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Zezinho e a meritocracia

Zezinho e a meritocracia

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A história de Zezinho, um jovem brasileiro.

 

Zezinho mora na zona rural. Tem dezessete anos de idade e desde os sete trabalha na lavoura para ajudar no sustento da família. Ele madruga todos os dias; pelas quatro da matina já está de pé. Após tomar o café, ainda antes de o sol nascer, lida na ordenha do rebanho da fazenda. Os primeiros raios de sol nem bem apontam no horizonte e Zezinho já está na roça. Ele sabe tudo de roça. Trabalha com carinho e dedicação. Mesmo adolescente, Zezinho é o empregado de confiança do fazendeiro, que tem nele seu melhor conselheiro. Zezinho conhece os segredos da terra, sabe do que ela necessita, como deve ser preparada, tem a noção exata da melhor época para semear.

Zezinho também conhece todos os tipos de defensivos agrícolas, é perito no assunto, e orienta sempre o patrão quanto ao produto melhor recomendado para cada tipo de cultura. Inteirou-se, sozinho, das legislações ambientais, sobre o que é legal e o que não o é. Por conta de seu conhecimento e de seu trabalho, o patrão de Zezinho sempre faz boas colheitas e obtém grandes lucros. O que é produzido na fazenda onde Zezinho trabalha e coordena gera prêmios para o fazendeiro, que tem muitos troféus relacionados com controle de qualidade; alimentos com baixa incidência de agrotóxicos nocivos à saúde humana. Nem é preciso repetir que Zezinho é o braço direito do patrão.

Zezinho não se importa com o baixo salário que recebe. Na verdade, ele quer ser agrônomo, este é o seu maior sonho. E por isso se esforça demais. Ele cursa o terceiro ano do ensino médio, que irá concluir este ano.

Na hora da refeição, Zezinho pega sua marmitinha e senta-se embaixo de uma figueira, no alto de um pequeno morro, de onde observa aquela imensa plantação, que mais parece uma selva, toda cheia de vida, e se sente orgulhoso por ser aquela plantação fruto do seu conhecimento, do seu trabalho. Ele imagina o dia em que se tornará agrônomo, e a felicidade que dará a seus pais. Zezinho chega a suspirar e ergue uma das mãos para o alto, onde ele imagina ser o céu; em seguida tira seu chapéu, em sinal de agradecimento e confiança de que seu sonho um dia se realizará.

Assim sendo, Zezinho tem esperança de que, no futuro, seu conhecimento prático, que o coloca em igualdade de capacidade com qualquer profissional formado, lhe retorne uma vida melhor, mais justa. Zezinho nada deve em conhecimento a qualquer agrônomo. Aprendeu tudo que sabe com a vida. O profissional contratado pelo patrão apenas assina os papéis. Quem dá as cartas e comanda é Zezinho.

Zezinho estuda em uma escola da zona rural. Já extremamente cansado por conta de seu trabalho pesado, que o tirou da cama logo de manhãzinha, volta para casa, toma um banho e sai sem jantar. É o melhor aluno da classe. Dedicado, responsável, esforçado. Um exemplo de estudante, adorado por todos os professores, pela direção da escola e pelos funcionários. Prestativo, ajuda sempre seus amigos que têm dificuldades.

Contudo, a realidade de Zezinho não lhe permite que se dedique mais aos estudos; ele faz o que é possível. Nem teria como fazer mais, pois Zezinho também trabalha aos sábados. O mínimo tempo que lhe sobra é o que resta do final de semana. E ele aproveita as migalhas do tempo. Entrega todas as tarefas para os professores, feitas a mão; não possui computador, mas tem uma caligrafia e uma escrita invejáveis. Toma emprestados os livros da biblioteca e, mesmo exausto, faz suas leituras aos domingos. Um aluno brilhante.

Zezinho é aluno do ensino médio rural, período noturno. Tem ótimos professores, que entendem perfeitamente suas possibilidades e valorizam seu esforço. Zezinho é pobre. As suas realidades social e política não lhe permitem fazer mais. Ele faz o que pode, o que está dentro de suas possibilidades e realidade.

Zezinho prestou vestibular. Não passou. Zezinho não será engenheiro agrônomo.



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