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Interpretação do art. 2028 do Código Civil de 2003.

Direito intertemporal e prazos prescricionais

Interpretação do art. 2028 do Código Civil de 2003. Direito intertemporal e prazos prescricionais

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Muitas discussões vieram à tona após a entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro, aguardado desde 1984. Entre elas encontra-se uma bastante controversa: a diminuição de vários prazos prescricionais (artigos 205 e 206) e a solução de continuidade daqueles prazos que precipitaram antes de 13 de janeiro de 2003.

O artigo 2.028, que cuidou especialmente dos prazos que estavam se consumando na entrada em vigor do novo Código Civil, estabeleceu duas premissas: que serão os da lei anterior os prazos (1) quando reduzidos por este Código e se, (2) na data de sua entrada em vigor, há houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

De fato. Quando amanhecido o dia 13 de janeiro de 2003, inúmeras pessoas estavam aguardando o término do período respectivo, para aquisição ou extinção de direitos; isto é, inúmeros prazos prescricionais estavam naquele dia em andamento, e sofreram, consequentemente, os efeitos da prescrição, refletindo as consequências inerentes diretamente sob seus patrimônios.

E muitos foram os efeitos sobre a vida das pessoas, uma vez que a prescrição – seja aquisitiva, seja extintiva – caso consumado o lapso legal, aniquila o direito à pretensão de determinado direito material.

Vários articulistas já se manifestaram sobre a hermenêutica que deverá ser dada ao dispositivo em questão, concluindo pela existência de duas soluções, pura e simples:

Esta conclusão, porém, olvida o exato sentido da lei, porque muito amplia as possibilidades de aplicação do Código Civil anterior, para quando o lapso prescricional for reduzido (no caso, na maioria das hipóteses contempladas nos artigos 205 e 206 do Código Civil novo) ou se perpassado mais da metade do prazo anterior, não importando se diminuído ou não.

Uma análise empírica no diploma legal em questão e suas premissas deixa nítido que as duas não podem preponderar separadamente, razão única da inserção, na redação legal, da conjunção aditiva "e", seguida da conjunção condicional "se" acima destacadas.

Na hipótese de considerar isoladamente a primeira premissa (mera "redução do prazo prescricional pelo novo código"), chegaremos a conclusão que, durante quase 20 anos, por exemplo, estará vigente, ainda, o Código Civil então revogado.

De fato. Considerando a vigência isolada das premissas trazidas no art. 2.028 do novo Código Civil, as ações pessoais – por exemplo, cobrança de dívida líquida – originadas de ato-fato ocorrido no ano de 2002 somente prescreveriam em 2022. O novo Código Civil, outrossim, fixa prazo de cinco anos para casos similares (art. § 5º, inciso I do art. 206).

Qual a razão de existir, então, da segunda premissa ("serão os da lei anterior se já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada"), se a simples constatação de mencionada "redução" já bastaria para manter vigente o prazo fixado pela norma antecedente, já revogada?

No mesmo exemplo acima discutido, caso o contrato que originou a dívida tenha sido firmado em 1994 (ação pessoal prescreve em 20 anos, conforme art. 177 do Código Civil anterior), em 2003 não haveria perpassado a metade do lapso fixado. Incidiria, desta forma, o prazo novo (5 anos), e estaria consumada a prescrição.

Contudo este novo prazo seria obstado pela simples ocorrência da primeira premissa ("redução do prazo prescricional pelo novo código"), tornando totalmente inoperante a previsão final do dispositivo.

Logo, considerar isoladamente as premissas do art. 2.028 significaria esvair o significado da norma, em especial da segunda premissa ("serão os da lei anterior se já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada"), haja vista esta nunca sucederá sem a ocorrência anterior da primeira.

Necessário, previamente, esmiuçar o exato sentido do preceito discutido, além da razão de ele estar assim redigido, regulamentando a aplicação temporal do Código Civil, notadamente com relação à prescrição.

Em primeiro lugar, forçoso rememorar que o Decreto-lei nº 4.657, de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil – LICC) não foi revogado, permanecendo intactas suas disposições. O direito intertemporal, desta forma, é incisivo ao prescrever que determinado fato rege-se pela lei em vigor na data de sua ocorrência; ressalva a LICC quando a natureza da situação requer tratamento diverso ou quando o legislador assim determinar.

Com relação ao novo Código Civil, em especial ao efeito imediato da lei e a validade dos atos jurídicos constituídos antes de sua vigência, deve o intérprete atentar principalmente às suas disposições finais e transitórias (no caso, à ordem expressa no art. 2.028, que trata exatamente da questão).

Por sua vez, o art. 2028 do novo Código Civil prescreve que "que serão os da lei anterior os prazos quando reduzidos por este código e se, na data de sua entrada em vigor, há houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".

Trata-se, pois, de referendar da segunda solução acima contemplada, uma vez que está o intérprete frente a frente com uma conjunção subordinativa condicional "se" precedida pela conjunção aditiva "e". Este último, por seu turno, é vocábulo verdadeiro, uma conjunção, e não uma simples letra isolada, enquanto aquele, sinônimo da conjunção condicional "caso" (no inglês, "if"), não é um simples prenome, dos inúmeros cabíveis à locução.

Ou seja, a primeira premissa ("quando o prazo prescricional for reduzido") somente terá validade caso ocorrente a condição expressa na segunda, ou seja, "se tiver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Assim constatado, terá vigência as normas estabelecidas no Código Civil anterior (1916) até a consumação total da prescrição então fixada.

Caso contrário, se o prazo do novo Código Civil tiver sido reduzido, mas não transcorrido mais da metade do prazo anterior, estará prevalecendo, com a entrada em vigor do Código Civil renovado, os prazos estabelecidos nos seus artigos 205 e 206.

Não há margem para outras interpretações. O novo Código Civil aguardou um ano para entrar em vigor justamente para que as pessoas, cientes da redução do prazo prescricional que estava por chegar, tomassem as atitudes necessárias para salvaguardar seus direitos, demandando as ações judiciais cabíveis.

Este é, pois, o espírito do legislador, ao reduzir os prazos prescricionais no novo Código Civil e imediatamente dar-lhes vigência, caso não estejam presentes as premissas do artigo 2.028 inserto nas disposições finais e transitórias; desta maneira, diretamente interferindo na vida privada de particulares que postaram-se inertes após a promulgação da Lei nº 10.406, de 11 de janeiro de 2002.

Aliás, não se pode menoscabar o adágio jurídico que ampara o instituto da prescrição: "dormientibus non succurrit jus" (o direito não socorre aos que dormem).

Assim, o art. 2.028 veio estabelecer regras para que a substituição do Código Civil antigo pelo novo seja pacífica, prestigiando o valor justiça sem violar o princípio da segurança jurídica.

Os artigos 205 e 206 do novo Código Civil tiveram vigência a partir de 13 de janeiro de 2003, e os prazos prescricionais – mesmo aqueles em andamento no momento da sua entrada em vigor – imediatamente incorporaram as disposições novas, com exceção da hipótese estabelecida no art. 2.028.

Houve, sim, redução de inúmeros prazos prescricionais, por vontade expressa do legislador. E estas reduções tiveram vigência imediata, salvo se transcorrido mais da metade do prazo anterior, primando-se a justiça (repisando os vernáculos de Hugo de Brito Machado, "a lei nova se presume melhor, e por isto deve prevalecer sobre a lei antiga") sem infringir a segurança jurídica, uma vez que o novo Código Civil aguardou um ano para vigorar definitivamente.

Em suma, a excludente do artigo 2.028 do Código Civil em vigor somente será considerada se ocorrer a redução do prazo anterior pelo novo, como efetivamente ocorreu na maioria das hipóteses legais, e se já houver transcorrido, em 13 de janeiro de 2003, mais da metade do lapso previsto na lei revogada.

Enfim, as preposições içadas neste texto objetam que seja empreendido maior estudo sobre o tema específico, sem esgotá-lo, obviamente, uma vez que posições divergentes já foram publicadas sem satisfazer a curiosidade intelectual deste autor.


Notas

(1) que o art. 2.028 – que resulta o prosseguimento do prazo estabelecido no Código Civil anterior – contempla duas hipóteses, a saber: caso reduzidos o lapso prescricional ou haver transcorrido metade do tempo previsto na lei anterior.

(2) A segunda solução encontrada estabelece que somente serão computados os prazos estabelecidos pela lei anterior quando, na entrada em vigor no novo código, o prazo prescricional for reduzido e se tiver transcorrido mais da metade do lapso fixado pela norma revogada.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DARBELLO, Marcos Cesar. Interpretação do art. 2028 do Código Civil de 2003. Direito intertemporal e prazos prescricionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3963. Acesso em: 27 abr. 2024.