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A intervenção do Ministério Público no mandado de segurança

A intervenção do Ministério Público no mandado de segurança

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         A importância do papel assumido pelo Ministério Público na defesa dos interesses da sociedade é tema já discutido em demasia pela doutrina, em especial após a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde as funções do Parquet foram bastante alargadas, eis que assumiu o encargo de zelar pelos interesses indisponíveis ou de larga importância à sociedade.

         Elevado pelo próprio texto constitucional a "instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado", incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis funciona, segundo tese explanada por alguns estudiosos, como uma espécie de ‘quarto poder’, subsistindo ao lado do Poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário, constituindo importante instrumento para a sobrevivência do Estado Democrático.

         Hodiernamente o múnus destinado ao Parquet é assaz diversificado, com destacada atuação na esfera criminal (a exemplo de sua condição de titular privativo da ação penal pública) e com igual relevância na esfera cível, foco maior de nossa atenção em virtude do tema o qual nos propusemos a brevemente explanar, qual seja, a sua intervenção em decorrência da natureza da ação, in casu, no mandado de segurança.

         Antes de adentarmos ao cerne da questão ora levantada, prescindível mencionar as atribuições atualmente destinadas ao Ministério Público na esfera cível, podendo atuar, segundo a boa doutrina, como órgão agente - quando funciona como autor em demandas judiciais, a exemplo da ação declaratória de inconstitucionalidade, da ação civil pública, etc, ou como órgão interveniente - funcionando como verdadeiro fiscal da lei - ´custus legis´. Atuará de tal maneira em decorrência da qualidade especial assumida por uma das partes (a exemplo, na defesa de interesses de incapazes, de indígenas, ou em questões envolvendo massa falida, etc.), ou em decorrência da natureza da lide, (onde se encaixa a intervenção obrigatória no mandado de segurança, objeto de nosso estudo).

         Em verdade, o artigo 127 da Constituição Federal de 1988 estabelece os parâmetros da atuação do Parquet, tanto no âmbito judicial como extrajudicial, sempre balizada em virtude dos interesses sociais ou individuais indisponíveis.

         Entretanto, embora o texto constitucional seja de clareza meridional ao determinar os limites de atuação do Ministério Público, existem certas situações elencadas em legislações esparsas que determinam a obrigatória atuação do Parquet, extrapolando os limites traçados pela atual Carta Magna. Assim ocorre nas ações de mandado de segurança, haja vista que a lei disciplinadora de tal instrumento jurídico, qual seja, a Lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951, estabelece em seu artigo 10, a obrigatória oitiva do representante ministerial após a apresentação das informações prestadas pela autoridade coatora, independentemente de volver a ação sobre interesses indisponíveis ou disponíveis.

         Tal obrigatoriedade poderia quiçá ser aceita antes do perfil traçado ao Paquet pelo atual texto constitucional, haja vista que não incumbe mais ao Ministério Público a defesa dos interesses de pessoas jurídicas de direito público. Isto porque à época da edição da Lei 1.533/51 imperava a noção de que cabia ao Parquet a representação judicial da União.

         Nesse diapasão vale mencionar o Decreto 848, de 1890, primeiro diploma legal que outorgou aos Procuradores da República o encargo de representar em juízo os interesses da União. A constituição republicana de 1891 foi silente nas atribuições do Parquet¸ mas a Lei 221/1849 repetiu aquela previsão legislativa, atribuindo-lhe a defesa dos interesses daquele ente federativo. Por seu turno, as constituições de 1934 (a qual previa a organização e divisão entre Ministério Público Federal e Estadual) e o texto constitucional de 1937 omitiram-se acerca da função representativa do Parquet. Pouco mais tarde, a constituição de 1946 consagrou definitivamente a função ministerial de defesa dos interesses da União postos em juízo, em seu art. 126.

         Deste modo, como o Ministério Público exercia o múnus da representação judicial da União, posto que longe estava a instituição da Advocacia Geral da União, poder-se-ia compreender a ratio legis da Lei 1.533/51, eis que incumbido de defender os interesses daquele ente federativo - o que se daria, em sede de mandado de segurança, logo após a apresentação das informações pela autoridade coatora. Isto porque, mais das vezes, era a própria União que arcaria com os ônus impostos pelas decisões proferidas em sede de mandado de segurança, quando a autoridade coatora fosse integrante do quadro daquela pessoa jurídica de direito público.

         Entretanto, alguns doutrinadores desvencilham as idéias acima exposta sob o argumento de que os interesses dos Estados não eram representados, à época, pelo Ministério Público. Sendo assim, não existiria supedâneo hábil a manter a justificativa da intervenção obrigatória do Parquet no intuito de apresentar defesa do ente federativo, confirmando-se então que a verdadeira intenção do legislador era de realmente forçar a intervenção ministerial em qualquer ação de mandado de segurança, independentemente do objeto versado na ação.

         Este é o posicionamento ofertado por alguns doutrinadores, a exemplo de Antônio da Costa Machado e Hely Lopes Meirelles, segundo o qual o "Ministério Público é oficiante necessário no mandado de segurança, não como representante da autoridade coatora ou da entidade estatal a que pertence, mas como parte pública autônoma incumbida de velar pela correta aplicação da lei e pela regularidade do processo.". Nesse ponto cabe a indagação: seria o Parquet incumbido de velar pela correta aplicação da lei e pela regularidade do processo somente em sede de mandado de segurança?

         Entendemos que, malgrado a natureza excepcional do mandado de segurança e de sua relevada importância como instrumento utilizado em face de arbitrariedades e contra atos eivados de abuso de poder perpetrados por autoridades públicas, não há razão para manter-se a obrigatória intervenção do Ministério Público quando aquela ação versar sobre direitos individuais disponíveis, a exemplo de questões patrimoniais envolvendo pessoas absolutamente capazes.

         Defender-se tese oposta é concordar com a intervenção ministerial em toda e qualquer ação judicial, dada a importância de tal instrumento em nosso ordenamento jurídico, haja vista que em qualquer demanda poderá sobreviver atos maculados por arbitrariedades ou abuso de poder emanados de autoridades públicas. Ademais, é função ministerial a defesa da ordem jurídica e a correta aplicação da lei, sempre. Todavia, defender a atuação do Ministério Público em toda e qualquer demanda judicial é inviabilizar a atuação do Parquet.

         Assim, não há como se sustentar a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público em todas as ações de mandado de segurança, o que só se imporia quando da presença de interesse jurídico passível de sua tutela, insculpido nos artigos 127 e 129 do atual texto constitucional.

         Ademais, o Código de Processo Civil disciplina, em seu artigo 82, a atuação ministerial como fiscal da lei, tão-somente quando da presença de interesse público, evidenciado pela qualidade da parte ou pela natureza da lide.

         Dever-se-á entender como "qualidade da parte" bastante a forçar a atuação fiscalizadora do Parquet situação em que, pela fragilidade exibida por um dos pólos da relação jurídico-processual, prima por uma tutela maior de seus interesses. É o caso de demanda envolvendo parte menor ou incapaz.

         Como causas que prescindem da atuação do Parquet em decorrência da "natureza da lide", podemos citar a ação popular e a ação civil pública, tendo em vista que as mesmas, por sua própria função, servem à defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade, ponto de encontro com as atribuições declinadas constitucionalmente ao Ministério Público.

         Assim sendo, tratando-se de causa que versa apenas sobre direitos individuais disponíveis, estando as partes devidamente representadas por procuradores aptos, revela-se completamente descabida a impertinente manifestação do Parquet, sejam as partes pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado. Este posicionamento é recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista que o Ministério Público recebeu importantes atribuições, a exemplo da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, ampliando geometricamente o seu âmbito de atuação.

         Dessa maneira, forçar-se a atuação do parquet em ações nas quais figuram partes absolutamente capazes e bem representadas, mesmo que em sede de mandado de segurança, destoa-se das funções delineadas ao Ministério Público pela atual lex mater, afastando-se do pálio da constitucionalidade.


Referências bibliograficas:

         CRETELA JÚNIOR, José. Comentários á lei do mandado de segurança. Rio de Janeiro: 1998. Editora Forense, 9ª edição.

         NIGRO MAZZILLI, Hugo. Introdução ao Ministério Público. São Paulo: 1997. Editora Saraiva.

         AGRÍCOLA BARBI, Celso. Madado de Segurança. Rio de Janeiro: 1993. Editora Forense, 7ª Edição.

         MACHADO, Antônio Cládio da Costa. A intervenção do Ministério Público no Precesso Civil Brasileiro. São Paulo: 1998, Editora Saraiva 1998


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Maíra Esteves. A intervenção do Ministério Público no mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3731. Acesso em: 8 maio 2024.