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Esquerda volver, marcham os gregos

Esquerda volver, marcham os gregos

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A imprensa brasileira, que raramente consegue entender o que se passa no Brasil, está supervalorizando o resultado da eleição grega.

Dentre os mitos fundadores do Ocidente, o regime democrático criado na antiguidade pelos atenienses ocupa um papel central. Este regime político, porém, durou apenas algumas décadas em Atenas e provocou o maior de todos os conflitos militares gregos.

Ao fim da Guerra do Peloponeso (404 a C), que foi iniciada pelos líderes democratas atenienses, Atenas passou e ser governada por militares espartanos. Quando conseguiu se libertar do julgo de Esparta, Atenas foi sacudida por conflitos políticos entre os aristocratas e o partido popular e sua política interna acabou sendo influenciada por outras cidades. Primeiro por Tebas, que derrotou Esparta em Leuctra (371 aC) e passou a ser a potência hegemônica na península. Quando Tebas e Atenas foram derrotadas em Queronéia (338 aC), a Macedônia passou a comandar a política interna ateniense. A conquista romana da Grécia em 146 aC, que foi apoiada pelos aristocratas atenienses, colocou fim à independência política de Atenas. Desde então o apogeu da democracia se transformou numa vaga lembrança.

A História, porém, geralmente não interessa àqueles que fazem uso dela. Os arquitetos do Ocidente conseguiram transformar um pequeno período da vida política ateniense num mito fundador. E assim os ocidentais foram levados a acreditar que a democracia foi grega (e não ateniense), durou alguns séculos (e não algumas décadas) e foi pacífica (apesar de ter dado causa a Guerra do Peloponeso).

Sem prestar muito atenção aos outros povos (e odiando intensamente os turcos por causa anexação da Grécia pelo Império Otomano do século XV ao início do século XIX) o povo grego percorreu seu caminho até o presente. Desde a independência do país, a vida política dos gregos oscila entre a valorização do passado democrático ateniense e instauração de ditaduras militares violentas (como a que perdurou no país de 1967 a 1974). A disputa eleitoral recente entre a “direita neoliberal” e a “esquerda operária” na Grécia é apenas mais um capítulo da eterna guerra de classes entre ricos e pobres cuja origem é anterior à própria democracia ateniense criada por Clístenes.

Os jornalistas que estão fazendo a cobertura das eleições gregas se dividem em dois grandes grupos. Há aqueles que lamentam a vitória da esquerda, cujo programa econômico (que eles chamam de populista) poderá causar turbulência nos mercados e, em consequencia, provocar um agravamento da crise econômica na Grécia obrigando o país a abandonar o Euro (medida acarretará danos a Europa e ao resto do mundo). Há, entretanto, os comemoram a vitória da “esquerda operária” como sendo o ponta-pé incial para uma ampla reforma econômica mundial que regule os mercados e permita a responsabilização dos banqueiros que lucram destruindo países inteiros. O sofrimento dos pobres em razão das políticas recessivas receitadas pelo FMI e recomendadas pela UE na Grécia é uma verdade factual.

Não se enganem: as eleições gregas não dizem respeito apenas ao futuro da Grécia. Elas também dizem respeito ao passado daquele país. Que fragmento de sua própria trajetória o povo grego pretende construir nos próximos anos? A história da Grécia tem algo para fornecer a qualquer liderança política que dela queira fazer uso. Democracia, tirania, submissão a potências externas, ditadura militar, guerras internas, guerra externa, etc… tudo isto pode ser resgatado, repaginado, modernizado e entregue aos cidadãos (aos consumidores de propaganda) como sendo um programa político coerente que indique o único caminho para o futuro glorioso baseado num passado firmemente estabelecido. A Grécia contém todos os inícios. Esta é a maldição dos gregos.

O que quer que decida fazer com seu passado ou com seu futuro, o povo grego não está em condições de modelar o destino da Europa, da América Latina ou do resto do mundo. A Grécia não tem poder econômico para competir com seus vizinhos próximos e distantes, nem condições militares de confrontar seu inimigo tradicional (a Turquia).

No presente momento, apenas o povo norte-americano é que pode fazer a balança oscilar do Mercado para o Estado preocupado com o bem estar social. Os norte-americanos apoiarão com entusiasmo o discurso que Barack Obama fez no Congresso dos EUA nos últimos dias? Duvido muito. Os gregos parecem ter apoiado Obama, tanto que derrotaram a “direita neoliberal”. Todavia, creio que eles ficariam ofendidos se alguém lhes dissesse que o Presidente dos EUA decidiu as eleições gregas ao discursar para os congressistas de seu país.



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