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Homicídios culposos: diferentes penas para várias modalidades

Homicídios culposos: diferentes penas para várias modalidades

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É necessário diferenciarmos os homicídios culposos, inclusive entender também a diferença entre o homicídio no trânsito culposo e o praticado com dolo eventual, além da situação que acarreta a morte devido a prática do racha.

HOMICÍDIOS CULPOSOS

Culpa vem do latim culpa que significa “erro cometido por inadvertência ou por imprudência”, e homicídio do latim homicidium que significa morte violenta, mas “é geralmente entendido como toda ação que possa causar a morte de um homem”. (SILVA, 1999, p. 233 e p. 398).

Os possíveis homicídios culposos no trânsito estão no CTB em seus artigos 302 caput, 302 § 2º e 308.

No Código Penal também existe o crime de homicídio culposo, mas não para aqueles praticados no trânsito.

Várias são os entendimentos de operadores do direito que alguns homicídios praticados no trânsito seriam praticados com dolo eventual, de maneira que assim a conduta seria a tipificada no Código Penal no capítulo dos crimes contra a vida, crimes estes que possuem julgamento pelo tribunal do júri.

No estudo do Direito Penal o operador do direito encontra pela frente três culpas que são:

a) Culpa ou culpa em sentido estrito – Situada no fato típico referindo-se a conduta. Nesse aspecto, a conduta pode ser culposa ou dolosa.

Essa é a culpa que iremos estudar nessa obra e que mais interessa ao delito de homicídio culposo no trânsito.

b) Culpabilidade - Pressuposto de aplicação da pena contida no artigo 59 do Código Penal que será utilizada na primeira fase da aplicação da pena.

c) Culpa em sentido amplo - Elemento do crime. (Fato típico, ilícito e culpável).

DIFERENÇA DAS PUNIÇÕES

Quando ocorre o delito, haverá uma classificação preliminar a respeito dos fatos pelo Delegado de Polícia tanto no flagrante (se for o caso) como posteriormente no relatório final do inquérito policial, onde há o indiciamento.

O Ministério Público oferecerá denúncia de acordo com seu entendimento baseado nas provas colhidas na fase do inquérito.

As capitulações possíveis nos dias de hoje são:

HOMICÍDIO NO TRÂNSITO COM DOLO EVENTUAL.

CPB – “Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos”.

Ocorrerá quando o agente age assumindo o risco de produzir o resultado morte. Trata a vida do semelhante com indiferença.

Optando o Ministério Público pela denúncia por homicídio com dolo eventual e recebida e denúncia pelo juiz, o rito será o dos crimes contra a vida e caso seja pronunciado, será julgado pelo Tribunal do Júri.

Ensina Portocarrero (2010, P. 247), que o CTB não prevê modalidade dolosa em relação ao delito de homicídio “de sorte que, em se tratando de dolo, direto ou eventual, deveremos nos valer do Código Penal”.

HOMICÍDIO CULPOSO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO.

CTB - Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção De veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Optando pela modalidade culposa seguirá o rito ordinário constante no Código de Processo Penal.

CPP - Art. 394. § 1o. O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade.

HOMICÍDIO CULPOSO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO ADVINDO DE UM RACHA. (LEI 12.971/14).

Ocorrerá o delito quando ocorre morte na prática de um racha ou em competição não autorizada.

Veja que o legislador excluiu a possibilidade do dolo eventual nesse tipo penal, ou seja, se houver o dolo eventual irá responder de acordo com o Código Penal.

CTB - Art. 308.  Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: § 2o  Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo. 

Além do homicídio, o artigo 308 do Código de Trânsito trouxe outras questões abordadas por Luis Flávio Gomes, (http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2014/05/13/nova-lei-de-transito-barbeiragem-e-derrapagem-do-legislador/, acesso em 09.11.14).

Pois bem: no art. 308 o legislador agravou todas as penas previstas para quem participa de “racha”. Foram contempladas três situações: (1) participa do “racha”, gera risco de acidente, mas não lesa ninguém (pena de 6 meses a 3 anos + sanções acessórias); (2) participa do “racha” e gera lesão corporal grave (pena de 3 a 6 anos mais sanções acessórias); (3) participa do “racha” e gera morte (pena de 5 a 10 anos mais sanções acessórias).

Veja o texto do artigo 308 completo.

CTB - Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: Penas – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo. § 2º Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

HOMICÍDIO CULPOSO NO CTB – FORMA QUALIFICADA. (LEI 12.971/14)

CTB - Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: § 2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:  Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.  

Luis Flávio Gomes asseverou:

O legislador agregou no delito de homicídio no trânsito [...] uma forma qualificada (pena maior). (http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2014/05/13/nova-lei-de-transito-barbeiragem-e-derrapagem-do-legislador/, Acesso em 09.11.14).

Continua o doutrinador:

Como se vê, no art. 302, quando a morte resulta (1) de direção embriagada ou (2) de participação em “racha” ou (3) de manobra arriscada, a pena será de reclusão (não de detenção), de dois a quatro anos (muda de detenção para reclusão, o que significa pouca diferença na prática).

O que mudou foi somente a reclusão no lugar da detenção, ou seja, quase nada.

Na detenção o regime inicial não pode ser o fechado sendo obrigatória a fixação inicial no aberto ou no semi-aberto.

Na reclusão, penas menores ou iguais a quatro anos, será na maioria das vezes aplicado o regime aberto ou semi-aberto, aplicando o fechado somente quando as circunstâncias judiciais forem desfavoráveis e o agente for reincidente.

Para o doutrinador o legislador aplicou duas penas para a mesma conduta, e ele está com a razão.

O legislador mais uma vez errou, e pra varia novamente na lei de trânsito, que merece denominação de terror dos legisladores, tendo em vista os recorrentes erros a cada alteração.

No art. 302 (homicídio culposo em razão de “racha”) a pena é de reclusão de dois a quatro anos; no art. 308 (“racha com resultado morte decorrente de culpa”) a pena é de cinco a dez anos de reclusão! Mesmo fato, com penas diferentes (juridicamente falando, sempre se aplica a norma mais favorável ao réu, ou seja, deve incidir a pena mais branda – in dubio pro libertate). (http://atualidadesdodireito. com.br/lfg/2014/05/13/nova-lei-de -transito-barbeiragem-e-derrapagem-do -legislador/, acesso em 09.11.14).

HOMICÍDIO CULPOSO DO CÓDIGO PENAL

O homicídio culposo que está no Código Penal, possui pena menor que a do Código de Trânsito, veja:

CPB - Art. 121. § 3º. “Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos”.

Ocorrerá em caso de em que o agente por culpa pratica o homicídio de forma culposa e como exemplo citamos o erro médico.

Assim temos:

ESPÉCIE

CÓDIGO

PENA

Dolo eventual (aqui é dolo)

CPB

06 a 20 anos de reclusão

Homicídio culposo

CTB

02 a 04 anos de detenção

Homicídio culposo – advindo do racha

CTB

05 a 10 anos de reclusão

Homicídio culposo – Forma qualificada

CTB

02 a 04 anos de reclusão

Homicídio culposo

CPB

01 a 03 anos de detenção

Veja que existem delitos culposos com penas diferentes, questão a princípio polêmica, pois poderia estar ferindo o princípio da isonomia, tendo em vista que os resultados “morte das vítimas” seriam idênticos.

Bitencourt demonstra o pensamento de Rui Stoco onde o mesmo assevera que:

Não nos parece possível esse tratamento distinto e exacerbado, pois o que impede considerar é a maior ou menor gravidade da conduta erigida à condição de crime e não as circunstâncias em que este foi praticado ou os meios utilizados [...] tal ofende o princípio constitucional da isonomia, e o direito subjetivo do réu a um tratamento igualitário.

Mas correta é a observação de Bitencourt onde demonstra que na dogmática contemporânea deve-se distinguir desvalor de resultado e desvalor de ação.

Para ele, “o desvalor da ação é constituído tanto pelas modalidades externas do comportamento do autor como pelas circunstâncias pessoais”, motivo pelo qual hoje o desvalor da ação tem “importância fundamental, ao lado do desvalor do resultado, na integração do conteúdo material da antijuridicidade”.

O que não tem como explicar é o fato da lesão dolosa do CPB possuir pena inferior à lesão culposa do CTB. Uma atitude dolosa com resultados iguais deve sempre ser punida mais severamente que a conduta culposa.

Ocorre que nem sempre o legislador acerta, e isto se vê claramente nesse exemplo.

CPB - Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.

CTB - Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

O autor que culposamente lesar alguém na direção do veículo, se vier a dizer que era intenção lesionar a vítima, terá uma pena inferior a ser aplicada.

Ocorre desproporção também em relação à Lei ambiental com o Código Penal, veja:

Lei 9605/98 - Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

CPB - Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.

Lesar alguém (lesão leve) tem a mesma punição do autor que quebra uma samambaia na prefeitura de sua cidade, sendo que na Lei ambiental ainda há a possibilidade da pena cumulativa.

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Autor

  • Santos Fiorini Netto

    Advogado Criminalista, especialista em ciências penais e processo penal, professor de direito penal (Unifenas - Campo Belo - MG), escritor das obras "Prescrição penal simplificada", "Direito penal parte geral V. I" e "Direito penal parte geral V. II", "Manual de Provas - Processo Penal", "Homicídio culposo no trânsito", "Tráfico de drogas - Aspectos relevantes", "Noções Básicas de Criminologia" e "Tribunal do Júri, de suas origens ao veredicto". Atua na área criminal, defesa criminal em geral - Tóxicos - crimes fiscais - Tribunal do Júri (homicídio doloso), revisão criminal, homicídios no trânsito, etc.

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