos dezoito anos de idade, prevê o Código Civil de 2.002 em seus artigos 1.630 e 1.635, III, a cessação do dever alimentar. Essa interrupção em momento precoce será danosa e trará resultados prejudiciais aos jovens, pois que é exatamente na faixa dos dezoito anos que ocorre o ingresso nas faculdades, em presumida falta de condições materiais de autosustentação. É notório que a falta de formação acadêmica é uma das causas de desemprego no Brasil, e isso somente pode ser revertido se houver um estímulo ou da família ou poder público no sentido de suprir, em termos materiais, ao custeio dessa fase. Como os cofres públicos estão combalidos e inexiste programa governamental visando preencher essa indesejável lacuna -- é importante enfatizar que o programa de bolsa estudo apenas minimiza o drama dos estudantes e que somente 7% da população hoje conta com curso superior – tudo indica que dependerá unicamente dos pais a superação do impasse.

Assim, abstraindo as situações dos pais que de forma voluntária persistam na manutenção do estudo dos filhos até sua formação, a grande maioria ficará dependendo das Varas de Família para buscar a prorrogação do vínculo alimentar até então mantido. (37)

5.2 PREVIDENCIA OFICIAL

O rebaixamento da maioridade civil trará, da mesma forma, conseqüência desagradável também para quem recebe pensão da previdência oficial. Como se sabe, o governo federal é responsável pelo pagamento de pensão de filhos de segurados, cujo desembolso, a partir de janeiro de 2.003, será amenizado substancialmente, resultando numa economia de três anos para os cofres públicos. Analisando-se pelo viés oposto, o jovem também ficará três anos mais cedo privado desse rendimento, com o agravante de que tal ônus ensejará prejuízo ao seu desenvolvimento, pois terá que trabalhar mais cedo para prover seu próprio sustento, às vezes antes mesmo de concluir o curso superior.

5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL

Um problema que surgirá, na seara da responsabilidade civil, está ligado à responsabilização dos atos praticados pelos filhos e que venham a causar danos a outrem. A partir de janeiro de 2.003, o jovem com 18 anos será plenamente responsável pelos seus atos, resultando daí que, na ocorrência de um acidente automobilístico por ele provocado, a vítima não poderá acionar os pais para reaver seu prejuízo. Como normalmente nessa idade o jovem ainda não tem rendimentos suficientes nem mesmo para se sustentar, o resultado é que a vítima não terá de quem cobrar a indenização. Esse é o ônus que a sociedade moderna pagará, assentado no entendimento universal de que o jovem com a idade de dezoito anos encontra-se devidamente maduro e preparado para a vida. Assertiva que se sabe, é válida em termos, pois não se pode confundir responsabilidade pelos atos praticados com capacidade material. A distância entre uma e outra demanda preparação e investimento intelectual.

5.4 IMPUTABILIDADE PENAL

A redução da maioridade civil também provocará um recrudescimento na discussão que se trava a respeito da imputabilidade criminal.

Essa polêmica existe há séculos. A idade penal, ao longo da história, já sofreu alterações para mais e para menos, desde quando, ainda sob a inspiração das Ordenações Filipinas, em 1603, o Título 135 do Livro V, fixava a idade de dezessete anos para a imputabilidade penal.

Com a proclamação da independência e após a promulgação da primeira Constituição Brasileira, o Código Criminal do Império, de 1830, reduziu o limite de idade penal para quatorze anos. Meio século após, com o advento do Código Penal republicano, de 1890, exatamente um ano antes da primeira Constituição da República, retrocedia para nove anos a idade da imputabilidade penal, o que perdurou por quatro décadas, somente revogada em 1932, por ocasião da aprovação da Consolidação das Leis Penais, quando o limite mínimo foi elevado para quatorze anos.

Somente através do Código de 1.840, promovida pela reforma penal levada a efeito pelo Estado Novo, foi refixada a capacidade penal aos dezoito anos, norma em vigor atualmente. Posteriormente referida lei foi incorporada à Carta Magna, figurando hoje no artigo 228 da CF/1988.

Como a matéria está inserta na Constituição da República – art. 228 – e encontra-se devidamente normatizada através do ECA, sua redução somente poderá ser alterada por emenda constitucional, o que significa um árduo e extenso trabalho de discussão até sua final decisão. As vozes que defendem posições antagônicas são representativas das mais variadas classes atuantes na área da infância e juventude, com juristas de respeito e que contam com apoio de grande parcela da população.

Diante do agravamento do problema no Brasil, notadamente nos últimos tempos, em que a participação de menores de idade mostra-se crescente, é grande e respeitável o número de defensores da redução da maioridade penal. No capítulo 3 – MAIORIDADE PENAL, o assunto foi abordado com maior profundidade, destacando-se as várias correntes a favor ou contra tal redução.


6 CONCLUSÃO

A questão que se aborda é até onde a maioridade civil aos dezoito anos irá influenciar a vida das pessoas. Em outra versão, até que ponto a alteração dos atuais vinte e um anos, calcado no Código Civil de 1.916, para os dezoito anos do novo Código Civil ensejará modificações nas relações jurídicas entre os particulares. A resposta a essas questões pode ser sintetizada em três linhas de raciocínio.

A primeira refere-se ao ponto de vista puramente dogmático, através do qual a alteração na idade plena, conquanto substancial, não trará significativas conseqüências. Como enfatizado no decorrer deste trabalho, o jovem de hoje com dezoito anos está em absolutas condições de igualdade -- aí considerados os aspectos culturais, sociais e comportamentais – com seu par de vinte e um anos de oito décadas atrás. Prova disso são as inúmeras atividades que, gradativamente, por vias constitucionais ou mesmo através de leis esparsas, foram incorporadas ao dia-a-dia das pessoas com dezoito anos: permissão para dirigir automóveis, para votar, trabalhar, etc. Assim, dentro dessa assertiva, a alteração teve o objetivo tão-somente de realocar o jovem ao seu "habitat" jurídico adequado.

A segunda linha de raciocínio está relacionada com os efeitos patrimoniais que advirão com a mudança da maioridade civil. Na prática isto significa que a redução dos atuais vinte e um anos para os dezoito anos do Código de 2.002, com certeza trará reflexos pecuniários desfavoráveis para os filhos dependentes financeiramente de pais que, a partir de janeiro do próximo ano, deixarão mais cedo de pagar a eles as pensões alimentícias. Vale dizer, serão prejudicados os filhos principalmente de classe média que, por força de decisões judiciais, vinham recebendo as verbas respectivas de seus pais, os quais se desonerarão mais cedo daquela responsabilidade. É cediço que nessa faixa etária – entre dezoito a vinte e um anos – normalmente os jovens estão cursando o terceiro grau e por isso não dispõem ainda de rendimentos suficientes para se manter. É claro que estarão à margem dessa restrição os filhos de pais que, pela responsabilidade moral ou mesmo por afeição, mantenham a assistência até quando julgarem conveniente, independentemente de haver expirado sua responsabilidade legal.

Idêntica situação ocorrerá com os filhos de segurados da previdência social, cuja data limite para a percepção da pensão passará para dezoito anos, ensejando assim uma tormentosa e constrangedora redução em seus benefícios três anos mais cedo do que ocorreria com as normas do Código que se agoniza. Nesta nova realidade perderão os jovens que prematuramente deverão se atirar ao já escasso mercado de trabalho ainda sem o devido preparo acadêmico, e ganhará a União, que economizará recursos financeiros do Tesouro Nacional na questão previdenciária.

A última implicação que se observa em função da redução da maioridade civil, com certeza a mais polêmica, é a que se reflete na tentativa do rebaixamento da imputabilidade penal para os dezesseis anos, ou até menos que isso, conforme discutido no capítulo que tratou das propostas de emendas à Constituição. Como se sabe, a idade para o jovem ser responsabilizado criminalmente hoje é dezoito anos. Abaixo desse patamar existe a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, norma que foi inspirada nos padrões internacionais de atendimento ao menor infrator, que não funciona melhor devido mais à falta de sua correta e completa implementação, e menos por sua política essencialmente voltada aos objetivos educacionais.

A luta que se trava, pois, é no sentido de alterar o artigo 228 da Constituição Federal, o artigo 27 do Código Penal e o artigo 104 da Lei 8069/90 (ECA), que estabelecem a idade de dezoito anos para a imputabilidade penal. Conforme enfatizado no decorrer deste trabalho, duas correntes defendem posições sólidas, bem argumentadas e patrocinadas por juristas renomados no cenário penal brasileiro. Em síntese, de um lado alguns defendem a redução alegando que o jovem com dezesseis anos já se encontra maduro em todos os sentidos, de modo a entender claramente o caráter ilícito de sua conduta e a determinar-se de acordo com esse entendimento. Do lado oposto, outros entendem que o amadurecimento ainda não é pleno e que a redução da idade penal traria um retrocesso, pois o sistema penitenciário aplicado ao maior de dezoito anos é ainda arcaico e rudimentar. A pergunta que se faz, portanto, é se o menor hoje com dezesseis anos tem o senso de discernimento mínimo para saber com segurança o que é uma ilicitude, e o mais importante, reconhecendo o caráter errado de sua atuação (matar, roubar, estuprar, etc.), saber que tais atos lhe sujeitará a ir para a cadeia. Não há dúvida, diante dos avanços verificados na sociedade e do progresso intelectual vivido pelo jovem com dezesseis anos, que a resposta é afirmativa, principalmente se se considerar que nessa idade, conquanto facultativamente, é permitido exercer o direito soberano do voto. No entanto, existe um grande abismo entre a aptidão à maioridade plena, ou seja, estar apto a assumir a responsabilidade por um crime praticado, e a estrutura de que dispõe o sistema penitenciário brasileiro para albergar criminosos, hoje corrompido, cruel, antieducativo e, o que é mais grave, dissociado do princípio basilar do estado de direito.

Portanto, para finalizar, a idade penal não deve ser reduzida enquanto existir a atual estrutura, pois como já ocorre com os criminosos, a cadeia de hoje, longe de cumprir com sua função ressocializadora, funciona como uma espécie de escola para formação de delinqüentes. Inserir nessa estrutura menores de dezoito anos seria um desserviço à sociedade e um retrocesso às funções do Estado que em última análise tem o dever constitucional de prover o bem estar e a dignidade da pessoa humana, princípios, aliás, excessivamente enfatizados e valorizados no novo Código Civil.


NOTAS

  1. Secretaria Municipal de Multimeios Ltda. MultiRio, O golpe da maioridade, Internet, www.multirio.rj.govbr/historia/modulo 02
  2. EMPRESA MUNICIPAL DE MULTIMEIOS LTDA. MultiRio, Secretaria Municipal de Educação. Rio de Janeiro. A campanha pela antecipação da maiorimaioridade.Internet,www.multirio.rj.govbr/historia/modulo 02
  3. MONTEIRO, W., Curso de direito civil, São Paulo: Saraiva, 2001, pg. 56 e 57
  4. DINIZ, M. H., Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 97
  5. KELSEN, apud DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 97
  6. MONTORO, A.F. Introdução à ciência do direito, 25. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 490
  7. MONTEIRO, W. – Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2.001, p. 61
  8. MONTORO, A. F. Introdução à ciência do direito, 25. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 497 e 498
  9. BEVILÁQUA, C., apud RODRIGUES, S. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 37
  10. DINIZ, M.H., Curso de direito civil brasileiro. São Paulo, 2001, p. 100 a 102
  11. TELLES JR., G. Dir. subjetivo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. l28, p. 315, apud DINIZ, idem
  12. MONTEIRO, W B. , Curso de direito civil. S. Paulo: Saraiva, p. 77, 2001
  13. DINIZ, M. H., Curso de Direito Civil Brasileiro, S. Paulo, Saraiva, 2001, p. 131
  14. GOMES, O. Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001, p. 167
  15. DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 130
  16. MONTORO, A., Introdução ao estudo do direito, 25. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 492
  17. MONTEIRO, W., Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 61
  18. DINIZ, M. H., Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 105 e 106
  19. RODRIGUES, S. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 41
  20. DINIZ, M. H., Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 107
  21. GOMES, O. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro. 18. ed. Forense, 2001, p. 173
  22. MONTEIRO, W. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 62 e 63
  23. VENOSA, S. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2001, p. 151
  24. MONTEIRO, W. Curso de direito Civil, 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 64
  25. DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 118 e 119
  26. VENOSA, S. Direito civil, parte geral. São Paulo: Atlas, 2001, p. 157
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AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Auracyr Azevedo de Moura Cordeiro, pela dedicação, empenho e incondicional atenção, sempre colaborando para o engrandecimento deste trabalho, inclusive fora do horário normal de atendimento e até mesmo em seu domicílio.

À minha esposa, Zeli, e a meus filhos, João Paulo, Sérgio Augusto, Rodrigo Luiz e Mariana, pelo apoio, incentivo e paciência no decorrer de todo o período acadêmico.


Autor


Informações sobre o texto

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito, Faculdade de Direito de Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, João Batista Costa. A maioridade: uma visão interdisciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3491. Acesso em: 19 abr. 2024.