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Disciplina dos bancos de dados de proteção ao crédito.

Análise do art. 43 do código de defesa do consumidor

Disciplina dos bancos de dados de proteção ao crédito. Análise do art. 43 do código de defesa do consumidor

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O crédito é um dos pilares do mercado capitalista, considerado como condicionante de seu desenvolvimento. No campo específico do mercado de consumo, a concessão facilitada de crédito pessoal é fator fundamental para sua manutenção e crescimento, uma vez que possibilita a inúmeras pessoas a aquisição de bens e serviços que não poderiam comprar, caso não pudessem efetuar o pagamento futuro de seu preço.

Um dos elementos fundamentais do crédito, ao lado do tempo, é o fator confiança, sem o qual a sua concessão se torna extremamente arriscada para o cedente. Nos dias de hoje, entretanto, as relações entre consumidores e fornecedores não mais são baseadas na confiança mútua, uma vez que ambos são, em regra, estranhos entre si. O fenômeno da massificação das relações de consumo, decorrente do extraordinário crescimento do mercado capitalista, suprimiu a possibilidade de conhecimento e confiança entre fornecedor e consumidor.

Assim, para que a ausência do fator confiança não prejudicasse o fornecimento de crédito, necessária se fez a criação de alguns mecanismos capazes de supri –lo e, assim, viabilizar, com menores riscos, o crédito pessoal, sem o qual a sociedade de consumo não tem condições de prosperar.

Em princípio, a solução encontrada pelos fornecedores foi o armazenamento, em arquivos próprios, de informações e referências acerca dos consumidores pretendentes à obtenção de crédito, com a finalidade de verificar se o indivíduo era ou não cumpridor de suas obrigações.

Como os procedimentos para a obtenção desses dados eram extremamente difíceis e, na maioria das vezes, constrangedores para os consumidores, surgiu a idéia de organização de um grande cadastro em que seriam armazenadas informações acerca de indivíduos inadimplentes, que poderiam ser consultadas por pretensos cedentes de crédito [1]. Essas consultas, na medida em que alertariam aos fornecedores sobre a contratação com consumidores inadimplentes, diminuiriam consideravelmente os riscos das vendas a crédito.

Assim, surgem os bancos de dados de proteção ao crédito, entidades com a finalidade de armazenar informações acerca de pretendentes a crédito inadimplentes e disponibilizá-las a eventuais fornecedores de crédito, protegendo, desta forma, o crédito em si mesmo, na medida em que diminui os riscos para os que costumam realizar negócios aceitando o pagamento futuro do preço.

Inevitável, pois, a relevância dessas entidades na sociedade de consumo atual, tanto para os usuários de seus serviços que, via de regra, decidem a respeito da concessão de crédito a partir das informações contidas nesses cadastros; quanto para os consumidores que estão sujeitos à inclusão em seus arquivos.

Esta inclusão e a conseqüente divulgação de dados sobre a idoneidade financeira dos consumidores, muitas vezes, lesionam seus direitos da personalidade (honra e privacidade). Isto porque a idoneidade financeira é o principal elemento individualizador do consumidor no contexto da sociedade de consumo massificado.

Ademais, os serviços prestados pelos bancos de dados de proteção ao crédito se revestem de caráter extremamente invasivo, uma vez que reúnem e disponibilizam ao público dados pessoais acerca do consumidor, mais precisamente sobre sua solvência, que, sem dúvida, é um dos elementos de sua honra objetiva.

Nesse contexto, o art. 43 do Código de Defesa do Consumidor tem o objetivo de garantir a proteção do direito à privacidade e à honra do consumidor, pugnando pela atuação responsável e ética das entidades arquivistas.

Assim, verifica-se que a função primordial deste dispositivo legal não é apenas o reconhecimento e a legitimação das atividades dos bancos de dados de proteção ao crédito, mas especialmente de impor limites precisos à sua atuação, para que ela se faça de maneira a respeitar os princípios e normas de proteção ao consumidor enquanto parte vulnerável das relações de consumo.

A primeira determinação do art. 43 que merece destaque é aquela contida no § 4º, segundo o qual "os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público" [2].

O caráter público dessas entidades não guarda qualquer relação com o fato de possuírem personalidade jurídica de direito público ou privado. Ao contrário, é o fato de "conterem informações que sejam ou possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo dos órgãos ou entidades produtoras ou depositárias das informações" [3] que lhe confere caráter público.

Nesse sentido, a atuação dos bancos de dados de proteção ao crédito representa especial interesse à sociedade de consumo, tendo em vista a potencialidade lesiva dos serviços por eles prestados, que põem em risco alguns dos direitos individuais mais importantes, quais sejam os direitos da personalidade. Assim, é necessário que a coletividade possua, em face dessas entidades, certos direitos não exercitáveis contra entidades de natureza diversa.

Com efeito, nota-se que a motivação do legislador ao conferir status de entidades de caráter público aos bancos de dados de proteção ao crédito foi "afirmar o direito do consumidor ao conhecimento e eventual correção das informações sobre ele armazenadas naquelas entidades" [4], assegurando-lhes, para tanto, a possibilidade de se utilizar do habeas data, garantia prevista no art. 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal de 1988, cujo fim é assegurar ao indivíduo, de maneira mais ágil e efetiva,o acesso, retificação ou cancelamento, conforme o caso, de dados sobre ele arquivados.

A determinação do § 4º, do art. 43 tornou, portanto, sem efeito o veto ao art. 86, do mesmo diploma legal, que determinava expressamente o cabimento do habeas data na tutela dos direitos e interesses dos consumidores, uma vez que a qualificação dos bancos de dados como entes de caráter público legitima a utilização da ação constitucional em face dos mesmos.

Ademais, o aludido dispositivo condiciona o exercício das atividades dos arquivos de restrição ao crédito ao cumprimento de inúmeros requisitos relativos não apenas aos dados arquivados, mas também às condições procedimentais a serem seguidas quando da efetivação de qualquer registro. Além disso, estabelece alguns direitos básicos dos consumidores em face dessas entidades, conforme será a seguir demonstrado.

São três os direitos básicos [5] garantidos pelo artigo 43 aos consumidores cujos nomes são passíveis de registros em bancos de dados de proteção ao crédito, a saber: "o direito de ser comunicado a respeito do armazenamento de informações (negativação), o direito de acesso aos dados registrados e, finalmente, o direito de retificação desses dados" [6] .

O primeiro direito básico, pressuposto para o exercício dos demais, previsto pelo § 2º, do artigo em questão, estabelece a necessidade de comunicação prévia ao consumidor da realização do registro, sempre que este for realizado sem a sua solicitação.

A proteção desse direito tem como finalidade primeira a garantia do exercício dos demais (acesso e retificação). Por outro lado, busca-se ainda resguardar o consumidor de situações constrangedoras como a de tomar ciência da inscrição de seu nome em cadastro de restrição ao crédito no momento em que tenta realizar uma compra a crédito e esse lhe é negado.

O dever de comunicação tem, portanto, fim eminentemente preventivo. Dessa forma, é necessário que a comunicação ao consumidor seja feita antes da efetivação do registro, justamente para que se evite a ocorrência de erros e irregularidades e de conseqüentes danos ao consumidor. [7] Conclui-se, assim, que em conseqüência desse direito "o acesso ao dado negativado só pode ser dado a conhecimento de terceiros (disponibilizado no banco de dados para outras empresas contratantes e usuárias finais) após a comunicação." [8]

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem ressaltando a importância da comunicação aos consumidor do registro, afirmando que a comprovação da não ocorrência da comunicação é suficiente para dar ensejo ao dever de reparação aos danos morais sofridos pelos consumidores indevidamente registrados [9]. Nesse sentido a ementa a seguir transcrita:

"Direito do consumidor. Inscrição indevida no SPC. Furto do cartão de crédito. Dano moral. Prova. Desnecessidade. Comunicação ao consumidor de sua inscrição. Obrigatoriedade. Lei 8078/90, art. 43, § 2º. Doutrina. Indenização devida. Fixação. Precedentes. Recurso parcialmente provido.

I. Nos termos da jurisprudência da Turma, em se tratando de indenização decorrente da inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, ‘a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular’ nesse cadastro.

II. De acordo com o art. 43, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, e com a doutrina, obrigatória é a comunicação ao consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção ao crédito, sendo, na ausência da comunicação, reparável o dano oriundo da inclusão indevida.

III. É de todo recomendável, aliás que a comunicação seja realizada antes mesmo da inscrição do consumidor no cadastro de inadimplentes a fim de evitar possíveis erros, como o ocorrido no caso. Assim agindo, estará a empresa tomando as precauções para escapar de futura responsabilidade.

IV. Não se caracteriza o dissídio quando os arestos em cotejo não se ajustam em diversidade de teses." [10]

O segundo direito básico do consumidor frente aos bancos de dados de proteção ao crédito, garantido pelo caput do art. 43, é o direito de acesso aos dados sobre ele armazenados sem o seu conhecimento, bem como às fontes em que foram coletadas as informações.

O exercício desse direito tem como condição o cumprimento, pelos arquivos de consumo, do dever correlato ao direito de comunicação da efetivação do registro. Assim, é evidente que o consumidor cujo nome é incluído no acervo dos bancos de dados de proteção ao crédito somente poderá pleitear o acesso às informações armazenadas se tiver conhecimento da ocorrência da negativação.

A garantia do direito ao acesso às informações armazenadas tem como finalidade precípua conferir ao consumidor a possibilidade de constatar eventuais equívocos e evitar possíveis danos que poderiam decorrer da divulgação de dados incorretos.

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin [11] afirma que o direito de acesso "fragmenta-se em três outros direitos específicos", a saber: o direito ao acesso às informações arquivadas, o direito ao acesso às fontes dos registros, bem como o direito à identificação dos destinatários do conteúdo do registro.

Segundo o autor, cada um desses direitos, embora pertencentes à mesma origem, têm finalidades diversas. Assim, o fim precípuo do direito ao acesso às informações seria proporcionar ao consumidor a possibilidade de retificação de dados eventualmente incorretos.

Com respeito ao acesso às fontes, procura conferir ao consumidor maior efetividade na reparação dos eventuais erros, na medida em que ele pode consultar diretamente aquele que deu origem ao registro (fornecedor), ao invés de se limitar à perquirição do banco de dados, que apenas recebeu e reproduziu a informação. Ressalte-se que do direito de acesso à fonte do registro, decorre, para os arquivos de consumo, um dever de anotação de todos os pedidos de registros. Esse dever, além de beneficiar os consumidores indevidamente registrados, gera para os próprios bancos de dados a possibilidade de "acautelar-se contra futura contestação do registro" [12], além de indicar a boa-fé da entidade arquivista na inclusão da informação questionada.

Finalmente, o autor destaca a importância do direito ao conhecimento dos destinatários dos dados armazenados, na medida em que esse conhecimento confere "ao consumidor e ao próprio arquivista a salutar oportunidade de sanar, a tempo, o equívoco cometido, evitando ou mitigando danos patrimoniais e morais que daí possam decorrer." [13] Conclui acrescentando que a ciência da identidade dos que receberam as informações acerca dos consumidores "é a única maneira de possibilitar ao arquivista o cumprimento da exigência legal de notificar a retificação a todos aqueles antes contactados, no prazo máximo de cinco dias." [14]

O terceiro direito básico do consumidor frente aos bancos de dados de proteção ao crédito, previsto no § 3º, do art. 43, do CDC, decorrente dos demais, é a possibilidade de retificação de informações equivocadas armazenadas sobre a sua pessoa.

A inclusão dessa prerrogativa na legislação destinada à defesa do consumidor tem como objetivo resguardá-lo da eventual intransigência das entidades arquivistas, que, antes da vigência do CDC, costumavam recusar as solicitações de correção de registros indevidos. Ademais, a possibilidade da correção dos dados elide "a circulação de notícias indevidas sobre o interessado, com prejuízos morais e patrimoniais decorrentes". [15]

Esse direito pode ser exercitado tanto em âmbito extrajudicial, como na esfera judicial. A maneira mais fácil de proceder à retificação das informações inexatas é a extrajudicial, que consiste na apresentação de um requerimento perante o banco de dados [16], expondo os motivos pelos quais o registro é indevido e, se possível, provando as alegações.

Importa, nessa esteira, mais uma vez, ressaltar a lição de Antônio Herman Vasconcellos e Benjamin [17], que atribui à entidade arquivista o ônus da prova da propriedade do registro. Segundo o autor, o consumidor não tem a obrigação de provar sua honestidade, sua solvência, sendo que esse dever "toca ao arquivista, a quem os dados beneficiam diretamente, aduzir prova positiva da veracidade e atualidade dos assentos que administra e explora".

Uma vez requerida, a correção dos dados deve ser procedida com a maior agilidade possível, devendo todos os eventuais destinatários das informações incorretas ser comunicados no prazo máximo de cinco dias, nos termos do § 3º, do art. 43.

Não sendo possível a obtenção da correção dos dados pela via administrativa, resta ao consumidor indevidamente registrado, o acesso ao judiciário para requerer a retificação da informação inexata ou ainda a explicação ou contestação sobre o mesmo. Todos esses direitos, além da já mencionada prerrogativa do acesso aos dados armazenados, podem ser alcançados por meio do habeas data, [18] remédio jurídico previsto pelo inciso LXXII, do artigo 5º, da Constituição Federal, perfeitamente cabível em desfavor dos bancos de dados de proteção ao crédito, dado ao caráter público que lhes foi conferido pelo CDC.

Além dos mencionados direitos básicos dos consumidores em face dos bancos de dados de proteção ao crédito, o art. 43, do Código de Defesa do Consumidor prevê também uma série de requisitos pertinentes ao conteúdo dos dados arquivados, que devem ser rigidamente cumpridos pelas entidades arquivistas no exercício de suas atividades.

As primeiras condições a serem preenchidas pelas informações armazenadas, nos termos do § 1º, do artigo 43, do CDC, dizem respeito às características da clareza, objetividade, veracidade e utilização de linguagem de fácil entendimento.

Inicialmente, diz –se que o registro deve ser objetivo, ou seja, dele não pode constar nenhum juízo de valor feito pelo fornecedor requerente da negativação ou pelo banco de dados que a efetiva. Assim, deverão constar da anotação informações meramente objetivas, sendo vedadas expressões de cunho subjetivo, tais como "mau-pagador" ou "cliente criador de caso" [19].

A clareza, ao lado da necessidade de uso de linguagem de fácil entendimento, são requisitos essenciais ao conteúdo dos dados registrados, devendo ser cumpridos não apenas pelo solicitante, mas especialmente pelas entidades arquivistas. Assim, as informações armazenadas não podem conter códigos, símbolos ou outros artifícios que as tornem incompreensíveis para aqueles cujos nomes forem arquivados.

Outra importante determinação legal com respeito às informações armazenadas nos bancos de dados de proteção ao crédito é aquela que se refere ao pressuposto da veracidade dos dados. Não há dúvidas de que, dentre os requisitos legais presentes no § 1º, do art. 43, este é o mais importante, na medida em que se refere à informação em si mesma, ou seja, ao seu conteúdo principal que é a existência ou não da inadimplência, ou ainda a certeza ou a liquidez da dívida supostamente não saldada.

Ainda na esteira dos requisitos legais das informações arquivadas, cumpre destacar o tempo máximo de permanência destes dados nos arquivos das entidades de proteção ao crédito que, nos termos do § 1º, combinado com o § 5º, do art. 43, é de cinco anos ou, até a data da prescrição da dívida registrada, sendo esse período inferior a cinco anos. [20]

Esse limite temporal de permanência de dados relativos a dívidas inadimplidas nos bancos de dados é de crucial importância, tendo em vista que "impede a aplicação de pena de caráter perpétuo, vedada pela Constituição da República (art. 5º, XLVII, b) e uniformiza o tratamento da matéria ao impedir efeitos extrajudiciais da dívida prescrita e não permitir que esta perturbe eternamente a vida do consumidor, cassando-lhe o crédito e a possibilidade de reabilitação." [21]

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin [22], em uma análise sistematizada dos dispositivos legais acima mencionados, assevera que a legitimidade das atividades desempenhadas pelos bancos de dados de proteção ao crédito está condicionada à adequação a quatro grupos de pressupostos, a saber: pressupostos teleológicos, substantivos, procedimentais e temporais.

O primeiro pressuposto a ser cumprido seria o teleológico, ou seja, os registros devem atender à verdadeira finalidade dos arquivos de restrição ao crédito que é, em última análise, a proteção futura do crédito em si mesmo, enquanto instituição, na medida em que diminui os riscos das relações de consumo a crédito, alertando os fornecedores acerca da contratação com determinados consumidores considerados inadimplentes. Assim, os bancos de dados devem procurar adequar suas atividades aos limites impostos pela lei, evitando a prática de abusos, a exemplo da utilização da negativação como instrumento de cobrança de crédito, dentre outras já examinadas.

Ademais, a efetivação dos registros em bancos de dados de proteção ao crédito deve também estar condicionada aos denominados pressupostos substantivos. São eles: a) o não questionamento do débito e exatidão da informação apreendida e b) o conteúdo da informação arquivada.

Considerado pelo autor como "a essência da dos arquivos de consumo" [23], o não questionamento da dívida e a exatidão do dado arquivado refletem nada mais que a necessidade de que apenas se proceda a inscrição de débitos considerados incontestáveis, seja por conformismo do devedor, seja por decisão judicial transitada em julgado [24]. Com relação ao conteúdo, afirma que devem ser excluídas dos arquivos de consumo as informações de cunho personalíssimo, que sejam estritamente relacionadas às relações de consumo (dados objetivos). Assim, conclui que apenas são "registráveis" as informações "que, substancialmente, se referem à atitude do consumidor ou fornecedor diante das relações de consumo em que tomaram parte. O ser bom ou mal empregado, o ter ou não pago o fornecedor pago os impostos não interessam aos registros e cadastros de que se trata" [25].

Sob uma perspectiva formal, completando os já mencionados, estão os pressupostos procedimentais, que se subdividem em dois grupos, a saber, um relativo ao acesso e o segundo referente à linguagem adotada.

O primeiro diz respeito à necessidade de limitação do acesso às informações armazenadas. Com efeito, os dados arquivados apenas poderão ser acessíveis quando houver uma consulta, elaborada individualmente, por pessoa interessada na realização de um negócio jurídico com o consumidor cujos dados encontram-se registrados [26]. O segundo, que determina que os registros devem ser efetuados em linguagem transparente, refletindo a realidade dos fatos, gera, para os consumidores registrados, alguns direitos que complementam os já analisados direitos básicos, quais sejam: os direitos à informação veraz, objetiva, clara e de fácil entendimento.

Por fim, o autor ressalta que os registros em arquivos de consumo devem respeitar também os pressupostos temporais previstos nos parágrafos 1º e 5º, do art. 43 do CDC, sendo lícito que permaneçam armazenados pelo prazo de cinco anos contados a partir da ocorrência do inadimplemento, caso não ocorra a prescrição da ação de cobrança da dívida em lapso de tempo inferior.

A análise dos requisitos e pressupostos apresentados é de suma importância, na medida em que geram, para os consumidores, direitos subjetivos a eles correlatos, tais como o direito à informação clara, verdadeira, objetiva e de fácil entendimento, o direito à adequação dos registros à finalidade dos bancos de dados e o direito ao tempo de permanência das informações nos arquivo.

Assim, com base nesses direitos, o consumidor possui respaldo para se proteger contra a atuação abusiva dos bancos de dados de proteção ao crédito. Estes, por sua vez, devem orientar suas atividades a partir da observação dessas regras, atuando com diligência e responsabilidade na busca da proteção ao crédito como instituição, sem por em risco os direitos à honra e à privacidade dos consumidores.


Notas

01. Sobre o surgimento do primeiro banco de dados de proteção ao crédito no Brasil vide a exposição de Bertram Antônio Stümer in Bancos de dados e habeas data no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, Vol. I, p. 59.

02. Conforme explicitado no próprio artigo, essa norma se aplica a todas as entidades de proteção ao crédito, estendendo-se, inclusive, aos cadastros internos das lojas. Nesse sentido, vide Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, in Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Jameiro : Forense Universitária, 2000,, p. 362 e 363.

3. Art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.507/97, Lei do Habeas Data.

04. VENTURI, Elton. Aspectos sobre os bancos de dados e cadastros de consumidores : Exegese do Código de Defesa do Consumidor. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Paraná. Ano V n.º 5. Curitiba, 1996, p.12.

05. Segundo Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, esses direitos são conferidos ao consumidor em relação "a qualquer dado arquivado sobre o consumidor, mesmo os que não digam respeito ao seu comportamento no mercado" (Op. cit., p. 391).

06. BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e o serviço de proteção ao crédito. Correio Braziliense. Caderno Direito e Justiça – 2 de março de 1998, p. 3.

07. Há, na doutrina e na jurisprudência, acirrada discussão acerca da possibilidade de transferência, pelos bancos de dados aos fornecedores que solicitam registros, do dever de comunicação. A favor vide: José Carlos Gentilli, Os bancos de dados na sociedade de consumo e o código de defesa do consumidor –a questão da responsabilidade jurídica por danos morais. Goiânia: Tecprint Impressões Técnicas, 1999, p. 136). Em sentido contrário: Leonardo Roscoe Bessa (O consumidor e os serviços de proteção ao crédito, Correio Braziliense, Brasília, 02 de março de 1998, caderno Direito e Justiça, p. 3.)

08. GENTILLI, José Carlos. Op. cit., p. 140.

09. Em sentido contrário, vide AC n. º 70000.166.413/Pelotas. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 10ª Câmara Cível.

10. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. RESP 165.727/DF. Relator: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Data do julgamento: 16.06.1998. DJ 21.09.1998, p. 196.

11. Op. cit., p. 402 e 403.

12. Idem, p. 403.

13. Ibidem.

14. Ibidem.

15. BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. 4ª edição. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991, p. 44.

16. José Carlos Gentilli, em sentido contrário, assevera que "o pedido de retificação deve ser dirigido à empresa que o negativou", tendo em vista que, "os elementos necessários para determinar que se proceda ou não a retificação estão junto à empresa que negativou o consumidor, eis que o banco de dados não trabalha com documentos, mas única e simplesmente, com dados". Prossegue o autor afirmando que "o termo arquivista utilizado pelo legislador direciona-se às empresas que enviam (arquivam) os dados" (Op. cit., p. 150).

17. Op. cit., p. 406.

18. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, o habeas data é um remédio jurídico que "assegura o conhecimento de informações relativas à própria pessoa do impetrante; e o objetivo é sempre o de conhecer e retificar essas informações, quando errôneas, para evitar o seu uso indevido." Prossegue asseverando que "o sujeito ativo do habeas data é a pessoa, brasileira ou estrangeira a que se refere a informação", o seu "sujeito passivo é a entidade governamental ou de caráter público que tenha registro ou banco de dados sobre a pessoa" e, por fim, esclarece que "o objeto pode ser a simples informação ou, se o impetrante já a conhecer, pode ser a sua retificação" (Op. cit., p. 502-503).

19. Essa orientação é adotada por Leonardo Roscoe Bessa (Op. cit., p. 247).

20. Acerca do período máximo de permanência dos dados nos arquivos de consumo há considerável discussão doutrinária. Alguns autores, dentre os quais Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Carlos Alberto Bittar e Carlos Adroaldo Ramos Covizzi, adotam o entendimento acima esposado, segundo o qual "o qüinqüênio é o teto temporal de permanência de informação negativa em arquivo de consumo [...] Não sendo o prazo prescricional, como é curial, uniforme para todas as obrigações civis e comerciais, podendo ser menor que cinco anos, isso significa dizer que se o qüinqüênio não pode ser ampliado (é teto), pode perfeitamente ser rebaixado (não é piso)". (Antônio Herman Vasconcellos e Benjamin, Op. cit. p. 383). Em sentido contrário, defendendo a possibilidade de armazenamento dos dados por lapso de tempo superior a cinco anos, vide José Carlos Gentlli, verbis: "além desse prazo máximo de cinco anos, estabeleceu outro relativo à consumação da ação de cobrança do título que deu motivo à negativação: esta não mais poderá constar dos dados após consumada a prescrição. O que o legislador pretendeu foi então evitar que o fornecedor, não mais possuindo o direito de ação, por força da prescrição, mantivesse a negativação como instrumento de coação para que o devedor efetuasse o pagamento" (Op. cit., p. 152).

21. ALMEIDA, João Batista. apud Antônio Herma Vasconcellos e Benjamin, Op. cit , .p. 381.

22. Op. cit., p. 365 a 379.

23. Op. cit., p. 369.

24. Ressalte-se que a tese segundo a qual a dívida que se encontra em discussão judicial não pode ser objeto de anotação em bancos de dados de proteção ao crédito vem sendo adotada na maioria das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, como se depreende da análise dos arestos referentes ao julgamento dos seguintes recursos: AGA 208757/RS; RESP 180665/PE; RESP 168934/MG; RESP 161151/SC, dentre outros.

25. Op. cit., p. 376.

26. Cabe aqui destacar que, devido ao caráter pessoal e à potencialidade lesiva dos dados registrados, os bancos de dados de proteção ao crédito procuram não disponibilizar as informações constantes de seus arquivos ao público em geral. Dessa forma, em tese, apenas aqueles que possuem contrato com as entidades ou são a elas associados podem ter acesso aos dados armazenados. Nesse sentido, cumpre citar o pronunciamento de Humberto Theodoro Júnior, mencionado em artigo escrito por Athos Gusmão Carneiro sobre a SERASA: "Os dados compilados, como acontece em qualquer outro cadastro bancário, são confidenciais e sigilosos. Seus registros não são publicados ou divulgados perante estranhos. Servem apenas de fonte de consulta para os bancos associados, utilizam as informações como dados necessários ao estudo e deferimento das operações de crédito usualmente praticadas." A impossibilidade de publicação das informações é ainda refletida pela presença, em quase todos os contratos firmados entre os bancos de dados e seus clientes, de cláusula determinando que a informação por eles recebida não poderá ser repassada a terceiros. (O cadastramento bancário e as ações revisionais. Gênesis Revista de Direito Processual Civil. N.º 13. Curitiba, julho/setembro de 1999, p. 439.)


referências bibliográficas

BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e o serviço de proteção ao crédito. Correio Braziliense. Caderno Direito e Justiça – 2 de março de 1998.

BITTAR, Carlos Alberto. Defesa do Consumidor – Reparação de danos morais em relações de consumo. Revista de Direito do consumidor, Vol. 20.

__________ Direitos do consumidor – código de defesa do consumidor. 4ª edição. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991.

__________ Reparação civil por danos morais. 3ª edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1999.

CARNEIRO, Athos Gusmão. O cadastramento bancário e as ações revisionais. Gênesis Revista de Direito Processual Civil, número 13. Curitiba : julho/setembro – 1999.

GENTILLI, José Carlos. Os bancos de dados na sociedade de consumo e o código de defesa do consumidor –a questão da responsabilidade jurídica por danos morais. Goiânia : Tecprint Impressões Técnicas, 1999.

GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto...[et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6ª edição. Rio de Jameiro : Forense Universitária, 2000.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 8ª edição. São Paulo : Atlas, 1997.

STÜMER, Bertram Antônio. Bancos de dados e habeas data no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, Vol. I.

VENTURI, Elton. Aspectos sobre os bancos de dados e cadastros de consumidores: exegese do código de defesa do consumidor. Revista Regional da Procuradoria Geral do Estado do Paraná, n.º 10. Governo do Estado do Paraná : Paraná, 1996.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Simone Martins de. Disciplina dos bancos de dados de proteção ao crédito. Análise do art. 43 do código de defesa do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 138, 21 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4521. Acesso em: 26 abr. 2024.