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A sonegação fiscal e a questão da prejucialidade da ação penal

A sonegação fiscal e a questão da prejucialidade da ação penal

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Resumo: o presente trabalho trata de questão ainda tormentosa no âmbito do Processo Penal Tributário, referente à prejudicialidade da denúncia nos crimes de sonegação fiscal, com abordagem crítica sobre posicionamento consagrado pelo STF em sua Súmula nº 609, passando, conseqüentemente, pela discussão acerca do princípio da independência das instâncias penal e administrativa.

Sumário: 1. Introdução: noções de sonegação, evasão e elisão fiscal. 2. Prejudicialidade e condição de procedibilidade. 3. A condição de procedibilidade descrita pela PEC nº 175-A da Câmara dos Deputados. 4. A questão da prejudicialidade da ação penal nos crimes contra a ordem tributária. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.


1.Introdução: Noções de Sonegação, Evasão e Elisão Fiscal

Versa a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, sobre os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

Nosso objeto de estudo, entretanto, restará circunscrito apenas ao exame da prejudicialidade da ação penal nos delitos praticados em detrimento à ordem tributária, mais conhecidos como crimes de sonegação fiscal.

Como é fácil de se observar, a Lei nº 8.137/90 não se preocupou em definir "sonegação fiscal", tarefa esta relegada à doutrina.

Neste sentido, Alexandre De Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio nos dão uma básica delimitação conceitual de sonegação, que, para eles, é a ocultação dolosa, mediante fraude, astúcia ou habilidade, do recolhimento de tributo devido ao Poder Público [1].

Ad argumentandum tantum, a sonegação de tributos às vezes poderá significar o mesmo que evasão fiscal, nunca se confundindo, porém, com outro instituto de Direito Tributário, denominado, por seu turno, de elisão fiscal.

De fato, seguindo os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, elisão fiscal é a conduta lícita, omissiva ou comissiva, do contribuinte, que visa impedir o nascimento da obrigação tributária, reduzir seu montante ou adiar seu cumprimento [2]. Não há, desta feita, conduta ilícita por parte do agente, seja administrativa, civil ou penal, mas, apenas, a não realização da hipótese de incidência tributária (seguindo-se expressão consagrada por Geraldo Ataliba), inexistindo condenação pelo direito em vigor.

Já na evasão fiscal temos uma situação de contrariedade à ordem jurídica positiva, isto é, a ação ou omissão do contribuinte surtirá efeitos administrativos ou penais negativos para si, em virtude da transgressão de norma de conduta, tal como a que exige a declaração de todos os rendimentos auferidos durante o exercício (ano-calendário) para fins de aplicação do imposto sobre a renda.

Por isso é que Carrazza corretamente enuncia ser a evasão praticada por aquele que, com o intuito de evitar ou reduzir tributo devido ou, mesmo, de adiar seu recolhimento, adota conduta (omissiva ou comissiva) que a ordem jurídica não abona [3].

Percebemos então, neste momento, que em muitos casos de sonegação ter-se-á delineada alguma situação evasiva de tributos, não sendo o contrário inteiramente verdadeiro, pois nem sempre a evasão fiscal poderá ser considerada delito contra a ordem tributária (restando, portanto, apenas a possibilidade de imputação na seara administrativa) sendo imperioso, todavia, para a materialização do crime descrito em lei, que a conduta praticada venha definida como fattispecie (tatbestand) penalmente reprovável.

Feitas estas considerações, passemos à análise do problema proposto para reflexão, concernente à questão da prejudicialidade da ação penal nos crimes de evasão ou sonegação fiscal.


2.Prejudicialidade e Condição de Procedibilidade

A fim de que dúvidas não pairem, identifiquemos, ab initio, as diferenças existentes entre questão prejudicial e condição de procedibilidade.

O Código de Processo Penal, em seus arts. 92 e 93, traz, respectivamente, duas espécies de questões prejudiciais: a obrigatória e a facultativa.

Haverá questão prejudicial obrigatória, segundo Julio Fabbrini Mirabete, quando a decisão sobre a existência da infração penal depender do reconhecimento do estado civil das pessoas [4].

A questão prejudicial facultativa, por outro lado, conforme desponta da leitura do art. 93, surgirá quando o juiz perceber que o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre qualquer outra querela que não diga respeito ao estado civil das pessoas, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la.

No primeiro caso está o juiz obrigado a suspender o processo-crime; no segundo, a lei lhe atribui facultatividade, desde que a questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite.

Claramente se vê, portanto, que a prejudicialidade, seja ela facultativa ou obrigatória, diz respeito a questão de direito material, e não processual.

Distanciando-se do conceito de questão prejudicial, que envolve, como vimos, assunto de direito material, a condição de procedibilidade da ação penal possui natureza eminentemente processual.

Condição de procedibilidade é a circunstância jurídica que, enquanto subsistente, torna sobrestado o jus persequendi in juditio pertencente ao Ministério Público, realizável por intermédio de denúncia (CF, art. 129, I).

No Direito Penal Tributário Espanhol, é considerada condição de procedibilidade a representação dos agentes fiscais (delegados de hacienda) ao Ministério Público (chamado de Ministerio Fiscal), se não, vejamos:

Por no poder constituir autónomamente objeto de um proceso extrapenal, la jurisprudencia del TS, respecto de la denuncia de los Delegados de Hacienda Pública (...) ha entendido que tal denuncia constituía una condición objetiva de perseguibilidad y carecía del carácter prejudicial pues, que en absoluto se establece en dichos preceptos una cuestión prejudicial administrativa, ya que en ningún sitio se dice que previamente a la actuación judicial es preciso que las actuaciones administrativas hayan adquirido firmeza y no son cuestiones prejudiciales jurisdiccionales [5].

Em nosso direito positivo existe previsão legal bastante similar a esta do direito ibérico, inserida no art. 83 da Lei nº 9.430/96:

A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Diante da redação deste artigo, chegou-se a entender, com razoável carga de proporcionalidade, que o Brasil acabara de adotar critério especial de admissibilidade das ações penais nos crimes contra a ordem tributária, necessitando-se, para o seu exercício, da prévia representação fiscal ao Ministério Público, após decisão final proferida na seara do processo administrativo.

Malgrado a vastidão de opiniões favoráveis, a tese não vingou, sufragando a jurisprudência o entendimento de que a conclusão do procedimento administrativo não constitui condição de procedibilidade para a ação penal, sendo independente a instância jurisdicional penal da administrativa.

Estes são, em suma, os pontos diferenciadores entre questão prejudicial e condição de procedibilidade da ação penal.


3.A Condição de Procedibilidade Descrita pela Proposta de Emenda à Constituição nº 175-A da Câmara dos Deputados

Em artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 93, de agosto de 2000 (A Inconstitucionalidade do Encerramento do Processo Administrativo Fiscal como Condição de Procedibilidade Para o Exercício da Ação Penal), os juristas Francisco Bissoli Filho e Gustavo Wiggers lembram que está em tramitação, perante a Câmara dos Deputados, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) cujo teor aponta para séria mudança a ser empreendida no § 4º do art. 145 da Constituição Federal, o qual transcrevemos a seguir, in litteris:

Ninguém será processado penalmente antes de encerrado o processo administrativo tributário que aprecie a matéria da denúncia.

O comando constitucional que se quer inserir encerra importante regra de procedibilidade da ação penal nos delitos praticados contra a ordem tributária, vinculando o poder-dever de denúncia pertencente ao Ministério Público à prévia conclusão de processo administrativo no qual estejam sendo discutidas as questões que seriam tratadas no âmbito jurisdicional.

A pergunta que se faz neste momento, então, é a seguinte: seria inconstitucional tal dispositivo? Pode o legislador constituinte derivado inovar o ordenamento jurídico com tal proposição?

Os autores do artigo antes referido defendem que há inconstitucionalidade por violação aos princípios da igualdade, da separação dos poderes e independência das instâncias, da inafastabilidade da apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça ao direito, e da moralidade administrativa.

Apontam, também, que os crimes contra a ordem tributária são de ação penal pública incondicionada, para a qual somente se exige a prova da materialidade e indícios da autoria para a sua deflagração pelo promotor de Justiça, indicando, em seguida, pensamento estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal por intermédio da Súmula nº 609: É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal.

Com a devida licença, contudo, somos obrigados a discordar dos argumentos apresentados pelos colegas catarinenses. A questão envolve raciocínio lógico e a aplicação interdisciplinar do Direito Tributário com o Direito Penal, exigindo verdadeira imbricação de uma matéria sobre a outra. Diante de tal assertiva é que então propugnamos: como pode haver delito de sonegação fiscal (o qual exige, para sua configuração, o dolo específico de suprimir ou reduzir tributo), sem que a própria autoridade competente tenha afirmado, mediante o devido processo administrativo, se há tributo a ser recolhido, ou mesmo se a hipótese de incidência foi efetivamente transformada em fato gerador da obrigação tributária? Onde estaria comprovada a materialidade do crime sem a prova da existência da exação devida? Como fica a segurança jurídica do contribuinte, colocado numa situação em que é acusado na esfera penal, sem ao menos haver crédito tributário constituído contra si? Por que ao contribuinte deve ser dado tratamento penal distinto dos demais acusados, contra os quais deve ser anexada, com a denúncia, a prova da existência do crime? Não conseguimos aceitar um absurdo destes.

O Estado não pode se utilizar da ação penal para coagir o devedor a recolher tributos antes mesmo de contestar sua existência, o seu lançamento, enfim, todos os procedimentos que englobam a formação da obrigação e do crédito tributário.

Não há que se falar em afronta ao princípio da independência das instâncias. Definitivamente, não é disto que estamos tratando. O que defendemos é que, para o recebimento da denúncia, exija-se, necessariamente, a prova da existência material do delito, pois, do contrário, deverá a peça inicial ser rejeitada, com base no art. 43, I, do CPP, verdadeira condição de procedibilidade da ação penal. Havendo recalcitrância por parte do juiz de primeiro grau, concederá o Tribunal, aplicando-se o art. 648, I, do Código de Ritos, ordem de habeas corpus para o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, relatora Juíza Sylvia Steiner, contrariando a errônea interpretação que se tem feito da Súmula 609 do STF (muitos nela se baseiam para pregar a aplicação genérica do princípio da independência das instâncias administrativa e penal), assim se manifestou, servindo o aresto de ótima lição sobre a temática explorada:

"EMENTA: HABEAS CORPUS – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – CRIME DE OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – AUTOS DE INFRAÇÃO ANULADOS POR DECISÃO JUDICIAL – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA – ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR-SE A AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

1 – Se a denúncia arrima-se tão somente em Autos de Infração lavrados pela fiscalização autárquica, e se tais Autos de Infração foram anulados por decisão judicial, inexiste prova da materialidade delitiva.

2 – O princípio da independência das instâncias administrativa e penal não autoriza a que se impute ao contribuinte a prática de crime de natureza fiscal antes mesmo de a Administração proceder a regular apuração da existência do débito, ou quando nulo o procedimento administrativo de que resultou a lavratura do Auto de Infração.

3 – Ordem concedida para determinar-se o trancamento da ação penal."

(TRF 3ª Região, HC 96.03.060711-8, rel. Juíza Sylvia Steiner, DJU 09.10.1996)

No mesmo sentido, o TRF da 5ª Região já se cansou de julgar:

"EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA TRANCAR AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90, ART. 1º, I A IV. INIDONEIDADE DAS PROVAS COLIGIDAS NA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA FISCAL, CONFORME PRONUNCIAMENTOS DO 3º CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE A CONDUTA INDIVIDUAL DE CADA UM DOS ACRIMINADOS. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. É ADMISSÍVEL O USO DO HABEAS CORPUS COM O FITO DE OBTER-SE O TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, QUANDO A MATERIALIDADE DELICTIVA NÃO FOI PREVIAMENTE APURADA, TRATANDO-SE DE CRIME CUJA EXISTÊNCIA DEPENDE DESSA APURAÇÃO, QUAIS OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.

2. A DENÚNCIA PARA IMPUTAÇÃO DE CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA NACIONAL, CONSISTENTE EM REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DE TRIBUTO, MEDIANTE DIVERSAS CONDUTAS FRAUDULENTAS (LEI 8.137/90, ART. 1º, I A IV), DEPENDE INDISPENSAVELMENTE DE PRÉVIA DECISÃO DEFINITIVA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA FISCAL COMPETENTE, SOBRE OS FATOS A SEREM NELA ARTICULADOS, TANTO PARA APURAR A MATERIALIDADE OBJETIVA DOS DELITOS COMO PARA ENSEJAR A AMPLA DEFESA DO ACUSADO (ART. 5º, LV DA CF), INCLUSIVE OPORTUNIZANDO AO INFRATOR A POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, PELA SOLVÊNCIA VOLUNTÁRIA DO ENCARGO TRIBUTÁRIO (LEI 9.249/95, ART. 34).

3. SE A PEÇA DENUNCIATÓRIA NÃO DESCREVE A ALEGADA PARTICIPAÇÃO DO AGENTE NA CONSUMAÇÃO DOS FATOS DELITIVOS QUE RELATA, SENDO DE ELABORAÇÃO GENÉRICA, QUANTO À TIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA, IMPÕE-SE A SUA INACEITAÇÃO, MESMO QUE SE TRATE DOS CHAMADOS CRIMES DE AUTORIA COLETIVA OU SOCIETÁRIOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.

4. ORDEM CONCEDIDA."

(TRF da 5ª Região, Apelação Criminal 1728/PE, rel. Juiz Araken Mariz, DJU 24.09.1999)

Nesse passo, não vemos, por hora, como reputar inconstitucional o texto da reforma que se quer implantar no art. 145 da CF.


4.A Questão da Prejudicialidade da Ação Penal nos Crimes Contra a Ordem Tributária

Vimos que condição de procedibilidade e prejudicialidade são elementos que nos permitem afirmar se determinada ação será processada (condição de procedibilidade) ou se seu andamento será objurgado (prejudicialidade).

De modo perfunctório, analisamos também a PEC cujo objetivo é adicionar, ao art. 145 da CF, condição de procedibilidade à ação penal baseada em crimes de sonegação fiscal, quando ainda não houver decisão final em processo administrativo tributário que cuidar da mesma matéria.

Neste tópico, trataremos da prejudicialidade da denúncia nos crimes cometidos contra a ordem tributária, especialmente os definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90.

Os crimes fiscais sob exame, seguindo-se tradicional classificação doutrinária, são, em sua totalidade, materiais.

Delitos materiais, segundo Celso Delmanto, Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Junior, são aqueles em que a lei descreve a conduta do agente e o seu resultado (efeito natural) que consuma o crime [6].

Destarte, porquanto exigível pela norma jurídica penal a supressão ou redução efetiva do tributo, mediante a série de condutas que elenca, é que podemos afirmar acerca da materialidade dos crimes contra a ordem tributária.

Portanto, se o resultado previsto no tipo não é comprovado pelo MP quando da ocasião da propositura da ação penal, rejeitará o juiz a denúncia. Não o fazendo, e impetrado habeas corpus, é de bom alvitre que o Tribunal competente conceda a ordem, por falta de justa causa, exatamente como estudado no item anterior. Teremos, então, a ação trancada por falta de preenchimento de condição de procedibilidade da denúncia intentada.

Nelson Bernardes De Souza, juiz federal no Estado de São Paulo, em ensaio publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 18 comunga de idêntica linha de raciocínio, afirmando que:

Ninguém há de duvidar que as autuações fiscais não passam de um lançamento provisório e que, entretanto, estão a autorizar o início de ação penal. Como então ter-se como comprovado o delito contra a ordem tributária tão somente com base na autuação fiscal, que não passa em última análise de um lançamento provisório? Na esteira dessas lições pode-se concluir facilmente que só o lançamento definitivo trará a demonstração da materialidade delitiva; se constituirá no corpo de delito, já que é ele que corporifica o resultado supressão ou redução de tributo ou contribuição social. Pode-se afirmar, sem receio de engano, que o lançamento definitivo poderá comprovar a não ocorrência da obrigação tributária e do correspondente crédito tributário, inexistindo, então, supressão ou redução de tributos ou de contribuições sociais; em suma, a não ocorrência de crime contra a ordem tributária [7].

Pois bem. Em tais casos não poderá a denúncia ser recebida, devendo ser trancado o processo-crime com fundamento na ausência de justa causa.

Diferentemente ocorrerá se, entretanto, no curso do processo penal, for invocada alguma questão prejudicial.

Na espécie, a única questão prejudicial passível de incidir durante o procedimento criminal apurador de prática de infração penal tributária será a facultativa, pois a obrigatória diz respeito tão-somente ao reconhecimento do estado civil das pessoas.

O estudo da prejudicialidade no âmbito da ação penal tributária não é de somenos importância, pois interfere diretamente na interpretação que se tem dado à Súmula nº 609 do STF.

De fato, como tem proficuamente alertado Hugo De Brito Machado,

A condição de procedibilidade concerne exclusivamente ao processo, enquanto a questão prejudicial diz respeito ao direito material. Questão prejudicial, no dizer preciso de Greco Filho, ‘é uma infração penal, ou uma relação civil cuja existência ou inexistência condiciona a existência da infração penal que está sob julgamento do juiz’. Constitui grave equívoco, portanto, a invocação da Súmula 609 do STF para fundamentar decisão que diz inexistente a questão prejudicial tributária, vale dizer, a questão de saber se existe, ou não, tributo devido, relativamente ao qual se deu a ação dita criminosa. Ou para fundamentar decisão que afirma irrelevante, no Juízo penal, a decisão da autoridade da Administração Tributária que julga improcedente a ação fiscal, afirmando indevido o tributo exigido [8].

Haverá questão prejudicial facultativa, v.g., quando, proposta denúncia por crime contra a ordem tributária, vem o denunciado ao Judiciário e ajuiza, no Cível, ação anulatória de lançamento. Nesta hipótese, por prudência, e em respeito aos dogmas de Direito Criminal e Tributário, é aconselhável que o magistrado aplique o art. 93 do CPP, suspendendo, por conseguinte, o processo, em razão da prejudicialidade que poderá abater a ação penal em trâmite (Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente).


5.Considerações Finais

Diante do exposto, podemos alcançar as seguintes conclusões:

a)não podem ser confundidas as questões prejudiciais (CPP, arts. 92 e 93) com as condições de procedibilidade da ação penal;

b)para que seja o contribuinte acusado de crime de sonegação fiscal é necessária a prova da existência do delito (CPP, art. 43, I);

c)não poderá o contribuinte ser acusado de crime contra a ordem tributária sem sequer o fisco haver se manifestado sobre a materialidade do tributo supostamente suprimido ou reduzido;

d)poderá o acusado impetrar habeas corpus para ver trancada ação penal desprovida de condição de procedibilidade; e

e)a prejudicialidade facultativa, no juízo penal tributário, configura-se a partir do momento em que, no cível, é proposta ação contestando a existência da infração penal tributária, ainda que indiretamente (como, por exemplo, na ação anulatória de lançamento que, se julgada procedente, acarretará o esvaziamento do processo criminal, por inexistência de responsabilidade penal a se apurar).


6.NOTAS

01. Legislação Penal Especial. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 90.

02. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 290.

03. Op. cit., p. 289.

04. Código de Processo Penal Interpretado. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 179.

05. CATENA, Víctor Moreno et al. El Proceso Penal: Doctrina, Jurisprudencia y Formularios. Vol. I. Tirant Lo Blanch: Valencia, 2000, p. 644

06. Código Penal Comentado. 4ª ed. São Paulo: Renovar, 1998, p. 18.

07. Crimes contra a Ordem Tributária e Processo Administrativo, p. 92/101.

08. Prévio Esgotamento da Via Administrativa e Ação Penal nos Crimes Contra a Ordem Tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 15, p. 231/239.


7.Referências Bibliográficas

Bissoli Filho, Francisco; Wiggers, Gustavo. Inconstitucionalidade do Encerramento do Processo Administrativo Fiscal como Condição de Procedibilidade Para o Exercício da Ação Penal. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, nº 93, agosto 2000.

Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

Catena, Víctor Moreno et al. El Proceso Penal: Doctrina, Jurisprudencia y Formularios. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2000, v. 1.

Delmanto, Celso; Delmanto, Roberto; Delmanto Junior, Roberto. Código Penal Comentado. 4ª ed. São Paulo: Renovar, 1998.

Machado, Hugo de Brito. Prévio Esgotamento da Via Administrativa e Ação Penal nos Crimes Contra a Ordem Tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 15.

Mirabete, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1997.

Moraes, Alexandre de; Smanio, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

Souza, Nelson Bernardes de. Crimes contra a Ordem Tributária e Processo Administrativo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, nº 18.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Felipe Luiz Machado. A sonegação fiscal e a questão da prejucialidade da ação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3880. Acesso em: 19 abr. 2024.