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A competência e o NCPC

A competência e o NCPC

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O artigo aborda de forma didática as novas disposições sobre jurisdição, competência, conexão entre ações e prevenção.

A competência e o NCPC

Tradicionalmente, o conceito de competência está relacionado a ser medida de jurisdição, no sentido de ser porção de jurisdição delegada a um certo órgão ou grupo de órgãos.

A jurisdição como atuação estatal visa à aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma crise jurídica e gerando com a composição da lide[1] a pacificação social.

No entanto, nem sempre haverá o conflito de interesses a ser resolvido e, segundo porque nem sempre haverá a atividade jurisdicional substituindo a vontade das partes.

Doutrinariamente a jurisdição pode ser analisada basicamente sob três aspectos distintos: poder, função e atividade.

Luiz Guilherme Marinoni aponta o conceito de jurisdição pode variar conforme a época e o tipo de Estado. Portanto, seja um Estado totalitário ou Estado democrático cada um irá possuir um conceito de jurisdição próprio.  Posteriormente, o ilustre doutrinador passou a examinar a jurisdição com base na sua aplicação pelo Estado e nos princípios constitucionais[2] principalmente em razão dos direitos fundamentais.

Afirmando que “a função jurisdicional é consequência natural do dever estatal de proteger os direitos o qual constitui a essência do Estado contemporâneo”. Enfim, trata-se de dever de tutela de direitos fundamentais. Mas também tem o dever de oferecer-lhe tutela jurisdicional conforme as necessidades derivadas da situação concreta.  Assim a jurisdição deve aplicar a lei na dimensão dos direitos fundamentais, fazendo sempre o resgate dos valores substanciais nestes contidos.

Já de acordo do Fredie Didier Jr., a jurisdição é (...) “a função de terceiro imparcial de realizar o direito de modo imperativo, criativo, reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível”.

A jurisdição é técnica de solução de conflitos por heterocomposição, por isso que o terceiro substitui a vontade das partes (substitutividade) e soluciona o conflito de interesses.

A jurisdição como poder exercente da função jurisdicional, produz a norma in concreto. Mas também não confundir o poder jurisdicional, função jurisdicional e a atividade jurisdicional. 

O poder jurisdicional não se limita a dizer o direito, mas também impor a satisfação, logo o poder do direito de materializar o direito positivo.

A jurisdição enquanto poder, é dependente do Estado organizado e forte suficiente para interferir na esfera jurídica de seus cidadãos.

Assim, a jurisdição se ocupa da aplicação da norma jurídica ao caso concreto que deve se dar à luz dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais de justiça[3].

Como função trata-se de encargo constitucionalmente conferido ao Poder Judiciário embora não seja uma função privativa.   Já como atividade a jurisdição é o complexo de atos praticados pelo agente estatal investido da jurisdição no processo.

A função jurisdicional se concretiza por meio do processo[4]. Na condução em determinados sujeitos, investe em determinados sujeitos, como o juiz de direito, que por representar o Estado é igualmente chamado de “Estado-juiz”.

O art. 45 do NCPC prevê o procedimento para a hipótese de ingresso de ente federal em processo que tramite em outra justiça, e consagrando o entendimento já sumulado pelo Superior Tribunal da Justiça (Súmula 105) e que veio substituir o teor do art. 99, parágrafo único do CPC/73.

Assim caso haja a intervenção como parte ou terceiro interveniente da União, empresa pública, autarquia e fundação federais e conselhos de fiscalização da atividade profissional em processo tramitando em “outro juízo” gera a remessa dos autos ao juízo federal competente.


As exceções se referem à recuperação judicial e falência, insolvência civil e acidente do trabalho que continuam na Justiça Estadual, e nas ações que tramitarem perante a Justiça Eleitoral e do Trabalho.

A redação peca por obscuridade quando menciona “outro juízo” em que tramita o processo para então consagrar a remessa dos autos para o juízo federal competente, podendo-se concluir que um juízo federal incompetente será considerado como “outro juízo”.

Outra face obscura da mesma redação refere-se à literalidade faz entender que sempre que um ente federal intervir no processo, mas naturalmente essa intervenção dependerá da decisão judicial.

O dispositivo legal ainda tem omissão referente à competência por delegação[5]. Tramitando o processo na justiça estadual em razão da competência por delegação[6], a intervenção de um ente federal não acarreta a remessa dos autos ao juízo federal, considerando que o juízo estadual nesse caso atua com competência federal.

O juízo competente, ao receber os autos, decidirá sobre o pedido de intervenção do ente federal. Com a acolhida da intervenção, a ação prosseguirá normalmente perante a vara federal.

Rejeitada a intervenção e sendo excluído o ente federal da demanda, não haverá aplicação do art. 109, I da CF/1988 ao caso concreto, não se justificando a manutenção do processo perante a justiça federal que retornará à justiça estadual, sendo nesse sentido que o art. 45, terceiro parágrafo do NCPC[7].

Em verdade, não haverá propriamente exclusão porque até que seja deferido seu pedido de ingresso na demanda, o ente federal não estará integrado à relação jurídica processual.

Há, ainda a hipótese de cumulação de pedidos, sendo o juízo estadual para um ou alguns dos pedidos, o pedido que for do interesse  do ente federal, não haverá remessa para o juízo federal, mas mera exclusão do pedido por meio de decisão interlocutória terminativa com fundamento na incompetência absoluta. Excepcionalmente, portanto, a incompetência absoluta assumirá a natureza peremptória.

Manteve o novo codex a continência prevista no art. 56, inclusive conceitualmente conforme previsto no art. 104 do CPC/1973. E terá como efeito a reunião dos processos.

Assim quando a ação continente tiver sido proposta anteriormente, o processo com relação à ação contida será extinto sem resolução do mérito, do contrário, as ações serão forçosamente reunidas.

Vige clareza na definição das circunstâncias que autorizam a reunião ou extinção de ações de continência, inclusive o legislador, asseverando-se com cautela de não permitir a extinção da ação contida pudesse facultar a “escolha” do juízo pelo autor, já que manteve a reunião das ações quando a ação contida seja de competência prevento[8]. Resta evidenciada a tendência do legislador em enfaticamente disciplinar o processo individual.

Posto que no processo coletivo a extinção não deva ser admitida, salvo se houver identidade do autor, o que raramente ocorre. Apesar de autores diferentes, mas defendem o mesmo direito e, por esta razão, são considerados no plano material com o mesmo sujeito, o que autoriza a continência.

E, desta forma, o único efeito aceitável é a reunião dos processos sob pena de ofender o princípio[9] da inafastabilidade da jurisdição[10] para o autor que tiver ação extinta.

A conexão não exige ações da mesma natureza sendo pacificado pelo S TJ a existência de conexão de ações de execução fiscal, com ou sem embargos, e a ação anulatória do débito fiscal com determinação da reunião das ações perante o juiz prevento para o julgamento simultâneo.

A conexão não exige ações da mesma natureza sendo pacificada pelo STJ a existência de conexão de ações de execução fiscal, com ou sem embargos, e a ação anulatória do débito fiscal com determinação da reunião das ações perante o juiz prevento[11] para o julgamento simultâneo.

A conexão é fenômeno processual que ocorre quando entre duas ou mais demandas houver a identidade de causa de pedir e pedido. Não se deve confundir a conexão com o seu efeito que é a reunião de processos perante um só juízo para julgamento em conjunto.

Convém ressaltar que no NCPC o conceito de conexão continua o mesmo, vide o art. 55, caput e, correspondente ao art. 103 do CPC/73 apesar da substituição do termo “objeto” por pedido, confirmando a interpretação do art. 103 feita pela balizada doutrina no sentido de que a identidade de pedido ou causa de pedir gera conexão.

Resta idêntico o efeito da conexão que é a reunião de ações conexas para decisão do juiz prevento. Há, contudo, que o CPC Buzaid refere-se que as ações seriam julgadas simultaneamente enquanto que o novo codex menciona “decisão conjunta” das ações.

Enfim, registre-se a mudança redacional conforme estatui o art. 58 do NCPC[12]. Entretanto, excepcionalmente o STJ vem admitindo o julgamento de ações reunidas por conexão em momentos procedimentais distintos, quando uma das ações já estiver em condições de decisão de mérito imediata e outra ainda demandar atividade jurisdicional para atingir o mesmo nível de desenvolvimento. Tal realidade não deve se modificar.

O primeiro parágrafo do art. 55 do NCPC prevê que não ocorrerá a reunião de processos de ações conexas, se um dos processos estiver sido sentenciado também se reconhecer a conexão entre execuções fundadas no mesmo título executivo.

Enunciado 235 do FPPC versa sobre a conexão que envolve a execução, mas como acertamento indicado o rol é meramente exemplificativo. Há também a possibilidade de conexão envolvendo o processo de execução ou o cumprimento de sentença além das hipóteses já consagradas em lei.

A novidade cinge-se a reunião dos processos mesmo não conexos, sempre que exista risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias, caso sejam separadamente (diferentes juízos), tal entendimento é aceito plenamente pelo STJ.

Há segundo entendimento pacífico do STJ um autêntico juízo de conveniência baseado em discricionariedade na reunião de ações conexas, mas deixando claro não ser obrigatória reunião no caso concreto.

Conclui-se que a reunião de ações conexas ou não conexas, mas que gerem risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso seja decididas por diferentes juízos, continua a não ser obrigatória, dependendo sempre de uma análise no caso concreto, onde o STJ identifica a discricionariedade judicial[13].·.

O art. 62 do NCPC prevê a competência em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes, o que torna inviável a modificação de competência estabelecida por lei. O que é ratificado pelo art. 54 do NCPC que expõe que a competência absoluta não pode ser modificada.

Portanto, o alcance da cláusula de eleição de foro[14] resta restrito à competência em razão do valor e do território[15] (que normalmente são relativas).

Manteve-se a redação dada ao art. 111, caput do CPC/73, o que é lamentável. E, atualmente a competência em razão do valor, só tem aplicação nos Juizados Especiais e nos foros regionais e central.

E, nesses casos, a competência é absoluta. Deveria, portanto o legislador desmistificar essa noção de que a competência pelo valor da causa seja relativa, daí a insistente redação do referido dispositivo constituir um equívoco.

Em boa hora o novo codex estipulou que juízo prevento é o do primeiro registro ou da primeira distribuição da petição inicial, o art. 238 que disciplina os efeitos da citação, exclui como efeito desse ato processual.

A prevenção é relevante fenômeno processual que se dá quando existirem duas ou mais ações conexas, havendo a reunião dos feitos perante um único juízo, para que neste seja proferida a decisão final sobre todas.

O art. 43 do NCPC reprisa o princípio[16] esculpido no art. 87 do CPC/73 mas traz bônus redacional quando afirma que não se perpetua a incompetência absoluta.

O cabimento de conflito de competência previsto no art. 115 do CPC/73 que fora praticamente repetido pelo art. 66, caput do NCPC sendo três as possibilidades de conflitos de competência.


Sendo positivo haver a exigência de que, para que exista o conflito, não bastam, dois juízes se considerarem incompetentes, mas que haja apontamento recíproco de competência.

Elogiável o art. 66, II do NCPC ao exigir que, para a constituição de conflito de competência, que os juízes se reputem incompetentes e atribuam ao outro, a competência.


O MP não terá mais intervenção obrigatória nos conflitos de competência no julgamento. O prazo para a manifestação do MP é de cinco dias e, mesmo sem a devida manifestação do parquet[17], o processo seguirá seu andamento.

Aliás, seguindo o exemplo já positivado para o mandado de segurança conforme o art. 12, parágrafo único da Lei 12.016/2009. Não se trata de prazo próprio[18], ou seja, daqueles que acarretam preclusão temporal, e não parece ser legítimo o desprezo à opinião do MP mesmo que oferecida a destempo.

O julgamento do relator que antes tinha como fundamento apenas a jurisprudência predominante pelo NCPC, passa a ser fundado em súmula do STF ou STJ e do próprio tribunal, além de tese firmada em julgamento repetitivo ou em incidente de assunção de competência.

Merece crítica a disciplina dada ao conflito de competência posto que a omissão quanto à oitiva das partes, rompe com a noção de contraditório participativo, posto que os litigantes sejam diretamente afetadas pela decisão a ser exarada pelo juízo competente.

De fato, no Brasil vivenciamos uma crise de referência normativa[19] juntamente com o hábito de ainda se interpretar o Direito em conformidade com os tradicionais métodos de interpretação. Assim, a súmula vinculante acena com limitação voluntária a atividade do juiz brasileiro que permanece instalado numa ambiente cultuado pelo poder.

Mas, em verdade, pretende-se ocultar uma questão mais gravosa que é relativa ao excessivo número de processos em tramitação na justiça brasileira e a deficiência gritante do ensino jurídico brasileiro, basta que consultemos os índices baixos de aprovação dos Exames da OAB.

De qualquer modo, o novo CPC traz um engajamento maior com a celeridade e efetividade processual, sem abrir mão da segurança jurídica além de conferir merecida homenagem aos precedentes jurisprudenciais e ao labor do judiciário brasileiro.

Referências

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense.  São Paulo: Método, 2015.

SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 3ª edição. Niterói: Impetus, 2014.

MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil. Comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.


[1] O que acarreta analisar o processo sob diferentes prismas: O processo compreendido como método de criação de normas jurídicas; o processo compreendido como teoria do fato jurídiçao e o processo considerado como efeito jurídico. No entanto, para o processo civil, o que importa é a confecção de processo como método de exercício da jurisdição.

O processo é espécie de ato jurídico e deve ser analisado a partir do plano da existência dos fatos jurídicos. O processo encarado como efeito jurídico, situa=se no plano de eficácia dos fatos jurídicos.

Todo processo traz: uma situação jurídica carecedora de tutela. Situação jurídica: pode ser chamada de direito material processualizado. Situação jurídica substancial afirmada (é o direito material, na linguagem mais frequente). Desse modo, a separação entre “direito” e “processo” ocorre apenas para estudo científico e didático, já que não pode implicar em um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela.

Processo: (i) deve ser compreendido, estudado e estruturado tendo em vista a situação jurídica material; (ii) o processo serve de instrumento de tutela tendo em vista a situação jurídica material. Essa abordagem metodológica levou o processo à chamada fase do instrumentalismo (sua principal virtude foi estabelecer a ponte entre o direito processual e o direito material, sem qualquer hierarquia entre os dois).

Calmon de Passos: “Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com a sua função, que é a de emprestar efetividade às normas materiais”. Isso é extremamente importante (essa relação entre direito material e processual), sem a qual, não se pode entender: a) causa de pedir; b) conteúdo da sentença e coisa julgada; c) intervenções de terceiro; d) defesas do demandado; e) princípio da adequação do processo; f) condições da ação; g) direito probatório; h) peculiaridades do processo coletivo etc.

Fredie Didier Jr.: “É impossível compreender esses temas sem analisar a relação que cada um desses institutos mantém com o direito material processualizado”. Em suma: a relação que se estabelece entre o direito material e o processo é circular (“O processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servidor por ele”).

O direito material sonha; o processo concretiza perfeitamente o máximo possível esse sonho. Instrumentalidade do processo: segue a premissa de que o direito material coloca-se como o valor que deve presidir a criação, a interpretação e a aplicação das regras processuais. 

[2] A doutrina constitucional brasileira, ao enfatizar a importância dos princípios para a aplicação do direito, supõe estar distanciada da forma de aplicação/interpretação legalista do direito. Todavia, na realidade, o culto aos princípios disfarça tão somente uma nova configuração de paradigma. Segundo aduz Napoleão Nunes Maia Filho, "a compreensão da natureza dos princípios deverá sempre prestigiar a sua função conformadora do sistema de direito positivo, entendendo-se que servem sobretudo a uma finalidade macrojurídica e essencialmente regradora".   Cabível, pois, concluir que se antes o eixo era o texto legal, hoje foi ele substituído pela Constituição, vista isolada ou retoricamente com o auxílio dos princípios. Aliás, é verificada tendência de substituir tais parâmetros por outro: a decisão judicial, o direito dos precedentes, sem atenção para o que  ocorre nos países de origem desses institutos.

[3] Os delineamentos jurídicos da justiça social requererm um sistema normativo aberto composto de princípios e regras. A norma jurídica entendida como proposição vinculativa institucionalizada, que estatui uma hipótese à qual imputa uma consequência jurídica e que funciona como critério de decidibilidade constitui, em outros termos, gênero em relação às espécies dos princípios e das regras.

Tais princípios se assemelham em estrutura lógica, às chamadas normas programáticas, ao passo que as regras se apresentam sob a forma tradicionalmente atribuída às demais normas de Direito em sentido mais amplo.

As regras contêm a descrição de uma hipótese fática e a sua qualificação prescritiva que pode ser amparada ou não por uma sanção. Os princípios, ao contrário, não se dirigem à hipótese específica da qual decorre certa consequência jurídica.

Já os princípios são mandados de otimização, ou seja, normas que ordenam algo que deva realizar-se na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

 Isto é, a aplicação de cada princípio submete-se aos condicionamentos da realidade e às contingências resultantes do convívio eventualmente conflitante com outros princípios. O conflito entre princípios, aliás, resolve-se pelo critério do maior peso axiológico, o que permite um equilíbrio entre os valores preponderantes em determinado tempo e espaço e os interesses em jogo. No caso das regras, a sua convivência é antinômica, isto é, excluem-se segundo o critério da validade.

[4] A justiça é um dos valores constantes do Preâmbulo da Constituição e supremo da sociedade, assim como a harmonia social e a liberdade. Também é um objetivo fundamental da república brasileira a construção de uma sociedade que seja justa, sendo meta a promoção da justiça social. Que consta estatuída nos arts. 170 e 193 do texto constitucional vigente, referente aos princípios gerais da atividade econômica e das disposições gerais da ordem social. Muito embora o ordenamento jurídico brasileiro não exprima categoricamente o conteúdo da expressão justiça social, que pode ser obtido pela interpretação dos próprios dispositivos constitucionais.

[5] A competência tributária é, em regra, indelegável, somente podendo ser diferente mediante previsão Constitucional. Assim é que, matéria disciplinada pela Constituição delimita os poderes da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios para instituir tributo, descrevendo, legislativamente, sua hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e sua alíquota. Somente as pessoas políticas têm competência tributária. Isto se deve ao fato de que somente elas possuem Poder Legislativo com representação própria.

Delegação de atribuições e funções tributárias não se confundem com a delegação de competência tributária. É curial que qualquer dos entes públicos pode delegar certas funções tributárias (dentre elas de arrecadação, fiscalização e, inclusive, cobrança judicial) sem que isto possa significar delegação de competência tributária, pois não está em causa a instituição de tributos.

[6] A delegação é a transferência da atribuição jurisdicional de um juízo para o outro. Poderá ser externa – se essa transferência ocorre em juízos diferentes (Ex: cartas precatórias citatórias – art. 353, CPP) e instrutórias, para interrogatório de testemunhas (arts. 222 e 224, CPP); ou interna – na qual não há alteração de juízo, ocorrendo, consequentemente, dentro do mesmo juízo (Ex: juízes auxiliares e substitutos do juiz titular).

[7] A Comissão Legislativa do Senado Federal que elaborou o Projeto de Lei nº 166/2010 (novo Código de Processo Civil) defendeu a unificação desses critérios no seu artigo 44, passando a prever que em qualquer caso o “despacho que ordenar a citação torna prevento o juízo” (grifo meu). Assim, os artigos 106 e 219 do vigente Código de Processo Civil, e suas respectivas previsões legais, seriam substituídos por um único artigo e consequentemente, por um único critério de prevenção.

[8] Prevenção consiste na fixação da competência de um juízo em face de outro, quando ambos forem competentes. É uma forma de preferência conferida a um desses juízos. Explica Cândido Rangel Dinamarco que: “Prevenção é a concentração, em um órgão jurisdicional, da competência que abstratamente já pertencia a dois ou vários, inclusive a ele. Podendo a causa, ou causas, ir ter a qualquer desses juízes potencialmente competentes, por algum modo ficam os demais excluídos e resta competente só aquele a quem a atividade tiver sido concretamente atribuída. O latim proe-venire significa chegar antes: o juiz que chegou primeiro, recebendo a causa ou o recurso, considera-se prevento.

[9] Os valores, assim como os princípios, podem colidir, porém, como é impossível uma ordenação hierarquizada rígida de valores ou de princípios para todos os casos que defina os limites e âmbito de aplicação dos direitos fundamentais, uma ordenação flexível se mostra viável e necessária. Esta pode surgir de preferência prima facie em favor de determinado princípio ou valor ou de decisões concretas sobre preferências, ambas ligadas ao conceito de ponderação. ·.

[10] Já o princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional diz que nenhum juiz poderá subtrair-se do exercício da função jurisdicional. Outrossim, este princípio determina que o legislador não poderá produzir leis que restrinjam o acesso ao Poder Judiciário (art.5º, XXXV, CF/1988).

[11] Art. 59. O registro ou distribuição da petição inicial torna prevento o juízo.

[12] Art. 58.  A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente. Art. 53 NCPC. É competente o foro: III – do lugar: e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto; f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício; V – de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

[13] O paradigma procedimental só parece fortalecer a democracia na medida em que é acompanhado de mecanismos reais de ampliação da presença dos cidadãos dentro do Judiciário e do fortalecimento de instâncias capazes de dividir o poder de determinação do conteúdo do texto constitucional (como uma Corte constitucional não exclusivamente pertencente ao Judiciário). Cabe ainda observar que esse papel pretendido de guardião dos ideais republicanos encontra-se nas mãos de um corpo bastante fechado, pouco transparente nos seus procedimentos internos, distante da participação dos cidadãos, com formas de recrutamento e ascensão na carreira sujeitas a um filtro ideológico e a uma análise do perfil de atuação. A juridicização do debate democrático ou a mediação judicial da expressão da soberania popular podem acarretar, dependendo do contexto de cada país, um verdadeiro risco para a democracia.

[14]  Por outro lado, em se tratado de relação de consumo, a cláusula de eleição de foro, poderá ser declarada nula de ofício, levando-se em conta o caráter impositivo das leis de ordem pública, no âmbito da lei consumerista, desde que haja abuso da cláusula contratual que estipula o foro para futura e eventual contenda entre as partes, subentendida como aquela que efetivamente inviabilize ou dificulte a defesa judicial do consumidor, ainda mais porque, nesses casos, a competência do juízo em que reside o consumidor é tida como absoluta.

[15] A competência dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais foi recepcionada pela lei 9099/95 no artigo 3º, estabelecendo como critérios o valor e a matéria. O referido artigo estabelece que os Juizados Especiais Estaduais têm competência para processar e julgar as causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: nas causas cujo valor não exceda 40 vezes o salário mínimo, nas causas enumeradas no artigo 275 II do Código de Processo Civil qualquer que seja o valor e nas ações de despejo para uso próprio e nas ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 salários mínimos.

Podemos afirmar, não sem certa ousadia, que se fosse adotada o critério de competência mista dos Juizados Especiais, em face da própria Lei Maior artigo - 24 X e XI – a Justiça Comum talvez pudesse ser pouco mais célere, já que, observadas as causas tramitadas e julgadas na Justiça Comum, muitas ações teriam pleno cabimento para serem processadas e julgadas nos Juizados Especiais Cíveis, porém, por se tratar de competência relativa pela maioria dos doutrinadores e consagrada pela prática e jurisprudência, muitas dessas causas são tramitadas na Justiça Comum, ajudando ainda mais a crise do Judiciário no que diz respeito à morosidade processual.

[16] Trata-se do princípio da perpetuatio iurisdictionis, ou da inalterabilidade da instância, segundo a qual a competência é fixada com base na formulação da demanda (art. 87); a alienação da coisa ou do direito litigioso não altera a legitimidade das partes, permanecendo elas titulares do direito posto em juízo e não suprimindo o interesse processual (art. 42); e a vedação de alteração do pedido ou da causa de pedir, após haver a citação válida do réu (art. 264).

São cuidados que o legislador tomou para garantir a estabilidade da relação jurídica e, por via reflexa, obrigar as partes a agirem em conformidade com os princípios da lealdade processual e do contraditório e ampla defesa.

[17] A expressão “parquet”, que serve para se referir ao Ministério Público, tem origem francesa, haja vista que os procuradores do rei, antes de adquirirem a condição de magistrados e ter assento ao lado dos juízes, ficavam sobre o assoalho (parquet) da sala de audiências, e não sobre o estrado lado a lado à magistratura sentada.  Os registros históricos focalizam o Parquet como uma instituição milenar.

Para alguns, a Instituição precursora do Ministério Público remonta à civilização egípcia, há mais de quatro mil anos, representada pelo magiaí – funcionário real no Egito. Na Grécia Clássica, os estudiosos buscam os traços iniciais da Instituição, nos éforos de Esparta e nos thesmotetis ou tesmótetas (espécie de servidor judicial, religioso e militar, cuja atribuição principal era vigiar, pela aplicação correta das leis, um magistrado encarregado de administrar a justiça).

[18] Leciona Cândido Rangel Dinamarco que "a teoria dos prazos está intimamente ligada à das preclusões, porque, máxime num sistema de procedimento rígido como é o brasileiro, sua fixação visa na maior parte dos casos a assegurar a marcha avante, sem retrocessos e livre de esperas indeterminadas".

Continua o mestre dizendo que "nem todos os prazos são preclusivos, ou próprios: existem também os prazos impróprios, destituídos de preclusividade. São impróprios todos os prazos fixados para o juiz, muitos dos concedidos ao Ministério Público no processo civil e quase todo os que dispõem os auxiliares da justiça, justamente porque tais pessoas desempenham funções públicas no processo, onde têm deveres e não faculdades – seria um contrassenso dispensa-las do seu exercício, como penalidade (penalidade?) pelo não exercício tempestivo". Nelson Nery afirma que prazos próprios são aqueles "fixados para o cumprimento do ato processual, cuja inobservância acarreta desvantagem para aquele que o descumpriu, consequência essa que normalmente é a preclusão". Para o autor "prazos impróprios são aqueles fixados na lei apenas como parâmetro para a prática do ato, sendo que seu desatendimento não acarreta situação detrimentosa para aquele que o descumpriu, mas apenas sanções disciplinares. O ato praticado além do prazo impróprio é válido e eficaz". A diferença fundamental entre ambos está em que, nos prazos próprios, o descumprimento do ônus processual de praticar determinado ato implica conseqüências processuais típicas. Já os prazos impróprios não acarretam conseqüências processuais, mas disciplinares, conforme dispõem os artigos 194 e 198 do CPC/73 (aplicáveis, respectivamente, aos serventuários e aos juízes).

[19] A doutrina contemporânea debruça-se com árdua tarefa de construir novos modelos interpretativos. Abandona-se deliberadamente o discurso hostil e egoísta que apontava a incompatibilidade axiológica entre o texto positivado e a ordem pública constitucional. Afinal, há de se extrair do elemento normativo todas suas potencialidades e compatibilizando-o, a todo custo, à Constituição Federal vigente. Tal mudança de perspectiva exige pensamento permanentemente crítico na busca da máxima eficácia social.


Autor

  • Gisele Leite

    Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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