Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/35529
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Direitos Humanos e Fundamentais

Direitos Humanos e Fundamentais

Publicado em . Elaborado em .

O Direito, tanto Humano como Fundamental, surgiu como um forma de proteger o homem do poder unilateral do Estado, bem como uma forma de harmonizar as relações entre os particulares.

~~A utilização inadequada, nos dias atuais, de termos relacionados a direitos, como direitos humanos, direitos dos homens, direitos individuais e direitos da pessoa humana, é bastante comum. Esta inadequação provoca confusão entre seus conceitos e conteúdos, pois estes são colocados em nível de sinônimos do termo direitos fundamentais, sobrevindo uma ambiguidade de significados e originando uma ilimitada nuance de conceitos e terminologias que culmina em dissenso na concepção do termo.
Os direitos da pessoa humana relacionam-se com os direitos básicos necessários para o homem viver em harmonia dentro de uma sociedade. Sua ligação é estabelecida com o Direito Internacional e sua explicitude se encontra na Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Art. 1º – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Os direitos individuais, no entanto, são mais específicos, pois visam alcançar a dignidade da pessoa humana, envolvendo, por exemplo, o direito à vida, à liberdade, encontrado-os, essencialmente, ao longo do art . 5º, da Constituição Federal de 1988.
Já os direitos do homem são mais abrangentes que os direitos individuais, uma vez que compreendem tanto estes quanto os direitos coletivos. Eles são universais, podendo ser exigidos a qualquer tempo, sejam estes positivados ou não, consoante passagem de Ingo Sarlet:
...entre as expressões ''direito do homem (no sentido de direitos naturais não, ou ainda não positivados), ''direitos humanos'' (positivados na esfera do direito internacional) e direitos fundamentais (direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado). (SARLET, 2010, p.30).


Esclarece George Marmelstein, sobre o conceito de direitos do homem, estabelecendo o seguinte:
Para ser mais claro, os direitos do homem possuem um conteúdo bastante semelhante ao direito natural. Não seriam propriamente direitos, mas algo que surge antes deles e como fundamento deles. Eles (os direitos do homem) são a matéria-prima dos direitos fundamentais, ou melhor, os direitos fundamentais são os direitos do homem positivados. (MARMELSTEIN, 2009, p. 26).

Tanto é autêntica esta desordem, geradora de enorme imprecisão, que a própria Carta Magna de nosso Estado emprega semânticas diversas em sua redação. Assim é que os termos direitos fundamentais são utilizados como sinônimo de: direitos fundamentais, direitos humanos, direitos e garantias fundamentais, direitos e liberdades fundamentais, como também direitos e garantias individuais.
Outro fator preponderante para a confusão terminológica é a generalização ou extensibilidade conceitual que ocorre ao se considerar todo direito contraído pelo sujeito como direito fundamental, pelo simples fato deste tratar-se de direito próprio, e não do outro. Não há entre seus sujeitos e julgadores, em certas situações, capacidade legível em saber distinguir o rol do gênero de direitos em geral com os da espécie de direitos fundamentais. É muito importante sabermos identificar quais são os direitos fundamentais, pois como sua própria nomenclatura afirma eles são fundamentais. Esta relevância foi motivada para assegurar valores primordiais e, para isto intencionalmente, sua localização foi posta em patamar diferenciado, no ápice de nosso ordenamento jurídico. No caso de sua inobservância a lesão se torna mais profunda, pois fere a todo o ordenamento jurídico.
O termo direito fundamental adveio da Lei Fundamental da Alemanha, juntamente da Constituição Portuguesa de 1976, tendo rompido com o elo trazido com as Constituições anteriormente positivadas em nosso Estado.
Os direitos fundamentais e os direitos humanos são reiteradamente confundidos, provavelmente por conta da maior semelhança entre ambos: o bem jurídico protegido. Mas, mesmo existindo essa característica em comum, seus objetos não se confundem de forma alguma.
Analisando esta similaridade, podemos concluir que de certa forma os direitos fundamentais são sempre humanos, tanto no que tange ao seu sujeito titular, visto que somente o ser humano é sujeito de direito. Em algumas situações o titular pode ser uma coletividade ou então ser a vontade do indivíduo a proteger algo (ex. meio ambiente, animais). Independentemente, todos estes desembocam no mesmo objetivo: o bem-estar do ser humano em seu ambiente e tudo o que se encontra em sua volta.
Outra característica, é que os direitos fundamentais sempre são reconhecidos e positivados dentro do direto constitucional do Estado, e estes só são concedidos às pessoas membros do ente público concreto, sendo sua origem e sua extinção existente somente dentro da Constituição, como bem afirma Ingo Sarlet:
Assim, ao menos sob certo aspecto, parece correto afirmar, na esteira de Pedro C. Villalon, que os direitos fundamentais nascem e acabam com as Constituições, resultando, de tal sorte, na confluência entre os direitos naturais do homem, tais como reconhecidos e elaborados pela doutrina jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, e da própria ideia de Constituição. (SARLET, 2010, p.31).

 Já no que tange aos direitos humanos, estes possuem conjunção com os documentos do direito internacional, pelo fato deste reconhecer o ser humano independentemente de sua filiação a qualquer ordem constitucional. Sua visão é a validação universal em todas as dimensões de tempo e espaço, possuindo uma abrangência supranacional, enquanto os direitos fundamentais se restringem aos limites das fronteiras dos Estados.
O simples reconhecimento de um direito como sendo fundamental modifica por completo sua essência e o modo de lidar com ele, tendo consequências relevantes caso ocorra o descumprimento ou a ofensa a ele. Os direitos fundamentais estão consubstanciados com a dignidade da pessoa, sendo condição “sinequa non” para ter-se a mínima condição de vida para o ser humano.
A dignidade não é um privilégio, mas um estado imprescindível para todo ser, pelo simples fato do sujeito ser humano e estar dentro de um território que defenda seu bem-estar. Assim, não é cabível nenhuma pessoa invocar um direito fundamental para justificar a violação da dignidade de outros sujeitos, como estabelece George Marmelstein:
Eles são os valores básicos para uma vida digna em sociedade. Nesse contexto, eles estão intimamente ligados à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder. Afinal, em um ambiente de opressão não há espaço para vida digna. (MARMELSTEIN, 2009, p. 18)

A relação com a visão positivista é muito clara nos direitos fundamentais, gerando um maior grau de efetivação, até mesmo por conta das instâncias dotadas de poder para efetuar a aplicação deles, apresentando contornos de aplicabilidade mais precisos e restritos. Estas características advêm do reconhecimento e garantias protegidas pelo Estado. E por ser o Estado o guardião desses direitos acaba-se gerando uma delimitação no tempo e no espaço por conta da soberania que cada país possui.
Em relação aos direitos humanos, estes possuem um contorno mais amplo e impreciso, se aproximando mais da concepção jusnaturalista. Eles são mais dependentes e por conta disso, talvez, menos eficazes que os direitos fundamentais, pois não possuem validade imediata internamente. Para ter validade, os direitos humanos necessitam ser internalizados pelo Estado para ter aplicabilidade dentro de seu território. Contudo, outro aspecto deve ser analisado: mesmo após a internalização é preciso analisar a maneira como foi validado tal direito, pois a depender deste, seu status jurídico pode ser mais ou menos relevante dentro da legislação do país. Ou seja, acaba por se submeter à boa vontade e cooperação dos Estados.
Daí conclui-se que quanto à efetivação e proteção existe diferença em relação ao plano de positivação, tendo cada um dos termos dimensões próprias. Porém, esta cisão não desvia por completo os dois termos, pois ambos tratam de direitos inerentes à natureza humana, passando por um processo de fundamentalização e sendo incorporados ao sistema jurídico.
Em decorrência desta convergência surge um parâmetro que está a crescer, um esboço, que é o processo de harmonização e unificação jurídica, dando início ao que se chama de direito constitucional internacional.
1.2 Características dos Direitos Fundamentais
Distinguir direitos fundamentais dos direitos humanos, além de extremamente necessário e ter ciência do objeto de cada um, é fundamental ter a percepção de quando se está diante de um direito fundamental, principalmente por conta de seus reflexos e consequências diversas e por protegerem importantes valores assim considerados pela sociedade.
A diferenciação de tratamento não tem como propósito o de menosprezar os demais valores assegurados pelo Direito, mas sim o de dar o devido valor e outorgar aos direitos fundamentais sua real valia. Para tanto, os direitos fundamentais, para permanecerem intactos, gozam de supremacia e características singulares.
De antemão, já é preciso explicitar que todo o ordenamento jurídico converge num mesmo sentido de harmonia em seu sistema, justamente na intenção de dar maior segurança aos valores e princípios considerados fundamentais. O sistema jurídico pode ser comparado a uma pirâmide, onde em seu topo situa-se a Carta Magna, e, escalonadamente, abaixo dela, estão as demais normas, observando o grau hierárquico.
E, para obter o equilíbrio internamente em seu sistema, é necessário que se verifique a compatibilidade entre as normas, não podendo anuir os poderes que haja divergência entre as disposições. Deve ter dentro do escalonamento uma hierarquia, onde as normas inferiores devem obediência e harmonia para com as normas superiores, como assevera George Marmelstein:
Eles correspondem aos valores mais básicos e mais importantes, escolhidos pelo povo (poder constituinte), que seriam dignos de uma proteção normativa privilegiada. Eles são (perdoem a tautologia) fundamentais porque são tão necessários para a garantia da dignidade dos seres humanos que são inegociáveis no jogo político. Daí por que essa concepção pressupõe um constitucionalismo rígido, no qual a Constituição goza de uma supremacia formal sobre as demais normas jurídicas e, por isso, os mecanismos de mudança do texto constitucional impõem um processo legislativo mais complicado em relação às demais leis. (MARMELSTEIN, 2009, p. 237).

Conhecer melhor e saber a fundo o que são os direitos fundamentais não tem valia apenas para ter-se ciência de suas características. Claro que, esse aspecto tem sua relevância, pois ao compreender suas características, mais fácil será o processo de identificação de um direito fundamental. Mas além de identificá-los e diferenciá-los dos demais, suas características contribuem no que tange a eficácia e aplicabilidade realizada pelo Estado, contribuindo também para exigir a sua devida efetividade no plano concreto.
Os direitos fundamentais são diferentes não somente no que se refere ao seu aspecto material, em relação ao seu objeto de proteção, mas possui peculiaridades em relação as suas características. Dentre seus atributos iremos perceber mais nitidamente as seguintes características: universalidade, interdependência, indivisibilidade, unidade, imprescritibilidade, historicidade e irrenunciabilidade.
Uma das características mais marcantes dos direitos humanos e fundamentais é sua abrangência universal.  Sua aplicação é válida para todo ser humano, independentemente de sua cor, raça, religião, nacionalidade, sendo então, inerente a sua condição humana.
Entretanto, apesar de os direitos fundamentais serem direitos suscitados por todo sujeito dentro do território nacional do Estado em que foi positivado, nem todos os direitos fundamentais são de interesse geral. Alguns direitos têm particularidades de uma classe, como por exemplo, os direitos dos trabalhadores. Estes só terão utilidade prática para aqueles indivíduos que trabalham, já aos desempregados não haverá serventia alguma, pelo menos não enquanto perdurar está situação de desemprego. Bem apresenta esta particularidade Ingo Sarlet:
De acordo com o principio da universalidade, todas as pessoas, pelo fato de serem pessoas são titulares de direitos e deveres fundamentais, o que por sua vez, não significa que não possa haver diferenças a serem consideradas, inclusive, em alguns casos, por força do próprio princípio da igualdade, além de exceções expressamente estabelecidas pela Constituição, como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, algumas distinções relativas aos estrangeiros, entre outras. (SARLET, 2010, p.210).
 
Os direitos fundamentais, não obstante a importância de cada valor protegido, não podem ser analisados isoladamente, pois cada um possui sua força e objeto. A plenitude destes só será alcançada se os mesmos estiverem em conjunto. Os direitos fundamentais por serem interdependentes só alcançam sua eficácia e segurança quando observados por inteiro. Por exemplo, se for respeitado a liberdade de ir e vir, mas não coexistir a liberdade de expressão, o direito fundamental não será aplicado plenamente no caso. Um complementa o outro. 
A dignidade só será alcançada quando todos os direitos fundamentais forem reparados e aplicados. Não é suficiente ter somente o direito à vida, sem liberdade ou sem acesso à saúde. Esta parcialidade acaba trazendo a fragilização do direito ou tendo somente uma parcela do que lhe é de direito. Assim, os direitos fundamentais são interdependentes, ou seja, a finalidade almejada só é encontrada no conjunto.
Por isto mesmo eles se completam, pois cada valor trazido equivale a uma peça de um quebra-cabeça. Porém, o quebra-cabeça só estará completo quando montado em sua ordem perfeita e com todas as peças que lhe compõe. Não sendo assim, ficará incompleto mesmo que lhe faltando uma só peça. Assim ocorre com os direitos fundamentais, como sustenta Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: ''...os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcançar os objetivos previstos pelo legislador constituinte'' (PAULO & ALEXANDRINO, 2007, p.95). Valendo salientar que entre os diretos fundamentais não há qualquer hierarquia.
Em decorrência da interdependência desembocamos na indivisibilidade deste grupo, onde se conclui que os direitos fundamentais não são vistos separadamente. Para o alcance de sua finalidade os direitos fundamentais são interdependentes, e também por conta deste aspecto, ao ferir um direito fundamental, você não estará afrontando somente aquele direito fundamental especificamente, mas todo o grupo.
Este grupo é indivisível, ou seja, não há separação em ramos de cada direito protegido. A afronta a um é uma afronta a todos. A indivisibilidade está correlacionada também no propósito de todos convergirem na busca de garantir a dignidade do homem. Não há liberdade, por exemplo, se não forem dadas condições para serem exercidos os direitos sociais e econômicos, que estão interligados aos direitos individuais e políticos.
Os direitos fundamentais se caracterizam, ainda, pela unidade, ou seja, cada parte que agrega um valor ou protege um direito, converge para a mesma finalidade. O escopo desta unidade, e seu tratamento como unidade, se justificam na melhor forma de buscar e alcançar a dignidade do ser na sociedade, sendo preciso conceber a liberdade, a saúde, a educação, entre outros, para se propiciar a dignidade. Por isto o mesmo assume um papel de bloco, de uma unidade.
O exercício do direito fundamental não precisa ser cotidianamente realizado ou pleiteado para ter validade em relação ao período de tempo, pois os mesmos são imprescritíveis. Eles não são fragmentados ou extintos com o passar dos anos. Eles não se perdem pelo decurso do tempo, podendo a qualquer tempo serem exercidos ou exercíveis, ou seja, é possível pleitear o respeito a um direito fundamental a qualquer tempo.
A formação dos direitos fundamentais não se realizou instantaneamente, de maneira pronta e acabada. A historicidade foi ingrediente formulador destes, sendo paulatinamente desenvolvido de acordo com o contexto da época e dos valores trazidos em cada momento e estando em constante transformação. Desenvolve o mesmo pensamento José Eliaci quando ratifica:
Como afirmava o saudoso professor Noberto Bobbio: os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstancias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (...) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. (DIÓGENES JUNIOR, disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11749. Acesso em  de setembro de 2014).

Como esse processo foi gradativo, o mesmo não foi sempre linear e constante, tendo seus momentos de maior desenvolvimento, como também de retrocesso. 
Observando a historicidade, em seus altos e baixos na positivação dos direitos fundamentais, foi de bom alvitre aplicar a vedação ao retrocesso.
 Através desta limitação de garantir o direito já adquirido, nega-se então o retrocesso. Não podendo o poder ao Constituinte flexibilizar e alterar conquistas já alcançadas de forma a prejudicar seus usuários, conforme afirma George Marmelstein:
A idéia por detrás do princípio de retrocesso é fazer que o Estado sempre atue no sentido e melhorar progressivamente as condições de vida da população. Qualquer medida estatal que tenha por finalidade suprimir garantias já implementadas para a plena realização da dignidade da pessoa humana deve ser vista com desconfiança e somente pode ser aceita se outros mecanismos mais eficazes para alcançar o mesmo desiderato forem adotados. (MARMELSTEIN, 2009, p. 270)
 
Do mesmo modo, banindo a influência externa de outros ramos ou interesses, seja por questões de poder, política ou qualquer outro elemento. Sendo assim, não é permitido ao Constituinte limitar ou diminuir a aplicação do direito e de seus efeitos, e em caso de percepção de ações coibitivas, as mesmas deverão ser decretadas como inválidas.
Outro fator característico é a irrenunciabilidade, ou seja, o indivíduo, mesmo sendo o sujeito portador do direito fundamental e consentindo em afastá-lo, não goza de autonomia de vontade para legalizar a renúncia do seu direito. Principalmente por conta da universalidade e da indivisibilidade é negada esta decisão ao sujeito, pois tal arbítrio ultrapassa a esfera individual do ser.
 A renúncia não faz referência somente ao direito de um sujeito, mas de toda a coletividade. E como já exposto anteriormente, a violação a um constitui violação a toda a ordem dos direitos fundamentais.
O Estado tem o poder de não somente coibir ações que firam os direitos fundamentais, mas também deve propiciar a máxima efetividade na sua aplicação no campo prático, podendo se utilizar de todos os meios coercitivos, se necessário for, para alcançar a plenitude do direito. 
Vale salientar que os direitos fundamentais compõem um rol de direitos essenciais. Estes são o alicerce para a construção de toda a estrutura funcional e de bem-estar do ser humano na sociedade. Mas dentro deste conjunto, composto pelos direitos fundamentais, não há valoração diferenciada entre os direitos.
Diante da igualdade entre todos os valores trazidos nos direitos fundamentais, é preciso aplicar a relatividade quando os mesmos entrarem em conflito entre si. Em determinadas situações, quando dois direitos fundamentais entram em choque, o julgador precisará sopesar os valores atingidos, precisando afastar um em detrimento a outro, pois não há direito absoluto em nosso ordenamento, mesmo no que tange aos direitos fundamentais.
Incidirá a limitação da aplicabilidade de um direito fundamental em face de outro, de acordo com a ponderação em relação ao caso concreto, mas jamais esta limitação poderá ter o propósito de aniquilar o direito fundamental, devendo ser analisado sob a luz da razoabilidade e da proporcionalidade.
Outro aspecto faz menção à concorrência, ou seja, pode um único sujeito exercer simultaneamente mais de um direito fundamental. E, ademais, os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, como foi bem captado por George Marmelstein:
Veja que este ativismo judicial é justificado e, razão do compromisso do Estado com os direitos fundamentais. Em um modelo jurídico onde não preocupação em efetivar direitos fundamentais, valoriza-se sobremaneira a lei em detrimento dos valores constitucionais. Em modelo assim, o bom juiz é aquele que conhece todas as leis e as aplica mecanicamente. Já em um modelo centrado nos direitos fundamentais, o bom juiz é aquele, que além de conhecer as leis, preocupa-se em efetivar os valores e objetivos previstos pelo constituinte. Como o modelo brasileiro é totalmente comprometido com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os direitos fundamentais, então é justificável maior ativismo judicial em favor da efetivação/concretização desses direitos. (MARMELSTEIN, 2009, p. 298).

Estas são as principais características, podendo encontrar inúmeras outras, mas que derivam destas já expostas, e que recaem sobre os direitos fundamentais, seja para oferecer maior aplicabilidade, para proteger a existência dos mesmos ou para resguardar seus destinatários. 

1.3 Classificação dos Direitos Fundamentais e Humanos em Dimensões de Direitos

A História está sempre em constante mutação, e como esta relata os fatos vivenciados pelos indivíduos, eles seguem na mesma sintonia de mudança. O Direito busca resguardar os valores aspirados pela sociedade, mas como esta se move em uma constante dinâmica, os seus desejos, ambições e anseios se transformam com o passar do tempo. E como o Direito nada mais é que a proteção dos valores em um dado contexto, exposto assim de uma forma simplificada, o direito acaba se transmudando também.
Os direitos fundamentais também tiveram seu desenvolvimento no decurso do tempo, tendo no passado, relevantes feitos que causaram mudanças tanto no que tange a seara da política, como na histórica e jurídica.
Estas mudanças são divididas, primordialmente, em três fases, as quais são chamadas de gerações por Noberto Bobbio (1992, 2004). Vale salientar, que apesar da utilização do termo geração para se referir as fases de progresso dos direitos fundamentais, o mesmo não é o mais correto para a situação. Condiz lembrar o que o autor Ingo Sarlet expressa:
Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais, tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina. (SARLET, 2010, p.45)

O termo geração nos remete a interpretar de forma errônea, pois as gerações substituem umas as outras. Neste processo de substituição a posterior toma conta do lugar da anterior, perdendo aquela sua posição por conta da aparição da nova. O termo geração dá a entender a ocorrência de uma substituição por completo, o que não acontece nos direitos fundamentais. A palavra mais adequada, estando em concordância com o preceito de Ingo Sarlet, é o termo dimensão, pois conduz à ideia de acrescer, de englobar.
No século XVIII iniciou-se a revolução, começando a perpetuar os três princípios primordiais dos direitos fundamentais. Cada uma das três dimensões – liberdade, igualdade e fraternidade – é caracterizada por um princípio. Em cada dimensão seu respectivo princípio teve seu auge de afloramento, mas para alcançar a concretização, o processo foi árduo e paulatino.
 O direito inaugural posto no texto das Constituições foi o da liberdade, o qual representa os direitos civis e políticos. Atualmente este campo já se encontra consolidado, mas como já exposto anteriormente este processo foi reconhecido, porém nem sempre contínuo, sendo algo gradativo. Consoante versa Paulo Bonavides:
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico ou de oposição perante o Estado (BONAVIDES, 2011, p.563-564).
 
A primeira dimensão faz referência ao pensamento liberal-burguês, com inspiração no direito jusnaturalista, em meados do século XVIII. Seu intuito era o de positivar os direitos considerados individuais, como exemplo o direito a liberdade, o alcance dos direitos políticos, a liberdade de expressão, direito à vida.
Eles se encaixam na esfera de direitos com status de negativo, ou seja, determinam uma inércia por parte do Estado, uma abstenção, para poder alcançar seu fim que era a autonomia individual. Definiam a desvinculação da sociedade em relação ao Estado.
Na segunda dimensão o propósito da conquista era estabelecer os direitos sociais, culturais e econômicos. Sua aparição se deu após a 2ª Guerra Mundial.
Seu contexto de aplicação se deu no momento da industrialização, em meados do século XIX. A industrialização, apesar de trazer inúmeros benefícios, trouxe também malefícios. Dentre seus pontos negativos podemos encontrar trabalhadores em locais inadequados, sendo submetidos a dias de trabalho intermináveis, com exploração de mulheres e crianças em troca de esmolas.
Apesar da positivação dos direitos da primeira dimensão, os mesmos só existiam no papel, e não havia aplicabilidade universal, portanto não poderia haver igualdade e liberdade neste contexto. Consta-se, pois, a ausência formal da percepção dos direitos. As oportunidades dadas a cada classe social eram divergentes, faltando às classes mais carentes condições de concretização de seus direitos, e não só a positivação dos mesmos, pois estes de nada têm efeito sem um ambiente que harmonize e propicie sua aplicação.
Então, os direitos da segunda dimensão determinam o comportamento ativo do Estado, requerendo deste a obrigação de fazer a justiça social e propiciando o bem-estar da sociedade, como também a liberdade social, envolvendo então, por exemplo, o direito à assistência social, à saúde e à educação.
 Esta classe dos direitos fundamentais está intrinsecamente ligada ao princípio da igualdade, do qual não pode ser fracionado, pois é vital para sua existência, sendo impossível seu desmembramento. A igualdade é base de desenvolvimento para os direitos de segunda dimensão.
 Para alcançar o fim desejado, foi preciso então, dar a estes direitos uma aplicabilidade imediata, conforme leciona Paulo Bonavides:
De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos de liberdade. Atravessaram a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. (BONAVIDES, 2011, p. 564)

 Por terem aplicabilidade imediata, os julgadores não mais dispõem do argumento de considerarem programáticas as normas consagradoras de direitos de segunda dimensão, o que deveria facilitar a sua implementação efetiva. 
 No final do século XX adveio a terceira dimensão com enfoque na fraternidade. Os direitos dessa dimensão dizem respeito não somente ao seu usuário, sendo algo muito mais abrangente. Os direitos fraternos se depreendem como foco principal, do homem-indivíduo, pois seu titular neste momento será o coletivo, todo o gênero humano.
 A terceira dimensão diz respeito aos direitos difusos, que têm aplicabilidade a um número de sujeitos infinito e indeterminável, sendo então estes, por exemplo, o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio ambiente, à comunicação. Consoante Ingo Sarlet:
Com efeito, cuida-se no mais das vezes, da reinvindicação de novas liberdades fundamentais, cujo reconhecimento se impõe em face dos impactos da sociedade industrial e técnica deste final de século. Na sua essência e pela sua estrutura jurídica de direitos de cunho excludente e negativo, atuando como direitos de caráter preponderantemente defensivos poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos da primeira dimensão, evidenciando assim a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados as exigências do homem contemporâneo. (SARLET, 2010, p.48)
 
 Como seu intuito é a percepção de direitos de todo o gênero humano, o Estado deixa então de ser o único responsável, passando este dever a uma dimensão mundial, ou seja, além até da sua soberania, entrando em ação então o Direto Internacional, por se tratarem de exigências de caráter ético-morais.
 Apesar de iniciada no século XX, a terceira dimensão não se encontra concretizada, nem no que tange ao seu objeto, e nem à positivação dos direitos respectivos.  Seu objeto ainda se encontra em desenvolvimento, pois esta dimensão ainda busca inibir as ilicitudes e ilegalidades que as novas tecnologias trazem, e que estão surgindo e se aprimorando, até interferindo na liberdade e no bem-estar social. Alguns desses direitos já se encontram positivados, outros estão ainda em desenvolvimento, como por exemplo, a manipulação genética e o direito à mudança de sexo.
 Estes direitos não se limitam a proteger o direito apenas no tempo presente, mas se preocupa em perpetuá-lo no tempo, idealizando o futuro das demais gerações.

1.4 Evolução Histórica dos Direitos Humanos e Fundamentais.

A História tem o poder de demonstrar as transformações vivenciadas pelo homem no decorrer do tempo. Por intermédio dela podemos perceber as evoluções e os retrocessos pelos quais passamos para chegarmos à conclusão atual.
Os direitos fundamentais se convergem nesse aspecto com a História, justamente por que estes não são uma revelação, um acontecimento acabado. Ambos trabalham com a evolução no tempo, testemunhando as inúmeras lutas contra o poder e a opressão.
O Direito já existia na humanidade muito antes da positivação dos direitos fundamentais. O homem desde os primórdios já trazia, intrinsecamente ao seu instinto ou modo de viver, fragmentos do que se tem por Direito atualmente, mas claro que de uma forma prematura. Estes fragmentos foram se transformando, sofrendo alterações para se encaixar com o contexto de cada época, neste mesmo sentido ressalta George Marmelstein:
A ideia de justiça, de liberdade, desigualdade, de solidariedade, de dignidade da pessoa humana, sempre esteve presente, em maior ou menor intensidade, em todas as sociedades humanas. Portanto, a noção de direitos é tão antiga quanto a própria sociedade. Veja bem: não se está falando de direitos positivados, mas de valores ligados à dignidade da pessoa humana que existem pelo simples fato de o homem ser homem. (MARMELSTEIN, 2009, p. 30)

Ainda na Antiguidade, sem haver a positivação dos direitos, não há aplicação de lei, nem tampouco a igualdade dos sujeitos num devido processo legal. Então, prevalecia a lei do mais forte, a lei do poder ou das riquezas. Sempre os mais fortes e poderosos oprimindo e cometendo injustiças contra os mais fracos e desafortunados.
Um dos primeiros Códigos escritos na humanidade foi o Código de Hamurabi, de 1800 a.C.. Pregava-se o “olho por olho, dente por dente”. Já nesta época, pelo menos em seu texto, preconizava-se a proporcionalidade da pena. Deveria o infrator experimentar o mesmo sofrimento causado à vítima, apesar de na prática não funcionar fielmente ao seu texto. Mesmo com a legislação tão clara da imparcialidade a ser seguida, no contexto prático a influência política e econômica deixava de prevalecer sobre a lei.
Outro ramo que trouxe benefícios para o desenvolvimento e positivação dos direitos fundamentais, foi o pensamento cristão. A Igreja por muito tempo possuiu um poder quase que monopolizado sobre a política, cultura e economia do Estado, sendo sua palavra única e forte. Mas também, de forma não tão imparcial, a mesma pregava o respeito ao próximo, a igualdade e a solidariedade. A religião até hoje tem sua relevância para o Direito, não de maneira tão centralizadora como no passado, por sermos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 expressamente um Estado laico, mas a mesma ainda tem sua importância.
 Já a Carta Magna de João Sem-terra, trouxe uma concepção mais firme sobre as cláusulas de liberdade, o princípio da legalidade e da irretroatividade, sendo este documento a principal fonte para o nascimento dos direitos fundamentais. Atualmente, todos estes elementos elencados da Carta Magna de João Sem-terra foram positivados e colocados em patamar de maior proteção, ou seja, como direitos fundamentais. Apesar de ser o alicerce dos direitos fundamentais, seu nascimento se deu por um propósito totalmente divergente do que possui os diretos fundamentais. A positivação da Carta Magna tinha o propósito de dar maior proteção aos barões e comerciantes, sendo sua aplicação restrita a esta classe, e não com o intuito universal, com intenção de proteger os fracos e oprimidos.
Todas estas nuances e documentos da história serviram de base para o Direito amadurecer. Temos em nossa Carta Magna atual resquícios destes. Mas claro que com o decurso do tempo e com a dinâmica da sociedade, houve transformações. Contemporaneamente, ainda não podemos afirmar que temos todos os direitos positivados e com sua eficácia plena, pois ainda temos muito que evoluir e aprender. Já advertia George Marmelstein em seu livro:
Ainda assim, é preciso que fique bem claro que as sociedades antigas conheceram os direitos do homem, embora não tenham conhecido os direitos fundamentais, já que esses valores não eram positivados através de normas jurídicas. É importante ter em mente este fato, pois nos induz a pensar que a luta pelos direitos do homem é um processo histórico que ainda está longe de atingir seu fim. Assim como as sociedades antigas deixaram muito a desejar na proteção dos direitos do homem, também a nossa sociedade contemporânea está longe de respeitar os valores mais básicos para uma vida digna, ainda que reconhecidos oficialmente como normas jurídicas merecedoras de uma proteção especial. (MARMELSTEIN, 2009, p. 32)

1.4.1 Do Estado Absolutista para o Estado de Direito
 
No absolutismo todo poder estava concentrado na pessoa do rei, ser soberano. O rei possuía um poder ilimitado e inquestionável. Diante de tanto poder condensado em um só indivíduo este acabava exercendo inúmeras competências e excedendo-as. Pois o soberano tanto legislava, quanto julgava, causando assim irreparáveis injustiças.
O modelo absolutista encontrava sua base no pensador Hobbes. Acreditava ele que o poder deveria ser concentrado, sem qualquer limitação, nas mãos do soberano. E a lei deveria ser aplicada, mas não a ele soberano, pois este estava acima da lei, somente podendo ser julgado perante a Deus.
Segundo George Marmelstein:

Hobbes defendia que o soberano deveria possuir um poder absoluto, sem qualquer limitação jurídica ou política. Nada que o soberano fizesse poderia ser considerado injusto, até porque ele seria o juiz de seus próprios atos e ninguém poderia questioná-lo. O soberano julgava, mas não poderia ser julgado. O soberano legislava, mas estava submetido à própria legislação que ele editava. Enfim, o soberano podia tudo e somente prestava contas a Deus. (MARMELSTEIN, 2009, 34-35 p.)

Diante desta forma de pensamento o Estado Absolutismo tomou força e base fundamentadora para manter-se.  Claro que este não seria solo fértil para semear e crescer os direitos fundamentais. Mas foi a partir da consciência de tamanha arbitrariedade e concentração de ilimitado poder, que a sociedade acordou para o que estava vivendo. Iniciou-se então o desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito.

1.4.2 Estado Democrático de Direito
 
O Estado Democrático de Direito, possui como foco principal, até mesmo para sua existência, a liberdade dos indivíduos e a separação dos poderes. O pensamento de Locke defendia o que para a época era muito avançado e inaceitável, mas que foi defendido pelo filósofo alemão Johannes Althusius em seu livro “Política”. Marmelstein (2009, p. 36) expressa o pensamento de Locke:

Os homens são por sua natureza livres, iguais e independentes, e por isso ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar seu consentimento. O único modo legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume laços da sociedade civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção contra quem não faça parte dela.

Sendo assim, o indivíduo abre mão de parte de sua liberdade, repassando para o Estado esta parcela da sua autonomia. O intuito é o de que o Estado o represente e passe a estabelecer normas e fiscalize o cumprimento delas, punindo aqueles que não as cumpram com a aplicação das devidas sanções. Mas esta submissão deveria ser exercida por todos os membros da sociedade, valendo-se até mesmo a pessoa do soberano.
Locke também traçou de forma não tão desenvolvida, a separação dos poderes, que adveio com o Estado de Direito. A separação dos poderes, ou o “checks and balances”, proporciona uma maior proteção aos indivíduos, pois nenhum pode ter a manipulação geral de todo o Estado, evitando-se a arbitrariedade e abuso de poder. Com todo este sistema, mais fragmentado, o controle se torna mais fácil por parte da sociedade, sendo mais difícil a violação dos seus direitos (Marmelstein, 2009).
Outra alteração, porém, também surgiu. O governo passou a ter interesse no bem comum, e não só sobre o indivíduo, não sendo almejada a satisfação individual, mas de todo o sistema.

1.5 A Constituição Federal de 1988 e os Direitos Humanos e Fundamentais
 
A criação de uma Constituição demonstra o início de uma nova jornada, com novas pretensões e valores. Com a Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF/88) não foi diferente. A Constituição que surge sempre rompe com a concepção passada, pois uma revoga a ordem jurídica da outra.
O contexto anterior à promulgação da CF/88 era o regime ditatorial.  A ditadura militar perdurou por quase 30 anos, tendo causado inúmeros sofrimentos e arbitrariedades. Não havia qualquer sinal dos direitos fundamentais ou humanos. Era uma época de negação de direitos. Os indivíduos não possuíam qualquer liberdade, seja de ir e vir, política ou de expressão.
A sociedade, farta de tamanha repressão, se movimentou e surgiu o “Diretas Já”. Como consequência, adveio a promulgação da Constituição vigente, no dia 05 de outubro de 1988. 
A nova Constituição tinha um propósito inovador, talvez a que teve uma maior radicalização de uma para a outra. Com a institucionalização do Estado Democrático de Direito, trazia então a Constituição Federal de 1988 a proteção de valores supremos, justamente aqueles tão reprimidos e esquecidos durante o período anterior, ou seja, os direitos sociais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça.
Para assegurar fielmente o exercício dos mesmos, estes direitos foram criados e colocados em patamar superior, tendo uma supremacia. Ficaram elencados nos arts. 5º a 17º da CF/88, e sendo chamados de direito fundamentais. E como afirma MARMELSTEIN (2009, p.68), “O constituinte, nesse ponto, seguiu os conselhos de Noberto Bobbio, que defendia que não basta apenas enunciar os direitos; é preciso, sobretudo, protegê-los e concretizá-los.
Então, não quis o constituinte simplesmente positivar os direitos no texto, pois de nada adiantaria, seria apenas letra morta. Sua ambição era o de poder concretizar seus diretos, criando mecanismos para ter eficácia. Previu então a criação do habeas corpus, habeas data, ação popular, mandado de segurança.
A Constituição Federal de 1988 trouxe uma transformação nunca antes vista, com comprometimento social, com direitos fundamentais, essenciais e com aplicabilidade. George Marmelstein, muito bem coloca seu posicionamento acerca da magnitude e escopo acerca da CF/88:
Desde seu preâmbulo, o texto constitucional demonstra a que veio. Nele esta posto que a finalidade da República federativa do Brasil é instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Mesmo que se diga que o preâmbulo constitucional não tem natureza jurídica, ainda assim não se pode negar a sua força simbólica e a sua função de orientar a interpretação de outras normas, pois representam as aspirações axiológicas do constituinte.

O processo foi lento, estando até hoje em constante mutação. Até mesmo os direitos fundamentais ainda estão em processo de concretização, como afirma George Marmelstein:

Os direitos fundamentais são mesmo, em grande medida, um projeto para o futuro. Eles não são concretizados da noite para o dia como um passe de mágica. A plena efetivação desses direitos é um processo complexo e progressivo e, como diz Haberle, os princípios constitucionais devem estar a meio a meio caminho entre o idealismo e a conexão com a realidade. (Marmelstein, 2009)

O que podemos observar é que para a construção desta Constituição democrática e pluralista, os mais variados grupos sociais fizeram parte, por isto a inclusão de tantos interesses ideológicos, mas que convergem para o mesmo interesse: o bem-estar social.

1.5.1 Emenda Constitucional nº 45/2004

Outro aspecto a ser observado é a Emenda Constitucional nº 45/04, que após 13 anos de tramitação, trouxe inúmeras alterações à CF/88, por isto mesmo ficou conhecida como “Reforma do Judiciário”. Dentre estas alterações podemos encontrar, por exemplo, o acolhimento das Sumulas Vinculantes, a determinação da razoável duração do processo, a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, como também a criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Porém, a alteração mais relevante para nosso estudo é a internacionalização dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, que foi acrescido no §3, do art. 5 da CF/88, que versa o seguinte:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988: Art5º, § 3º)
 
A mudança acerca da internacionalização dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos tem como intuito proteger internamente este bem, que é o ser humano com sua dignidade. E salientando, que tal proteção somente é valida para os Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos.
Conforme passagem do texto da autora Vitoria dos Santos ficou assim determinada a hierarquia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos:

[…] é possível propor que os tratados de diretos humanos encontram-se subdivididos em: a) tratados sobre direitos humanos aprovados pelo disposto no §3º do art. 5º (gozando de hierarquia constitucional); b) tratados de direitos humanos que não atingirem o quorum e aqueles já ratificados pelo Brasil.(Pela nova posição do STF esses possuem hierarquia supralegal, estando acima da lei ordinária); c) Tratados que se incorporam ao Direito interno brasileiro com hierarquia constitucional, por força do §2º, do art. 5º. (PIOVESAN; at all. Disponível em http://www.ambito-juridico. com. br/site/ índex php?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9329. Acesso 15/09/14, às 15h)

Assim, a depender do assunto que versa o Tratado, seu quorum de votação, e ainda mais, se o Tratado é anterior ou posterior a própria Emenda nº 45, irá influenciar na sua hierarquia dentro do ordenamento.



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.