Uma questão de peso: a responsabilidade dos pais e do Estado nos casos de obesidade infantil
Uma questão de peso: a responsabilidade dos pais e do Estado nos casos de obesidade infantil
Publicado em . Elaborado em .
A obesidade infantil é uma das grandes epidemias do século XXI, ela causa problemas de saúde, psicológicos, sócias e coíbe a evolução integral da criança. Assim, o presente trabalho tem o objetivo de analisar tal fenômeno e suas consequências jurídicas.
RESUMO:A obesidade infantil representa uma das grandes epidemias do século XXI, ela causa problemas de saúde, psicológicos, sócias e coíbe a evolução integral da criança. Sua ocorrência viola direitos essenciais como: o do desenvolvimento sadio e harmonioso da vida, em condições dignas de existência, o da proteção à saúde e o de educação alimentar da criança. Visto a complexidade do problema e suas danosas consequências, questiona-se quem seria apto a responsabilizar-se pela ocorrência da obesidade infantil, seriam os pais ou o Estado. O presente trabalho tem por objetivo analisar, através de pesquisas bibliográficas, legislativas e de periódicos, o fenômeno da obesidade, quais os problemas que ele enseja para os mais distintos âmbitos da vida da criança e compreender quem seria apto a controlar tal endemia e impedir a sua proliferação.
Palavras-chave: Obesidade infantil, responsabilidade dos pais, responsabilidade do Estado.
ABSTRACT:The infant obesity is one the biggest 21st century diseases, causing health, pshycological and social problems, decreasing the child’s full development. Its existence violates essential rights like: the healthy and peaceful development of life, in good conditions of existence, the health and food education of the child and so on. Due to the problem complexity and the catastrophic consequences, we wonder who would be willing to be the responsible for the infant obesity, would it be the state or the parents? This research target is to analyze, through out bibliographies the overweight phenomenon, what problems it brings to society, seen by different aspects of the child’s life, and understand whom could be willing to stop this of spreading.
Key-words: Infant Obesity, parents resposability, State responsibility.
Introdução
A alimentação é uma necessidade vital para o desenvolvimento do ser humano, não apenas pelo aspecto biológico, mas também por envolver aspectos sociais, psicológicos e econômicos. O alimento está presente em todas as etapas da vida, no entanto, é na infância e na adolescência que ele possui caráter mais importante.
De acordo com Mendes (2006), hábitos saudáveis adquiridos na infância, que se perpetuem na vida adulta, poderão contribuir para a prevenção primária de doenças como como diabetes mellitus, hipertensão, doenças cardiovasculares, entre outras.
Das diversas consequências de uma alimentação não balanceada e pouco nutritiva, encontra-se o ganho excessivo de peso, que pode ensejar na obesidade; definida como uma doença crônica, caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo regionalizado ou em todo o corpo (World Health Organization, 1998). A sua ocorrência está atribuída a fatores socioculturais e ambientais, como a falta de incentivo a uma dieta saudável e o aumento exorbitante do sedentarismo. No Brasil, segundo Mendes (2006), o excesso de peso e a obesidade já atingem mais de 30% da população adulta, sendo acompanhada por maior morbidade e menor longevidade dos indivíduos. Sendo também um problema crescente na infância, chegando a atingir de 25% a 30% da população infantil nos países ricos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a obesidade infantil já se tornou uma epidemia. Sua ocorrência tem adquirido grande importância na área de saúde, principalmente pelo impacto na vida das crianças, trazendo consequências físicas, sociais, econômicas e psicológicas.
Diante da gravidade do problema da obesidade infantil, visto que ela é considerada, como dispõe Araújo (2009), uma doença endêmica global. Questiona-se de quem seria a responsabilidade pela ocorrência da obesidade infantil, seria dos pais que devem garantir aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, além de possuírem o dever de preservar a efetivação dos princípios da prioridade absoluta e da responsabilidade dos pais. Ou se seria o Estado apto a ser responsabilizado por tal endemia, visto que este deve garantir a preservação do melhor interesse da criança, da prática de politicas públicas com intuito de efetivar a educação alimentar nas escolas e a realização de atividades físicas, além de coibir a proliferação excessiva de propagandas que influenciam as crianças a consumirem alimentos nada saudáveis.
Ao longo do presente trabalho, pretende-se analisar, através de pesquisa bibliográfica, legislativa e de periódicos, o que é a obesidade, quais os problemas que ela causa a saúde, ao psicológico e a vida social das crianças, buscar compreender quem seria apto a coibir o fenômeno da obesidade infantil e impedir a sua proliferação; os pais ou o Estado.
1. O problema da obesidade
A obesidade é um dos maiores problemas de saúde que assolam as sociedades modernas, em relatório sobre as “Estatísticas Mundiais de Saúde 2012”, da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que a obesidade é a causa de morte de 2,8 milhões de pessoas por ano, atualmente, 12% da população mundial é considerada obesa, estima-se também que nos próximos dez anos, a obesidade será a principal causa de morte evitável em todo o mundo, superando o número de óbitos causados pelo cigarro.
O excesso de peso é ainda pior quando em crianças, segundo a OMS a obesidade infantil consiste em um dos mais graves problemas de saúde pública do século XXI, tendo maior incidência nos países em via de desenvolvimento. Em 2010, estima-se que havia cerca de 42 milhões de crianças com sobrepeso em todo o mundo. No Brasil, segundo estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , uma em cada três crianças está acima do peso ideal, diante dos dados é possível observar a gravidade de tal problema.
A obesidade pode ser caracterizada como o acúmulo excessivo de gordura corporal levando a desequilíbrios em vários aspectos da vida da pessoa , segundo Marcondes (2003, p. 359) pode ser definida como:
A obesidade é uma condição clínica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no organismo, causando prejuízos à saúde. É considerada uma doença genética, multicausal, na qual interagem fatores ambientais, psicossociais, culturais, hereditários, alimentares, hormonais e metabólicos, resultando em balanço energético no qual a retenção crônica é maior que a diária.
Os danos gerados por ela são inúmeros; podendo afetar a saúde das crianças, modificar seu aspecto físico e trazer vários problemas psicológicos. Na saúde, segundo Gomes (2013) , enseja em doenças como: a hipertensão, o diabetes, afeta processos metabólicos, doenças cardiovasculares, distúrbios do sono, alterações esqueléticas, gera lesões na pele, podendo aumentar a probabilidade de o paciente desenvolver problemas respiratórios e até câncer.
Os problemas de saúde são os mais graves, no entanto é importante salientar os fatores físicos e estéticos, que podem afetar de maneira significativa o psicológico da criança, segundo Silva (2007, p. 40).
Esse fator é desencadeado por problemas dermatológicos tais como estrias, micoses, dermatites, além de a criança ser enquadrada fora dos padrões de beleza da sociedade, podendo estar relacionada com uma fraca imagem corporal, isolamento social, sentimentos de rejeição e depressão, associados a significativas depressões e fracasso escolar.
A não aceitação por parte dessa criança ao seu corpo, associada a uma sociedade preconceituosa que estabelece padrões inatingíveis de beleza e que discrimina todos aqueles que não se encaixam em seus estereótipos levam essa criança a desenvolver inúmeros problemas psicológicos; sendo estes distúrbios psicossociais que afetam a autoestima, ocasionando sentimento de rejeição, o isolamento e até a depressão.
As crianças obesas são com frequência alvo de discriminação e insultos, ou ainda de bullying [2], que causam distúrbios emocionais, a infelicidade, autodesprezo e podem provocar o aumento da ingestão de alimento, agravando mais o problema.
Os fatores que levam a obesidade infantil são inúmeros, segundo Gomes ( 2013. p. 3 ) são fatores “genéticos, fisiológicos, sociais e metabólicos “, mas destaca-se a alimentação inadequada e a falta de atividade física, o aumento da ingestão de alimentos super calóricos, com baixas funções nutricionais; como fast food , pizzas , refrigerantes, balas, além da utilização excessiva de açúcar, gordura e sódio , associados ao sedentarismo que representam os grandes fatores que propiciam a obesidade.
Visto a gravidade do assunto, pois a obesidade já é considerada uma epidemia, questiona-se: quem seria apto a sanar os danos decorrentes da obesidade infantil, os pais ou o Estado e, quais seriam as possíveis atitudes para prevenir que esse mal tome dimensões ainda maiores e atinja um número mais expressivo de crianças.
2. A obesidade infantil e a responsabilidade dos pais
Os pais são figuras essenciais na luta contra a obesidade infantil, pois, são eles que concedem os alimentos para os filhos e influenciam na prática de atividades físicas. Segundo Mello (2004. p. 5) “vários fatores influenciam o comportamento alimentar, entre eles fatores externos (unidade familiar e suas características, atitudes dos pais)”, sendo os pais figuras essenciais na prática de uma alimentação correta.
A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu Art. 227 elenca as responsabilidades inerentes a família, a sociedade e o Estado para com as crianças, sendo mister salientar o direito a vida, a saúde e a alimentação.
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Do preceito normativo em epígrafe se depreende que os pais possuem a responsabilidade integral para com seus filhos; de sustento material e moral. Devendo, assim, assegurar o direito a vida, ou seja, o desenvolvimento da vida dessa criança em toda a sua potencialidade, sem macular o seu psicológico ou físico, Silva (2012, p. 201) elenca que “agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade física-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do individuo”, no entanto quando essa sofre com a obesidade infantil a sua integridade física é corrompida.
No que tange ao direito a saúde, os genitores possuem o dever de garantir a saúde dos seus filhos, quanto à saúde, Maciel (2011 p. 32) esclarece:
Mas a garantia da saúde não envolve apenas cuidados médicos. A saúde pela alimentação é uma realidade. Promover uma nutrição adequada significa prevenir doenças decorrentes da desnutrição , carência de algum nutriente ou obesidade infantil, hoje um dos grandes males da infância
A saúde do individuo e sua alimentação estão intrinsicamente ligados, os alimentos que consumimos influenciam diretamente em uma vida saudável; Leão (2013) dispõe que várias doenças cardiovasculares, hepáticas, dermatológicas, gastrointestinais, ortopédicas e as do sistema nervoso decorrem da obesidade infantil . Os pais devem zelar pela alimentação dos filhos e garanti-la desde o nascimento, como elenca Mello (2004) existem aspectos bem estudados em relação aos hábitos alimentares mais relacionados com a obesidade, pregoa- se que o aleitamento materno seja um fator protetor importante, dessa maneira é possível inferir que a responsabilidade da mãe em conceder alimentos de qualidade a fim de prevenir a obesidade infantil vem desde o período da amamentação.
Quanto à responsabilidade dos pais, os filhos possuem o direito ao alimento, nesse sentido Farias e Rosenvald (2010) elucidam que o exercício do poder familiar impõe aos genitores a manutenção integral de sua prole, em todos os seus aspectos, estruturando-se, assim, uma obrigação alimentícia independente dos recursos do filho menor, Dias (2009. p. 458) também esclarece quanto a esse direito:
Todos tem o direito a viver, e viver com dignidade. Surge, desse modo , o direito a alimentos como principio a preservação da dignidade humana ( CF 1°. III ). Por isso, os alimentos tem a natureza de direito de personalidade, pois asseguram a inviolabilidade do direito a vida, à integridade física.
O direito ao alimento é um direito fundamental do filho e sua vedação infringe ao principio da Dignidade da Pessoa Humana; dessa maneira quando o genitor concede o auxilio financeiro para os alimentos ou a própria alimentação, ele deve verificar que a integridade física dessa criança seja preservada. Entretanto, quando permiti a ingestão de alimentos nada saudáveis, pois, cabe a ele controlar o que a criança irá comer , o genitor está sendo totalmente omisso quanto a sua paternidade responsável ; como elenca Lisboa (2002) , a paternidade responsável é o dever dos pais de garantir aos filhos todos os meios para o pleno desenvolvimento de suas faculdades físicas, psíquicas e intelectuais, sendo a saúde preceito básico para o desenvolvimento de todas as faculdades desse filho e quando obeso , esse filho é impedido de se desenvolver sem restrições.
Assim, os pais devem conceder aos filhos uma educação alimentar, orientando e proporcionando a eles uma dieta balanceada, com alimentos menos calóricos, rica em fibras e em que deve-se evitar a utilização excessiva de sal e açúcar refinado. Toda a família deve participar dessa educação, uma vez que não se trata de dieta específica e sim de melhora no hábito alimentar da criança.
Outro aspecto a ser observado pelos pais na prevenção a obesidade é o incentivo a prática de atividade física, visto que está auxilia na prevenção ao ganho de peso. Vivemos na era digital, as crianças passam muito tempo em computadores e diante da televisão, os pais enchem seus filhos de brinquedos tecnológicos como ipods, ifones e videogames, assim, as crianças não saem de casa , não brincam e não fazem qualquer tipo de exercício .
Segundo estudo do Centro de Politicas Públicas da Fundação Getúlio Vargas , as crianças ficam cerca de três horas por dia na escola e cinco em na frente à televisão; isso só propicia uma maior debilidade física e no aumento da obesidade.
Na seara do Direito Civil, o Código Civil Brasileiro de 2002, Lei 10.406, em seu Art. 1.634, determina que o dever dos pais não é restrito ao sustento material, mas também a obrigação de dirigir os filhos a sua criação e a educação, bem como tê-los em sua companhia e guarda, Lôbo (2009) estabelece que a família deve propiciar à criança e ao adolescente os meios de realização da dignidade pessoal, impondo a todas as entidades a realização dos fins afetivos e materiais , fazendo-se cumprir as normas estabelecidas na legislação brasileira, quando esse genitor é omisso quanto a alimentação do seu filho, não está cumprindo de maneira satisfatória o seu dever de criar e educar.
A alimentação correta e balanceada é um construído, se assemelha a cultura, nós comemos várias vezes ao dia de acordo com a alimentação corriqueira do ambiente familiar, portanto, cabe aos pais regularem os alimentos que seus filhos estão ingerindo, visto que a alimentação correta influencia tanto na formação de uma criança quanto na própria educação. O mesmo ocorre na omissão de incentivar ao filho a prática de atividades físicas ou até mesmo quando esse pai diante de um quadro grave de obesidade não auxilia o filho com o devido tratamento levando esse filho ao médico, não garantindo assim o direito a saúde que deveria ser assegurado.
Existem casos como o relatado por Castro (2012) de um pai, na cidade de Londrina no Paraná, que registrou um Boletim de Ocorrência contra sua ex esposa, alegando que ela tenha praticado maus tratos contra a filha de 6 anos de idade, que pesa 55 kg, enquanto, nessa idade, uma criança normal deveria pesar, em média, 20 kg. Segundo Rejane Aragão, da Comissão da Criança e do Adolescente/OAB-PR, “As punições são penas alternativas, reclusão, depende do que foi o caso. A retirada da criança, o não contato, a questão da guarda ser repassada para um parente próximo. São várias penalidades no âmbito civil e penal” .
Os pais são responsáveis pela preservação da vida, saúde, educação alimentar e desenvolvimento integral dos filhos, portanto, devem influencia-los a prática da alimentação correta, impedir o sedentarismo e em casos mais graves de obesidade conceder assistência médica. No entanto, diante de todos os direitos vedados a essa criança quando portadora de obesidade é possível inferir que o Estado também possa ser responsabilizado pela ocorrência exacerbada da obesidade em crianças.
3. A obesidade infantil e as responsabilidades do Estado
O Estado também pode ser um dos grandes responsáveis quanto ao problema da obesidade infantil, principalmente, quando se mostra omisso quanto o assunto; ignorando princípios, dispositivos constitucionais e instruções do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O princípio da Prioridade Absoluta dispõe que em todo o sistema jurídico os atos administrativos devem ser pensados e analisados em consonância com o Art. 227 da CBRF/88, que elenca “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação”, já o Art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece que:
é dever da família, comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Dessa maneira, deve ser garantido com prioridade absoluta pelo Estado o direito a vida e a saúde dessa criança, que são totalmente violados quando a mesma sofre com a obesidade infantil, visto a quantidade exacerbada de doenças que tal problema enseja e, a maneira como a vida plena é depredada.
Outro principio que não é observado pelo Estado quando omisso aos casos de obesidade na infância é o do melhor interesse da criança, segundo Maciel (2011. p. 27), ele é:
orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador, determina a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de lei interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo na elaboração de futuras regras. O melhor interesse não é o que o julgador entende que é melhor para a criança, mas sim o que objetivamente atende a dignidade à sua dignidade como criança, aos seus direitos fundamentais em maior grau possível.
Assim, quando o Estado não assegura objetivamente o melhor interesse dessa criança, que é uma vida plena e saudável, está sendo displicente, pois, deveria garantir politicas públicas eficientes para o combate da obesidade, além de salvaguardar os direitos fundamentais, em especial o da Dignidade da Pessoa Humana que é violado quando o infante sofre com a obesidade e os problemas que ela acarreta na saúde, no psicológico e no pleno desenvolvimento social. O Art. 7 do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 explicita que a criança e o adolescente têm direito “ a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”
Já no Art. 11 do ECA/90 é assegurado o atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, segundo a OMS , a saúde representa um estado completo de bem estar físico , mental e social, não apenas a ausência de doenças; o direito a saúde é um dos mais importantes que existem.
A ausência de alimentação enseja em problemas gravíssimos a saúde e até a morte, nesse sentido o governo criou programas como o Fome Zero e o Bolsa Família para prevenir a fome e a miséria; sendo a obesidade um problema de alimentação e de saúde, seria possível , por analogia, exigir-se que o Estado também criasse programas para a prevenção e erradicação da obesidade.
Países como os Estados Unidos, esclarece Harmon (2014), em que o problema da obesidade afeta 1/3 dos adultos e 17% das crianças com mais de cinco anos e adolescentes, já veem tomando atitudes para tentar solucionar a obesidade infantil. Um exemplo é certa lei que obriga a melhoria da qualidade dos alimentos servidos nas escolas; o projeto vai ampliar o número de refeições nas escolas. Embora questões de obesidade infantil e da fome possam parecer contraditórias, "são faces da mesma moeda", diz Jim Mc Govern ao The New York Times. "Alimentos hipercalóricos são mais baratos que os frescos e nutritivos". Aumentar as verbas para as escolas deve ajudar a preparar opções de refeições mais saudáveis para os alunos.
No Brasil a situação já é alarmante e o Estado não toma atitudes ativas visando prevenir e evitar os casos de obesidade, a nossa legislação que trata da instituição dos programas de tratamento e prevenção a obesidade, nelas os procedimentos metodológicos para alcançar os objetivos propostos não são detalhados, referindo-se somente, em alguns casos, a palestras e folhetos informativos. De modo geral, deixa-se a cargo das Secretarias de Educação, Cultura ou Saúde estabelecerem as atividades que serão realizadas. Segundo, Rigo e Santolin (2012. p. 3), na legislação brasileira:
apenas duas leis sugerem o convite, especificamente, de membros da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Associação Brasileira de Estudos para a Obesidade (ABESO) para a participação na definição de tais procedimentos. Além disso, quinze das leis consultadas foram emitidas para garantir o direito à cirurgia bariátrica, aos medicamentos, à orientação nutricional e ao tratamento. Constata-se, com isso, não só uma grande influência política de certas classes profissionais, mas, principalmente, uma tendência jurídica e social de "instigação ao tratamento[3] .
Outro aspecto a ser elencado é à falta de regulamentação no marketing e nas propagandas das empresas fabricantes de alimentos com baixo teor nutricional. Essas grandes empresas, na sua grande maioria, vendem alimentos que fazem mal a saúde, permeados de açúcar, sal e corantes; tais marcas, visando apenas o lucro, associam personagens infantis famosos ao alimento ou dão brindes, o que leva ao desejo do consumo por parte das crianças, que são considerados como consumidores hipossuficientes ou vulneráveis. No Brasil, o estudo de Fischer (2005. p. 5) avaliou a veiculação de propagandas durante a programação matutina, vespertina e noturna de três canais abertos, durante 30 dias.
Nesse período, das 840 propagandas de alimentos veiculadas, 47,3% pertenciam ao grupo dos açúcares e doces, seguido por óleos e gorduras (19,3%), pães, cereais, raízes e tubérculos (7,9%), leite e derivados (7,3%) e carnes (1,8%). Grande parte era direcionada ao público infantil e adolescente. Além disso, não foram registrados anúncios de frutas e vegetais
Inúmeros são os projetos de lei propostos com intuito de coibir a vinculação dessas propagandas e da associação de brindes e brinquedos a alimentos não saudáveis; como os projetos de lei 1096/2011 e 193/2008 que foram aprovados em 18 de dezembro de 2012. Como informa a Assembleia Legislativa Paulista, o primeiro é de autoria do deputado estadual Alex Manente (PPS) e possui o intuito de proibir a venda de alimentos acompanhados de brinquedos ou de brindes no Estado de São Paulo. O segundo, é de autoria do deputado Rui Falcão (PT), visava à regulamentação a publicidade dirigida a crianças de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio, em que nenhuma propaganda do tipo poderia acontecer entre 6h e 21h em rádios ou canais de televisão, e em nenhum horário nas escolas públicas ou privadas, além de proibir a utilização de celebridades ou personagens infantis na comunicação, assim como a associação com brindes ou brinquedos colecionáveis.
No entanto, tais projetos foram vetados pelo governador Geraldo Alckmin, o que apenas demonstra o poderio de tais empresas e a ineficiência do Estado em coibir a obesidade infantil.
O Estado, entretanto, deveria tomar atitudes mais ativas no combate à obesidade, tais como: a fiscalização nas merendas escolares, pois, estas devem ser saudáveis; o incentivo ao consumo de alimentação adequada; além de promover uma nova cultura de educação das crianças para comerem de maneira correta; deve-se incentivar programas de educação física e estimular a prática de esportes nas escolas, parques e praças; coibir a proliferação de propagandas que influenciam o consumo de alimentos calóricos, nada nutritivos e permeados de sódio e açucares e, que são associados a personagens famosos ou dão as crianças brindes ou brinquedos. Dessa maneira, com a prática de políticas públicas eficientes, o Estado pode amenizar e prevenir a endemia da obesidade infantil.
4. Considerações finais
A obesidade infantil é um fenômeno complexo possuindo inúmeros fatores causadores como; os genéticos, o meio ambiente ao qual a criança está inserida, o comportamento familiar e os psicossociais.
Dessa maneira, faz-se necessário para a sua prevenção e tratamento uma ação integrada entre o Estado, os pais e a sociedade. Não existindo a possibilidade de responsabilizar apenas uma das partes, visto que a obesidade é uma endemia multifatorial.
Para sua prevenção e tratamento os pais devem tomar inúmeras atitudes como: desde o pré-natal a mãe deve ficar atenta aos alimentos ingeridos; o aleitamento também é de suma importância para que essa criança não desenvolva a obesidade; os pais possuem a responsabilidade de incentivar o hábito de uma alimentação saudável, limitando o consumo de alimentos ricos em açucares, sódio e gordura; impedindo que a criança faça suas refeições em frente à televisão ou que ela seja exposta a propagandas de alimentos que causem malefícios a saúde.
Outro aspecto importante é que esses pais devem procurar um estilo de vida mais saudável, prevenindo o ganho excessivo de peso e incentivando a prática de atividades físicas. Quando o quadro de obesidade já estiver sido instalado, os genitores são responsáveis por buscar tratamento médico para essa criança, cumprindo as orientações dos nutricionistas e pediatras.
Já o Estado deve tomar atitudes como: incentivar a prática de atividades físicas, controlar os alimentos distribuídos nas escolas, instaurar programas eficientes para a prevenção da obesidade, inspecionar as propagandas de alimentos vinculados ao consumo infantil, impedir associação de brinquedos e brindes a alimentos prejudiciais a saúde, investir no tratamento da obesidade , entre outras possíveis modos de prevenção e erradicação desse problema tão grave.
É cada vez maior o número de crianças obesas no mundo, sendo esta considerada como uma das maiores endemias do século XXI pode causar consequências imediatas e irreversíveis; portanto, para que ocorra a sua prevenção e tratamento deve o Estado, os pais e a sociedade atuarem no seu combate de maneira integrada e participativa unindo esforços para diminuir os dados alarmantes de tal questão.
Referencias bibliográficas
ARAUJO, Clarissa Queiroz Bezerra de. Obesidade infantil versus modernização: uma revisão da literatura. Revista Tema, v. 8, n. 12, 2009. Disponível em : < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-05822013000200006&script=sci_arttext > Acessado em: 19 de abril de 2014.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Código civil, 2002. Código civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
CASTRO, Fernando. “Se ela morrer, não adianta a guarda', lamenta pai de menina obesa do PR ”. Portal G1. 2012 . Disponível em : < http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2012/08/se-ela-morrer-nao-adianta-guarda-lamenta-pai-de-menina-obesa-do-pr.html > Acessado em: 20 de abril de 2014.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ed. Rio de Janeiro: Editora Lumên Juris, 2010.
FISCHER, Rosa Maria Bueno . Mídia e juventude: experiências do público e do privado na cultura. Cadernos Cedes, v. 25, n. 65, 2005. Disponível em : < http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n65/a04v2565.pdf > Acessado em : 15 de abril de 2014.
GOMES, Ana Lídia Garcia. OBESIDADE INFANTIL: Uns quilos a mais hoje, uns anos a menos no futuro. Disponível em : < http://paginas.uepa.br/ccbs/edfisica/files/2013.1/ANA_LIDIA_GOMES.pdf > Acessado em : 10 de abril de 2014.
HARNON , Katherine. Lei obriga melhoria de alimentos nas escolas americanas. Scientific American Brasil. Disponível em: < http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/lei_obriga_melhoria_de_alimentos_nas_escolas_americanas.html > Acessado em: 19 de abril de 2014.
LÔBO, Paulo. Famílias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LEÃO, Ennio et al. Pediatria ambulatorial. 5. ed. Belo Horizonte: Coopmed, 2013.
LISBOA , Roberto Sinese. Manual de Direito Civil. Direito de famílias e de sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente - 5ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011.
MARCONDES, Eduardo. Pediatria básica: pediatria Clínica Geral, tomo II- 9 ed. São Paulo: SARVIER; 2003.
MENDES, Marcelo José Fernandes de Lima. Associação de fatores de risco para doenças cardiovasculares em adolescentes e seus pais. Revista Brasileira de Saúde Materna e Infantil, v. 6 , 2006. Suplemento 1. Disponível em : < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-38292006000500007 > Acessado em : 18 de abril de 2014
MELLO, Elza de. LUFT, Vivian. Meyer, Flávia. Obesidade infantil: como podemos ser eficazes? . Rio de Janeiro, Revista de Pediatria, Vol. 80, Nº3, 2004. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/jped/v80n3/v80n3a04 > Acessado em: 13 de abril de 2014.
OMS. Obesidad y sobrepeso. Nota descritiva N°311. Maio de 2012.
RIGO, Luiz Carlos; BARBOSA, Cezar Santolin. Combate à obesidade: uma análise da legislação brasileira Movimento, vol. 18, núm. 2, abril-junho, 2012. Escola de Educação. Disponível em: < http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115323638012 > Acessado em : 13 de abril de 2014.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 14ª ed., São Paulo, Malheiros.
SILVA, António José. Obesidade Infantil. Montes Claros: CGB Artes Gráficas, 2007.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Physical status: the use and interpretation of an thropometry. Technical Report Serie 854. Geneva: WHO, 1995. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v15s2/a12v15s2 . Acessado em: 17 de abril de 2014.
[1] Acadêmica do quinto período matutino do curso de Direito da Faculdade Santo Agostinho. Integrante do Programa Especial de Tutoria (PET) , tutora do Programa de Tutoria Acadêmica (PROTASA) , participa do Projeto Consumidor Consciente, do Grupo de Estudos “Observatório Jurisprudencial” e do Programa Oficina de Prática Jurídica.
E-mail : [email protected] .
{C}[2]{C} Termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivas praticados por um único indivíduo ou por um grupo . Sobre o bullying, Gomes (2013 ), elenca que seus efeitos na vida das crianças são negativos, tornando-as deprimidas, antissociais, tendendo a não se relacionar bem com os demais, e em casos extremos, chegam a desenvolver patologias psicológicas mais graves, que acabam levando-as a atitudes de extrema violência.
[3] Leis 3.666/02; 3.519/06 (JUSBRASIL, 2011).
Informações sobre o texto
Este texto foi publicado diretamente pela autora.
Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site.
Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.