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Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

uma análise da Lei nº 10.168/00

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico: uma análise da Lei nº 10.168/00

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A Lei 10.168/2000 criou uma contribuição de intervenção no domínio econômico para financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação.

Analisaremos o tributo criado pela Lei 10.168/00 a fim de descobrir se realmente se trata de uma contribuição de intervenção no domínio econômico.

As contribuições de intervenção no domínio econômico estão previstas no artigo 149 da Constituição Federal:

"Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas, como instrumento de atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, par. 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

Na realidade, o artigo 149 refere-se a três espécies de contribuições: sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. O presente artigo tem por objetivo a análise da Lei 10.168/2000, que parece tratar de uma contribuição de intervenção no domínio econômico. Todavia, é preciso que façamos inicialmente algumas considerações acerca das contribuições enquanto gênero, para que estas sirvam de base para a análise da Lei 10.168/2000.

O que diferencia as contribuições dos demais tributos é o fato de terem elas uma destinação específica, sendo que isso se depreende da redação do próprio artigo acima citado que afirma, serem elas instrumentos de atuação do Estado nas respectivas áreas.

Enquanto nos impostos é vedada a vinculação de sua receita a órgão, fundo ou despesa (art.167, inciso IV, CF), nas contribuições a destinação dos recursos é obrigatoriamente vinculada à referida área de atuação.

Há divergência na doutrina quanto à classificação das contribuições. Para os defensores da teoria dos tributos vinculados e não-vinculados a uma atuação estatal, as contribuições não seriam uma espécie autônoma. Sacha Calmon, por exemplo, entende que as contribuições seriam ora impostos, ora contribuições verdadeiras, bastando para isso que se analise o fato gerador delas.

Mas há também autores que reconhecem as contribuições como uma espécie autônoma. O Professor Werther entende que a finalidade é um dos elementos da norma tributária, incluindo-se, pois, uma aspecto finalístico no dever tributário.

Helenilson Cunha Pontes apresenta uma teoria diferente das até então citadas e muito bem colocada acerca das contribuições. Exporemos brevemente essa teoria, porque é com base nela que iremos defender a inconstitucionalidade da Lei 10.168/2000.

Entende o brilhante autor que a Constituição Federal adota dois critérios diferentes na definição das regras de competência tributária. No artigo 145, a Constituição enuncia que os entes políticos podem instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria. Pois bem, os impostos têm as materialidades de suas hipóteses de incidência definidas na própria Constituição, sendo que, no que tange às taxas, estas são condicionadas ao exercício do poder de policia ou a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Nas contribuições de melhoria, por sua vez, condiciona-se o exercício da competência tributária a valorização imobiliária decorrente de obra pública.

Para Helenilson, no que diz respeito a essas três espécies tributárias, a Constituição o critério condicional de classificação dos tributos em vinculados e não-vinculados a uma atuação estatal, sendo que resta estabelecido constitucionalmente o fato jurídico que ensejará o nascimento do dever tributário. Já o artigo 149 da Constituição Federal adota outro critério de determinação da competência tributária relativamente às contribuições, pois essas não têm a materialidade de sua hipótese de incidência prevista constitucionalmente. O artigo 149 atribui a competência tributária para a instituição de contribuições para que tal exação seja um instrumento de uma atuação estatal destinada a alcançar determinados objetivos constitucionalmente previstos. (grifos nossos).

Assim sendo, afirma Helenilson que "a norma de competência das contribuições alberga, alem da autorização para instituir um dado tributo, uma efetiva condição de validade do tributo assim instituído." [1]

Há uma parte dessa teoria de Helenilson Cunha Pontes que nos chamou especialmente a atenção, qual seja a questão dos dois critérios na definição das regras de competência. E assim pensamos porque é esse ponto da teoria dele que faz cair por terra um dos fortes argumentos da teoria dos tributos vinculados e não-vinculados a uma atuação estatal. Pois bem, tal argumento transcreveremos do curso de Paulo de Barros Carvalho:

"É preciso que examinemos, antes de mais nada por imposição hierárquica, a base de cálculo, a fim de que a natureza particular do gravame se apresente na complexidade de seu esquematismo formal. É o que preceitua o constituinte brasileiro no art.145, par. 2º as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos." (2)

Pois bem, com a adoção de outro critério para as contribuições do artigo 149 da Constituição, o parágrafo 2 do artigo 145 não poderá servir de fundamento para justificar a classificação de todos os tributos e sim tão-somente daqueles previstos no próprio artigo 145 da Constituição.

Passemos agora a análise da Lei 10.168/2000. Transcreveremos os dois primeiros artigos da lei para depois comentá-los:

"Art 1º Fica instituído o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, cujo objetivo principal é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.

Art 2º Para fins de atendimento ao Programa de que trata o artigo anterior, fica instituída contribuição de intervenção no domínio econômico, devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.

§ 1º Consideram-se, para fins desta Lei, contratos de transferência de tecnologia os relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica.

§ 2º A contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas no caput deste artigo.

§ 3º A alíquota da contribuição será de dez por cento.

§ 4º O pagamento da contribuição será efetuado até o último dia útil da quinzena subseqüente ao mês de ocorrência do fato gerador."

A finalidade específica dessa contribuição é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.

O sujeito passivo, de acordo com o artigo 2º da referida lei, é a pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.

Pois bem, parece-nos que não há uma relação adequada entre os sujeitos passivos e a finalidade dessa contribuição. Segundo Helenilson Cunha Pontes:

"É também diante da finalidade da atuação estatal que se deve buscar o critério para a eleição dos sujeitos passivos das contribuições. Se o que justifica constitucionalmente a instituição de uma contribuição é uma atuação estatal especial na busca de uma determinada finalidade, somente as pessoas direta ou indiretamente relacionadas com esta finalidade poderão figurar no pólo passivo da relação jurídico-tributária relativa à exigência de cada respectiva contribuição." (3)

Conclui esse brilhante autor que somente um determinado grupo, também especial, de pessoas ligadas ao desempenho daquela atividade, pode ser eleito como sujeito passivo de cada respectiva contribuição instituída. O grupo eleito para figurar no pólo passivo da contribuição deve estar ligado, direta ou indiretamente, à atividade estatal cujo desempenho ocasionou a exigência da contribuição.

Conforme já afirmado, não vemos relação entre a pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior e o estímulo ao desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.

Outro ponto merece ser ressaltado. O Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, tem por objetivo principal estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo e, para isso, foi instituída contribuição de intervenção no domínio econômico. Ora, tal contribuição só se justifica para viabilizar a atuação da União sobre área que não lhe e própria. Nesse sentido

"Intervenção é termo vago e ambíguo. De todo modo, como acentua Eros Roberto Grau, tal expressão indica a idéia de atuação sobre área de outrem. Neste sentido, a intervenção estatal sobre o domínio econômico pode ser entendida como a atuação do Estado sobre área reservada à iniciativa privada, expressão também marcada pela vaguidade e ambigüidade, mas que, neste contexto, significa o conjunto de agentes econômicos não estatais. O domínio econômico é precisamente o campo reservado à atuação do setor privado; portanto, ao desempenho da atividade econômica em sentido estrito. Logo, o Estado não realiza intervenção quando age sobre o campo reservado a sua própria atuação, de modo que a disciplina e a atuação estatal relativa aos serviços públicos não configuram intervenção, senão mera atuação estatal." [4]

Pois bem, do exposto inferimos que, no caso em tela, universidades e quiçá centros de pesquisas podem ser do próprio Poder Público, o que, por si só, impossibilitaria a intervenção estatal, pois, como dito anteriormente, o Estado não pode intervir em área que lhe e própria.

Assinala Maria Ednalva de Lima que a criação da contribuição de intervenção no domínio econômico está diretamente vinculada aos enunciados prescritivos contidos no capitulo da Ordem Econômica, de sorte que somente atuando nesta esfera pode a União lançar mão da competência tributária conferida pelo artigo 149 da Constituicao Federal. [5]

Destarte, a intervenção estatal sobre o domínio econômico deve estar relacionada a um dos princípios elencados no artigo 170 da Constituição Federal, a seguir transcrito

"A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

1.soberania nacional;

2.propriedade privada;

3.função social da propriedade;

4.livre concorrência;

5.defesa do consumidor;

6.defesa do meio ambiente;

7.redução das desigualdade regionais e sociais;

8.busca do pleno emprego;

9.tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país."

Parece-nos que a contribuição prevista na Lei 10.168/2000 não teve em vista esses princípios. O único princípio que se relaciona a ela é o referente ao inciso VII (redução das desigualdades regionais e sociais), pois o artigo 6º da lei sob comento determina que do total dos recursos a que se refere o art. 2º, trinta por cento, no mínimo, serão aplicados em programas de fomento à capacitação tecnológica e ao amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Todavia, são apenas 30 por cento do total de recursos provenientes da contribuição e, para agravar o quadro, não serão trinta por cento exclusivamente para o desenvolvimento nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e sim essa porcentagem será dividida com o fomento à capacidade tecnológica e ao amparo à pesquisa cientifica. Essa última finalidade não nos parece estar relacionada com nenhum dos princípios enunciados no artigo 170 da Constituição.

Diante desses pontos expostos, entendemos que Lei 10.168 não instituiu uma contribuição de intervenção no domínio econômico, pois não há correlação entre os sujeitos passivos eleitos e a finalidade que se busca, suportando esses sujeitos passivos um ônus do qual nenhum proveito tirarão.

Ademais, não trata a Lei 10.168/2000 de hipóteses que juridicamente justifiquem a intervenção estatal no domínio econômico.

Se os sujeitos passivos não receberão benefícios decorrentes da atuação estatal que resultará do recolhimento do tributo, então estamos diante de um imposto. Todavia, tal tributo não pode ser imposto, visto que o artigo 167, inciso IV da Constituição Federal veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Assim sendo, concluímos que a Lei 10.168/2000 é inconstitucional.

Vale registrar pertinente observação de Maria Ednalva de Lima que afirmou que a base de calculo prevista na Lei 10.168/2000 trata-se de um verdadeiro "adicional" do imposto de renda.

"A lei 10.168/2000 viola, portanto, a Constituição Federal por criar tributo incidente sobre fato prescrito para imposto que já existe, quando deveria ter por hipótese de incidência fato da União consistente em sua atuação no mercado, fiscalizando a exploração de atividades econômicas e por base de cálculo um valor que mensurasse essa atuação." [6]

Diante de tudo o que foi exposto, em consonância com os autores citados e ainda com Paulo Roberto Lyrio Pimenta [7], somos pela inconstitucionalidade da contribuição ora discutida.

Isto porque os sujeitos definidos como contribuintes não são beneficiários específicos do tributo suportados por eles, uma vez que o produto do mesmo é dirigido ao benefício de toda a sociedade. Não é justo que apenas um grupo isolado suporte o ônus de uma atividade estatal dirigida a toda a sociedade, como foi feito, desvirtuando o mandamento constitucional relativo à contribuição de intervenção no domínio econômico.

Além disso, conforme Paulo Roberto Lyrio Pimenta, foi instituída uma intervenção para fomentar o desenvolvimento de determinada atividade, modalidade interventiva que denomina "intervenção-incentivo". Nesta situação, entende que é imprescindível que o sujeito passivo da contribuição aufira benefício com a sua instituição.

Na hipótese em exame, os benefícios da contribuição serão auferidos por toda a coletividade, conforme já dito, e não apenas pelos sujeitos passivos. O art. 1º da Lei 10.168/00 dispõe expressamente que o Programa em pauta tem por objetivo estimular o "desenvolvimento tecnológico brasileiro". As finalidades do Fundo ao qual se destina o tributo, previstas no Decreto nº 4.195, que regulamenta a Lei 10.168/00, atingem vários grupos e setores econômicos.

A CIDE é setorial, o que significa que apenas o setor alcançado pela medida interventiva é que irá figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária. Essa exigência é decorrência dos princípios da finalidade (art. 149 da CF) e da proporcionalidade (aspecto-adequação), feridos pela Lei 10.168/00, no exato entendimento do autor acima citado.


NOTAS

01. PONTES, Helenilson Cunha. O Principio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000. P.159

02. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributario. 13 ed. Sao Paulo Saraiva, 2000. P.28

03. PONTES, Helenilson Cunha. O Principio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000. P.161

04. Op. Cit. P. 170

05. LIMA, Maria Ednalva de. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico criada pela Lei 10.168/2000. Revista Dialética.

06. LIMA, Maria Ednalva de. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico criada pela Lei 10.168/2000. Revista Dialética, nº 69.

07. In Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Dialética, 2002.


BIBLIOGRAFIA:

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributario. 13 ed. Sao Paulo Saraiva, 2000. P.28

LIMA, Maria Ednalva de. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico criada pela Lei 10.168/2000. Revista Dialética.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Dialética, 2002. Págs. 115-117.

PONTES, Helenilson Cunha. O Principio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000. P.159


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FOGAÇA, Luciana Trindade; OLIVEIRA, Carla Dumont. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico: uma análise da Lei nº 10.168/00. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 144, 27 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4517. Acesso em: 24 abr. 2024.