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Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna

para onde caminha o processo?

Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna: para onde caminha o processo?

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Súmário: 1- Introdução. 2- Teoria Geral do Processo. 3- A Jurisdição. 4- Construções Teóricas acerca da Jurisdição. 5- A Ação. 6- Construções Teóricas acerca da Ação. 6.1- Teoria Civilista ou Sincretismo Imanentista. 6.2- Teoria do Direito Concreto. 6.3-Teoria do Direito Abstrato. 6.4- Teoria Eclética. 6.5- Teoria do direito Potestativo. 6.6- O Relativismo. 6.7 Teoria do Direito subjetivo das Partes. 6.8- Teoria do Direito de Personalidade.7- O processo. 8- Construções teóricas acerca do Processo.8.1- O Processo como Contrato. 8.2- O Processo como Quase Contrato. 8.3. O Processo Como Instituição. 8.4- O Processo como situação jurídica 8.5- O Processo como Relação Jurídica. 9- A Terceira Fase. 10- Quadro Geral de Evolução: um apanhado 11- A Instrumentalidade do Processo. 12- Jurisdição e Processo. 12.1-Considerações acerca da Jurisdição. 12.2- Considerações sobre a Ação.12.3- Considerações sobre o processo 13- Perspectivas. 13.1_ Perspectivas para o Processo Civil. 13-2_ Perspectivas para o Processo Penal 14- Conclusões.


1- Introdução

A complexidade da vida moderna se faz sentir em todos os campos da atividade humana. O Direto, mecanismo de viabilização da vida em sociedade, é campo em que, como em nenhum outro, se fazem sentir as mudanças no contexto da sociedade. Nada mais natural: ex facto oritur ius e ubi societas, ubi ius. Com efeito, há entre o Direito e o fato social um mecanismo de "feed back". O Direito regula o fato e é por ele influenciado.

Pois se o direito como um todo sofre influência decisiva do contexto social, com muito mais intensidade operam essas mutações no campo processual. Basta lembrarmos que o nosso Código Civil data de 1917, e desde então não recebeu, em vista dos seus 1.800 artigos, grandes mudanças, em que pese as alterações da legislação extravagante. O Direito Processual, ao revés, experimentou duas codificações nacionais e inúmeras leis de alteração.

Fruto do aumento logarítmico da complexidade da vida moderna é a especialização cada vez mais exasperada, que traz como conseqüência a perda da visão do todo. Registramos, por esta razão, um fenômeno cada vez mais visível em nossos dias, que se consubstancia na desvalorização da base principiológica em detrimento da especialidade. O fato é que os juristas, de um modo geral, perderam de vista a perspectiva histórico evolutiva dos institutos, em especial no mutante direito processual, o que representa uma concreta dificuldade à correta interpretação e compreensão dos institutos.

Com a perda dessa perspectiva histórica, com o desleixo em relação à cultura jurídica clássica e de base que hoje verificamos na cátedra, deixamos de nos valer de fundamental instrumento de produção de uma ordem jurídica justa. Cremos nós que a análise de qualquer instituto de direito processual perpassa pelo resgate dessa dimensão histórica, hoje considera reles "perfumaria jurídica" Tantos quantos se enveredem pelos tortuosos caminhos do processo prescindindo de tal suporte, por certo encontrarão, ao fim e ao cabo de sua jornada, um resultado parcial e equívoco. Por isso nos propomos a lançar luzes sobre as bases do processo moderno, que está alicerçado sobre três institutos básicos: A jurisdição, a ação e o processo. Procuraremos analisar cada qual desses institutos, realizando um breve escorço histórico e após tentaremos dar uma visão geral dos principais aspectos de cada um, para que, ao fim desta tratativa, possamos ter uma idéia segura de para onde caminha o processo moderno.


2- Teoria Geral do Processo.

É á luz de uma Teoria Geral do Processo que hoje devemos compreender os institutos processuais. Conforme adiante se verá, na medida em que o processo(o instrumento) se desliga dogmaticamente do direito material(fim e objeto do processo) e se torna uma disciplina autônoma e independente, embora instrumentalmente conexa ao direito material, surgem as bases para uma teoria geral do processo, que passa a tratar dos fundamentos e princípios do processo independentemente do ramo do direito material a que instrumentaliza [1].

No âmbito da Teoria Geral do Processo, iremos encontrar as bases dogmático- filosóficas do processo, quer civil quer penal. Neste espectro estão compreendidos os princípio fundamentais sobre os quais se funda a moderna processualística. No moderno Estado de Direito, surgido à partir da Revolução Francesa e da Independência norte-americana, estes princípios ganham foros constitucionais, obtendo um reconhecimento e uma delimitação nas Declarações de Direitos, que passam a fazer parte dos textos constitucionais. Assim é que na Constituição encontramos as bases do nosso processo e que devem ser respeitadas pelo arcabouço legislativo infraconstitucional, pena de inconstitucionalidade [2]. Exemplificativamente encontramos no texto constitucional;

1)O Princípio da Isonomia (Art. 5º caput e inc. I da CF/88), cuja invocação resguarda tratamento igualitário entre todos, afastadas quaisquer discriminações que não as previstas no próprio texto da Magana Carta. Tal princípio tem larga aplicação no direito processual, onde materializa a "parità delle armi" ou a " waffengleichheit" alemã. A isonomia processual é projeção deste princípio no processo. [3] todavia, impende observar que a igualdade material pode significar tratamento formalmente desigual, segundo a máxima igualizar tratando os desiguais desigualmente [4].

2) Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV), base do direito de ação, garantindo que não refugirão à égide do Poder Judiciário ameaça ou lesão a qualquer direito. Cumpre observar que estamos aqui diante do que Couture denomina "direito constitucional de ação" [5], ao qual se contrapõe o direito de ação strictu sensu, de que mais adiante trataremos. A noção de um direito de ação irrestrito mais se aproxima da configuração do direito de petição, insculpido no artigo 5º, inc, XXXVI, pois a concepção de ação em nosso direito não se baseia na Teoria do Direito Abstrato de Ação [6].

3) O direito à ampla defesa e ao contraditório (Art. 5º, inc. LIV). Aqui uma das pilastras sobre as quais se erige o processo do Estado de Direito. Frente aos valores que hoje embasam o processo, sua legitimidade enquanto método de composição de litígios ou veículo do exercício da jurisdição, está condicionada à observância de regras procedimentais que assegurem a mais ampla defesa e o contraditório em todos os incidentes processuais (nemo inauditus damnari potest). Evita-se, ou ao menos se dificulta, a existência de um processo suspedâneo e parcial, que já foi a regra. [7]

4) O direito ao devido processo legal [8] (Art. 5º, inc. LV), corolário do primado da lei, que é o fundamento do Estado de Direito. Em termos processuais, significa dizer que as partes tem direito à regras previamente estabelecidas em lei e à sua fiel observância, sem o que não há segurança jurídica. Desde que as leis de um determinado Estado tenham conseguido implantar em seu âmago os princípios processuais, transmutando-os em comandos normativos, a observância do devido processo legal representará garantias para tantos quantos sejam os princípio agasalhados pelo direito positivo.

5) O princípio do juiz natural [9],(Art. 5º,inc. XXXVII) ou o direito a não existência de tribunais de exceção. Trata-se de um princípio que resguarda a imparcialidade e garante, de forma indireta, a legitimidade do exercício da jurisdição. Segundo esta regra, devem ser obedecidas as normas de competência pelas quais previamente se estabelece o juiz competente para cada espécie de causa, sendo vedada a constituição de juízos de exceção a posteriori.

6) Direito à exclusão das provas ilícitas e ilegítimas [10] (Art. 5º, inc. LVI).O direito à prova e amplo e é mesmo uma condição essencial á ampla defesa e à busca da verdade real. No entanto, embora instrumento, o processo não pode admitir ilicitudes que são exatamente o que a ordem jurídica a que dá aplicação o processo quer evitar.7) O direito a intangibilidade da coisa julgada ( Art. 5º, inc. XXXVI), base imprescindível da segurança, sem o que as lides se eternizariam e a atividade jurisdicional seria transformada em letra morta.

8) O direito à fundamentação das decisões, segundo nossa visão, princípio que deveria constar do artigo 5º, mas que está no artigo 93, inc. IX. Sem decisões fundamentadas não há como controlar a aplicação da lei e a observância dos demais princípios. Lastimável que o legislador constituinte tenha se descurado da importância deste princípio, pedra angular de todo o sistema.

Atentos a esta base constitucional, passaremos a tratar do tripé que alicerça a moderna processualística: Jurisdição, ação e processo, priorizando uma visão fundada sobre uma Teoria Geral do Processo, que, não prescindindo da observância do direito material, nos possibilite uma visão ampla daqueles institutos. É exatamente isto que se quer com uma Teoria Geral do Processo, ou seja a unificação das diversas formas de processo sob uma disciplina comum, sem descurar do fato de que o direito material invocado interfere na estrutura do processo. Há indubitavelmente uma raiz comum nas diversas espécies de processo e esta raiz é representada, em primeiro plano, pelo conteúdo das garantias constitucionais comuns a todos os processos. O limite desta unificação encontra-se no "praticamente útil", ou seja desde que a aplicação da teoria geral seja capaz de trazer soluções apreciáveis, então se terá campo propício para sua aplicação. O processo não existe por si. Serve ao Direito, não só ao direito material, mas à estrutura mesma do Estado e da vida em sociedade, e a teoria geral é capaz de tornar isto mais claro além de permitir uma permeabilidade maior à visão epistemológica que o moderno processo carece


3- A Jurisdição.

Jurisdição, ação e processo constituem dimensões bem nítidas dentro da ciência processual. A jurisdição é uma função estatal que, grosso modo, faz atuar o direito. A ação é o modo de provocação desta atividade. O processo é o instrumento que preenche o interstício entre a ação e a efetiva prestação da tutela jurisdicional. A jurisdição é estática. A ação e o processo são dinâmicos. A ação, pondo em movimento a máquina judiciária, da ensejo ao processo, conjunto de atos concatenados visando a possibilitar a atuação jurisdicional frente ao caso concreto.

Obviamente só tem sentido falarmos em uma verdadeira jurisdição na medida em que o Estado passa a monopolizar a aplicação da justiça, tomando-a formalmente para si, ainda que, na prática, o exercício da jurisdição ( o que é coisa bem diversa), possa ter sido, no princípio, atribuído a indivíduos que não eram agentes estatais permanentes. Ressalve-se que aqui tomamos um sentido de jurisdição já com feições talhadas pela sociedade ocidental, ou seja, no sentido de uma função estatal. Se tomarmos jurisdição por mero atuar do direito, encontraremos exemplos em tempos imemoriais.

Compreendida como função estatal, goza hoje a jurisdição de autonomia e independência. Nem sempre assim foi, pois outrora não havia, ao menos sob o aspecto formal, legal, a separação entre as funções-poderes do Estado. Nestes não tão priscos tempos, confundia-se as funções-poderes no plano formal à figura do próprio soberano. Este quadro permanece inalterado até as revoluções iluministas do século XVIII, tanto que dizia Luis XIV: L`Etát c`est moi. A Independência norte- americana e a Revolução Francesa representam o marco de nascimento do Estado Liberal-Iluminista, um modelo de organização politico-jurídica que se pauta pelo reconhecimento formal de direitos do indivíduo frente ao Estado(Declarações de Direitos), pelo primado da lei ( Estado de Direito) e pela tripartição de poderes.

A tripartição das funções-poderes [11] do Estado, que teve em Montesquieu ( O Espírito das Leis) seu maior prosélito, embora se encontrem vestígios da concepção em Aristóteles ( Política) e Locke ( O governo Civil), redundou em conferir-se uma delineada autonomia entre jurisdição, função legiferante e administração, ou seja entre poderes judiciário, executivo e legislativo. Mas a separação absoluta, levada a cabo nos primeiros tempos de vigência em França, demonstrou-se ilusória, pois há pontos nebulosos, poucos é certo, em que os limites entre as funções-poderes se tornam pouco nítidos e nos quais, dependendo-se da posição que se adote, a correta diferenciação torna-se tarefa árdua, como soe ocorrer com a denominada "jurisdição voluntária". Sob a ótica de uma processualística que tenha como centro de gravidade a ação (Escola Tradicional), e se oriente pela visão carnelutiana, centrada na lide, a jurisdição voluntária é considerada atividade de administração judicial de interesses privados [12]. Ao revés, vista por uma processualística centrada sobre a jurisdição (Escola Instrumentalista), a jurisdição voluntária jurisdição é pois prescinde-se, então da noção de lide, no sentido carnelutiano, como elemento componente do conceito de jurisdição. [13]

Da mesma forma, não podemos incorrer no erro de confundir função com poder, coisa muito comum, porque cada uma das três funções é exercida preponderantemente por um Poder, mas não exclusivamente, ressalve-se [14]. A administração administra( função executiva),julga nos processos ( rectius: procedimento, para os que ligam a idéia de processo à de lide) administrativos e atua em função legiferante (lato sensu) quando, no âmbito de sua competência edita regulamentos no escopo de operacinalizar a aplicação da lei. O legislativo legisla, mas também exerce funções do Poder executivo quanto á administração de seus serviços e órgãos, e julga em feitos administrativos no âmbito do Poder. Igual raciocínio serve ao Poder Judiciário, que tem como função básica o exercício da jurisdição, mas que administra, em função tipicamente executiva, seus serviços e o funcionamento de seus órgãos. Exerce também função legiferante ao regular o procedimento no âmbito dos órgãos julgadores.

A Jurisdição, função estatal, não se confunde com as demais. Difere da função legislativa porquanto esta trata de hipóteses genéricas e abstratas através do comando normativo legal. A jurisdição tem como parâmetro a lei, mas atua sempre em face de um caso concreto. A Administração Pública, que exerce primordialmente a função executiva, também almeja, em última análise a atuação da lei, posto que jungida ao princípio da legalidade, mas a atuação da lei no caso concreto faz-se neste caso para regular a atividade da própria Administração em face de terceiros. A jurisdição, embora também possuamos leis que atuam sobre a atividade de judiciário em relação às partes (norma processual), atua sempre com vistas a relações envolvendo terceiros entre si, além disso, a aplicação da lei levada a cabo pelo Poder Judiciário, no exercício da jurisdição reveste-se de um império todo próprio, sendo revestida de uma intangibilidade, inexistente nos atos administrativos, através da coisa julgada, que uma corrente reputa ser o elemento diferencial da função jurisdicional. Sobre estes pontos que vemos presentes na invocação da função jurisdicional, quais sejam, a aplicação da lei, o litígio e a formação da coisa julgada, arrimam-se as diversas visões acerca do fenômeno jurisdicional que por sua vez fornecem o suporte às diversa teorias que tentam explicar a jurisdição à partir de seu aspecto finalístico.

No entanto sobre um ponto não resta divergência e este ponto é o de que a jurisdição é uma emanação do poder estatal, e portanto encontra limites no princípio da territorialidade, salvo a possibilidade de tratados e acordos internacionais que permitam à jurisdição transcender as fronteiras do país [15].

Considerados os limites da intrínsecos da atividade jurisdicional, veremos que não se limita a "dizer o direito" como a etimologia deixa entrever, mas busca, outrossim, o atuar concreto do direito, o que representa um "plus" em relação à mera declaração [16]. Neste contexto, jurisdição abrange também os atos de execução prática do comando sentencial, seja civil ou penal, hoje não mais restando dúvida justificável da jurisdicionalidade da execução penal. O exercício do poder estatal "sub especie jurisdicionis´, que como todo o poder estatal se marca pela inevitabilidade e pela imperatividade compreende assim também a capacidade de atuar alterações fáticas sensíveis, não se limitando a um plano abstrato de afirmação do direito ao caso concreto, mas buscando a materialização do seu conteúdo [17].


4- Construções Teóricas acerca da Jurisdição

As concepções correntes acerca de um determinado instituto jurídico estão intrinsecamente ligadas ao momento histórico vivenciado. Destarte, nenhuma apreciação é feita à luz de conhecimentos exclusivos de determinada ciência ou especialidade, senão que interferem elementos culturais, sociais, econômicos e políticos, com apreciável e variada dose de influência no processo de construção do conhecimento.

Assim ocorre igualmente com a concepção de Jurisdição, que varia conforma o jogo daqueles fatores. Basta observarmos que durante séculos a jurisdição concebeu-se como um emanação do poder e atributo do soberano, porque a própria noção de Estado com ele se confundia. O mesmo se pode dizer da influência de elementos metajurídicos, como sejam a religião e a cultura. Grande salto evolutivo foi dado com o advento do Estado Liberal-ilumnista, que culminou com a ruptura do absolutismo monárquico e com a despersonificação do Estado. Outro grande salto evolutivo ocorre no campo dogmático, com a criação de uma disciplina destinada ao estudo do instrumento da jurisdição, que é o processo. É no campo da processualística que vicejam teorias tentando conceituar, estruturar, delimitar a jurisdição. Tal só ocorrerá à partir do terceiro quartel do século XIX.

Sobre as teorias pioneiras dos grandes mestres do fim do século XIX e início do XX, ergueu-se todo o arcabouço estrutural do processo moderno. Ganham destaque os mestres italianos como Guiseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Piero Calamnadrei e Enrico Tulio Liebman, dentre outros.

4.1)Chiovenda:

À doutrina de Chiovenda coube um papel de pioneirismo. Concebe ele a jurisdição como uma atividade substitutiva da atividade das partes e tendente a atuação da vontade da lei. Segundo suas próprias palavras: " Pode-se definir a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente efetiva". Continua, afirmando ser inafastável uma separação das funções de administrar, legislar e julgar pois existe uma "incompatibilidade psicológica entre a tarefa de legislar e a de atuar a lei". A teoria de Chiovenda não se sustenta. Como lembram Galeno Lacerda e Cândido Rangel Dinamarco as considerações do mestre italiano não se poderiam aplicar quando estão em jogo direitos indisponíveis em que jamais se poderia alvitrar a atuação das partes, pois o objeto da atuação jurisdicional nestes casos só poderia resultar da atividade estatal, como seria o caso da anulação de casamento, por exemplo. A insuficiência da teoria de Chiovenda torna-se notória quando observada à luz de uma Teoria Geral do Processo, pois como explicar a substituição da atividade das partes no caso do direito penal sem se cair na consideração de uma "vindita privata", desde muito banida do direito? Ademais, a moderna compositura dos direitos transindividuais, difusos e coletivos denota uma publicização da visão do direito material e do direito processual, incompatível com a construção chiovendiana que demonstra uma visão, como de resto ocorre na doutrina continental européia, baseada em uma ótica privatista.

4.2)Allorio:

A doutrina de Allorio baseia-se na coisa julgada. Julgador e administrador aplicam a lei ao caso concreto, mas só a atividade do primeiro seria capaz de imunizar-se, ou seja de adquirir imutabilidade. Seguíssemos esta visão, não haveria atividade jurisdicional nas cautelares e nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, no cível, e na execução penal. É evidente o equívoco desta redução. Não se pode na caracterização de um instituto, utilizar-se de elementos acidentais e não essenciais e generalizá-los. A existência da coisa julgada não é da essência da jurisdição. A imunização das decisões à ulteriores discussões entre as partes é fruto de uma opção sociológica, não jurídica. Bem poderíamos conceber o exercício da jurisdição sem a coisa julgada e nem por isso se poderia ver fenômeno diferente. Dir-se-á que sem a coisa julgada a incerteza pende sobre as nossas cabeças como uma Espada de Dâmocles. Mas isto eqüivale a dizer que a função da jurisdição não é a coisa julgada, mas sim a pacificação social, sendo a coisa julgada apenas um instrumento de se atingir este objetivo, materializada por uma característica que se agrega ao comando sentencial. Neste caso estamos afirmando que o objetivo da jurisdição não é a coisa julgada que se agrega ao conteúdo de uma sentença tornando-o impassível de nova discussão entre as partes, mas sim o conteúdo desta sentença na medida em que seja capaz de produzir a pacificação social. Calamandrei, segundo o autor gaúcho, teria sido um dos simpatizantes desta composição teórica [18]. Grande objeção que pode ser levantada contra ela é a que se refere a jurisdicionalidade do processo de execução, onde a própria natureza da tutela inviabiliza a formação da coisa julgada, não só no processo de execução cível, como no penal, onde hoje não se nega, sem grave cinca, a natureza jurisdicional das atividades ali operadas.

4.3)Carnelutti:

É a visão de Carnelluti, sem dúvida, a que maior acolhida encontrou entre os países de tradição romano-canônica ou romano-germânica. O procesualista italiano introduziu a noção de lide de modo que a jurisdição visa à composição da lide [19]. Assim como Chiovenda, Carnelluti produz uma teoria voltada para uma compreensão do processo enquanto fenômeno voltado para o direito privado. Mais do que na Itália, no direito pátrio enraizou-se a noção de lide como pedra de toque da jurisdição e do processo. E é devida a Carnelluti, embora se lhe deturpassem as idéias iniciais os que lhe seguiram, a ligação do exercício de jurisdição à preexistência de um conflito no mundo sociológico que se transmuda em lide pela sua inserção no processo através da demanda. A lide é a porção de conflito sociológico que ingressa no mundo do processo através de uma demanda, que é o pedido de prestação jurisdicional. Onde não houver um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida não há verdadeiro exercício de jurisdição, mas sim atividade administrativa de aplicação da lei ao caso concreto. A noção de lide ingressa como doutrina base no processo nacional de modo que não só o processo civil é por ela influenciado, mas também o processo penal, onde se fala de uma verdadeira lide penal que envolve, de um lado, o "status libertatis", o "jus libertatis", do acusado, e, de outro, o "jus piniendi" do Estado [20]. Os próprios prosélitos desta teoria reconhecem sua insuficiência na medida em que foi construída sobre o conflito entre interesses particulares, o que serve para o processo continental europeu que possui dualidade de jurisdição, mas não para um processo de um Estado que se organizou politico-institucionalmente sobre as bases do constitucionalismo norte-americano, e que adota a unicidade de jurisdição, porque isto trás como conseqüência a existência de um sem fim de situações em que são trazidos à apreciação do judiciário conflitos que envolvem, de um lado, um particular e, de outro, o Estado, e a natureza dos interesses defendidos pelo Estado passa representar uma barreira à fluência natural de uma sistemática erigida sobre direitos individuais e, portanto, via de regra, disponíveis. Adiante veremos a visão instrumentalista da jurisdição.


5- A Ação

A ação ocupa hoje, de um modo geral, o centro da teoria do processo. Escudada na doutrina alemã da segunda metade do século XIX, a processualística colocou o problema da ação e do seu exercício como o "punctun dollens" de toda a teoria do processo, representando este fato ainda um vestígio da visão privatista do processo. A doutrina alemã substituiu a ação pelo objeto litigioso, o "streitgegenstand". Mas a doutrina da grande maioria dos países do mesmo tronco ancestral ainda se ocupa de especulações acerca da ação. A afirmação de que a ação tomada ao centro da teoria processual representa um vestígio de privatismo resulta da constatação de que ao se prestigiar o mecanismo de demanda da prestação jurisdicional. está se prestigiando, em última análise, a iniciativa da parte e se demonstrando um caráter secundário do exercício da jurisdição que só teria legitimidade quando invocada frente ao conflito.

A compreensão do porquê desta proeminência deve ser buscada no contexto dos fatos do século XIX, que não refugia muito do passado remoto no que diz respeito à compreensão da ação. Isto nos abre ensejo para que analisemos as construções teóricas acerca da ação através da qual poderemos vislumbrar sua evolução.


6- Construções Teóricas acerca da Ação

Aqui, mais uma vez é necessário advertir para os perigos do dogmatismo e da pretensa neutralidade do Direito.

As mais diversas teorias disputaram a proeminência no qualificar o fenômeno da ação e na busca de dar-lhe uma construção dogmática e estrutural, além de um embasamento filosófico- jurídico. Evidentemente cada teoria enquadra-se em um momento próprio da vivência humana e do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social da humanidade e das coletividades tomadas em dado local e tempo. Nenhum conhecimento produz-se de forma isolada ou ideologicamente neutra e a tentativa de construir-se uma ciência neutra como se pretendeu no século XIX, naufragou ante a constatação de que todo o conhecimento produzido pelo homem carrega sempre uma carga ideológica, em maior ou menor quantidade e intensidade, que é inerente ao ser humano.

Nosso pensar, e nosso agir via de conseqüência, será sempre fruto de uma carga cultural que nos é passada pelo ambiente e pela condicionantes culturais que a vida em sociedade nos impõe, além da natureza que trazemos conosco.

Por isso é que o estudo de qualquer conhecimento deve sempre levar em conta o campo da demanda social da pesquisa o que nos permite localizar no tempo e no espaço o conhecimento e aferir se as condições e circunstância existenciais que vigiam ao tempo de sua produção permanecem ou se mudaram, caso tenham mudado em que intensidade e sentido se operou esta mudança e quais as conseqüências disto para a construção teórica que é objeto de consideração. Não há verdades científicas absolutas, e crer-se que elas possam existir cria uma perigosa ilusão e credulidade que conduz invariavelmente à ruptura do sistema com a realidade. Esta visão acaba por isolar o sistema de conhecimento, entendido como um conjunto de idéias acerca de uma determinada matéria e que apresenta uma unidade estrutural, da sua origem, condicionando-o a uma visão introspectiva e à conseqüente perda de perspectiva, que, cedo ou tarde, o tornará ilegítimo. Somente considerações desta ordem nos possibilitarão aferir se soluções encontradas no passado correspondem à realidade e em que medida isto acontece.

No campo jurídico estas preocupações assomam com maior intensidade à mente do pesquisador e estudioso porque trata-se de uma ciência social e teórica. Se nem mesmo nas ciências exatas se conseguiu expungir-se a incerteza dos conceitos, com muito maior razão nas ciências sociais isto não ocorre. Além do mais, o Direito é uma ciência dialética em que até mesmo as categorias de base, como verbi gratia os princípios gerais retores do sistema, não estão indenes de questionamento na própria dinâmica funcional da estrutura a que dão embasamento. Na verdade eles não passam de opções legislativas e também estão sujeitos à mobilidade apenas em menor intensidade. Neste passo, é preciso distinguir os princípios intrínsecos dos extrínsecos. Aqueles são mais estáveis porque dizem com o funcionamento dos institutos. Estes últimos são mais permeáveis às ingerências políticas e portanto são mais maleáveis.

Assim sendo, toda a análise deve pautar-se por uma abordagem histórico evolutiva cuja judiciosa observação nos dá a noção de para onde caminha o sistema. Da mesma forma, não podemos perder de perspectiva o componente social, axiomático e cairmos na ilusão de uma ciência neutra e produtora de verdades absolutas, de dogmas inquebrantáveis. É com esta visão permanentemente crítica que nos colocamos a observar a ação, cientes de que nossa visão também é fruto de nosso tempo e sem negar o valor do que se construiu porque postura crítica não é postura nilista, destrutiva, mas sim analítica. Analisar a evolução da ação e não só dela mas também de qualquer instituto jurídico é analisar os valores da época em que se produziu esta forma de controle social e os homens que a produziram. Esta perspectiva é que não devemos esquecer.

6.1) Teoria Civilista ou o Imanentismo Sincretista:

O direito material sempre foi ao longo da história preponderante, e não é de estranhar porque a preocupação pelo processo só pode surgir a partir do ponto em que se reconheça a jurisdição enquanto função estatal de fundamental importância. Isto só ocorre quando temos um estado impessoalizado, porquanto sem esta circunstância o que se tem é um exercício de força do soberano. Sem garantias a resguardar, o procedimento é um mero iter, e como meio, cede ao fim que é o direito material. O que importa é o comando legal, não como ele vai atuar. Assim sendo, vivenciou-se durante a maior parte da história humana a ligação entre os planos material e processual e o processo sempre foi relegado a uma posição de obscurantismo. Basta lembrarmos o processo Canônico do Santo Ofício, despido de garantias mínimas. É porque o processo, então, era realmente somente um suceder de atos, despidos de uma substância transcendente e concatenados a atuar a vontade do soberano. Somente com a ruptura do Estado pessoalista se teria clima político para que se trata-se de dar uma visão nova para o fenômeno processual. Da mesma forma, de fundamental importância foi o cientificismo que marcou o século XIX. As tentativas de estabelecer uma ciência neutra e absoluta, capaz de explicar absolutamente tudo, oriunda do pensamento racionalísta, incrementaram a especulação científica sobre quase tudo. Mas até que isto ocorresse e se tivesse consciência da separação dos planos, o que se teve foi a "teoria civilista" ou o "imanentismo sincretista".

A Teoria Civilista tem este nome devido à proeminência do direito civil e pelo fato de e o direito penal e o processo penal, com uma carga política extremamente forte que os transformava em instrumentos do poder, nunca haverem grassado a atenção que mereciam. A rigor a nomeclatura que define a junção dos planos através da expressão sincretismo imanentista é melhor porque não distingue entre o direito material civil e penal.

O fundamento da teoria imanentista reside em identificar o fenômeno da ação como uma fase do direito material, a fase dinâmica a que se contrapõe a fase estática, de latência. Para os sincretistas o direito material é despertado pela violação e "veste-se para a guerra" [21] através da ação. Não há neste ponto uma construção teórica independente do processo porque não se concebe o processo como algo distinto do direito material. Podemos hoje facilmente notar a insuficiência que haveria na explicação, através da teoria imanentista, da existência de ações declaratórias e constitutivas posto que elas não pressupõe necessariamente uma violação de direito.

Nesta corrente firmaram posição os pandectistas alemães e os praxistas que construíram suas noções à partir da releitura do direito romano: "Nihil aliud est actio quan ius, quod sibi debeatur, in juditio persequendi. Dentre eles nomes do quilate de um Savigny, de um Demolombe, de um Hunger. Ainda recentemente se encontravam juristas que defendiam o imanentismo como é o caso de João Monteiro, Jorge Americano e Manuel Aurelino de Gusmão. O imanentismo caracteriza a primeira fase do processo como ciência.

A separação do direito material do processo começou a urdir-se por obra e graça de dois memoráveis juristas alemães. Ernest Windescheid e Theodor Müther [22]. Windescheid é considerado o maior dos pandectistas alemães. Em 1856 publica "Die actio des römischen Civilrecht, von Standpunk des heütigen Rechts" (A actio do direito civil romano a partir do ponto de vista do direito moderno). Grosso modo é defendida na obra a tese de que o conceito de actio romano não se amolda à moderna noção de ação. Para Windescheid o direito de ação corresponde a um direito que nasce de doutro direito. No direito Romano não se tem ação mas sim actio. No moderno direito se tem a pretensão (ansprüch) como correspondente diferenciado da actio. A actio romana é por seu turno o poder de agir em face de outrem. Começava a ruir o edifício civilista. Theodor Müther, jovem jurista pouco reconhecido se comparado a Windescheid, já consagrado, dirigiu mordaz crítica à obra deste. Em seu "Zur Leher von romischen Actio, der heütigen Klagrecht, des Litiscontestation und der singularssuccesion in Obligationen- Eine Kritich des windeschieid´schen Buches". (Sobre a doutrina da actio romana, do moderno direito de ação, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações-Crítica à obra de Windescheid), Müther se contrapõe as afirmações de Windescheid dizendo que o direito de actio voltava-se não em face de outrem mas sim ao magistrado e que, portanto, as conclusões a que este chegara eram equivocadas. Para ele a actio tinha a conformação de um direito exercido frente ao Estado, direito a uma prestação jurisdicional.

Windescheid rebate as colocações de Muther em seu (Die actio gegen Dr Müther. "A Actio, replica ao Dr Müther") obra na qual afirma que Muther não compreendera do que ele falava e estaria se referindo ao um direito diverso que ele não negou. A concordância de que havia um direito voltado contra o Estado e não em face de outrem abriu o caminho para a separação dos planos material e processual.

6.2)Teoria do Direito Concreto:

Uma vez que se estabeleceu a separação dos planos material e processual restou um vácuo no espaço ocupado pelo direito material. Afinal, qual seria a posição do direito material frente ao processo? Qual a ligação entre ambos e até que ponto ela existe? Se outrora a ação era o direito material em movimento não se tinha esta espécie de questionamento, mas a partir da separação surgia o grande problema de justificar os atos processuais. Dois caminhos se mostravam ao jurista. Conceber a abstração completa do direito material ou manter uma forma de atrelamento entre ação-processo e direito material. A Teoria do Direito Concreto de Ação opta pelo segundo. É Adolph Wach, considerado o maior processualista alemão da época que dará vida a esta construção teórica, nos seus "Handbuch des Deustchen Civilprozessrecht" de 1885, e que seguiu outra obra que já publicara em 1789, "Vörtage über die Reich Civilprozessrecht", para o qual só há ação quando há direito material, mesmo sendo ação e direito material independentes. Significa dizer que para que se considere ter havido ação, é necessário que tenha sido reconhecido o direito ao termo do processo, ou seja, que a demanda tenha sido julgada procedente. Mas como justificar os atos processuais, principalmente a sentença, nos casos em que se chega à negação do direito material? Ou se atribui o caráter de ação à oposição do demandado e portanto teríamos que a negação da ação do autor seria o reconhecimento do direito do réu, ou se cairia num vazio. Sim, porque não sendo reconhecido o direito material, não se tinha ação então não se poderia justificar a sentença de negação mesma. Haveria uma contradictio in adiectio. A sentença nega ação e a negação da ação nega a possibilidade de sentença a não ser que se concebesse uma sentença válida e eficaz sem ação. Mas neste caso, em não podendo o magistrado atuar de ofício na provocação da jurisdição ( nemo judice sine actore), e não tendo havido ação, que é a provocação da jurisdição, como se justificar a atividade do magistrado?

Por outro lado, não menos espinhoso é o resultado de se atribuir a negação da ação do autor ao reconhecimento da ação do réu. Primeiramente é de se notar que tal reconhecimento de inexistência poderia se arrimar em uma questão processual e não material logo o réu estaria afirmando não um direito mas apontando uma falha que diz respeito ao Estado tutelar para que não aconteça no procedimento. Quer dizer, não haveria reconhecimento de um direito do réu, que tem claro o direito de ter uma prestação jurisdicional justa e obtida dentro de um procedimento sem eivas, mas direito indireto, pois o Estado e a sociedade também tem interesse na idoneidade do procedimento, e o direito afirmado pela parte para obter a nulificação formal não seria um direito diretamente seu. Ademais, ainda que se considerasse a ação do réu como causa da inexistência da ação do autor como ficariam os casos de revelia em que ainda assim o juiz nega o direito do autor. Faltaria a ação do réu. Logo, a doutrina de Wach levava longe demais a inflluência do direito material na ação. Ficariam sem justificativa todas as atividades no caso de negação de existência do direito pleiteado e estaria atingida também a própria sentença ou a integridade do sistema com um sentença sem ação. O fato é que existia atividade processual decorrente de ação mesmo sem existência do direito material.

6.3)Teoria do Direito Abstrato de Ação [23]:

O extremo oposto da teoria concreta está no desligamento total do direito material que ocorre na denominada Teoria Abstrata do Direito de Ação. Os dois grandes teorizadores do direito abstrato de ação são Plóz e Dagenkolb. Plóz a quem na verdade coube a pioneirismo, publicou "Beitrage zur Theorie des Klagesrecht". Dagenkolb assim como seu colega húngaro foi dos grandes teorizadores do direito abstrato na Alemanha através do seu "Einlassungaspruch und Urteilsnorm" (Ingresso forçado e norma judicial). A abstração total do direito material implica a completa separação dos planos material e processual, de modo que a ação existe per se. Trata-se de um direito autônomo, independente, abstrato, não carecendo referir-se a um direito existente, voltando-se contra o Estado-Juiz e tendente a obtenção de uma prestação jurisdicional. Mas a abstração não passa incólume a críticas. Destarte, o direito de ação completamente abstrato confunde-se com o direito de petição assegurado constitucionalmente e denominado direito constitucional de ação. Ontologicamente não haveria óbice a que se compreendesse o direito de ação com esta amplitude, mas na prática surgem dificuldades de fato. O grande mal desta teoria é permitir demandas temerárias e infundadas que acabariam por atravancar o judiciário e desprestigiar a função jurisdicional. Cada demanda desta espécie que chega à apreciação do judiciário é uma demanda real, efetiva, a menos que é apreciada. Esta simples e óbvia constatação é suficiente para repelir uma abstração total. No campo penal as conseqüências da abstração seriam ainda mais graves. O processo penal pela sua natureza é sempre degradante. O só fato de ser processado criminalmente é fator que causa vergonha e consternação. Imagine-se se pudéssemos propor ações penais sem o menor suporte, que males seriam causados!

6.4)Teoria Eclética da Ação [24]:

Sempre que se chocam posições antagônicas, há tentativas de se encontrar um meio termo razoável. Não se podia admitir um direito de demandar pura e simplesmente sem uma base, sem uma plausibilidade de utilidade social do provimento. Por outro lado, não se pode levar a ligação do direito material com o processo a ponto de tornar injustificada a atuação jurisdicional quando ao termo da demanda se reconheça inexistente o direito pleiteado. Há, com efeito, uma necessária ligação entre o direito material e o processual, resumindo-se a questão à determinação da intensidade e extensão desta ligação. Na tentativa de preencher esta lacuna, aproximando os extremos, surge a teoria eclética da ação que teve em Enrico Tullio Liebman [25] seu maior prosélito. A teoria eclética, nomeclatura que se deve a Galeno Lacerda, cria uma categoria jurídica que faz a ligação entre os dois planos, consubstanciada nas condições da ação. A nossa doutrina processual se baseia em três condições da ação. A doutrina italiana reconhece apenas duas, pois o próprio Liebman mudou de opinião acerca da matéria. É pela presença ou não das condições da ação que se rompe com o abstrativismo total sem, no entanto, se chegar a extremo oposto, pois o juízo acerca delas é procedido "in statu assertionis" e sem aprofundamento na hipótese concreta, ou seja, sem apreciação do material probatório de forma ampla.

As condições da ação são exatamente a "ponte" entre uma hipótese completamente abstrata e uma hipótese concreta realmente existente. Neste passo impende notar que a certeza acerca da existência, ou melhor dizendo, acerca da afirmação de existência dos fatos e aplicação do direito a eles só poderá, via de regra, existir após uma instrução contraditória e de uma cognição exauriente [26]. Esta é a regra em nosso processo, que, certamente, sofre exceções nas demandas ditas sumárias, como sejam v.g as cautelas e possessórias e os pedidos de restituição de coisas no processo penal. As condições da ação são objeto de uma cognição superficial embora rigorosamente a matéria que nelas será apreciada componha o mérito. De fato obram em erro aqueles que separam completamente as condições da ação e o mérito. É verdade, as condições da ação não são o mérito da demanda. Este quase sempre reside no plano do direito material, mas na medida em que o mérito tem uma abrangência maior do que se lhe costuma deferir, as condições da ação estão contidas no mérito sendo julgadas com outra conformação e finalidade.

Destarte, o mérito é mais amplo do que as questões de direito material diretamente postas em juízo como objeto do pedido. Sem dúvida que julgar o mérito é julgar o pedido, mas o julgamento do pedido envolve uma série de antecedentes causais onde se inserem os fatos que, em um juízo anterior, são tomadas na análise das condições da ação. O que separa condições da ação e mérito é que no mérito há apreciação dos fatos sob a ótica do direito objeto do pedido material ou processual, mas visto como objeto da ação. Nas condições da ação os mesmos aspectos são analisados sob o prisma processual e sem análise aprofundada da prova. Em um momento a análise se destina a conceder ou não a via processual para o demandante ou demandado ( ambos exercem, senso largo direito de ação); em outro a análise se destina a conceder ou negar o direito pretendido, e envolve uma análise que geralmente engloba uma apreciação probatória mais profunda e submetida à possibilidade ampla de contraditório em cognição exauriente ( regra), ou sumária ( mas neste caso mais aprofundada do que a realizada acerca das condições da ação), destinada a conceder o direito pleiteado como ato final do processo, ou a nega-lo, também nos mesmo termos definitivos ( definitivo aqui não no sentido de formação de coisa julgada mas de provimento final). Significa dizer que os fatos são apreciados sob o ponto de vista estritamente processual, ou seja, relacionado exclusivamente à ação ( condições da ação), ou sob o ponto de vista do direito objeto do provimento, seja este objeto direito material ou processual, como ocorre na rescisória. ( mérito).

Assim sendo, ao ter diante de si um pedido de provimento jurisdicional tendente a um bem da vida concreto ou abstrato, material ou imaterial, o magistrado, ao analisar as condições da ação, levando em conta a hipótese concreta, fará a seguinte pergunta? Este sujeito postulante, pedindo o que pede frente ao ordenamento jurídico, tendo uma configuração de necessidade-utilidade do provimento conforme a situação que se apresenta, se lograr provar os fatos que afirma, poderá ter guarida do seu pedido frente ao direito posto? Se a resposta for afirmativa se passa ao julgamento do mérito. Caso contrário se dá pela carência de ação porque a postulação se mostra fora da conformação requerida para que seja apreciada no provimento final ( não do processo mas do iter até a concessão deste provimento que pode ser uma liminar). O Estado afirma no juizo de carência que aquela pessoa ( legitimidade ad causam), pedindo o que pede (possibilidade jurídica do pedido), visando um determinada utilidade e que tem ou não no processo a última ratio para alcançar o bem da vida ( binômio necessidade-utilidade), exercendo seu direito pelo veículo processual correto ou não ( adequação), não poderá obter uma apreciação do seu direito. No mérito, a pergunta abrange, levando em conta a oposição do réu, os mesmos elementos os quais serão analisados agora não como mera hipótese provável futura, mas sim como uma realidade provada e juridicamente existente, ou como não provados e portanto legalmente não existentes ao menos para o julgamento da demanda. Logo a pergunta se transmuda para: uma vez que provou, ou que não provou, este autor, pleiteando este pedido e tendo a necessidade e utilidade de valer-se da jurisdição conforme as circunstâncias dos autos, deve lhe ser deferida a prestação jurisdicional analisando se tem ou não o argüido direito subjetivo. Se a resposta for afirmativa, o julgamento é pela procedência ou pela concessão da via executiva. Caso contrário pela improcedência ou obliteração da via executiva [27].

Mas quais serão as condições da ação em nossa doutrina e ordenamento? Qual o conteúdo desta ponte entre a hipótese abstrata e o julgamento efetivo da lide ou do direito invocado? O direito processual brasileiro enumera três condições da ação no processo civil e quatro no processo penal. São elas a legitimatio ad causam, o interesse processual, a possibilidade jurídica do pedido e, no processo penal, o justo motivo. Analisemos cada qual delas, lembrando que a doutrina peninsular e mesmo o próprio Liebman, que foi o maior prosélito desta teoria, colocam a possibilidade jurídica do pedido entre os elementos do mérito.

A legitimatio ad causam [28] e o interesse processual são condições de cunho subjetivo. Mas é preciso que se diga que afirma-las de cunho subjetivo não significa dizer que são avaliadas subjetivamente, ou seja que são avaliadas de acordo com o que se apresentam na visão das partes. Significa dizer que a configuração da situação sub examine é tomada em conta através de critérios objetivos e não de acordo com o que a parte acredita que seja. São portanto condições subjetivas no sentido de que dizem respeito às partes, mas são avaliadas sob critérios objetivos. A legitimidade ad causam diz com a pertinência subjetiva do processo [29]. Consiste o requisito em ter a parte concedida por lei a legitimação para exercer o direito de pedir um provimento jurisdicional do Estado- Juiz. Uma vez que a doutrina processual de tradição romano- germânica se assenta sobretudo na noção privatista do direito de ação, tomado especialmente na Itália e no Brasil como o centro da teoria processual, e isto conduz à construção do litígio, da lide de Carnelutti, é natural que a legitimidade ad causam tenha forte ligação com a situação fática que se transforma na "res in judictio deducta", em cujo bojo se encontra um direito material ou processual. Logo, em sendo, para a doutrina tradicional, o processo meio de composição dos litígios com marcante função residual e subsidiária, quem tem legitimidade é aquele que é o titular da relação de direito material posta à análise sub especie jurisdicionis. Esta noção, no entanto, padece do malefício próprio da visão de jurisdição centrada no litígio, ótica privatista que a torna parcial no universo de fenômenos postos a lume no processo. Como já analisamos, ficam sem explicação sistemática muitas atividades processuais realizadas em processo, no caso procedimentos, de jurisdição voluntária. O dizer-se que se trata de atividade administrativa para a qual se defere garantias processuais é argumento que não calha, porque o conferir-se morfologia de processo é tornar processo. Nestes casos diz-se que não há partes mas interessados. É sofisma.

Mas nem sempre quem é parte é o titular da relação jurídica material. Há casos em que a lei concede legitimidade a pessoas que são extraneus à relação de direito que constitui o objeto do processo. São os casos de substituição processual, em que se age proprio nomine em relação a direito de outrem [30]. Há ainda o caso dos terceiros intervenientes que compõe as figuras do assistente, do denunciado á lide, do nomeado à autoria e do chamado ao processo. Mais um vestígio de privatismo, posto que a posição destes é a de partes desde que intervêm no procedimento em contraditório, estejam ou não sujeitos à coisa julgada. A figura da assistência é comum aos dois ramos do processo, penal e civil. Para a assistência no processo civil, o assistente carece comprovar um interesse jurídico que surge do fato de ter a situação das partes influência sobre uma situação ou relação jurídica sua. No processo penal o interesse se cinge, segundo a doutrina dominante na obtenção de título executivo civil. Mas reputamos que a concepção que justifica a participação do assistente pelo direito de obter uma justa aplicação da lei é perfeitamente sustentável sem que isto configure uma volta da "vindita privata". Trata-se, a bem da verdade, de mais um mecanismo de democratização do processo e um meio de reforçar a legitimidade do sistema. Lembremos que a legitimidade do sistema processual está ligada à capacidade que tenha de produzir uma aplicação do Direito a mais próxima possível da expectativa dos jurisdicionados. A possibilidade de participação da vítima ou daqueles que foram atingidos pelo delito gera um grau maior de satisfação frente a decisão e cria confiança na aplicação da lei dentro do contraditório, da ampla defesa e da estrita observância dos postulados do Estado de Direito.

Também possui o processo penal o cunho da publicidade, porque a pretensão punitiva é exclusiva do Estado, embora possa ter excepcionalmente seu exercício delegado. Isto ocorre na ação penal privada. Nesse caso, ingerências de conotação social e política permitem que ao ofendido se conceda o direito de exercer ou não a pretensão punitiva que é do Estado, movendo ou não a ação contra o delinqüente conforme lhe pareça conveniente. Tal ocorre porque há em certos casos a insofismável constatação de que o processo judicial, com o "strepitus fori" poderá trazer mal maior do que a impunidade, Obviamente a ação penal privada concerne a delitos que atingem primordialmente o interesse pessoal da vítima sendo possível o Estado nestes casos abrir mão do exercício da ação em prol do indivíduo, haja vista a repercussão pessoal do delito, o que certamente não poderia ocorrer naqueles delitos que ferem profundamente a paz pública.

Mas em síntese, o que se pode dizer é que há em nosso processo ortodoxo uma tendência de identificar a legitimidade com a titularidade do direito objeto do processo.

A possibilidade jurídica do pedido é uma condição que mudou de conformação, separando-se do vestígio pandectista que ainda se vê nos autores mais antigos. Destarte para a doutrina pandectista, a qual se somava a escolástica, o direito subjetivo só poderia surgir do texto expresso de lei. A influência do cientificismo experimentada no século XIX sobre o direito criou a falsa impressão de que seria possível urdir uma legislação que pudesse abarcar toda a realidade, assim como ocorria com as ciências naturais. Ora, se a ciência do direito podia abarcar toda a realidade e como o direito subjetivo só poderia ter origem na letra da lei, ponto culminante da neutralidade científica preconizada então, era lógico que se atrelasse o direito subjetivo aos grilhões do texto legal. Na esteira desta tendência surgiram as grandes codificações na tentativa de positivar a realidade. Assim o Códe de Napoleón dizia que todo o direito nele se continha e em mais nenhuma parte [31]. Neste diapasão só poderíamos falar em possibilidade jurídica como resultante da invocação da lei, da letra expressa da lei, mesmo porque os métodos hermenêuticos em voga proibiam a extensão da interpretação pena de quebrar a neutralidade do magistrado, fiel servo da lei, na verdade "boca da lei". Aquele que não invocasse o direito positivado não poderia se dizer realizando um pedido juridicamente possível.

Mas o Direito não se contém na lei, embora o inverso seja verdadeiro, e a tentativa de subjugar o Direito a um método científico construído para as ciência naturais naufragou ante a irrefragável dinâmica da vida em sociedade e da natureza instável do ser humano. A evolução do método de investigação das ciências exatas descortinou a concreta impossibilidade de construção de um sistema estanque e cristalizado, formado de postulados universais de conteúdo axiológico. Ao revés, o método de investigação das ciências sociais e humanas é por essência construído sobre postulados nos quais se procura dotar o método da maior flexibilidade e adaptatividade possível. Se quer um método que seja capaz de tornar a investigação permeável à dinâmica da fenomenologia jurídica, abandonando-se a utopia de conter a realidade no texto da lei.

Note-se bem que não se quer aqui dizer de um desvalor da lei. Muito antes pelo contrário, a lei é o alicerce do Estado de Direito e sem ele o que há é um mero exercício de força despótica. O que se quer dizer é que a lei tem hoje outra dimensão que é a de critério de orientação na aplicação do Direito. Ante sua insuficiência, o interprete aplicador deve buscar preencher as lacunas através dos meios que a própria lei determina como lícitos para sua integração. O Direito, enfim, não se contém na letra da lei, mas representa, outrossim, uma dimensão mais abrangente, e por isto a possibilidade jurídica toma um novo contorno para ser as regra. Logo, a não previsão expressa de um direito subjetivo em lei não inibe a possibilidade jurídica de se o pleitear. A impossibilidade só existe no inverso, ou seja, na previsão de que determinada situação jurídica não pode ser obtida seja por determinação expressa seja por defluência lógica do sistema, como seria o caso de pedir-se pena de morte por adultério v.g.

Hodiernamente, portanto, há sempre a possibilidade de buscar-se o direito que se diz ter desde que não seja vedado pelo ordenamento entendido como o todo. A existência ou não de forma expressa do direito não é o fator fundamental para se garantir a ação.

Há, contudo, que atentar para a especialidade do direito penal haja vista o princípio da legalidade que o embasa. Não há delito sem lei que o preveja e não há delito fora dos limites expressos que a lei prevê, sendo vedada a analogia um "malam partem". Logo, para o direito processual penal, só há possibilidade jurídica quando há previsão legal ( tipificação da conduta). Neste caso, o raciocínio de que somente caso prevista em lei o direito subjetivo ( jus puniendi) é que haverá possibilidade jurídica é válido. Neste passo se vê que a construção possibilidade jurídica como condição da ação à luz de uma teoria geral do processo não pode ser homogênea, o que de modo algum invalida a teoria.

O interesse processual também é uma condição da ação que recebeu da doutrina moderna um nova roupagem, sendo hoje formado por um binômio, ou até por um trinômio. São elementos que compõe o interesse processual: a necessidade, a utilidade e a adequação. [32] A utilidade se materializa no fato de que o provimento pleiteado possa trazer uma situação material ou processual mais vantajosa para o demandante. Mais uma vez cumpre observar que a avaliação é objetiva, quer dizer, não se pode levar em conta para a deliberação a utilidade que a parte diz lhe ter o provimento. É preciso analisar os fatos objetivamente sem perder de vista o caso concreto, mas tendo como critério a utilidade que qualquer um teria nas mesmas condições. Quase sempre o provimento tem uma utilidade e é preciso que se diga que, por mínima que seja, ainda assim é utilidade. Logo, deve o magistrado agir com cautela na aferição deste requisito para não incorrer em denegação de justiça. A necessidade é requisito que tem por base o fato de ser o processo a "ultima ratio" de que deve se valer o jurisdicionado. O processo sempre representou um mal pelo estado de incerteza causado pela litispendência, claro que um mal menor do que a justiça de mão própria e sem garantias, mas de qualquer forma um mal. Da mesma forma, há um custo social e econômico que é considerável, mormente quando verificamos que a atividade de julgar requer homens cada vez melhor preparados e um contigente de apoio cada vez maior e mais qualificado.

É por isso que se prestigiam cada vez com maior intensidade os meio de auto-composição, as alternativas à jurisdição. A conseqüência deste ônus social e econômico que o processo representa é que ele só se justifica ante a inexistência de outro meio mais célere ou menos oneroso para se conseguir o resultado pretendido [33]. Da mesma forma, não podemos olvidar que o Estado Democrático Social de Direito está comprometido com uma prestação jurisdicional eficaz, efetiva, e cada lide que adentra ao judiciário representa uma a mais a dificultar o andamento dos processos que lá já estão. Quando esta demanda não tem sentido porque pode ser evitada por outros meio de obtenção do resultado pretendido, o seu ingresso em juízo só colabora para retardar a prestação jurisdicional daqueles que realmente necessitam do processo.

Por aqui se nota que a interpretação que se tem dado ao artigo 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de modo a se retirar a ilação de que por via deste dispositivo não se poderia limitar de modo algum o direito de ação é falsa. Com efeito, o aquele dispositivo preconiza é que não se pode impedir o Poder Judiciário de conhecer de ameaça ou lesão, mas isto não implica afirmar que não se possa exigir determinadas circunstâncias que postergam o conhecimento do Judiciário a uma fase posterior onde v.g se tenham exaurido os caminhos alternativos à obtenção do resultado pretendido. Obviamente quando a exigência de algum requisito puder tornar inútil o provimento jurisdicional é absolutamente descabido falar-se em postergar a apreciação da ameaça ou lesão. Mas neste caso surge a necessidade na medida em que não há via mais célere ou menos custosa para a obtenção do provimento, tornado lícito, frente a o sistema processual, o ingresso imediato em juízo. A admitir-se a interpretação que se tem dado ao inc. XXXV do artigo 5º da CF/88, teríamos que não mas haveria possibilidade de existência de condições da ação. Na verdade seria o mesmo que consagrarmos a Teoria Abstrata de Wach.

A necessidade deve estar presente desde o início até o momento do julgamento do mérito. A perda da necessidade no transcurso no processo, contudo, nem sempre implica em extinção do feito. Se surge uma via alternativa no transcurso do processo a parte não perde o direito a uma sentença principalmente porque a avaliação das condições e in statu assertionis e referente ao ingresso em juízo. Mas desde que exista esta via ab initio, ela deverá ser exaurida para legitimar o ingresso em juízo, sem que isto implique violação ao Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional.

Resta o elemento da adequação que é a roupagem assumida pela falta de interesse no mais das vezes. A adequação diz respeito ao veículo processual utilizado, tanto à espécie de tutela como quanto ao rito escolhido. Para cada espécie de pretensão há uma tutela específica, de conhecimento, cautelar ou executiva. Dentro de cada espécie de processo há um série de ritos próprios cuja aplicação se faz pelos mais variados critérios como v.g, valor da causa, espécie de pretensão de direito material, qualificação especial de uma ou ambas as partes, dentre outros. A não utilização da tutela específica, ou erro no rito, implica falta de interesse. É possível a aplicação da fungibilidade desde que presente dúvida objetiva e ausência de erro grosseiro ou má fé. Mas a fungibilidade entre ações ( rectius= ritos) só pode existir dentro de uma mesma espécie de função jurisdiconal quer seja conhecimento, cautela ou execução. Logo, é inadmissível a fungibilidade entre execução ou cautela, entre cautela e conhecimento, entre conhecimento e execução e vice-versa [34]. Para a aplicação da fungibilidade a dúvida há de ser objetiva, ou seja uma dúvida corrente, comum no meio jurídico e não fruto de dúvidas pessoais ou interpretações próprias e discrepantes da lei. Em todos os casos em que exista assentada doutrinaria e jurisprudencialmente de forma clara e pacífica, uma posição, salvante fortes argumentos contrários, ter-se-á que não há erro objetivo. A má fé denota-se da conjunção do instrumento errôneo mais o intuito de procrastinar, tumultuar ou embargar indevidamente o curso da demanda.

Conforme veremos mais adiante, ao tratarmos da visão instrumentalista, a fungibilidade é medida consentânea com o caráter instrumental do moderno processo. Não há na sua aplicação nenhuma vedação ontológica, e a limitação à ampla fungibilidade surge de um critério de política legislativa que toma por parâmetro o limite tolerável do tumulto processual que pode causar a mudança de tutela ou de rito, além da quebra da imparcialidade, passando o juiz a advogar pela parte.

Chega-se por fim, à última condição da ação que é própria do processo penal, Trata-se do justo motivo. Dito princípio é corolário do Princípio da Intervenção Mínima que postula que a repressão penal não deve recair sobre delitos de pequena monta. A invocação do justo motivo advém da constatação de que o só fato de se ver processar no juízo criminal já constitui, de per si, uma pena. Há certamente uma pecha sobre aqueles que têm contra si correndo processo judicial no foro criminal. A suspeita que se lança sobre o acusado aos olhos da comunidade é uma senda que jamais se apaga, tanto mais com os meio de comunicação de que hoje dispomos. Ainda que se comprove, após a instrução e o julgamento, que o indivíduo era inocente, sempre restará a lembrança de que foi processado e a dúvida acerca de sua inocência. Ademais é impossível fazer com que o resultado do julgamento inocentador chegue ao conhecimento de todos, ao menos é impossível ter certeza de que isto aconteceu, inobstante se faça ampla divulgação. Assim sendo, mesmo estando presentes as condições da ação comuns ao processo civil e penal, não se moverá a ação penal se verificado que no balanço custo benefício a ação não se justifica pelos prejuízos que o processo causará ao acusado, ainda que seja culpado. É preciso contudo, não confundir o justo motivo com o perdão judicial. Neste há uma previsão do direito material que isenta de pena. Naquele, sob o ponto de vista legal material nada justifica a elisão da ação penal. Se ela é afastada isto ocorre por considerações, neste caso, processuais. Não se justifica mover uma ação penal nestes casos e pode-se então dizer que tem muito de comum o justo motivo com a utilidade, elemento de composição do interesse. Mas na caso do justo motivo não está afastada a utilidade, o que ocorre é que no balanço custo benefício da atividade jurisdicional torna-se descabida a movimentação da máquina judiciária. É portanto, repise-se, um juízo processual e não material.

A Teoria Eclética da Ação é sem dúvida a que grassou maior número de adeptos no direito brasileiro, tanto no campo penal como no civil. Há, no entanto, uma série de criticas que contra ela se dirigem porque, assim como as outras teorias, não consegue explicar a totalidade do fenômeno da ação. Um dos principais aspectos apontados como falhos é o que diz respeito às atividades levadas a cabo antes do pronunciamento do juízo de carência. Ora, se o autor era carente de ação o que justificou a atividade do Estado-Juiz até o pronunciamento deste fato e qual a natureza destas atividades? Para contornar este óbice diz-se que as condições da ação são na verdade condições para o julgamento do mérito. Mas então há uma "contradictio in terminis", porque então não são condições da ação mas condições para o julgamento do mérito, e o autor não seria carente de ação, mas sim de julgamento de mérito. Com isto o que temos é na verdade uma teoria abstrata a não ser que se diga que o conjunto de atividades realizado antes do juízo de carência não é referente ao exercício do direito de ação. Só haveria exercício efetivo do direito de ação se o magistrado se pronunciasse no mérito da demanda. Mas a sentença terminativa, que põe fim ao processo sem julgamento do mérito, sentença é, e afinal o que estaria justificando a sua prolação? Nota-se que a Teoria Eclética denuncia também uma visão privatista do processo e da ação na medida em que tem por centro de gravidade a demanda conforme aduzida pela parte ( in statu assertionis), e não o exercício do poder jurisdicional.

6.5)Teoria do Direito Potestativo [35]:

Interessante construção teórica é a de Chiovenda segundo a qual a ação é um direito potestativo [36]. Concebe o processualista italiano a ação como um direito autônomo, exercido frente ao adversário que é quem se encontra em posição de sujeição. A potestatividade surge da impossibilidade de furtar-se dos efeitos da ação em que se encontra a parte adversa. Há a prescindibilidade do comportamento o daquele frente ao qual se exerce o direito de ação. A declaração de vontade é requerida como condição para a atuação da vontade da lei, sendo portanto a ação " o poder jurídico de criar condições para a atuação da vontade da lei". É óbvio o equívoco em que labora o emérito jurista ao reconhecer na ação um direito que se exerce frente ao adversário e não frente ao Estado. É certo que o adversário nada pode fazer quanto ao exercício da pretensão, isto contudo não serve para definir a ação, ou seja, não podemos tomar uma característica que não é exclusiva do direito de ação e utilizarmos como ponto de diferenciação.

6.6) O Relativismo:

É Calamandrei quem idealiza o relativismo [37], doutrina segundo a qual a conformação do direito de ação sofre influência do modelo de Estado e sociedade em que é concebida. Assim sendo, a teoria do direito abstrato encontra guarida nos ordenamentos autoritários e coletivistas ao passo que as teoria do direito concreto e civilista representam concepções liberais de Estado. Acaba Calamandrei por adotar a teoria de Chiovenda, posição que só foi revista muito mais tarde.

6.7)Teoria do Direito Subjetivo das Partes:

É a tese de Carnelutti que a ação é um direito subjetivo das partes. Carnelutti distingue a ação da pretensão, vendo naquela uma relação que é fruto desta, mas sendo ambas absolutamente distintas. Vê a ação voltada contra o juiz, o que é a grande falha de sua concepção. É de se notar que não deu grande atenção ao conceito, porque estruturou sua doutrina tendo por base a lide.

6.8) Teoria do Direito de Personalidade:

Da lavra de Köhler [38], esta teoria vê na ação a emanação de um direito de personalidade tomando a feição de uma mera faculdade Embora seja um conceito publicístico o fato é que a ação perde muito em força. Mas não é de se negar que a ação subsiste como um direto inerente à personalidade. O erro é dar-se demasiada atenção a este aspecto. Semelhante entendimento tem Couture, que fala na ação como emanação de um poder jurídico que tem todo cidadão. Esta concepção aproxima o direito de ação do direito constitucional de petição. Com isto, o direito de ação toma um contorno de extrema generalidade. Se podemos afirma que o direito de ação se engloba dentro do direito genérico de petição, não podemos contudo tomar por base para a explicação do direito de ação esta circunstância, posto que demasiadamente ampla e genérica.

Estas as concepções, dentre tantas, que maior apoio encontraram na doutrina e no direito positivo. Mais adiante, volveremos ao tema da ação para ulteriores considerações.


7- O Processo.

Durante séculos o processo permaneceu à sombra do direito material. Não se tinha uma noção da importância fundamental do processo no sistema de consecução dos direitos. Assim como os demais institutos do direito processual, também o processo sofreu uma influencia de duas correntes, uma privatista outra publicista. A priori, a noção de processo se confunde com a de rito, de procedimento, e como a ação, e consequentemente o processo, eram o direito material em movimento, não se conseguiu distinguir claramente as noções de processo, ação e direito material.

Primeiramente é preciso notar que o vocábulo processo tem variadas acepções. Processo denota movimento, dinâmica, transformação, e neste sentido é uma palavra de uso comum nas ciências. Utiliza-se juridicamente o vocábulo com múltiplos significados. Primeiramente referimo-nos ao processo como método de composição da lide (visão carnelutiana corrente em nosso direito). Neste sentido é que se diz mover um processo, que está aí por relação processual. Outro sentido comumente dado ao vocábulo substitui "autos" e neste caso processo está por materialização física do processo. Há ainda a utilização de "processo" atrelada a uma designação de função e neste caso se fala de processo de execução, cautelar e de conhecimento. Na verdade processo é o veículo da ação, quer dizer é a manifestação concreta, fatual do exercício do direito de ação e a caracterização do instituto toma variados matizes.

Assentada a construção da teoria processual esposada em nosso direito sobre os postulados de Carnelutti, assim como se nega haver jurisdição em efetivo exercício no caso da jurisdição voluntária, também se nega haver processo naqueles casos em que não esta em jogo litígio. Neste casos fala-se em procedimento, resguardando-se o uso de processo para os casos em que há lide. Tal asserção deixa de fora do conceito de processo a atividade administrativa por exemplo, limitando o emprego de "processo" somente para os casos em que se exerce jurisdição frente à "litis". O CPC abranda a aplicação do princípio, pois se refere à uma jurisdição voluntária, mas em tal caso exercida não através do processo, mas sim de procedimento [39]. Mais uma vez em voga uma visão privatista, porque toma por base a pretensão levada a juízo como fator de discrímem.

Também se busca distinguir processo de procedimento ou rito, sendo este último caracterizado pela morfologia externa do processo. Em tal ordem de idéias temos o processo de conhecimento que se manifesta em diversos ritos ou procedimentos, que são a ordenação dos atos processuais. Com efeito, o processo é um fenômeno complexo em que diversos atos concatenam-se no tempo espaço para a consecução de um fim ( de acordo com a doutrina tradicional a composição do litígio). O rito seria a ordenação destes atos preordenada ao atingimento de fim colimado. Realmente não se pode confundir a noção de processo com a de rito, porque o rito é a forma de ser do processo visto de "fora". A importância do rito, contudo, é hoje retomada, após ter sido negligenciada por muito tempo, pois se observa que é através do rito que se pode assegurar as garantias constitucionais. O processo ao contrário, é o conjunto de atos preordenados a um fim, in casu à conceder a prestação jurisdicional. Faremos maiores considerações mais adiante, quando tratarmos do processo à luz da corrente instrumentalista. Por ora é de mister perpassarmos perfunctoriamente as diversas construções acerca do processo e sua evolução.


8- Construções Teóricas acerca do Processo.

Também o processo sofreu forte influência da ideologia dominante nos períodos da história, variando sua composição e estrutura conforme o momento e o local tomados. Podemos afirmar, todavia, não obstante esta variabilidade, que há um sentido no movimento de evolução do processo que aponta para uma publicização cada vez maior. Isto é reflexo da monopolização da jurisdição pelo Estado e modernamente pela visão preponderante da jurisdição como uma função do Estado. Assim é que em Roma vislumbram-se três períodos de evolução em que se nota uma redução das formalidades, denotando a redução do componente místico, e uma publicização crescente no exercício da jurisdição, sem que se possa dizer que o processo romano tenha deixado de ser um processo altamente privatista. No período das "legis actiones", que eram cinco, seguia-se um rito de rígido formalismo em que a observância das formas era de capital importância. O processo tomava um cunho cerimonial extremo. A preterição de qualquer forma implicava a perda do direito de ação.

No período formulário deixou de existir o cunho quase religioso, mas o processo adquiriu feições de um exacerbado privatismo posto que as partes dirigiam-se ao magistrado para que este se lhes desse uma fórmula que era então levada ao "arbiter" a quem incumbiria o julgamento. Somente no período da "cognitia extraordinem" é que surgiu o processo mais próximo das feições que hoje apresenta com o magistrado proferindo o "judicium" e com a existência de auxiliares. Mas ainda assim, note-se bem, a jurisdição, e consequentemente o processo, tomavam uma feição subsidiária, secundária, sendo centrada sua movimentação à instância da parte.

O processo penal primitivo não acompanhou o processo civil e tal se explica pelo fato de que então processo e direito material eram considerados duas faces do mesmo fenômeno, ou melhor dizendo não havia um processo separado do direito material, mas sim o direito material em movimento. Logo, é natural que o direito processual civil encontrasse um desenvolvimento muito superior porque o direito civil era extremamente mais desenvolvido que o penal.

Esta discrepância se deve ao fato de que o direito penal, por tratar-se de um mecanismo de controle social mais eficaz, sempre apresentou uma ingerência política maior e manteve, ainda por longo tempo, um componente político presente, tanto mais quando se implantou o processo canônico na Idade Média. Basta observarmos que a base de nosso direito civil não está muito longe da base romana, mas no direito penal de cento e cinqüenta anos atrás se aplicava pena de galé. Destarte, o direito penal e o processo penal sempre serviram mais ao aparelho repressor do Estado do que à comunidade e a isto se deve o fato de até hoje demorarem as conquistas da ciência jurídica a surtir efeitos neste campo.

O processo medieval é marcado pela influência germânica e pelo processo canônico. A influência germânica representou um involução nas conquistas romanas, embora não se negue que deixaram algumas contribuições, em especial na sumarização da cognição. A involução se caracteriza pelo forte componente religioso do processo germânico medieval, fruto de uma cultura bastante rudimentar. Eram comum o uso de ordálias e juízos divinos, além de ser corriqueira a prática de duelos. A base do direito Romano se manteve no Império Bizantino e seria depois trabalhada pela glosa para a formação do processo comum medieval de origem italiana. É desta época também o Processo Canônico aplicado pelo famigerado Tribunal do Santo Ofício que fazia da tortura o instrumento básico de obtenção de confissões. Este processo procurava na verdade dar aplicação a uma política de dominação e, assim como o todo o processo praticado na época, não contemplava garantia alguma sendo o réu não sujeito do processo, mas sim objeto dele.

A situação alterou-se somente após a Revolução Francesa quando as declarações de diretos passaram a influenciar a aplicação da lei na condição de princípios retores do sistema, quadro que permanecerá até o advento do Estado Democrático Social de Direito, cuja influência abordaremos mais de perto mais adiante. Modernamente, ou seja, a partir deste período podem ser identificadas uma série de construções teóricas que tentam explicar o processo as quais serão brevemente analisadas a partir de agora. Dividem-se em dois grande grupos conforme tenham inspiração privatista ( contrato) ou publicista.

8.1- O processo como Contrato:

Aqui se tem o reflexo de uma atuação ainda acanhada do Estado frente ao exercício da jurisdição e uma forma bastante privatista do processo, concebido então sob a roupagem de um contrato. Tem-se então a "litiscontestatio" ou "litis contestatio", mediante a qual as partes vinham a juízo onde se lhes era concedida uma fórmula ( segundo período de evolução), primeiro ao autor depois ao réu, e segundo a qual se comprometiam a aceitar a solução que fosse dada ao conflito por um terceiro, "arbiter´ ou "iudex" que não era o pretor estatal. Na primeira fase de evolução a litiscontestatio servia para a imposição da decisão às partes e então dizia Ulpiano que em juízo se contraía obrigações como fora dele. O traço distintivo e relevante reside neste fato: a jurisdição era exercida por um arbitro não pertencente ao corpo estatal. Representava a transmutação do conflito em lide judicial uma verdadeira novação que punha fim ao que existia antes substituindo-se o "negotia" pela "sententia". Embora certa parcela da doutrina francesa, fundamentada no contratualismo de Rosseau ainda tenha dado vida a esta construção, o fato e que o processo moderno jamais poderia ser concebido nesta formulação.

8.2- O Processo como quase contrato [40]:

A sistemática romana no que concerne às obrigações e suas fontes era rígida. A teoria do quase contrato nasceu exatamente da constatação de o processo não se enquadrava nas formas usuais de criação de obrigações. Não era, certamente um contrato porque sua criação não se dava por exclusiva ação da vontade das partes, que eram necessariamente conduzidas a esta solução por força da lei. Tampouco se haveria de falar em delito, embora pudesse existir na origem da controvérsia. Mas uma coisa e termos um delito como objeto do processo, outra e ser o próprio processo o delito. Origem da teoria remonta a um fragmento no qual se lê: "in judicium quase contrahimus". É certamente visível a influência privatista desta teoria, que jamais poderia ser tolerada nos processo moderno. Se coaduna, esta visão, a uma concepção civilista de ação.

8.3- O Processo como Instituição:

Esta teoria tem como idealizador Jaime Guasp. Parte da premissa sociológica de que o processo representa uma escolha do grupo social. As escolhas de determinados valores e comportamentos, quando alcançam um grau de abrangência significativo, sejam escolhas democráticas ou não, e neste último caso são impostas por uma estrutura de poder apta a impô-las, atingem a institucionalização, passando a valerem de per si, ou seja, adquirem dentro de um determinado espaço de tempo, uma inquestionabilidade. O processo não deixa de ser uma instituição, mas afirmar isto pouco acresce na tentativa de delineá-lo corretamente.

8.4- O Processo como Situação Jurídica:

Trata-se de teoria desenvolvida por James Goldschimidt [41]. Na visão do processualista alemão o processo representa uma situação jurídica de sujeição a um futuro comando sentencial em que materializam as expectativas dos contendores em relação a um resultado, que pode ser favorável ou desfavorável. A norma jurídica, enquanto estática, tem ínsito um provável direito subjetivo e quando esta mesma norma é posta em atuação pelo processo, dito direito se converte em uma expectativa, funcionando a norma como critério para o julgador. Na verdade a teoria do autor alemão peca por dar margem a um tecnicismo inconcebível e por direcionar-se mais ao direito que constitui a "res in judicio deducta".

8.5- O Processo como Relação Jurídica:

Esta sem dúvida a teoria que maior alcance obteve em termos de aceitação. É obra de Oscar von Bülow, e foi veiculada em sua revolucionária obra " Teoria das exceções e os pressupostos processuais" [42], publicada em 1868.Bülow soube captar a essência que se mantivera recôndita sob o matiz do direito substancial, tendo plena consciência de que o direito processual padecia de um grave atraso científico em relação ao direito material. Até então, o processo é visto como mero rito, mas o autor localiza nele uma verdadeira relação jurídica, estabelecendo um vínculo jurídico entre o juiz e as partes, assim como já dizia o glosador Búlgaro: "judicium est actum trium personarum". O exercício da ação, dando vida ao processo, colocaria o Estado -juiz em uma situação de sujeito de direitos e obrigações frente às partes, dentre as quais a principal seria a da prestação jurisdicional final. As partes igualmente teriam direitos e obrigações frente ao Estado-Juiz, mas não só esta categoria, como também as faculdades processuais. A partir da constatação da relação processual como uma realidade separada da relação de direito material encartada no processo, é possível construir uma teoria acerca dos pressupostos da relação processual, subjetivos e objetivos, hoje perfeitamente assentada na doutrina e no direito positivo.

Na construção de uma relação jurídica encontra-se fundamento para a submissão das partes ao processo como uma relação dialética, composta por um feixe de atos concatenados ao atingimento de um fim. A teoria de Bülow ganhou foros de quase unanimidade no direito ocidental moderno, coisa que não ocorreu com a forma pela qual se revela esta relação. Com efeito, três teorias disputam a proeminência na definição da estrutura da relação processual. Assim, Köhler via na relação processual um vínculo que unia apenas autor e réu, dando origem à Teoria Linear. Hellwig, por seu turno, via na relação processual uma relação angular em que se estabeleciam relações entre as partes e o juiz. É a Teoria Angular. Bülow e Wach viam na relação processual uma relação entre as partes entre si e entre elas e o juiz, dando vida à Teoria Triangular. Hoje, com a publicização do processo, a teoria triangular é a que melhor representa o conjunto de relações existentes no processo. Destarte, os comportamentos postos sob a denominação de litigância de má-fé ferem um dever de lealdade entre as partes, corrompendo e indignificando não só o processo enquanto exercício de uma potestade estatal mas também como relação entre as partes. São atitudes que não encontram guarida em uma ordem político-jurídica marcada, acentuadamente, por um solidarismo jurídico que requer uma postura individual ética, fazendo do processo um instrumento dela. Como veremos adiante, isto é reflexo de uma visão mais ampla do fenômeno processual ( Jurisdição, ação e processo), que caracteriza o pensamento instrumentalista à luz do qual deve ser feita a análise de qualquer instituto da técnica processual, seja qual for o ramo do direito material invocado.


9- A Terceira fase

A Instrumentalidade do processo representa a terceira fase de evolução. Primeiro tivemos o sincretismo imanetista, fase de fusão do direito material e de inexistência de uma separação rigorosa dos planos processual e material. A segunda fase é a fase da independência, em que a ciência processual busca afirmar sua autonomia frente ao direito material e às demais ciências através de uma visão introspectiva, distanciando-se da realidade. A instrumentalidade é a terceira fase, em que se busca uma visão epistemológica do Direito Processual, contrapondo-o à realidade e buscando a ótica dos "consumidores", para a consecução de uma efetividade da tutela jurisdicional e produção de uma "ordem jurídica justa". Faremos agora uma sucinta análise desta nova visão do processo, primeiramente analisando o quadro geral de evolução do processo e, após, as causas da nova visão do direito processual em uma abordagem mais ampla do fenômeno, ou seja, não restritas às fronteiras da técnica processual.


10- Quadro Geral de Evolução: um apanhado

O quadro de evolução do direito processual não é um discorrer de um fenômeno estanque e desligado do quadro geral de evolução do Direito. Muito pelo contrário, nele se insere e segue os mesmos influxos. É importante que tenhamos consciência de que o direito não pode ser tratado de forma desligada da realidade como se quis fazer em certa época de sua evolução.

Da mesma forma, é importante percebermos que a humanidade evolui em ciclos, ou seja, um determinado período tomado representa a antítese de anterior e é sucedido por um contrario. Mas para que haja evolução é preciso que os ciclos não se repitam exatamente, e é o que acontece porque o que se repete é uma tendência, uma ótica determinada, que aparece transmudada, com um conteúdo diferente. Cada ciclo apresenta, portanto, a repetição de uma tendência e a negação de outra, sem, no entanto, representar a antítese total ou a repetição total. Há contudo grandes linhas mestras que orientam qualquer processo de evolução e que se materializam em tendências constantes e subjacentes que se repetem em cada ciclo com maior ou menor intensidade. Pontes de Miranda falava de um "princípio de redução do quantum despótico", caracterizado por uma tendência á ampliação de direitos sempre presente. Tem toda a razão, pois a tendência universal que podemos vislumbrar ao longo da história é de afirmação do indivíduo frente ao Estado e de ampliação de direitos e redução do individualismo, fruto mesmo do desenvolvimento de uma consciência de vida em sociedade e da melhoria das condições de vida em todos os sentidos. É compreensível que a melhoria de condições de vida obtida pelo desenvolvimento tecnológico tenha reduzido a gravidade dos conflitos, não sua intensidade. A disputa, hoje, pelos bens da vida não é tão ferrenha a ponto de termos como regra o conflito de eliminação que caracterizou o passado, mas nem por isso deixaram de existir conflitos e desigualdades gerando tensões na sociedade, só que agora mais brandas, ou seja, menos violentas, porque o Estado tratou de criar mecanismos de apaziguamento social.

À medida em que se desenvolve, o ser humano toma consciência cada vez mais de que a vida em sociedade é um princípio fundamental de existência e que ela induz necessariamente a observância de regras. É bastante oportuna aqui a invocação de uma das máximas de escola ortodoxa de processo segundo a qual a exercício da jurisdição visa apaziguar os conflitos que surgem pela limitação dos bens da vida em contrapartida de uma infinita demanda de necessidades. Embora se possa no atual momento afirmar que esta é uma visão parcial e incompleta do fenômeno do exercício do poder "sub especie jurisdicionis", o fato é que ela não deixa de ter sentido. Na medida em que cresce a consciência da necessidade de respeito à esfera de direitos de outrem, reduz-se sensivelmente a violência dos conflitos, porque permanecem, mas, ao mesmo passo, as pessoas sabem que não podem fazer justiça com as próprias mãos. E isto é um fator considerável para a institucionalização de um poder de moderação que o Estado exerce através da jurisdição, e que aparece aqui como fator de suporte para que os ciclos de evolução apresentem um reconhecimento cada vez maior de direitos e redução do individualismo através de uma consciência social mais ou menos difundida.

A justiça das priscas eras da humanidade é fundalmentalmente privada. Só a institucionalização, ou seja a aceitação mais ou menos generalizada, de uma forma de poder ( Poder estatal) é que irá paulatinamente retirando o exercício da distribuição da "justiça" das mão particulares. À medida em que o grupos humanos crescem, torna-se imperioso o estabelecimento de pautas de condutas previamente estabelecidas que irão permitir a vida em sociedade. Na matriz romana, que dá base ao nosso direito, o fenômeno da paulatina tomada do poder pelo Estado é visível nos três períodos evolutivos por que passou o processo romano. Nas legis actiones, há o processo com forte elemento formal, quase mítico. As ações da lei exigiam a observância de rigoroso formalismo pena de perda do direito, de tal modo que o exercício da ação era quase que cerimonial. No período formulário, o processo compreendia uma fórmula como visto linhas atrás, quando tratamos do processo como quase contrato. O que tínhamos então era a "litiscostestatio" que unia as partes ao "arbiter". Nota-se que o Estado não toma para si a resolução do mérito, significando dizer uma atuação ainda titubeante e distante. Somente no período da "cognito extraordinaria" ou "extraordinem" é que o processo irá tomar a feição mais próxima do que hoje conhecemos, exercendo o magistrado jurisdição sobre o mérito da demanda.

Mas é de suma importância verificar que foi nesta matriz romana que começou a se dar o distanciamento do processo da realidade. No final do Império romano ocorre a universalização da "obligatio" e via de conseqüência da "condemnatio", cunhando a função jurisdicional de um predicativo eminentemente declaratório e separando claramente a execução da declaração. A conseqüência futura deste fato será uma contribuição para isolamento do processo em relação ao contexto que o cercava. Na fusão dos elementos da cultura romana com a dos povos ditos bárbaros que vinham do norte, não se alterou substancialmente este entendimento, embora não se possa negar uma influência daquelas culturas e do seu Direito sobre o Direito Romano. Da fusão destes elementos tão heterogêneos surge o chamado direito comum medieval, de formação principalmente construída na Itália. O antecedente do direito comum medieval é a glosa, movimento de retomada dos textos romanos que eram então interpretados pelos glosadores, dentre os quais figuram nomes como Cocceio, Bartolo de Saxoferrato e Baldo de Ubaldis, dentre outros. Este Direito, dito comum, será a base das nossas Ordenações Reinícolas e portanto terá forte e direta influência sobre o Direto vigente entre nós até o início deste século. Nem mesmo o Renascimento foi capaz de alterar esta tendência

Mas o Renascimento associado à era das descobertas marítimas criará condições para a ascensão de uma nova classe, a burguesia que, ganhando força, irá reverter o quadro de poder na Revolução Francesa. Nesta época, por volta de fins do século XVII, surgem doutrinas como a de Kant e Montesquieu. Pela filosofia de Kant se concebe um mundo jurídico separado da realidade. Pela teoria de separação de poderes de Montesquieu o juiz deve ser o "boca da lei", restringindo-se a aplicar o direito assim como consta da letra da lei. A Revolução Francesa representará a ascensão ao poder da burguesia que carece de segurança jurídica para seus negócios, determinando uma postura voltada a uma técnica processual de ordinarização dos ritos. Por outro lado, surgindo o Estado Liberal, a concepção da atuação do Estado é voltada a uma atuação garantidora, tão somente. Os direitos, contemplados nas declarações, ficam em um plano meramente formal, logo, a jurisdição a ação e o processo tomam ainda mais uma vez, a feição privatista que sempre lhes caracterizou, ainda quando o Estado os tomou para si. Mas não tardaria o sistema polítco-jurídico para demonstrar sinais de fadiga. O desenvolvimento propiciado pela Revolução Industrial e a urbanização cada vez mais acelerada começaram a gerar pressões sociais. Assim é que surgem o movimento socialista nas vertentes de Marx e Engels, mas não por neles como também cm Saint Simom, Ouwen e Fourier.

Com o advento do Estado Democrático Social de Direito, a partir das constituições de Weimar e Mexicana, com Estado assumindo uma postura de promotor efetivo dos direitos e não de mero garantidor, começou a transparecer a insuficiência de uma ciência processual concebida sob uma visão introspectiva, distante das realidades sociais. A tentativa de criação de uma ciência dogmaticamente pura e ideologicamente neutra fracassou. Primeiro se verificou a necessidade de uma tutela cautelar, isto já no começo do século XX. Mais recentemente a independência e neutralidade do processo começou a ser questionada na medida em que se constatou a insuficiência das concepções ortodoxas em prestar uma tutela jurisdicional efetiva.

Surge, então, no campo do exercício do poder estatal sob a forma de jurisdição, a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional. Não basta mais ao Estado garantir uma tutela jurisdicional; é preciso que ela realmente atue em todos os campos, evitando a existência de "bolsões de litigiosidade contida", de claros de ausência de presença do Estado. Por outro lado, a ciência do processo deve saber reconhecer o valor de outras ciências de onde pode retirar valiosos aportes para sua melhoria. Se o poder estatal no Estado Democrático de Direito tem sua legitimidade relacionada ao grau de eficiência que é capaz de produzir, propiciando uma justiça eficaz, rápida e acorde aos valores da sociedade, à medida em que a ciência processual seja capaz de dar realidade a esses resultados estará legitimando o Estado e auxiliando-o a cumprir suas finalidades.

A corrente instrumentalista busca exatamente isto, ou seja uma visão ampla do fenômeno processual sob a ótica dos consumidores, os jurisdicionados. Há uma mudança no centro de gravidade do estudo do processo, passando a jurisdição ao centro ao invés da ação, como até então se preconizava. Isto ocorre porque ganha importância no contexto do exercício do poder jurisdicional o enfoque que vê aí, primordialmente, o exercício de uma função na qual o Estado obtém a realização de diversos escopos, quer sejam políticos, sociais ou jurídicos.

Esta inversão no eixo dos estudos é claro indício de publicização. Não é mais o exercício de um direito da parte, tanto no plano material como no processual, a pedra de toque do processo ( Ação, jurisdição e processo), mas sim o interesse do Estado que está subjacente e que agora, como nunca antes, aflora. Isto ocorre porque o modelo de Estado Social é interventor e atuante. É a antítese do Estado mínimo do liberalismo, e não basta ao exercício da jurisdição, mediante a ação e o processo, resguardar o interesse individual, como outrora. Significa dizer que a forma do processo que servia ao Estado de concepção Liberal, estado mínimo, individualista, inerte, não serve a um Estado interventor, atuante e solidarista, que vê no exercício da jurisdição mais um mecanismo de atingimento de seus escopos. Na esteira destas constatações é que surge um movimento de revisão em todo o direito, e não só no processo, visando adaptar a feição do manancial legislativo ao novo modelo de Estado. Reflexo disto temos no Código de Defesa do Consumidor, na Lei de Locações, na Lei dos Juizados Especiais, dentre outras, isto sem falar do texto constitucional, que agasalha indubitavelmente um Estado Social. Este é seguramente o caminho a seguir.


11- A Instrumentalidade do Processo

A visão instrumentalista, que representa o terceiro momento de evolução do processo, tem como conseqüências um alargamento dos horizontes do processo. É uma visão que produz um processo que é a faceta judicial do Estado Social, preocupado não só com o aspecto formal com que se debatia o Estado Liberal, indo além. Dentre as suas correntes ganhou notoriedade o movimento pelo acesso à justiça, capitaneado por Mauro Capeletti, dando um dos enfoques da efetividade da jurisdição. Também Niklas Lühman na Alemanha e Elio Fazzalari, na Itália, preocupados em dar um enfoque maior ao procedimento como fonte de legitimação do poder. No Brasil é a visão instrumentalista que move as reformas processuais em curso desde meados da década passada. Assim é que foram introduzidos em nosso processo civil a antecipação da tutela ( art. 273 do CPC), a tutela inibitória ( art. 461 do CPC e 84 do CDC), a execução específica das obrigações de fazer e de não fazer, a simplificação do processo de execução, excluindo-se a necessidade de cálculo por contador, a audiência prévia de conciliação e saneamento, as alterações na sistemática recursal ( Leis 9.139/95 e 9.756/98) dentre tanto as outras.

Ocupando a jurisdição o centro da teoria processual enquanto exercício de poder estatal, amplia-se o horizonte do processo (stricto sensu) para abranger manifestações não antes tidas como não-jurisdicionais, concebendo-se então uma larga margem de abrangência para uma Teoria Geral do Processo. A ação ganha um conteúdo diferenciado, mais publicizado, fato que podemos notar na Ação Civil Pública e na Ação Popular, verdadeiros mecanismos de participação democrática. A Jurisdição ganha, como visto, uma amplitude que não se restringe a um escopo somente. Não se trata mais de fazer atuar o direito objetivo, ou pacificar o conflito somente. Busca-se a educação para a vida em sociedade, a afirmação do Estado e do Direto, a pacificação com justiça. Enfim a cidadania. A matriz de nosso processo, que é o processo continental europeu é questionada, porque construída para dar efetividade a direitos privados e não serve para os novos direitos sociais, de cunho não patrimonial.

Mas é preciso que se note que estas conquistas ainda são recentes e não foram transportadas a todos os recantos da ciência processual. O processo penal sofre em especial deste mal. A secular confusão dos planos processual e material fez com que o processo fosse cindido, tendo os processos civil e penal sido erguidos sobre bases diferentes o que hoje se verifica não tem sentido. Da mesma forma, não tem mais cabimento o isolamento do direito processual em relação ao plano do direito material, como se propôs na segunda fase de sua evolução. Significa dizer que não devemos involuir para tornarmos ao sincretismo, mas tampouco podemos desconsiderar a instrumentalidade do processo ao direito material. No exato equilíbrio destas tendência contrapostas é que reside o ideal.

A conseqüência mais visível do instrumentalismo reside na busca incansável de adequação do processo, enquanto forma, ao direito material que ele visa servir, cumprindo, pela inserção de valores constitucionais no conteúdo de suas normas, o papel de instrumento do Estado para que seja alcançada a máxima eficiência da prestação jurisdicional. Logo, os institutos processuais devem ser interpretados à luz deste objetivos, ou seja, com uma visão exterior que concebe o meio com vistas ao fim. O conteúdo da ciência processual se publiciza, priorizando-se o prisma que vislumbra no exercício da jurisdição um interesse preponderante do Estado.

A jurisdição não apresenta, sob este ponto de vista, o caráter secundário, porque nela não se está buscando prioritariamente a guarida dos interesses das partes, mas sim o interesse maior da sociedade.

A ação aparece como uma opção de política legislativa que concede o direito de obter a tutela jurisdicional a julgo do interessado somente porque se constata que o exercício ex offício da jurisdição representaria um motivo de inquietude e instabilidade.

O processo, como conjunto de atos concatenados para o fim de obtenção da tutela, ganha importância na medida em que é mecanismo de legitimação do exercício do poder. Somente na medida em que as partes tenham a certeza de que irão participar ativamente da preparação do provimento ou atividade do Estado que se prepara por via do processo, é que ele logrará legitimar, aos olhos da sociedade, destinatária do ato, a atividade desenvolvida. Mas isto não significa perder de vista o caráter de instrumento do processo de tal modo que o magistrado está autorizado a flexibilizar a forma, na medida da legalidade, com o fito de moldar o instrumento ao fim que ele visa.

Tudo isto sempre com vistas ao consumidor da prestação jurisdicional, porque é na sua aceitação que se encontra a legitimidade do exercício do poder e quanto mais eficiente o mecanismo de prestação jurisdicional, maior a aceitação, satisfação e confiança dos destinatários. Logo, é preciso verificar se efetivamente se está produzindo uma prestação conforme as expectativas dos seus destinatários, não bastando mais as garantias meramente formais. Isto legitima uma revisão de todos os institutos processuais para adequá-los a nova realidade, pautando-se o estudioso por um método epistemológico que não se restrinja à tradicional visão introspectiva de puro tecnicismo processual.


12- Jurisdição, Ação e Processo

Feitas estas considerações, estamos em condições de nos lançar a uma apreciação crítica dos objetos de nossa abordagem. Colhendo elementos da moderna doutrina do processo, voltada a uma efetividade da tutela jurisdicional, poderemos fazer algumas considerações que procuraram tratar dos problemas mais relevantes que pudemos levantar no cotejo histórico dos institutos. Lembremos, mais uma vez, que o estudo do processo deve hoje ser levado a efeito através de um método de ampla aplicação das ciência sociais, repelindo-se uma visão estanque. Com efeito, se o que se busca é uma tutela efetiva, é necessário que tenhamos um instrumental apto a aferir os efeitos da atividade jurisdicional frente aos seus destinatários. Para tanto, é de mister nos valermo-nos de meios idôneos de aferição dos resultados da atividade jurisdicional, meios estes que nos são fornecidos por outras ciências sociais como sejam a sociologia, a ciência política, a sociologia do direito e a antropologia jurídica.

12.1- Considerações acerca da jurisdição.

Como visto, não podemos ter uma visão estanque do fenômeno do exercício do poder sub especie jurisdicionis, pena de chagarmos a um resultado parcial e errôneo. A jurisdição é das dimensões da ciência processual aquela que mais se aproxima da política e mais suscetível de ingerência exteriores ao sistema. Logo, o conceito e a compreensão da jurisdição estão intimamente ligadas às concepções sócio-políticas vigentes na época e local tomados.

Por séculos a jurisdição teve um feição mais ou menos estável, fruto da velocidade com que se operavam as mudanças no contexto da sociedade. Quando sobreveio o Estado Liberal, a jurisdição tomou a feição que seria a mais útil ao sistema organizacional vigente, prestigiando o cunho declaratório da sentença, a separação rígida direito processo e fundamentou-se no sistema tradicional de sentença condenatória-execução forçada, adquirindo um apostura introspectiva que distanciou o processo das realidades em que ele deveria operar. Isto não causava rubores em um Estado que limitava-se a garantir direitos no plano meramente formal. Daí surgem as visões que limitam os objetivos perseguidos pela jurisdição enquanto exercício do poder jurisdicional. Chiovenda já evoluiu ao afirmar que a jurisdição visava a aplicação da vontade da lei e não mais a consecução do direito subjetivo da parte. Isto já representava um avanço ma caminhava de evolução rumo à transformação da visão da jurisdição a uma visão de ótica publicista. Mas ainda assim, vemos a postura de Carnelutti que centra sua teoria sobre a lide, o que é um apostura voltada ao direito subjetivo, embora seja inegável uma ligação entre a lide e o contexto social, pois que a lide é um conceito sociológico e não processual.

A terceira fase da ciência processual põe fim a esta dicotomia do mundo do processo em relação à realidade. Hoje verificamos uma relativização do binômio direito-processo, de modo à poder-se conferir uma estrutura ao instrumento apta a torná-lo capaz de realizar cada espécie de direito, sem desatentar para as suas peculiaridades. Busca-se uma plasticidade da forma, adequando-a ao objeto que visa realizar. Conseqüentemente, as visões parciais da jurisdição que lhe atribuíam um caráter secundário, subsiddiário, fulcradas na predominância da Ação ao centro da teoria processual, não podem ser mais aceitas [43]. Não é da substância da jurisdição a formação da coisa julgada, nem tampouco a aplicação da lei ao caso concreto ou a justa composição da lide, embora estes escopos estejam presentes, sem dúvida, o exercício da jurisdição. O que não se pode e torná-los isoladamente o fator diferencial.

Neste sentido, ganha em precisão a teoria instrumentalisata ao identificar uma série complexa da escopos no exercício da jurisdição, desmistificando um pretenso isolamento da jurisdição em face dos demais poderes-funções do Estado. Não há somente um escopo jurídico e a jurisdição não deve ser vista como um fenômeno secundário ante as funções poderes do Estado.

Mas a conquista da corrente instrumentalista não chega, ao descortinar mais longos horizontes, a nos dar uma definição da jurisdição apta a separá-la dos demais poderes-funções, o que é fundamental para a compreensão de seu sistema funcional. Dinamarco nos dá uma definição próxima ao definir a jurisdição como a atividade levada a cabo pelo Estado tendo a aplicação da lei como fim. Aqui chegamos a uma separação da atividade jurisdicional da atividade administrativa porque esta última não tem a aplicação do direito como fim em si mesmo mas sim o bem comum, que quase sempre no Estado de Direito deve coincidir com a lei. Se nos parece que falta a menção ao um componente indispensável, qual seja a, a incontrastabilidade. Com efeito, a característica fundamental da atividade jurisdicional parece residir na incontrastabilidade das decisões e atos que lhe dão corpo. Não podemos concordar em erigir um conceito de jurisdição baseados unicamente na aplicação da lei ao caso concreto porque podem existir casos em que a Administração Pública exercita atividades em que o componente da aplicação da lei exsurge em caráter principaliter como podemos verificar nos casos em que são julgados recursos administrativos.

É claro que a administração pública sempre tem em vista o bem comum, mas nestes casos, ganha força a finalidade de aplicação da lei ao caso concreto. O grande diferencial é que na atividade jurisdicional este exercício se torna incontrastável por qualquer outro Poder, o que não ocorre em relação à atividade administrativa, que pode sofrer o contraste do Poder Judiciário em exercício da jurisdição. Note-se bem que isto nada tem a ver com a formação de coisa julgada, que diz com a impossibilidade de discussão no âmbito do judiciário.

Logo, podemos definir a jurisdição como a atividade levada a cabo pelo Estado de forma a aplicar o direito concretamente e de forma incontrastável exceto pelo exercício de jurisdição tendo por objeto a própria atividade em questão. Ou seja, os atos que caracterizam o exercício da jurisdição, seja qual for a sua natureza, só podem ser contrastados por outros atos jurisdicionais. Nesta concepção poderemos ter então atos jurisdicionais exercidos por outro Poder que não o Judiciário? Certamente que sim, naqueles países em que houver dualidade de jurisdições, ou seja, naqueles casos em que os provimento e atos em geral exercidos pela administração na atividade de aplicação do direito ao caso concreto, sejam dotados de incontrastabilidade [44].

Verificamos, portanto, que tomada esta posição, nenhuma razão há para excluir-se do exercício de verdadeira atividade jurisdicional aqueles casos compreendidos na denominada jurisdição voluntária. A presença de coisa julgada ou de litígio não retira a incontrastabilidade da atividade levada a efeito no bojo da jurisdição voluntária, que só pode ser revista pelo poder judiciário em exercício de atividade jurisdicional.

12.2- Considerações sobre a Ação

Não há maiores dificuldades em concebermos hoje a ação como um direito subjetivo de provocação da tutela jurisdicional. A grande questão reside me saber-se se é um direito abstratamente considerada ou a uma tutela concretamente configurada. Nos encontramos frente a duas visões que dão corpo a uma teoria abstrata da ação ou a uma teoria eclética, já que a teoria da ação concreta ( O rechutzansprüch de Wach ) discrepa por completo de qualquer visão moderna. Somos levados nesta senda, a fazer algumas considerações acerca do papel das condições da ação e da sua natureza.

O grande problema é que encetado um juízo de carência não encontramos um antecedente lógico para justificar as atividades jurisdicionais levadas a efeito até a prolação da decisão que assim declara.

Se o autor e o réu são carentes de ação, o que justificou a apreciação de suas alegações até então? A que título encontravam-se no processo e exercendo que espécie de direito? Por outro lado, admitida a ação sem qualquer limitação perde-se um poderoso mecanismo de depuração representado pelas condições da ação. Estaria aberta a porta para as demandas infundadas e temerárias serem postas lado a lado a aqueles casos em que verdadeiramente existe um fundamento subjacente à aplicação do direito.

A doutrina, na tentativa de contornar estes óbices, construiu as condições não como condições da ação, mas como condições à apreciação do mérito. Esta parece ser uma boa saída, no entanto, seremos obrigados a redimensionar as condições hoje ditas da ação para sua verdadeira dimensão, e teremos de concluir que não há um juízo de carência de ação, mas uma impossibilidade de julgamento de mérito. Deveras, não é possível negar a atribuição de uma natureza jurisdicional às atividades levadas a termo antes e na declaração de impossibilidade de julgamento de mérito desde que realizadas como atividade fim e dotadas da incontrastabilidade diferenciadora da jurisdição. E como a atividade de provocação da jurisdição por parte do interessado toma sempre a feição de ação é certo que ação houve. Via de conseqüência, não tratamos rigorosamente de condições da ação, mas sim de condições para o julgamento de mérito.

A grande dificuldade, então, reside em qualificar-se as condições de julgamento do mérito dentro do trinômio de questões enfrentados, concernentes ao processo, à ação e ao mérito. Com certeza as ditas condições da ação, que melhor reputamos condições para o julgamento do mérito, como fez certa doutrina, não pertencem à tratativa da relação processual, pois auferem elementos de fora da relação processual. O que nelas se versa é o objeto da relação processual, porque a noção de mérito em nossa sistemática é equivalente a de pedido, e o pedido é objeto da relação processual. Se nos parece, portanto, que o material a ser examinado nas ditas " condições da ação" pertence ao mérito, no entanto não se consubstancia em um julgamento de mérito, mesmo porque, frente a nossa sistemática processual, o artigo 267 do CPC é peremptório ao afirmar que dito julgamento, ou seja, acerca das condições da ação constitui sentença que não julga o mérito. É preciso, então, que distingamos julgamento de mérito, que é aquele que se realiza como prestação jurisdicional tipo do processo de conhecimento, via de regra após cognição plenária e exauriente, do mérito enquanto matéria de apreciação. Procedida esta separação, podemos conceber as ditas condições da ação como elementos do mérito sem tornar a sua apreciação um julgamento de mérito necessariamente. Assim teríamos que as denominadas condições da ação inexistem como elementos autônomos, pertencendo ao mérito, ou seja, não á um trinômio de questões, mas sim um binômio, formado por pressupostos processuais e questões de mérito.

A doutrina italiana já concebe de longa data a possibilidade jurídica do pedido como elemento do mérito. E neste passo calha uma indagação: Não estaria a possibilidade jurídica do pedido em idêntica situação em relação ao mérito às demais questões, quais sejam, legitimidade ad causam e interesse. Se nos parece que sim, e então, o fato de na sua análise se conceber a hipótese dos autos como uma possibilidade ainda não concreta, carecendo de uma análise mais acurada no juízo de mérito, as coloca em condições de igualdade. Se já se concebeu que a possibilidade jurídica pertence ao mérito não há porque não considerar que as demais também não pertençam a esta categoria. Mas então qual seria a natureza do juízo acerca destas questões levado a efeito para fim de verificação se a parte faz jus ao julgamento de mérito.? Este juízo, que hoje enquadramos como juízo acerca das condições da ação, e que se faz, me tese previamente ao juízo de mérito, em verdade constitui um juízo preliminar acerca a possibilidade de julgamento ulterior de mérito, tendo por objeto uma fração das mesmas questões que compõe o mérito, amas sem ser um julgamento de mérito. Trata-se a nosso ver de um julgamento sobre o mérito, ou melhor um juízo sobre parcela do mérito em caráter delibatório, ou seja, admissional, tão somente.

Em síntese, um juízo de admissibilidade, à semelhança do que ocorre em sede recursal. Chegamos, via de conseqüência a uma composição de um binômio de questões que dá margem a três juízos, um referente aos pressupostos processuais um referente à admissibilidade do julgamento de mérito e o último referente ao mérito em si.

Outra conseqüência desta construção reside na supressão do problema da ação processual e da ação constitucional [45]. Com efeito, na medida em que deixam de existir condições da ação no sentido em que a doutrina as construía, ou seja, de que na sua ausência não haveria ação processual, podemos deixar de referir a esta dicotomia. O direito de ação é um só, apresentando duas facetas, uma estática que está prevista na Constituição Federal e que se aproxima do direito de petição, e poderíamos dizer é conteúdo do direito de petição, e oura fase dinâmica, correspondendo à fase processual, do direito de ação. Mas neste último caso, o atingimento do escopo magno da prestação jurisdicional "in concreto", haja vista contingências políticas e práticas, se condiciona a um juízo prévio pelo qual o sistema verifica se diante de si o julgamento preenche uma série de requisitos externos que surgem como triagem. Esta limitação não se encontra ontologicamente arraigada no sistema, mas é externa a ele e se origina das opções da sociedade em condicionar a prestação jurisdicional a uma viabilidade e a um interesse justificável ante os custos econômicos e sociais do processo. Não se há mais falar, portanto, em nosso sentir, acerca de um direito constitucional de ação e de um direito processual de ação, pois estas são facetas de um mesmo fenômeno, duas faces da moeda. Sempre que houver a movimentação da máquina judiciária frente a um caso concreto, objetivando a aplicação da lei ao caso concreto como atividade fim e dotada de incontrastabilidade frente aos outros poderes, estaremos diante do direito de ação, constitucional e processual simultaneamente.

12.3- Considerações sobre o Processo:

Na visão que marca a terceira etapa de evolução do processo, passamos à busca de uma efetiva instrumentalidade do processo ao direito material. O fetichismo das formas deve ser abolido e o binômio processo- direito material relativizado mediante tutelas aptas a se moldarem ao direito material veiculado, afastando-se a supremacia absoluta do ordo judicum privatorum, do rito ordinária, da cognição exauriente e plena e do binômio condenação- execução forçada. Mais do que nunca, sobressai o caráter instrumental do processo, sem que isto, como ocorria no sincretismo, represente uma menos valia ao processo, muito pelo contrário. O fato é que entre a certeza e a segurança jurídica e a celeridade, o sistema orienta-se cada vez mais para a última, até mesmo no processo penal, reduto fortificado da segurança jurídica ( Lei dos Juizados), campo este onde todos os cuidados são recomendáveis.

A técnica processual tem importante papel na busca da efetividade da jurisdição, agora revigorada e revisitada, compondo-se à luz dos novos valores. Atrela-se, assim, a forma a uma finalidade, o que é a máxima do instrumentalismo. As formas processuais só têm sentido na medida em que cumpram uma finalidade, e esta, além da ordenação própria ao erguimento de um sistema, também é o veículo por excelência da infiltração e proteção dos valores sociais no sistema processual, outrora hermeticamente fechado e estanque. Sob a égide de uma Teoria Geral do Processo, condensam-se no processo os valores axiológicos, tornando-se o processo um meio mais eficaz e legítimo de exercício do poder estatal. Isto fortalece o sistema e a justiça, entendida esta como a qualidade de decisões que reflitam o conjunto médio dos valores preponderantes na sociedade em determinado momento.

Assim sendo, não há mais lugar para um processo exclusivamente judicial e litigioso, fruto de uma visão reduzida de jurisdição [46]. Se o processo é o veículo da jurisdição, onde houver jurisdição há processo, e jurisdição há também onde não há lide. Mas a noção de processo transcende mesmo á de jurisdição, infiltrando-se na esfera administrativa, pois lá também se exerce verdadeiro processo, que diga-se "en passant" se submete ao mesmo princípios constitucionais e está compreendido dentro da teoria geral [47]. É oras de as grandes conquistas do processo civil de conhecimento atingirem os outros ramos do processo, ou melhor dizendo, suas especializações e é exatamente o que se busca nessa nossa visão panorâmica: constatar a unidade do processo e estender as conquistas da teoria processual a todos os rincões da ciência do processo, na busca de sua efetividade concreta.


13- Perspectivas

Já pudemos ter uma idéia da caminhada evolucionista do processo e de sua atual tendência, buscando ser o processo de um Estado Democrático Social de Direito. Resta-nos agora, de posse destes conhecimentos, traçar um quadro acerca das perspectivas futuras do processo, buscando delinear os quadrantes de atuação da atividade de reformulação que toma corpo a cada dia sobretudo no processo civil..

13-1 Perspectivas para o Processo Civil

O processo civil, em especial o de conhecimento, é o campo mais profícuo das mudanças na visão do processo experimentadas no últimos anos. Alguns campos, no entanto, dentro do próprio processo civil, se tornaram mais permeáveis ao valores da nova ordem que se descortina. Trataremos apenas de dois, que no parecemos mais significativos, e que dizem respeito à sumarização das tutelas e ao rompimento do dogma da execução forçada. Como temos falado ao longo de nossa abordagem, a tradição que nos foi legada pelo direito romano e que foi potencializada pelo Estado Liberal e seus valores é fortemente associada à cognição exauriente e plenária e aos juízos de certeza. Mas nos últimos anos o que tem sido a tônica das críticas contra o sistema processual é exatamente a pouca adaptação da cognição padrão do processo de conhecimento ortodoxo às novas demandas sociais no campo jurisdicional. A demora ostensiva do processo, seja de conhecimento, de execução e cautelar, menos neste último é certo, tem sido uma das grandes fontes de insatisfação com o sistema e causa da formação dos bolsões de ausência do Estado, dando margem a um Estado paralelo, marginal. A angústia experimentada pelo litigante, mormente pelo que tem razão torna a via processual, que é a institucionalmente lícita, um caminho pouco atraente, dando margem a que se prefira perder o direito do que a se valer da "via crucis" do processo, cara e demorada.

A relativização do binômio direito-processo também nos tem demonstrado que a nova compreensão dos direitos, novos ou não, não mais se compadece à vala rasa da cognição exauriente e plenária, que quase sempre chega tarde demais na visão dos jurisdicionados. Torna-se extremamente difícil ao leigo compreender que a demora possa ser a projeção de valores que também existem para resguardá-lo. O devido processo legal e a ampla defesa, hoje imprescindíveis, são exemplos de princípios que contribuem para a delonga processual. Quem se atreverá advogar a sua exclusão da pauta de valores do sistema processual? No entanto, na mesma medida é certo que o jogo de forças entre a certeza e a celeridade não pode ser igual em todos os casos, devendo amoldar-se à espécie de direito em discussão. Hoje, a cada dia mais transparece a opção do sistema, atento aos ecos da sociedade, pela celeridade em detrimento da certeza.

É este o campo fértil para a sumarização das tutelas, coisa que de certo modo sempre existiu em certa medida, mas que agora passa a ser a pedra de toque do processo moderno. Estamos redescobrindo o valor da tutela de urgência. As feições da tutela sumária ganham corpo na antecipação dos efeitos da tutela, recentemente implantada em nosso processo. È preciso, todavia, que façamos justiça ao nosso Código, um dos poucos ater uma sistematização própria para as cautelares, o que o torna um diploma de escol no ocidente.

É visível o espaço ganho pela verossimilhança como base da cognição e, à cavaleiro, vemos prodigalizar-se a tutela interdital. Este um outro ponto que merece realce: a ruptura da execução forçada sub-rogatória. Hoje mais do que nunca ganham força as palavras de Chiovenda, proclamando a efetividade do processo como tônica, o que impulsiona a primado da execução específica e das tutelas inibitórias, ausentes da tradição romana. A redução das obrigações à moldura do processo de execução forçada sub-rogatória mostrou-se inadmissível, ante a sua ineficácia em promover uma efetividade da tutela jurisdicional, ou, ao menos, insuficiente para dar ao litigante uma tutela equivalente a que teria se não tivesse que se valer do processo. As novas feições dos artigos 273 e 461, 744 e 745 do CPC e 84 do CDC, nos dão bem a conta da evolução da última década. A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer mediante o emprego das "astreintes" rompe com o dogma da incoercibiliade pessoal, sem evidentemente, tornar aos obscuros tempos da execução romana.

Esta se nos parece a perspectiva para o processo civil, a busca de um procedimento mais plástico às situações de direito material ou processual que constituem o objeto do processo, tendo como principais instrumentos a sumarização da cognição e a ampliação dos mecanismos de execução, refugindo do gabarito da sub-rogação patrimonial. Por outro lado, não podemos nos esquecer que a nova feição dos direitos, agora difusos e coletivos, impõe um novo parâmetro de legitimação. Estes representam caminho seguros a serem seguidos pelo processo civil, como apontam as recentes evoluções e o desenvolvimento da doutrina processual em todo o mundo.

13.2- Perspectivas para o Processo Penal: Certamente que tanto quanto o processo civil, o processo penal representa uma angustia, aliás muito pior e a celeridade é requisito por todos aclamado. No entanto, a espécie de direitos em jogo na lide penal recomenda uma abordagem mais cautelosa. Isto decorre, em especial, pela indisponibilidade máxima dos direitos relativos a pessoa humana, nos dois pólos da relação processual. Isto, porém, não significa dizer que medidas otimizadoras do procedimento não sejam bem vindas, como o correu com os juizados especiais criminais.

Há que atentar para o fato de que o processo penal existe também para a boa aplicação da lei penal, mas principalmente para a preservação dos direitos individuais do acusado. O mecanismo de regulação representado pelo processo penal existe antes de tudo para a proteção do acusado eis que vige no Estado de Direito o primado do Princípio da Inocência. Logo, algumas das grandes conquistas da moderna doutrina do processo civil, e refiro-me à antecipação dos efeitos da tutela e à sumarização dos ritos, não tem, salvante esta última, e com reservas, aplicação no processo penal. Não podemos, estando em plena aplicação o princípio da inocência e atentando para a importância do valor da liberdade alvitrar uma execução provisória da pena. A sumarização dos ritos foi introduzida com a lei dos juizados especiais, mas ficou restrita, cautelosamente ás infrações de pequena monta, evitando-se que dos prováveis erros que virão sobrevenham graves lesões, o que certamente ocorreria se concebemos a sumarização do processo em relação a penas mais graves. Afastada estas fórmulas, restaria perguntar qual o aporte que a instrumentalidade pode trazer para o processo penal, ou em outros termos: o que se há de entender por efetividade do processo penal.

Respondendo a esta indagação, se nos parece que a efetividade do processo penal perpassa pelo fortalecimento dos mecanismos de garantia dos direitos individuais consagrados, principalmente na Constituição. A técnica processual do processo penal, que ilumina-se pelos princípios gerais do processo mais adaptados às suas particularidades, deve proteger e promover os direitos individuais materiais e processuais do acusado exatamente por que ele é acusado e não condenado. Assim sendo, devem ser franqueados com especial intensidade meios de exercício do devido processo legal e da ampla defesa e deve ser concebido um rito que exponha o acusado o mínimo possível causando-lhe o menor prejuízo possível que sempre há no transcurso de um processo mormente o penal. Isto resulta exatamente de ser ele até o transito em julgado presumido inocente. É claro que há casos em que se sabe, a priori, que o indivíduo é culpado. Isto não invalida o que dissemos porque a lei não pode ser concebida em caráter individual, sendo a norma jurídica por essência genérica.

A doutrina tratou, no processo penal, de dar interpretação larga aos dispositivos, construindo muito no sentido de tornar efetivo, nos termos acima expostos, o processo. Mas é certo que muito resta a fazer na técnica processual, principalmente porque, como referido várias vezes, a técnica processual sempre teve como parâmetro e banco de prova o processo civil de conhecimento. É ora, cremo nós, de levar ao processo penal as conquistas do processo civil e é hora de começarmos a pensar o processo penal com a mesma, senão maior importância, que o processo civil. As construções no processo penal sempre foram reflexos dos trabalhos do processo civil. Agora é tempo de, sem romper com a unidade do processo dentro da teoria geral do processo, tratarmos da técnica processual do processo penal como uma realidade própria. Para tanto, temos que ter por base os princípios constitucionais aplicáveis ao processo penal e por nós já citados, e os aplicáveis ao direito penal, porque a instrumentalidade preconiza exatamente uma retomada da ligação do direito matéria e do processo e não podemos aplicar um processo civil, feito para direitos disponíveis, em um direto naturalmente indisponível.

Neste diapasão, identificamos como ponto nevrálgico saliente o procedimento do júri, que não consegue a nosso ver, preservar importantes valores constitucionais. Cm efeito, a falta de fundamentação das decisões do tribunal popular vai de encontro a qualquer possibilidade de efetivação das garantias constitucionais do processo, ainda que seja ele próprio um procedimento previsto como direito constitucional. Aqui encontramo-nos frente ao que Bonavides chama de "inconstitucionabilidade", ou seja, regras formalmente constitucionais mas que se chocam com o conteúdo material da Constituição. A fundamentação é imprescindível para a verificação da observância dos princípios constitucionais porque é exatamente pela fundamentação que se afastam os subjetivismos intoleráveis e se aquilata a apreciação do material probatório e argumentativo produzido pelas partes no exercício de seus direitos processuais. Quer dizer, sem fundamentação, as garantias constitucionais do processo ficam sem proteção alguma. Ademais ante as garantias introduzidas no processo não tem mais justificativa o julgamento pelo leigo, onde muito se perde, inclusive, em termos de capacitação para julgar, sempre requerido em maior escala a cada dia do magistrado um conhecimento maior e um maior preparo técnico que não encontramos, salvo exceções raras, no leigo.


14- Conclusões

O processo caminha para a publicização e para a efetividade. Na sua matriz, era essencialmente privatista e ordenado a dar aplicação a direitos privados e disponíveis. O modelo de Estado Liberal-Iluminista manteve esta tônica e criou-se um processo como ciência ideologicamente neutra e dogmaticamente pura, o que na verdade nunca ocorreu, exatamente porque esta postura já representava uma postura ideologicamente orientada. O advento de um Estado Social e a concepção de uma nova série de direitos, além do fortalecimento dos direitos individuais básicos do ser humano, demonstrou a insuficiência do processo erigido sobre aquelas bases para dar aplicação a um novo direito, mais publicizado, mais solidarista.

Assim, o processo, que nascera visceralmnte ligado ao direito material e dele se independizara, torna a restabelecer suas ligações com o direito material, procurando dar um feição plástica ao procedimento e às tutelas de modo a moldá-las ao direito material aplicado. A teoria eclética da ação é bem um elemento a demonstrar a ligação fato-processo, funcionando as condições da ação, que na verdade são elementos do mérito, como ponte de ligação entre o abstratismo total e o concretismo do direito estabelecido por sentença, que tornaria injustificados os atos em caso de improcedência.

A técnica processual está sendo revisitada pela doutrina. Grandes conquistas foram obtidas nos últimos anos, principalmente no processo civil de conhecimento, mas certamente os processo cautelar e de execução merecem uma tratativa mais extensa a acurada, em especial o processo de execução que nos moldes em que, está posto, é extremamente moroso e favorece o devedor, estimulando o comportamento ilícito. No processo civil de conhecimento, as principais mudanças refletem-se na sumarização e na possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, estando em via de estudo a possibilidade de conferir-se execução como regra e o efeito suspensivo como exceção nos recursos.

No processo penal, as alterações possíveis operam em um espectro um tanto diferente haja vista que o processo penal tem por finalidade não só a correta aplicação da lei penal, mas principalmente a proteção do acusado. Por isto, certas técnicas de sumarização, como o recurso à verossimilhança tem uma aplicação bem menor no processo penal. Ademais, a indisponibilidade dos direitos envolvidos implica um rigorismo maior, embora agora se tenha o processo dos juizados a mitigar tal característica. A interpretação do direito processual penal à luz de uma nova visão de efetividade muito contribuiu para que a lei processual penal não se cristalizasse no tempo. No entanto, muito resta a fazer em termos de técnica processual, a começar-se pela supressão do tribunal do júri, que, por prever decisão final sem fundamentação que não seja o reportar-se aos votos, torna letra morta a real observância das garantias constitucionais, uma vez que abre ensanchas ao subjetivismo.

A jurisdição deve hoje ser vista como uma função que atende antes aos interesses do Estado do que da parte, implicando esta visão uma virada no eixo estrutural da compreensão do fenômeno jurisdicional que conduz ao abandono da lide como centro do sistema processual. Dessa forma, há jurisdição sem lide, sendo a característica marcante da jurisdição a aplicação da lei ao caso concreto como atividade fim e dotada de incontrastabilidade frete a outra atividade de censura que não seja a própria atividade jurisdicional. A ação também ganha novos contornos, deixando-se de lado a dicotomia entre direito constitucional e direito processual de ação. Ambas são faces de um mesmo fenômeno que consiste na atividade de provocação do exercício da jurisdição, entendida esta naquelas feições largas, já mencionadas. Logo, há ação ainda quando não estão presentes as condições da ação, que são, a nosso juízo, na verdade condições para o julgamento do mérito. Se estão ausentes, não há julgamento de mérito, mas ainda assim há julgamento, caracterizando-se exercício do direito de ação o levar- se a postulação a juízo, ainda que ausentes a legitimidade ad causam o interesse processual, a possibilidade jurídica do pedido e, no caso do processo penal, o justo motivo. Aliás estes elementos ganham hoje novas configurações para adaptarem-se ao processo do Estado Social e da fase instrumentalista, ampliando-se ao máximo os caminhos ao judiciário dentro do ideário do acesso á justiça, que é uma das vertentes do instrumentalismo. Desta forma, a apreciação destas condições e a seu conteúdo devem ser modelados a impedir a banalização da função jurisdicional, o que certamente conduziria ao seu desprestígio, no entanto, não devem constituir-se empecilho, entrave ao acesso a uma "ordem jurídica justa".

Se nos parece, assim delineado um panorama, ainda que limitado e não tão profundo quanto seria o ideal, do que sejam a jurisdição, a ação e o processo na processualística moderna, e apontado um caminho que já foi aberto pelos pioneiros do instrumentalismo na busca da efetividade do processo e da jurisdição. Estamos agora um pouco mais habilitados a compreender os institutos processuais a partir de uma visão global, permitindo que possamos encontrar soluções mais legítimas e consentâneas à expectativa dos jurisdicionados, o que é nossa função de estudiosos do Direito.


Notas

01. Lembra TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 10ª ed., 1987, p. 20, que: " É certo que, quando se fala em unidade do Direito Processual, não se pretende confundir o Direito Processual Penal com o Direito Processual Civil, ou que aquele seja reabsorvido por este. Não se pretende, enfim, estabelecer absoluta identidade entre ambos. Mas apenas realçar que as pilastras são comuns, que muitos institutos são idênticos e que por isso se pode falar em uma Teoria Geral do Processo". Já CARREIRA ALVIM, J.E. Elementos de Teoria Geral do Processo, São Paulo, Forense, 1997, p. 42, apostila: " A tendência que se manifesta entre os cultores da ciência do processo é pela unificação doutrinária do direito processual, realçando, assim, que não existem duas ciências distintas, como pensava Florian, mas uma única ciência, denominada ciência do Direito Processual".

02. NERY JÙNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo, RT, 6ª ed., 2000, p21 realça a importância da visão constitucional do processo: " o Intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema".

03. Ver CINTRA, Antônio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, São Paulo, Malheiros,, 13 ed., 1997, p53.

04. Como lembra MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo, Atlas, 9ª ed., 2001, p. 63: " A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado". NERY JÙNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo, RT, 6ª ed., 2000, p. 43 também lembra o relativismo da igualdade: " Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata media de sua desigualdade".

05. ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações, São Paulo, RT, 3ª ed. 1998, p. 62.

06. SILVA, Ovídio Baptista da.Curso de Processo Civil, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 3ª ed. 1996, p. 79.

07. PORTANOVA, Rui, Princípios do Processo Civil, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1999, p. 125, afirma que: O princípio da ampla defesa é uma conseqüência do contraditório, mas te, características próprias. Além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo ( princípio do contraditório), a parte também tem o direito de alegar e provar o que alega e- tal como o direito de ação- tem o direito de não se defender. Optando pela defesa, o faz com plena liberdade. Ninguém pode obrigar o cidadão a responder às alegações da outra parte, mas também nada e ninguém pode impedi-lo de se defender. Ademais, nada pode limitar o teor das alegações defensivas".

08. NERY JÙNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo, RT, 6ª ed., 2000, p.31 aduz que " O Princípio fundamental do processo civil, que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam, é o do devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process of law". MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo, Atlas, 9ª ed., 2001, p. 117, preleciona que: " O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe a paridade total de condições com o Estado- persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)"

09. NERY JÙNIOR, Nelson, op.cit, p. 65: " O princípio do juiz natural, enquanto postulado constitucional adotado pela maioria dos países cultos, tem grande importância na garantia do estado de Direito, bem como as manutenção dos precitos básicos de imparcialidade do juiz na aplicação da atividade jurisdicional, atributo esse que se presta à defesa e proteção do interesse social e do interesse público geral". MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo, Atlas, 9ª ed., 2001, p 103, salienta que: " O juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal... O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se, não só a criação de tribunais de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetiva de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e impessoalidade do órgão julgador"

10. Idem ibidem, p.118. Também NERY JÙNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo, RT, 6ª ed., 2000, p.154.

11. Salienta TEMER. Michel, Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 14ª ed.,1998, p. 118, que a " Equivocam-se os que utilizam a expressão ´ tripartição dos poderes´. É que o poder é uno. Como já vimos, é atributo do Estado. A distinção é entre órgãos desempenhantes de funções"

12. SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 3ª ed. 1996, p.31, afirma elucida: " Denomina-se jurisdição voluntária a um complexo de atividades confiadas ao juiz nas quais, ao contrário do que acontece coma jurisdição contenciosa não há litígio entre os interessados" E emenda: " Segundo a opinião dominante na doutrina brasileira, a chamada jurisdição voluntária não é verdadeira jurisdição, mas autêntica atividade administrativa exercida pelo Juiz". Ver CINTRA, Antônio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, São Paulo, Malheiros,, 13 ed., 1997, p.153.

13. Ver as considerações de TORNAGHI, Hélio, A relação Processual Penal, São Paulo, Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 89.

14. TEMER. Michel, Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 14ª ed.,1998, p. 120.

15. CARREIRA ALVIM. J. E. Elementos de Teoria Geral do Processo, Rio Forense, 7ª ed., 1997, p. 61.

16. LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução, São Paulo, Saraiva, 3ª ed., 1968, p. 37.

17. ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. SãoPaulo. RT. 5ª ed., 1998, p. 81

18. Curso. cit, p. 19.

19. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil, Campinas. Classic Book, 1º ed., 1999, v. I, p. 60: " Se o interesse significa uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades do homem são ilimitadas, e se, pelo contrário, são limitados os bens, ou seja, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las, como correlativa à noção de interesse e a de bem aparece a do conflito de interesses. Surge o conflito entre dois interesses quando a situação favorável a satisfação de uma necessidade exclui a situação favorável de uma necessidade distinta." Em outro trecho se lê: "Pode acontecer que, diante da pretensão o titular do interesse oposto decida à sua subordinação. Em tal caso, a pretensão é bastante para determinar o desenvolvimento pacífico do conflito. Mas com frequência não acontece assim. Então, à pretensão do titular de um dos interesses em conflito se opõe a resistência do titular do outro. Quando isto acontecer, o conflito de interesses se converte em litígio. Chamo de litígio o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interesses e pela resistência do outro"(Op. cit. p. 93)

20. Sobre a existência de uma lide penal ver PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal. O Direito de Defesa: Repercussão. Amplitude e Limites. São Paulo. RT, 3ª ed,. 2000, p. 38 e MARQUES, Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Rio, Forense, 1961, v. I, p. 12.

21. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit. p. 257 lembra que então se dizia que " L`action n`est autre chose que le drit même, casqué et armé em guerre, à l`etat de lutte contra ceux que le contestent"

22. Ver ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações, São Paulo, RT, 3ª ed. 1998, p. 55. TOURINHO FILHO, op. cit, p. 258. SILVA. Ovído Baptista da e GOMES. Fábio Luiz ; Teoria Geral do Processo Civil, São Paulo RT, 1997, p. 97.

23. ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações, São Paulo, RT, 3ª ed. 1998, p.60

24. ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações, São Paulo, RT, 3ª ed. 1998, p.64.

25. O maior prosélito da Teoria Eclética da Ação, na verdade seu idealizador foi Enrico Tullio Liebman. Mas é preciso notar que a visão italiana das condições da ação difere um pouco da nossa pois não se considera a possibilidade jurídica do pedido condição da ação, mas sim elemento do mérito. Diz Liebman:" La condizioni dell`azione, poco fa menzionate, sono l`interesse ad agire e la legitimazone. Esse sono, come già accennato, i requisiti di esistenza dell azione, e vanno perciò accertate in giudizio, (anche se di solito, per implicito) preliminarmente all`esame del merito". (Enrico Tullio Liebman. Manuale di Diritto Processuale Civile, Giuffrè Editore, Milano, 4º ed, 1980, v. I, p. 135). Ver ainda, LACERDA, Galeno, Despacho Saneador, Porto Alegre,Sérgio Antônio Fabris, 3º ed, 1999, p. 78.

26. Falo aqui, por óbvio, do processo de conhecimento. Na execução também há instrução, pois instruir é preparar a tutela, todavia, o escopo do processo de execução é outro. Cognição há, mas em caráter secundário.

27. O melhor e não falarmos que as condições da ação são condições para o julgamento do mérito, e sim para apreciação do mérito. De fato, se tomarmos a expressão mérito como sinônimo de pedido, então o processo executivo também tem mérito, e neste caso, as condições da ação se fazem necessárias para apreciação do mérito do pedido, ou seja da sua concessão. De minha parte, considero que melhor alvitre é dizermos que as condições da ação são condições para obtenção da tutela tipo pedida. De fato, todo o processo dá margem a uma sentença, que quando denega a pretensão, possui cunho declaratório. Neste caso, a tutela- tipo da execução não é cognitiva -decalratória. Se estão presentes as condições, a via executiva é deferida ( tutela-tipo). Caso contrário, há sentença declaratória. Foi obtido um pronunciamento judicial que não é a tutela-tipo pretendida no processo.

28. Sobre a legitimidade ver MIRABETTE, Júlio Fabbrini ; Processo Penal, São Paulo, Atlas, 9º ed., 1999, p. 103. CARREIRA ALVIM. J.E.. Elementos cit, p. 122. DINAMARCO, Cândido Rangel et alii, op. cit, p. 259. SILVA, Ovídio Baptista da, e GOMES, Fábio Luiz, op. cit., p. 114. LIEBMAN, Enrico Tullio, Manuale cit., p. 139. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2º ed, 1984, v. 1, p. 69.

29. CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros, São Paulo. saraiva, 8ª ed, 1996, p. 25: afirma que " Consiste a legitimação para a causa na coincidência entre a pessoa do autor e a pessoa a quem, em tese, a lei atribui a titularidade da pretensão deduzida em juízo, e a coincidência entre a pessoa do réu e a pessoa contra quem, em tese, pode ser oposta tal pretensão

30. CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros, São Paulo. Saraiva, 8ª ed, 1996, p. 31.

31. Art 4º.

32. CINTRA, Antônio Carlos de Araujo et alii, op cit, p. 260

33. Ver CINTRA, Antônio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, São Paulo, Malheiros,, 13 ed., 1997, p. 260

34. Reconhecemos, todavia, que as alterações a Lei 10.352/02, permitem a fungibilidade em caso de errônea interposição de pedido de antecipação de tutela ao invés de cautela.

35. ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações, São Paulo, RT, 3ª ed. 1998, p.658

36. CHIOVENDA; Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Campinas, Bookseller, 1º ed, 1999, p. 42.; "A ação é, portanto, o poder jurídico de dar vida para atuação da vontade da lei". Definição que bem examinada, coincide com a das fontes: Nihil aliud est actio quan ius, quod sibi debeatur, in juditio persequendi (Ist, IV, 6, pr), em que é evidentíssima a contraposição do direito ao que nos é devido, ao direito de conseguir o bem que nos é devido mediante juízo(ius judicio persequendi)". Em outra passagem afirma o mestre italiano: "A ação não se assimila à obrigação, não é o meio para atuar a obrigação, não é a obrigação em sua tendência para a atuação, não é um efeito da obrigação, mas um direito distinto e autônomo, que exsurge e pode extinguir-se independentemente da obrigação" (Op. cit., p. 43) E segue: "Nem por isso se nega que a obrigação e ação se vinculem por estrito nexo; porquanto ambas se remetem, como já dissemos, à mesma vontade concreta de lei que garante um bem determinado, e visam á sua consecução mesma, se bem que por vias e com diferentes meios"(Op. cit, p.44).

37. TORNAGHI, Hélio, A relação Processual Penal cit, p. 124. CARREIRA ALVIM, op. cit, p. 113.

38. CARREIRA ALVIM, op. cit, p. 109.

39. Note-se que LACERDA, Galeno, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio Forense, 1980, v. VIII, t. I,, p. 20, chega a afirmar que " A verdade é que a jurisdição, como atividade específica do Poder Judiciário, existe por causa do conflito e para solucioná-lo. Esta a finalidade indiscutível do Judiciário como poder autônomo do Estado"

40. TORNAGHI, Hélio, op cit, p. 216.

41. Na obra " Der Prozess als Rechtslag".

42. No original alemão " Die Lehre von der Processeinreden und die Processvorautzungen".

43. Mas ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações cit.p. 49, contrapõe: " Em que pesem as restrições, hoje freqüentes, e a suspeita de incompatibilidade congênita com a ação, tomada como pólo metodológico de todo o sistema processual, a lide, pedra de toque de Francesco Carnelutti, é idéia inseparável da jurisdição." O autor demonstra claras restrições em alterar o centro de gravidade da ciência processual da ação para a jurisdição.

44. Em nosso sistema, a regra é o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário, podendo haver, por exceção, exercício pelo Poder Legislativo.

45. A identidade tem por base a teoria de Eduardo J. Couture, que via na ação o Direito de Petição. Vale ressaltar que em nossa Constituição, buscamos a base constitucional do direito de ação no artigo 5º, inc. XXXV, e não no direito de petição previsto no mesmo artigo. Ver NERY JÙNIOR, Nelson, Princípios cit. p. 97.

46. Para o instrumentalismo, processo é procedimento em contraditório, seja administrativo ou judicial. DINAMARCO. Cândido Rangel. Litisconsórcio, São Paulo, Malheiros, 4ª ed. 1996, p. 19, afirma " O contraditório é, portanto, inerente ao conceito de processo, entendendo-se como a imposição do Estado democrático a participação de cada um na formação dos provimentos que de alguma forma virão a atingir a sua esfera de direitos". Mas ASSIS, Araken de. Cumulação.... cit. p. 35 critica esta visão: " Esta inequívoca fragilidade, na explicação da natureza do processo revela um vício de origem incontornável. Inspirada no procedimento administrativo, conquanto polarizada pelo princípio contraditório, a concepção de Elio Fazzalari nega os fundamentos de um sistema jurídico tal como o brasileiro, em que processo e jurisdição interdependentes e, diferentemente do que ocorre na Itália, e em outros países, o órgão jurisdicional- um dos sujeitos do processo- submete os demais órgãos do Estado"

47. Ver DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 13ª ed., 2001, p. 492. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 13ª ed., 2001, p. 434-435. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo. Malheiros, 17ª ed.1992, p. 585.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna: para onde caminha o processo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3902. Acesso em: 18 abr. 2024.