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O condomínio edílico no novo Código civil

O condomínio edílico no novo Código civil

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         As inovações introduzidas pelo Novo Código Civil no que se refere ao Condomínio Edílico, consolidam entendimento dos Tribunais em relação a diversos pontos polêmicos e duvidosos da Lei 4.591/64, esclarecendo e harmonizando matérias que se espera, amenizem os desentendimentos e problemas dessa espécie de propriedade excepcional.

         Dentre as alterações da vida condominial, em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003, destacam-se alguns pontos que merecem considerações.

         Disposições Gerais (Artigo 1331) - Inicialmente, já nas disposições gerais, o novo Código, em seu artigo 1331, apresenta maior clareza de redação, especificando, detalhadamente, como propriedade comum, o solo, a estrutura do prédio, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, etc, modernizando as expressões e dirimindo controvérsias, inclusive sobre o terraço de cobertura que é considerada parte comum, salvo disposição em contrário, por ocasião da constituição do condomínio.

         Fração ideal. Inova ao estabelecer no parágrafo 3º do mesmo dispositivo, como parâmetro para a fixação da fração ideal, o valor da unidade imobiliária em relação ao conjunto da edificação, cuja viabilidade, dependerá da aplicação prática e da interpretação jurisprudencial.

         Multas condominiais (Artigo 1336) - Em relação ao pagamento das cotas condominiais, estabelece o limite de 2% (dois por cento) para a multa pela mora/inadimplemento do dever de contribuir para as despesas do condomínio. Tal disposição trouxe a maior polêmica das alterações.

         De um lado, a aplicação analógica do Código de Defesa do Consumidor que, embora inconteste não ser aplicável às relações condominiais, inspiraram o Relator das alterações do antigo Projeto, que entendeu por adequar o dispositivo à legislação superveniente.

         Merece crítica a alteração sob esse fundamento já que em momento algum, conforme entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, pode-se falar em relação de consumo entre condôminos. Assim, benefício para o condômino inadimplente, e aumento dos percentuais de inadimplência, em prejuízo do próprio Condomínio.

         Veja-se que a tendência é que os condôminos costumeiramente adimplentes venham a sofrer pela inadimplência dos demais, em virtude da necessidade de constituir-se fundo de reserva especial como forma de garantir a adequada convivência e pagamento das despesas.

         Em relação ao condômino que não cumprir com os deveres expressamente elencados no artigo 1336 (não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação e não as utilizar maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais) prevê o Novo Código Civil a aplicação de multa de até cinco vezes o valor da contribuição, independentemente das perdas e danos, devendo ser estipulada pela Convenção ou deliberada por dois terços dos condôminos, em assembléia geral.

         Para os condôminos que reiteradamente não cumprirem seus deveres, (Artigo 1338) dispõe a nova legislação sobre a possibilidade de aplicação de multa de cinco ou dez vezes o valor da contribuição, conforme se trate de simples descumprimento de dever convencionado ou de comportamento anti-social que gere incompatibilidade de convivência com os demais.

         Assim, em relação à inadimplência, permitiu o Novo Código soluções paliativas, autorizando à Convenção Condominial:

         Primeiro: Estabelecer taxa de juro superior ao percentual de 1% ao mês, pois permitem os artigos 406 e 1.336, seja ela convencionada previamente;

         Segundo: Estabelecer, em quorum especialmente qualificado (três quartos dos condôminos), por exemplo, que a mora no pagamento de duas ou três taxas condominiais seguidas, será considerado "...reiterado descumprimento com os seus deveres perante o condomínio..." (artigo 1337, caput) e, portanto, aplicável multa de uma a cinco vezes o valor da taxa, conforme for o número de taxas em atraso.

         Da mesma forma, poderá a Convenção Condominial elencar, especificamente, as hipóteses que, para a comunidade, sejam definidas como comportamento anti-social passível de gerar incompatibilidade de convivência, bem como estabelecer a gravidade da conduta e a correspondente sanção pecuniária.

         Ressalte-se que tais hipóteses devem atender, sempre que possível, a critérios objetivos de constatação das infrações, posto que, cabendo ao Síndico a administração do condomínio e a imposição de multas (artigo 1348), deve-se evitar que este haja arbitrariamente.

         Perfeitamente cabível, neste aspecto, delegar referidas funções, mediante deliberação da Convenção (artigo 1348, parágrafo 2º.), a uma comissão permanente, previamente constituída por três ou cinco condôminos, que seria responsável pelo julgamento, arbitramento e aplicação das multas, de acordo com as hipóteses previamente definidas pela Convenção.

         Aluguel de garagens (Artigo 1338). Igualmente polêmico o dispositivo que permite, resguardado o direito de preferência dos demais condôminos, o aluguel de vagas de garagem a pessoas estranhas ao condomínio, ressalvando, no artigo 1339, que a possibilidade de alienação de parte acessória de sua unidade imobiliária a terceiro depende de permissão do ato constitutivo e de assembléia geral.

         Dependendo das condições do edifício, e neste ponto, a principal justificativa dos que se manifestam contrariamente à referida permissão, coloca-se em risco a própria segurança do Condomínio contra a prática dos mais diversos crimes, tendo em vista a dificuldade de controle do acesso dessas pessoas, principalmente quando, pelas vantagens de localização do edifício, tal prática mostrar-se economicamente viável aos condôminos proprietários de vagas.

         Como efeito cascata, o Condomínio será obrigado a fazer maiores investimentos em relação ao sistema de segurança do Condomínio e, além de onerar excessivamente os condôminos, poderá sofrer outra conseqüência direta, dependendo das decisões jurisprudenciais futuras, qual seja, a responsabilidade civil pelos danos causados aos veículos, criando-se nova modalidade, ainda que em condições um tanto quanto absurdas.

         Importante destacar, em relação à locação das vagas de garagem, que a Convenção não poderá proibir tal prática, ainda que com isso concordem todos os condôminos, posto que defeso à Convenção e Assembléia, deliberar contra texto expresso de lei.

         Despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo (Artigo 1.340). Tal dispositivo, discreto e pouco comentado, salvo melhor juízo, traz verdadeiro caos à vida condominial, posto que agasalha tendência jurisprudencial que prevê que as despesas relativas as partes comuns de uso exclusivo de um ou de alguns dos condôminos, incumbem a quem delas se serve.

         A previsão anterior da Lei. 4.591/64, não estabelece distinções nesse aspecto, e dispunha, expressamente a obrigatoriedade de contribuição de todos os proprietários para as obras e despesas que interessarem ao edifício ou ao serviço comum.

         A intenção do legislador, sem dúvida, foi consagrar o princípio que veda o enriquecimento sem justa causa, todavia, já se pode prever um considerável número de demandas a respeito, posto que por via transversa, acaba por desconstituir a natureza e finalidade do condomínio edílico.

         É o caso, por exemplo, das unidades comerciais e residenciais localizadas no térreo dos edifícios que estariam isentas, em tese, do pagamento das despesas com elevadores, posto que destes não se servem.

         A grande confusão, no entanto, seria a generalidade, a ponto de cada proprietário discutir quais os benefícios e despesas dos quais se servem e quais seriam de responsabilidade exclusiva de quantos. Poderiam chegar ao absurdo de considerar inclusive despesas com a pintura externa da fachada, de um lado, dos fundos, da frente, conforme lhe fosse apropriado.

         Aprovação de obras (Artigo 1.341). Tal dispositivo estabelece quorum qualificado de aprovação de obras, conforme se tratem de voluptuárias (de mero deleite ou recreio), exigindo voto de dois terços dos condôminos, ou úteis, mediante voto da maioria dos condôminos.

         Dispõe ainda que as obras necessárias podem ser realizadas pelo síndico, independentemente de autorização, ou por qualquer condômino que, inclusive, será reembolsado das despesas que comprovadamente efetuar.

         Todavia, estabelece exceções quando se tratarem de obras e reparos urgentes e importarem em despesas excessivas, posto que, nesse caso, o Novo Código exige convocação imediata de assembléia.

         Prevê ainda a nova lei, nos dispositivos seguintes, quoruns qualificados de dois terços para obras que importem em acréscimo às já existentes e de votação unânime para construção de outro pavimento ou novas unidades.

         Obrigação propter rem (Artigo 1.345). Ainda que existissem algumas decisões divergentes sobre a obrigação propter rem das taxas condominiais, o Código Civil atual deixa expressa a obrigação do adquirente da unidade sobre débitos condominiais do alienante, anteriores ao negócio.

         Nulidade de assembléia (Artigo 1.354). Esse dispositivo traz inovação em relação à Lei 4.591/64, consolidando a jurisprudência, ao prever a obrigatoriedade da convocação de todos os condôminos para assembléia, sob pena de nulidade.

         Quorum especial. No mais, estabelece a lei a necessidade de quorum qualificado, nas Assembléias, para diversas deliberações, conforme temos:

          

         Aprovação Convenção

         Dois terços das frações ideais

         Imposição de multa pelo descumprimento dos deveres, se inexistente previsão na Convenção.

         Dois terços dos condôminos restantes

         Imposição de multa pelo reiterado descumprimento dos deveres.

         Três quartos dos condôminos restantes

         Realização de obras voluptuárias.

         Dois terços dos condôminos;

         Realização de obras úteis.

         Maioria dos condôminos;

         Realização de obras em acréscimo às já existentes.

         Dois terços dos condôminos

         Construção de outro pavimento ou no solo comum destinado a novas unidades.

         Unanimidade dos condôminos

         Transferência do poder de representação ou funções administrativas pelo síndico, desde que permitido pela Convenção.

         Maioria absoluta

         Destituição síndico.

         Maioria absoluta

         Convocação de assembléia quando omisso o síndico.

         Um quarto dos condôminos

         Alteração da Convenção e Regimento Interno.

         Dois terços dos condôminos

         Mudança da destinação do edifício ou da unidade.

         Unanimidade dos condôminos

         Demais deliberações.

         1ª. Convocação – Maioria de votos que representem metade das frações ideais

         2ª Convocação – Maioria de votos dos presentes

         Reconstrução ou venda.

         Metade mais um das frações ideais

          

         Assim, a nova disciplina do Código Civil, em relação aos Condomínios edílicos, por derrogar boa parte da Lei 4.591/64, necessita de imediata aplicação pelas Assembléias, que deverão alterar suas Convenções e regimentos, procedendo as alterações necessárias de acordo com o que mais se ajustar à comunidade, prevenindo, desde já, o crescimento da taxa de inadimplência e disciplinando, dentro da nova realidade jurídica, a convivência harmoniosa de seus membros.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EHRHARDT, Daisy. O condomínio edílico no novo Código civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3728. Acesso em: 24 abr. 2024.