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A proteção possessória na composse (art. 500 do CC/1916 e art. 1.211, do CC/2002).

O exame da legitimidade da ação do possuidor em face de terceiro (art. 504 do CC/1.916 e art. 1.212 do CC/2002)

A proteção possessória na composse (art. 500 do CC/1916 e art. 1.211, do CC/2002). O exame da legitimidade da ação do possuidor em face de terceiro (art. 504 do CC/1.916 e art. 1.212 do CC/2002)

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            "Grosso modo", emerge uma situação possessória sempre que entre uma pessoa e uma coisa intercede uma relação de proximidade tal que permite àquela o efectivo exercício de poderes de facto sobre esta: conquanto se não radica, na pessoa do possuidor, a titularidade do direito real correspondente ao controlo ou exercício de facto exteriorizados, a coisa passa a estar debaixo do controlo dela, que a desfruta. No acto do apossamento ou investidura, prescinde-se de qualquer referência ao estado psicológico do possuidor.

            [Processo nº. 6.769/98 - Tribunal da Relação de Lisboa Relator: Carlos Marcos Rodrigues]


Introdução

            A posse exclusiva não se confunde com a posse absoluta, tendo em vista que a primeira tem pertinência à titularidade do poder de fato – exclusivo de um único possuidor – a segunda diz respeito à manifestação do conteúdo deste poder.

            Assim, fica mais fácil compreender que composse é a posse comum sobre o mesmo bem (divisível ou indivisível), exercida concomitantemente por dois ou mais sujeitos (pessoas físicas e/ou jurídicas). Pode-se até mesmo fazer uma analogia sobre este instituto: está a composse para o mundo fático, assim como o condomínio está para o mundo jurídico. Pode verificar-se dentro da organização vertical da posse, no tocante ao bem, a composse como se os co-titulares fossem condôminos (posse de coisa indivisa), ou a posse de um bem através do gozo do mesmo direito rela limitado, isto é, composses absolutas ou próprias e plenas (1).


1. Conceito

            Pode-se dizer que composse (2) é uma modalidade de posse, ou seja, quando há simultaneidade do exercício da posse, por mais de um titular, de atos de domínio sobre a coisa.

            No Código Civil de 1916 a composse é regida pelo artigo 488, que dispõe:

            Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, ou estiverem no gozo do mesmo direito, poderá cada um exercer sobre o objeto comum atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compussuidores.

            No Código Civil de 2002 este instituto é regido pelo artigo 1.199 que reza:

            Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contando que não excluam os dos outros compossuidores.

            Note-se que a redação foi aprimorada do antigo Código Civil, não havendo grandes alterações.


2. Tipos

            2.1 Composse Simples

            Entende-se por composse simples ou pro indiviso quando as pessoas que possuem um bem, e não estando determinado qual a parcela que compete a cada um, cada um terá uma parte ideal.

            2.2 Composse "Pro Diviso"

            Este tipo de composse ocorre quando existir uma repartição de fato, embora não haja uma divisão de direito, e faz com que cada compossuidor já possua a sua parte certa. Na realidade trata-se de uma ficção, sendo uma simples aparência da comunhão, pois seria a posse de parte determinada dentro de coisa possuída em comum. Seriam várias posses sobre uma coisa comum, não havendo comunhão entre os compossuidores.

            2.3. Composse em Mão Comum

            Este tipo de composse é admitido em outros ordenamentos jurídicos como o germânico por exemplo, em situações decorrentes de convenção entre os compossuidores (quando dois compossuidores têm uma mesmo bem, trancafiado sob a combinação de uso de duas chaves pertencentes a cada um dos compossuidores), e as resultantes da lei (como nos regimes de comunhão de bens no casamento, no que diz respeito aos bens comuns, ou na sucessão mortis causa quando há pluralidade de herdeiros).

            Verifica-se portanto que não senhoria independente de cada um dos compossuidores, motivo por que os compossuidores vinculados são o possuidor. Como cada um tem a posse da coisa comum somente em conjunto com os demais, nenhum deles de "per si" pode extinguir ou transmitir essa posse sobre a coisa.


3. Proteção Possessória na Composse

            A composse poderá ser posse justa ou injusta, de boa ou de má fé, nova ou velha, dando direito a cada um dos compossuidores, e a todos indistintamente, contra os demais ou contra terceiros, de propor interditos; e, em comum, o usucapião.

            Existe, também, composse entre os cônjuges, cabendo ações possessórias reciprocamente, ou contra terceiros.

            Orlando de Assis Corrêa (3), preleciona que na Jurisprudência Brasileira:

            "Se os móveis foram adquiridos para composse do casal, não comete esbulho a mulher que não permite a retirada dos mesmos pelo marido que se muda de casa." (Ap. Cível nº 238.697-14-11-74, TJ/SP),

            e na mesma obra (4):

            "Tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem a viabilidade do remédio possessório entre compossuidores, quando um pratica ato de violência contra o outro. Compete ação de manutenção de posse ao marido que, após retirar-se do lar, é obstado por sua mulher, de ter acesso ao cofre no qual guardava documentos pessoais". (Ap. Cível nº 50.960 – 04-05-76, TJ/SP).

            No ordenamento pátrio valem como regras gerais as afirmações feitas por Randa (5) de que:

            a)nenhum compossuidor tem poder de fato exclusivo sobre a menor parte da coisa comum, razão por que nenhum compossuidor, sem autorização expressa ou implícita dos demais, pode praticar atos possessórios que excluam os dos outros; e

            b)em conseqüência, qualquer compossuidor pode usar da coisa comum conforme sua destinação, desde que não exclua, com isso,. a mesma utilização por parte dos restantes compossuidores.

            3.1. Artigos 500 do Código Civil de 1.916 e 1.211 do Código Civil de 2002. Estudo Comparado.

 

Código Civil de 1.916

Código Civil de 2002

             

 Artigo

500 - Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que detiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

1.211 - Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

             

Histórico

 

O presente dispositivo não estava previsto no anteprojeto do eminente Ebert Vianna Chamoun, tendo sido acrescentado por emenda do Deputado Marcelo Gato, ainda no período inicial de tramitação na Câmara dos Deputados. Posteriormente não veio a sofrer qualquer nova alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto.

Diferenças entre o C.C. de 1916 e o Novo Código

 

A emenda conservou a disposição do artigo 500 do CC/1916, com uma ligeira alteração: "tiver" em lugar de "detiver".

            Comentando o artigo 500, lembrou Pontes de Miranda que corresponde ao chamado summarissimum possessorium, ou seja, medida administrativa, extrajudicial, de proteção da posse. Se o possuidor esbulhado pode desforçar-se, inclusive com emprego da violência, também pode, com maior razão, solicitar auxílio à autoridade judiciária. Esta, obediente ao princípio da conservação da situação fática que preside a toda proteção possessória, dar-lhe-á força, se for manifesto que o reclamante foi despojado da posse injustamente; caso contrário, manterá na posse aquele que estiver em poder do bem (6).

            Trata-se de regra importante que deveria permanecer no sistema jurídico pátrio. A substituição do verbo "detiver" pelo verbo "tiver", diz Joel Dias Figueira Jr., foi feita em atenção à terminologia do projeto, que configura a detenção como a posse em nome de outrem. "Tiver", está sendo empregada como poder corpóreo, físico, sobre a coisa, isto é, aquilo a que se chama "detença" (7).

            Note-se que o Novo Código Civil não traz a regra do artigo 507 do CC de 1.916 que sempre era interpretado sistematicamente com o artigo 500 e que, efetivamente, completavam-se entre si. O artigo 507 dispõe: Na posse de menos de ano e dia nenhum possuidor será manutenidom, ou reintegrado judicialmente, senão contra os que não tiverem melhor posse. Parágrafo único, do mesmo artigo: entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas se todas forem duvidosas, será seqüestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque.

            3.2. Artigos 504 do Código Civil de 1.916 e 1.212 do Código Civil de 2002. Estudo Comparado.

 

Código Civil de 1.916

Código Civil de 2002

             

Artigo

504 – O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra terceiro, que recebeu a coisa esbulhada.

1.212 - O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra terceiro, que recebeu a coisa esbulhada.

             

Histórico

 

O dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do Anteprojeto, cujo livro III, referente ao Direito das Coisas, ficou a cargo do eminente Ebert Vianna Chamoun..

Diferenças entre o C.C. de 1916 e o Novo Código

 

A redação atual é idêntica à do artigo 504 do CC de 1.916.

            Primeiramente será analisado o esbulho e a turbação.

            O esbulho é a perda total da posse, ou seja, é a situação na qual a coisa sai integralmente da esfera de disponibilidade do possuidor, ele deixa de ter contato com ela, por ato injusto do molestador (8).

            Turbação (9) é o esbulho parcial, ou seja, é a perda de algum dos poderes fáticos sobre a coisa, mas não a totalidade da posse (10).

            As ações de manutenção (turbação) ou de reintegração (esbulho) de posse somente podem ser dirigidas contra o sujeito que, efetivamente, praticou o ato ou contra terceiros que se encontram em poder do bem, sabedores dos vícios que maculam a posse adquirida. Ou seja, verifica-se a carência da ação por falta de legitimidade passiva no direcionamento de demanda interdital contra terceiro com justo título e boa-fé.


4. Conclusão

            Portanto note-se que tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem a viabilidade do remédio possessório entre compossuidores, quando um pratica ato de violência contra o outro, conforme prevê o artigo 500 do Código Civil de 1.916 e o Código Civil de 2002. O exemplo que pode-se dar reza a respeito da ação de manutenção de posse ao marido que, após retirar-se do lar, é obstado por sua mulher, de ter acesso ao cofre no qual guardava documentos pessoais.

            Por fim, a respeito do exame da legitimidade da ação do possuidor em face de terceiro, ter-se-á que verificar a boa-fé (11) e o justo título, já que as ações de manutenção (turbação) ou de reintegração (esbulho) de posse somente podem ser dirigidas contra o sujeito que, efetivamente, praticou o ato ou contra terceiros que se encontram em poder do bem, sabedores dos vícios que maculam a posse adquirida. Ou seja, verifica-se a carência da ação por falta de legitimidade passiva no direcionamento de demanda interdita contra terceiro com justo título e boa-fé.


5. Bibliografia

            ALVES, José Carlos Moreira, Posse – vol. II – tomo 1° - Estudo Dogmático, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2000.

            CORRÊA, Orlando de Assis, Posse e Ações Possessórias, 2ª edição, Juruá Editora, Curitiba, 2000.

            FIGUEIRA JR., Joel Dias, Novo Código Civil Comentado (coord. Ricardo Fiuza), Saraiva, São Paulo, 2002.

            WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.), Curso avançado de Processo civil (vol.3), Ed. RT, São Paulo, 2000.


Notas

            1. Figueira Jr., Joel Dias, Novo Código Civil Comentado (coord. Ricardo Fiuza), Saraiva, 2002, p. 1.067.

            2. O Código Civil Alemão (BGB) dispõe em seu parágrafo 866 - Se vários possuírem, em comum, uma coisa, não lhes caberá, nas suas relações recíprocas, uma proteção possessória, a não ser que se trate dos limites do uso que cabe a cada um deles.

            3. "in" Posse e Ações Possessórias, 2ª edição, Juruá Editora, p. 323.

            4. Idem, p. 359.

            5. Der Besitz nach Österreichischem Rechte, § 17, os. 504-505, citado por José Carlos Moreira Alves,., p. 577.

            6. Figueira Jr., Joel Dias, op. cit., p. 1.083.

            7. Idem.

            8. Wambier, Luiz Rodrigues (coord.), Curso avançado de Processo civil (vol.3), Ed. RT, 2000, pp. 190-191.

            9. "Processual Civil. Turbação de posse. Ação de manutenção. Caráter pessoal. Tem caráter pessoal a ação de manutenção de posse, para obviar atos de sua turbação, consistentes na retirada de madeiras pelo turbador, a dispensar a citação do seu cônjuge para a demanda." (REsp-34.756-0, Ministro Dias Trindade, DJ de 21.3.94).

            10. Idem nota 9.

            11. A descaracterização da posse de boa-fé se dá desde o instante em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui a coisa indevidamente. A má-fé surgirá se ficar patente que o possuidor não pode ignorar o vício de origem de sua posse.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. A proteção possessória na composse (art. 500 do CC/1916 e art. 1.211, do CC/2002). O exame da legitimidade da ação do possuidor em face de terceiro (art. 504 do CC/1.916 e art. 1.212 do CC/2002). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3577. Acesso em: 26 abr. 2024.