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Da possibilidade de previsão de juros moratórios mensais superiores a um por cento ao mês e 12% ao ano em condomínios edilícios

Da possibilidade de previsão de juros moratórios mensais superiores a um por cento ao mês e 12% ao ano em condomínios edilícios

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Análise da viabilidade jurídica da previsão de juros moratórios acima de 12% ao ano em Condomínios Edilícios para as hipóteses de inadimplência de cota condominial. Forma de instrumentalização e legalidade da previsão.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DA POSSIBILIDADE DE PREVISÃO DE JUROS CONVENCIONAIS SUPERIORES A 1% AO MÊS; 3. DA NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL; 4. DA CONCLUSÃO. 5. BIBLIOGRAFIA.

1. INTRODUÇÃO.

O Direito Condominial, ramo especializado e autônomo da Ciência Jurídica, tem como noção fundamental o estudo das regras sobre o uso normal de uma propriedade por mais de uma pessoa, durante um mesmo interstício temporal. 

Em outras palavras, diante de uma situação concreta uma determinada coisa [1] seja pertencente a mais de uma pessoa, o direito incidente sobre ela torna-se igualitário sobre o todo, mas individual sobre cada uma de suas partes.

Assim, partindo-se do ideal de co-propriedade, foi construída a noção de que cada condômino – expressão utilizada para denominar um dos proprietários - tem assegurada a sua determinada fração ou quota sobre a coisa.

Antes com sua previsão normativa na Lei Federal n. 4.591/64, a legislação condominial se tornou alvo de inúmeras modificações ao longo do tempo, sendo inserida no Novo Código Civil (Lei Federal 10.406/2002), quando do seu advento em 01 de Janeiro de 2013, se sobrepondo à antiga norma e passando a regular com louvável aperfeiçoamento os assuntos relacionados na matéria, inclusive no que diz respeito aos Condomínios Edilícios, que serão o alvo específico desse estudo, dentro do corte epistemológico dado ao tema.

Assim, sem olvidar das questões constitucionais, o Código Civil passou a ser o diploma principal da regulação temática, sendo as Convenções e Regimentos Internos Condominiais, documentos esses internos e particulares de cada Condomínio, assumido o papel de detalhamento específico dos direitos, deveres e obrigações específicas e das regras de relacionamento e de conduta de cada Condomínio.


2. DA POSSIBILIDADE DE PREVISÃO DE JUROS CONVENCIONAIS SUPERIORES A 1% AO MÊS.

Muito embora a riqueza de detalhes do Instituto, o introito apresentado não traz nenhuma novidade ou ponto de conflito hábil a sustentar uma tese monográfica, artigo ou qualquer pesquisa científica profunda.

Na verdade, as controvérsias aparecem quando analisadas as especificidades de cada ponto, e dentro da restrição temática do presente artigo, justificada pela identificação de aparente instabilidade doutrinária no assunto, foi escolhida a controvérsia acerca da viabilidade jurídica da previsão de juros moratórios acima de 12% (doze por cento) em Convenção Condominial.

Em outras palavras, o que se busca é a discussão sobre a possibilidade de um instrumento particular, in casu, a Convenção Condominial, este de caráter integrativo às regras do Código Civil em matéria sobre condomínios, estipule, dentro as suas regras deliberadas em assembleia, a previsão de juros moratórios superiores ao limite de 1% (um por cento) ao mês e 12% (doze por cento) ano, conforme previsto na legislação civilista.

Neste âmago e dentro do melhor método de análise do tema, passa-se ao exame da controvérsia à luz da legislação e sobretudo do Código Civil vigente, a partir da leitura e interpretação da norma positivada no art. 1.336, I do Código Civil, in verbis:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção

A norma trata, portanto, da hipótese da contribuição popularmente conhecida como "condomínio", principal obrigação imposta a todos os condôminos e decorrente da natureza diferenciada da propriedade em condomínio edilício, onde existem áreas de propriedade exclusiva dos condôminos (as unidades imobiliárias autônomas) e as áreas de propriedade comum.

Assim sendo, uma vez descumprido esse dever inerente ao condômino e razão da própria sobrevivência da estrutura condominial, a lei impõe determinadas sanções a este violador que restam previstas no mesmo artigo mencionado, porém no seu §1º, com a seguinte redação:

Art. 1.336, § 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Consoante se verifica, há a previsão textual de previsibilidade de juros moratórios, estes com função de verdadeira indenização pelo retardamento da obrigação de pagar quando identificada a culpa exclusiva do condômino pela mora. Neste particular, obviamente que os juros e multa moratórios são imposições legais incidentes sobre os casos de inadimplemento de obrigações em geral, principalmente as de ordem pecuniária, razão pela qual o legislador preferiu repetir regra que apesar de já constar no código civil em outros artigos, afasta qualquer dúvida quanto à aplicação dos juros moratórios para o condômino inadimplente com a taxa condominial, valor esse que é devido independentemente da alegação de prejuízo, consoante determina o Art. 407 do Código Civil, in litteris:

Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

Quanto ao percentual dos juros, a regra é que será aquele indicado na convenção do condomínio, visto que além de existir uma determinação legal nesse sentido, aquela representa uma verdadeira "lei" dentro do condomínio, que tem poder para determinar a percentagem de juros incidente independentemente de previsão legislativa. Regra reforçada pelo Art. 406 do Código Civil, que assim reza:

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Logo, considerando que a convenção preveja a taxa de juros, não haverá a aplicação da taxa de 1% (um por cento) ao mês. Do contrário, ou ainda no caso da convenção expressamente determinar a aplicação de juros, porém silenciar quanto a taxa incidente, essa será de 1% (um por cento) ao mês.

Nessa problemática paira, contudo, uma questão de ordem constitucional. No texto original da Constituição Federal de 1988, o Art. 192, que estabelecia os contornos gerais do Sistema Financeiro Nacional, mais precisamente o seu §3º, determinava que as taxas de juros reais, incluídas aí comissões e qualquer outra remuneração direta ou indiretamente referida à concessão de crédito, não poderiam ser superiores a doze por cento ao ano, sendo que a cobrança acima deste limite seria conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

Diante desta previsão, inúmeras foram as ações revisionais ajuizadas com o objetivo de que o valor dos juros fosse restabelecido até esse patamar. Limitação esta que era considerada universal e que abrangeria toda espécie de contrato.

Tal discussão, contudo, restou superada por força da Emenda Constitucional n. 40, editada em 29 de Maio de 2003, que revogou todos os incisos e parágrafos do mencionado Art. 192, derrubando a limitação de juros anteriormente existente de 12% (doze por cento) ao ano. Logo, a taxa de juros, desde então, passou a não está mais sujeita a um limite máximo, estando, portanto, sujeita à flutuação.

Essa previsão encontra amparo na jurisprudência, sobretudo após a edição da Emenda Constitucional 40, de 29 de maio de 2003, que revogou o §3º. do artigo 192 da Constituição Federal, que limitava os juros a doze por cento ao ano. Neste sentido a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Apelação Cível nº. 1.0024.06.255750-9/001, Apelante: Condomínio Edifícios Portland Seattle, Apelado: Keila Ribeiro Pinto, Des. Relator: Mota e Silva, DJ 17.03.09) e a Segunda Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (Apelação Cível 20070110064742APC, Apelante: Condomínio Jardim Botânico VI e outros, Des. Relator: Angelo Passareli, Ac. 351.814, DJ 27.04.09, pg. 74) tombaram seu entendimento no sentido de se reconhecer os juros estipulados na Convenção Condominial, em plena aplicação dos novos ditames normativos.

Em conclusão, com amparo no entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (vd. REsp 1002525/DF(Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 22/09/2010), entende-se perfeitamente possível a aplicação de juros reais de até 0,33% ao dia ou 10% ao mês em caso de retardamento no pagamento da cota condominial, ou seja, além do patamar de 1% ao mês, desde que haja previsão expressa na Convenção do Condomínio. Sendo que na ausência de cláusula expressa, ou no caso de Cláusula que silencia quanto percentual, este será de 1% (um por cento) ao mês e de 12% (doze por cento) ao ano.


3. DA NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL.

Muito embora a conclusão pela legalidade da previsão convencional de juros moratórios superiores ao patamar de 1% ao mês e 12% ao ano, vale ressaltar que não é qualquer instrumento coletivo que pode trazer tal estipulação, mas tão somente aqueles formalizados ou alterados após o advento do Código Civil de 2002 e com cláusula e quórum específicos neste particular. 

A bem da verdade, desde 2007, todos os condomínios brasileiros já deveriam ter as suas convenções alteradas, já que o novo Código Civil determinou, no seu art. 2.031, dispositivo genérico situado na parte final do Código, o prazo de quatro anos, contados de 01 de Janeiro de 2003, para que todas as alterações pertinentes fossem realizadas.

Apesar da obrigatoriedade e muito embora a falta de previsão de multa ou outra penalidade pela inobservância, as antigas convenções não foram revogadas como um todo, mas apenas foram automaticamente invalidados apenas aqueles artigos que contrariavam diretamente ou que não guardavam consonância com as regras do novo Código Civil. Portanto, se existia previsão anterior ao Código de 2002, a regra não mais prevalece.

Desta forma, além da revogação da regra anterior, prevista no art. 12,§3º da Lei Federal 4.591/64, de limitação de taxa de juro moratório a 1% ao mês, a nova ordem civilista determina a observância de um quórum mínimo de 2/3 dos condôminos proprietários em assembleia convocada somente com esta finalidade, conforme previsão do art. 1.333 e 1.351 do Código Civil, abaixo transcritas:

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.

Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.


4. DA CONCLUSÃO.

A previsão de juros moratórios acima do patamar legal encontra-se em perfeita adequação ao novo ordenamento jurídico civilista quando, no seu art. 1.336, revogou expressamente a regra antes prevista art. 12,§3ºda Lei Federal n. 4591/64 e facultou a sua modificação convencional em Assembleia Extraordinária, mediante a observância do quórum específico previsto nos arts. 1.333 e 1.351 do Código Civil.

Utilizado como meio de combate à inadimplência, tal permissividade encontra amparo no entendimento do Superior Tribunal de Justiça que parece ter pacificado seu posicionamento a respeito do tema, em que pese a resistência de alguns doutrinadores a respeito do assunto.

A Emenda Constitucional n. 40, editada em 29 de Maio de 2003 revogou todos os incisos e parágrafos do Art. 192, que estabelecia os contornos gerais do Sistema Financeiro Nacional e que, mais precisamente no §3º determinava que as taxas de juros reais, incluídas comissões e qualquer outra remuneração direta ou indiretamente referida à concessão de crédito não poderiam ser superiores a doze por cento ao ano, sendo que a cobrança acima deste limite seria conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

A limitação de juros anteriormente existente e na base de 12% (doze por cento) ao ano foi, portanto, derrubada, de forma que a taxa de juros, desde então, passou a não está mais sujeita a um limite máximo, estando, portanto, sujeita à flutuação.

Em conclusão, é perfeitamente legal a previsão de juros reais de até 0,33% ao dia ou 10% ao mês em caso de retardamento no pagamento da cota condominial, ou seja, além do patamar de 1% ao mês, desde que haja previsão expressa na Convenção do Condomínio, mas que depende de atualização da Convenção a este respeito.

Na falta de atualização ou na ausência de cláusula específica, permanece o limite legal de 1% (um por cento) ao mês e de 12% (doze por cento) ao ano, o mesmo podendo se falar em relação aos débitos vencidos antes da edição do novo Código Civil ou fundamentados em Convenção desatualizada e que se submetia ao anterior regramento. Para os Condomínios que adotaram o quórum qualificado e modificaram sua convenção neste sentido, prevalece o instrumento interno, sem que isso importe violação ou choque com o Código Civil.


5. BIBLIOGRAFIA.

NORAT, MARKUS SAMUEL LEITE, Condomínio Edilício - Doutrina, Pratica, Casos Concretos. 1ª Edição. São Paulo: Editora: EDIJUR, 2014.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª Edição. São Paulo: 2014.

SCAVONE JUNIOR, LUIZ ANTONIO. Direito Imobiliário - Teoria e Prática. 8ª Edição. São Paulo: Editora Forense, 2014.

TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil - Volume Único. 5ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2015.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional – Volume Único. 9ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2014.


Notas

[1] Expressão aqui utilizada no sentido técnico da palavra própria da disciplina jurídica dos Direitos Reais (Direito das Coisas).


Autor

  • Fábio Gouveia Carvalho

    Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Lisboa e graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador, Professor de Processo Civil no curso de Pós-Graduação da Faculdade Centro Universitário Estácio da Bahia e Professor titular da disciplina Direito Internacional Privado da Faculdade Ruy Barbosa de Salvador-Bahia. Assessor Especial na Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento do Estado da Bahia.

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